Fake escrita por Kamihate


Capítulo 2
Capítulo 2 - Capa Preta




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04 de Abril – Terça-Feira

‘Aquilo era impossível, né? Quanto mais eu penso, mais chego a conclusão de que aquela situação era impossível, inimaginável, não estamos em um mundo fictício, esse é o mundo real, então por quê? Eu estou trancado em meu quarto a mais de uma hora, a chuva grossa e pesada caía violentamente lá fora, eu só podia ouvir o som da mesma despencando sobre a calha de aço do meu vizinho, o estrondo causado por tal impacto não me deixava dormir, eu rolava na cama sentindo um calor intenso em meu peito, não estava com medo, apesar de tudo, só pensando se aquilo era mesmo possível. Cauã era meu amigo, um dos melhores que eu poderia ter, apesar de ser bem criança e idiota, ele era uma ótima pessoa, eu não conseguia acreditar, mesmo que eu dormisse e acordasse várias vezes, aquela realidade não mudaria. Olhei para o relógio e vi que eram 10:12 da manhã, o velório de Cauã estava marcado para às 13:00, eu não sei se tinha coragem de ir, eu não sei o que pensar, eu nem procurei saber detalhes sobre a forma que ele foi morto, enforcado, foi tudo que disseram, fico imaginando se foi suicídio ou se foi um homicídio... É claro que ele nunca se mataria! Cauã tinha vontade de viver, ele amava viver, eu sei que ele tinha o sonho de ir para a Inglaterra, ele sempre me disse esses seus sonhos impossíveis, eu sempre ria dele, e agora meu corpo todo estremecia ao me lembrar, mas algo que não saía da minha cabeça, eram todas as circunstâncias por trás de sua morte, o que havia acontecido dias atrás, aquilo certamente não estava perturbando somente a mim.

03 de Abril – Segunda-Feira

– Oi? Eu entendi, então isso foi combinado desde antemão! Você e o Cauã querendo nos enganar, primeiro ele começa com essa história de fake, aí tem o X, tem as mensagens e finalmente essa notícia, pra depois você vir e dizer que era uma pegadinha, eu já vi isso antes, tem várias pegadinhas assim no youtube prof. – Nicolas dava de ombros para César que não movia um músculo se quer da sua face, sua expressão continuava séria e seus olhos mal piscavam.

– Não tem como o Cauã ter morrido, para de brincar! – Eu me levantei, meu coração já estava a mil naquele momento.

– Ele morreu, aceitem isso. Por hoje vocês estão liberados, eu vou relatar à polícia tudo que aconteceu aqui na classe. – As palavras de César deixaram todos aflitos, Helia parecia passar mal, ela tinha asma e bronquite, conseguia ver sua dificuldade em respirar, Talissa ficou com as pernas moles e não conseguia se levantar, Pedro manteve as duas mãos em sua cabeça olhando para baixo, Nicolas perdeu todo animo que tinha, Otávio começou a guardar seu material rapidamente enquanto deixava as coisas caírem no chão, Mariana foi a única que ainda tentou argumentar com César.

– Não, não aceito isso! Ele morreu depois daquelas merdas aqui na classe? Então aquelas mensagens eram reais? Se for assim.... – César, antes de abrir a porta, olhou friamente para Mariana.

– Não quero desconfiar que isso tenha algo a ver com o que aconteceu aqui. Eu confio em todos vocês, entendeu? – Mariana recebeu tais palavras calada, ela mantinha sua boca aberta ainda, mas eu também não podia deixar de pensar isso. Alguém havia nos ameaçado e aquilo não era uma brincadeira, e agora, Cauã estava morto!

Quando César saiu da classe, Otávio estava pronto para sair também, mas eu fechei a porta e impedi todos de deixarem o local.

– O que foi cara? – Otávio me olhou com desprezo enquanto eu me mantinha em frente à porta.

– Vocês sabem. O Cauã morreu, e alguém aqui matou ele. – Minha declaração fez Pedro se levantar.

– Como pode acusar assim?

