Scream 2016 escrita por S Nostromo


Capítulo 1
Tornando um filme real




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Sai do banheiro rodeado por uma nuvem de vapor morno. Senti-me quase como um Drácula, surgindo entre a névoa. Fui até a janela verificar a casa de Emily do outro lado da rua. Não importaria se alguém me visse lá debaixo enrolado apenas em uma toalha, ainda mais alguma garota de peitos grandes. Ia dar uma festa porque era noite de lua cheia. Emily era assim, adorava inventar motivos para dar festas. A mãe, uma renomada professora. O pai, um grande juiz. Sendo filha única, ela tem grana de sobra para gastar. Segui até o guarda-roupa para escolher algo para vestir. Desviei a atenção com o celular, jogado em cima da cama, tocando. Ajeitei a toalha na cintura e fui atender. Era um número desconhecido:

– Alô?

– Alô? – repetiu o sujeito na linha. Uma voz rouca e masculina.

– Quem é?

– Quem é?

– Certo com quem você quer falar?

– Com quem eu estou falando? – questionou.

Sorri.

– Amigo eu já vi esse tipo de brincadeira – respondi a ele.

– Então você já deve ter a resposta para a minha próxima pergunta – ele disse. Sorri mais uma vez. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

– Talvez eu tenha. Qual é a pergunta?

– Qual é o seu filme de terror favorito?

Então eu ri.

– Não acredito que você me ligou para fazer essa brincadeira. Meu querido existe uma quadrilogia de filmes com esse trote sendo que o último foi lançado em 2011, então tipo assim, além de clichê você tá bem ultrapassado. Quando tiver um trote melhor você liga novamente, ok?

Desliguei, atirando o celular novamente na cama. O tempo em que virei para ir até o guarda-roupa foi suficiente para receber outra ligação. Suspirei, e voltei alguns passos para atender o celular mais uma vez. Número desconhecido:

– Alô?

– Você não me disse qual é o seu filme de terror favorito – disse a misteriosa voz rouca.

– Eu achei que você ia ligar puto da vida, dizendo que ia arrancar meus órgãos por ter desligado.

– Existe uma quadrilogia de filmes com esse trote sendo que o último foi lançado em 2011, então tipo assim, eu quero fazer algo fora do clichê.

– Interessante – coloquei o celular no modo viva voz e o deixei em cima da cama. Fui até o guarda-roupa, finalmente. – E eu sou a primeira vítima? – questionei.

– Talvez – ele disse.

– Isso é bom. Normalmente a primeira vítima é alguma mocinha burra que vai correr para o quarto ou para o banheiro. Mas se ela assistiu ao filme que estamos falando ela provavelmente vai correr para a saída, mas vai esquecer que o assassino já trancou todas as portas e está dentro da casa.

– Então você gosta de filmes de terror, Abel?

Olhei para o celular, como se de alguma forma o sujeito fosse me ver. Mesmo sendo uma brincadeira totalmente idiota, senti uma leve curiosidade de saber em como ele sabia meu nome. Provavelmente algum amigo, Cesar ou até mesmo Emily. Revirei os olhos e voltei até o celular para terminar a ligação.

– Ok, já brincou demais por hoje senhor não-quero-ser-clichê, estou meio ocupado agora, então depois conversamos, pode ser?

– Uma pena. Eu adoraria de saber seu filme de terror favorito, antes de abrir você ao meio e te enforcar com o próprio intestino – falou, com a mesma voz misteriosa e rouca, sem se alterar.

– Fica para a próxima. Tenha uma boa noite.

Suspirei mais uma vez, liberando certo alívio pelo ponto final no trote. Vesti uma peça íntima aleatória, não importava muito, de qualquer forma ia acabar sem ela no fim da noite. Vesti uma calça jeans bem apresentável. O celular tornou a tocar. Cogitei não atender, mas era quase como uma oferta irrecusável, uma tentação. Agora eu entendia porque sempre atendiam ao telefone nos filmes de terror, a curiosidade de saber o que aconteceria a seguir. Decidi dar a resposta que ele queria, talvez me deixasse em paz. Não era isso que queria? Algo fora do clichê?

– Atividade Paranormal 3, seu idiota. Não acrescenta muita coisa na história, mas gosto de sequências que se passam antes do primeiro filme. Satisfeito?

– O que? Do que está falando Abel?

Era uma voz feminina.

– Emily! – exclamei, rindo em seguida. – Tinha um babaca passando trotes aqui, nossa. É... Enfim, não importa. O que você quer?

– Queria pedir ajuda para arrumar algumas coisas aqui.

– E suas amigas? – questionei.

– Comprando bebidas.