– Você viu o que aconteceu, vocês todos viram! Primeiro Cauã vem com a história do Impostor, depois o X, depois as sms’s, e agora uma MORTE, isso não é brincadeira, quem mandou as mensagens é uma pessoa da nossa classe, porque só assim, pra saber todos os nossos números! No primeiro dia de aula trocamos nossos celulares, e eu me lembro bem Pedro, você disse que só pessoas do seu trabalho e sua esposa tinha seu número, sendo assim, como poderia explicar alguém de fora daqui fazendo isso? – Pedro ficou calado, mas logo Otávio contestou.

– Isso está errado. Considere que, alguém entre nós pode somente estar sendo usado, não que seja necessariamente o assassino. – Eu não pude deixar de concordar com ele, mesmo não querendo.

– Não muda o fato... o fato de que alguém aqui está envolvido! – Talissa estava chorando, só agora eu percebi. Minhas pernas estavam tremendo também, eu sentia vontade de vomitar, mas mesmo assim, queria saber quem fez aquilo com meu amigo.

– E a Vivian? Aquele acidente dela, não foi muito suspeito? Ela se machucou mesmo? – Nicolas perguntou, ele respirava ofegante, parecia querer chorar também.

– Falando nisso, lembro que ela disse pro Cauã na semana passada, que o Fake já estava entre nós, por que ela diria isso? – Talissa pareceu se recompor, ela enxugou suas lágrimas enquanto olhava para mim.

– Ela de fato falou isso, mas Helia, você foi visitar ela no hospital, certo?

– S-sim! Eu fui ontem, ela não consegue nem se levantar, é verdade. – Helia era a única que ainda estava sentado, acho que ela não conseguia ficar em pé.

– Mas que merda! – Pedro gritou, foi um grito tão feroz que ecoou por toda sala.

– De qualquer forma, a polícia vai cuidar disso. Aposto que seremos interrogados. – Mariana ficou em minha frente, querendo sair da classe, enquanto me encarava.

– Mas eles vão acreditar nessa história tirada de algum livro? Isso é um absurdo! – Nicolas tinha um ponto. Aquilo era mesmo um absurdo.

– Não, eles não vão. Mas não muda o fato de que um de nós aqui, matou ou ajudou a matar Cauã, e essa história do fake é só um pretexto. – Depois de minhas palavras, saí da frente da porta e deixei todos saírem, a maioria foi quase correndo, estavam todos assustados, os únicos que ficaram na classe foram Talissa, Helia, Nicolas e eu.

– E se não for um total absurdo, Felipe? – Helia se levantou finalmente, ela me olhava séria, o que nunca tinha acontecido antes naquela classe.

– Como assim? – Arregalei meus olhos sem entender a colocação da garota.

– E se essa lenda...for real? – Nicolas balançou a cabeça rindo.

– Real? Não tem como um impostor existir entre nós, né? Digo, é como se fosse um clone? Um jutsu?

– Não disse isso mas... – Helia se calou e olhou para baixo. Todos foram embora, fiquei junto de Talissa naquele dia, ela não conseguiu comer ou ficar calma, pensei até em leva-la ao hospital, e diante daquilo tudo, eu não sabia o que seria dali em diante.