– Hm... – eu disse em tom de interesse. Comecei a andar de um lado para o outro distraidamente. – Está sozinha?

– Sim – ela respondeu, antes de um leve riso. – Preciso colocar umas caixas de cerveja nas geladeiras e carregar uns sacos de gelo que acabei de trazer.

– Precisa de um homem para fazer o serviço que a princesa não consegue? E vai me agradecer como?

– Me deixa pensar um pouquinho... Já sei. Está no seu quarto?

– Sim.

– Olha pela janela.

Segui até onde me pediu. Lá estava Emily, em outra janela da sua casa. Puxou o cós da calça que usava, dando uma amostra de um fio dental. Sorri.

– Eu já vi a combinação toda? – perguntei.

– Não – respondeu, olhando para mim pela janela. – Comprei especialmente para usar hoje. Então, vem me ajudar ou não?

– Óbvio que sim – respondi prontamente.

– Se quiser vir sem camisa, eu não ligo. Vou adorar assistir você todo suado carregando coisas de um lado para o outro.

– Safada – rimos. – Já vou descer aí.

– Ok! Até daqui a pouco.

Puxei uma camisa vermelha e outra verde, que me pareceram melhores para se usar. Um pouco justas, dava uma evidenciada legal no físico. O celular tocou mais uma vez. Senti-me um executivo importante, recebendo tantas ligações. Atirei as duas peças em cima da cama e peguei o celular. Um número desconhecido.

– Alô?

– Parece que Abel e Emily terão uma noite de sexo selvagem hoje, exceto se você morrer. Posso assumir seu lugar se quiser. Vou adorar entrar e sair de dentro de Emily, com minha faca, rasgando sua pele macia.

– Qual é o seu problema? – questionei. – Aliás, quem é você e como sabe meu nome?

– O retrato com seus amigos da republica na sala de estar, tem o nome de todos. Uma bela foto. Falando em belo, devia escolher a camisa vermelha, eu gostei dela, e dizem que é mais atrativo para as mulheres.

Desliguei na mesma hora. Bati os dedos na tela rapidamente, fazendo uma ligação.

– Por que a demora? – questionou Emily.

– Emily, tem alguém aqui na republica – eu disse para ela, com um leve resquício de nervoso na voz. – É o cara que estava passando trotes, sabe inclusive meu nome.

– Não é algum dos seus amigos? Cesar? Larry?

– Eu não sei – respondi. – Mas vou dar uma olhada na casa. Eu te ligo avisando se tá tudo bem. Se eu demorar você mesma me liga daqui alguns minutos, tá bom? Se eu não atender... Sei lá, faz alguma coisa.

– Abel isso é sério?

– É claro que é sério Emily. Eu não vou andar sozinho nessa casa enorme. Se acontecer alguma coisa comigo ninguém vai saber. É bom avisar.

– Ai Abel, isso aqui não é nenhum filme de terror, para de ser neurótico e relaxa – reclamou.

– Só faz o que eu te pedi, ok? – eu disse quase que interrompendo sua fala, tentando passar por cima do seu sermão.

– Ok, ok. Eu ligo.

– Obrigado.

Quase que no mesmo instante em que desliguei o celular, ele tocou mais uma vez. Um típico número desconhecido.

– O que foi?

– Alertar a amiga para tomar alguma atitude caso algo dê errado. Muito esperto – disse o desconhecido e sua voz rouca. – Então vamos fazer um rápido jogo antes que o tempo acabe. No momento você tem apenas duas saídas: pular pela janela, talvez a queda seja fatal, talvez não. Talvez eu chegue a tempo de esfaqueá-lo até a morte, talvez não. E a clássica porta do quarto, onde eu posso estar esperando por você Abel. Você tem duas saídas e eu estou atrás de uma delas, é melhor começar a correr.

– Você já foi longe demais com essa brincadeira e eu sei bem como funciona. É melhor tentar com outra pessoa.

– Abel, Abel, Abel... Ah Abel... Quanto mais demorar a escolher, mais rápido pode estar de ver como é o interior do seu corpo.

Meu coração acelerou, era tão confuso. Seria real ou não? E se fosse mesmo uma brincadeira? Seria uma queda dolorosa pulando pela janela, isso era fato. E a porta? E se realmente tivesse alguém me esperando do outro lado? E se estivesse do lado de fora, me esperando quando eu pulasse? Aliás, e se fossem duas pessoas, como nos filmes? Qualquer um dos caminhos seria suicídio.

– Seu tempo acabou – disse a agora temível voz rouca e eu sequer havia notado que nossa ligação ainda estava ativa.

A surpresa, ela nos tira qualquer reação. Ainda mais sendo uma surpresa capaz de causar um efeito de choque. Foi exatamente o que aconteceu quando um sujeito em trajes negros entrou pela porta. Um capuz cabeça na cabeça e uma mascara de tristeza, muito semelhante a que simbolizava os teatros, muito semelhante a do filme. Foi rápido, uma surpresa enorme que me deixou em choque. Eu tentei fazer alguma coisa, me proteger talvez? Eu não sei. Quando me dei conta, já havia uma faca atravessada em meu ombro. Uma dor que se tornou dilacerante quando a lâmina foi retirada. Uma porção de sangue respingou pelo chão, outra escorrendo pelo meu corpo até molhar o cós da calça. Cambaleei para trás até bater contra a mesa no canto do meu quarto, levando uma mão ao ferimento simultaneamente. O celular rolou pelo chão, se perdendo em um lugar qualquer. Além da surpresa, também tem nosso instinto de sobrevivência, que ao se situar minimamente, consegue bolar as mais mirabolantes ideias para se defender. E meu primeiro instinto de defesa foi atirar tudo que estava em cima da mesa contra o possível assassino. A adrenalina supriu por alguns instantes as dores no ombro. Atirei um livro, o pequeno abajur, o notebook. Ele começou a se aproximar, defendendo-se como podia dos objetos com os braços. E meu instinto, tentando elaborar um plano de mais sucesso, me surgiu a ideia de atirar a cadeira e correr para cima do encapuzado. Eu daria um jogo de corpo, derrubando-o no chão e ganhando algum tempo para fugir. Não tinha mais o que ser feito, era isso, ou uma morte iminente. E assim fiz. Atirei a cadeira, partindo para cima em seguida. Uma mão na cabeça para proteção, um corpo levemente curvado, e o suor exalado da pele, misturado com a vontade de sobreviver. Meu corpo bateu contra o do assassino, mas em algum momento a faca acertou em cheio minhas costas. Seu corpo desabou, mas não tive tempo para a fuga. Minha vista escureceu por alguns segundos. Apoiei em meus joelhos. Senti um gosto salgado na boca, um filete de sangue escorreu. Com o canto dos olhos, vi algo brilhante. Era o celular! Coletei-o do chão. Juntei forças e fiz um inicio de corrida. Seria melhor pedir ajuda longe de um sujeito maluco. A faca do desgraçado acertou meu tornozelo quando passei perto de seu corpo caído. Talvez algum tendão, pois por um segundo minha perna desligou, eu simplesmente pisei em falso e fui de encontro ao chão. O celular rolou para longe mais uma vez. Arrastei-me até o corredor. Reergui-me e passei a caminhar apoiando nas paredes. A visão levemente turva, vez ou outra olhando para trás, vendo o assassino se aproximar aos poucos, parecia querer curtir cada segundo do meu desespero. Então veio a maldita faca mais uma vez, cortando o ar. Salvei-me de um golpe fatal me jogando no chão. A lâmina acertou em minhas costas mais uma vez, um pouco para cima da cintura. Apertei os dentes uns contra os outros, em uma dor intensa. Começamos a nos atracar entre tapas e empurrões. Desferi um soco em seu rosto, e depois outro. O sangue escorrendo de cada ferida aparentemente estava levando minhas forças também. Senti-me esgotado, meus braços pareciam pesar toneladas. O assassino levantou a faca acima da cabeça, pegando impulso. Eu decidi lutar uma última vez, uma última tentativa, o instinto me incentivando a tentar até o último segundo. Chutei-o no estômago. Seu corpo voou para trás, desabando. Tentei levantar, mas o mínimo de esforço que fiz foi suficiente para sentir o sangue escorrendo com mais intensidade dos ferimentos.

– Merda, merda, merda... – comentei sozinho em uma voz tão fraca que nem mesmo o assassino ali perto teria ouvido.

O celular começou a tocar. Virei apenas à cabeça para localizá-lo. Estava a um ou dois metros de distância, a tela brilhante e vibrante. De um lado um assassino, do outro o maldito celular. Porra de situação. Comecei a me arrastar, mesmo de costas, tentando usar o apoio das mãos e dos pés, mesmo escorregando no sangue. Foram apenas alguns centímetros de locomoção, e me senti exausto mais uma vez. Estiquei o braço como pude, ainda estava longe. O filho da puta agarrou e meu rosto e o virou, para que eu o olhasse. Enquanto ele levantava a faca para um último golpe, uma luz intensa surgia por todos os lados. Seria o anuncio da morte chegando? Já não tinha mais forças, era apenas torcer para que as facadas seguintes não fossem tão dolorosas e esperar a hora chegar.


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