04 de Abril – Terça-Feira

Eu estava pensando em apenas ficar em casa, trancado em meu quarto me lamentando e com medo do amanhã, mas eu não podia ser o único covarde, Cauã era um dos meus melhores amigos, queria dar meus pêsames à família, que, é claro, não sabia do ‘impostor’ nem de nada do que aconteceu na classe de espanhol, César garantiu que as únicas pessoas que sabiam daquilo eram os alunos e ele. Eu estava sentado em um banco de cimento, daqueles bem antigos, no meio de uma praça com alguns coqueiros, na frente do local onde o velório de Cauã estava acontecendo. Eu não consegui ficar naquele ambiente por muito tempo, aquilo foi uma tragédia inesperada, a mãe de Cauã precisou ser levada pro hospital pois passou mal, ela tem hipertensão, havia muita dor e lamentação, sua avó se debruçava no caixão pedindo para Deus devolvê-lo, eu fui um covarde e mal pude chegar perto do seu corpo, eu queria dizer adeus, mas eu não conseguia acreditar em nada disso. Pra mim velórios e enterros não fazem sentido. Quando se morre, tudo acaba, não resta nada. Velar um corpo é o mesmo que tomar banho todos os dias, não é uma necessidade, mas um capricho criado e que todos seguem firmemente. Talissa era outra que não estava bem, ela era sensível demais com tudo que fora relacionado à morte, sangue ou doenças, sua mãe havia morrido a 4 anos devido a uma pneumonia crônica, desde então, ela pegou certo trauma e tentou se manter afastada de coisas do tipo, mas ainda assim, ela se esforçou para vir um pouco no velório. Quando olhei pro céu nublado daquela terça-feira, me perguntei novamente, havia me perguntado isso desde quando levantei da cama horas atrás; Eu deveria contar para a família de Cauã sobre o que ele nos disse? Ninguém acreditaria, mas será que eles podem saber alguma coisa? Queria negar, mas no fundo estava com medo de tudo aquilo ser real, estava com medo de ter o mesmo fim que Cauã. A polícia já deve estar sabendo nessa altura, acho que uma hora ou outra isso virá à tona.

Antes que pudesse me afogar em pensamentos, fui até a sala de espera do velório, eu precisava de café, era viciado, aquilo era uma das únicas coisas que me acalmava. Deixei minha mochila em cima de uma das cadeiras encostadas na parede logo na entrada, me aproximei da mesa e tirando um copo de plástico da cafeteira, tomei em um só gole, deixando o amargor descer sobre meu estômago, me fazendo ficar um pouco mais ‘acordado’. Quando me voltei para trás, vi uma figura peculiar na parte da fora do local, era uma pessoa vestindo uma capa de chuva preta, semelhante a minha, afinal, quando cheguei estava chovendo, e odeio segurar guarda-chuva. Essa pessoa não parecia parente ou conhecido de Cauã, então, o que ela estava fazendo ali? Quando tentei fixar melhor meus olhos, a pessoa foi se afastando do meu campo de visão, não pude identificar seu sexo, mas aquilo foi muito suspeito.

Antes de pegar minha mochila novamente, percebi que um de seus bolsos estava aberto. Um descuido, visto que nos tempos de hoje, essas aberturas, pra ladrões, são uma chance de ouro, ainda mais se pegando o metrô. Antes de fechá-la por completo, percebi que havia um objeto metálico nos fundos da mochila, algo que eu não reconhecia, quando a abri por completa, pude notar que era um celular, mas não era meu. Definitivamente não era meu. Era um daqueles celulares antigos da NOKIA que foram febre na época, mas por que algo assim estava em minha bolsa? Eu nunca tive nada disso! Foi quando pensei em uma possibilidade.

– Não pode ser... – Olhei mais uma vez para fora tentando procurar a pessoa que havia notado segundos atrás, poderia ele ter colocado esse celular aqui? Celular... um celular... Rapidamente o liguei, e ao abrir a agenda, meu coração começou a pulsar de maneira que pensei que teria um infarto, minha visão ficou turva, tanto que tive que me sentar, encarei aqueles nomes delicadamente para não cometer nenhum engano. Os nomes na agenda eram:

Cauã

Felipe

Helia

Mariana

Nicolas

Otávio

Pedro

Talissa

Vivian

Não havia engano, aquele celular não tinha mais nada, histórico de ligações, mensagens, jogos, nada, apenas esses 9 nomes na agenda, os nomes de todos os alunos da classe de espanhol. Pensei em levar aquilo imediatamente para a polícia, mas antes que pudesse me levantar, Talissa apareceu em minha frente.

– Você ainda está aqui? Eu fiquei preocupada, você não me atendia, eu voltei pra trás... – Seu rosto parecia pálido, eu sabia o quanto ela não gostava dessas coisas, mas havia a preocupado, ela percebeu o celular em minha mão e logo me questionou, rápida como ela é.

– De quem é isso? – O que e poderia dizer? O que eu digo? Se eu falar que alguém colocou na minha bolsa ela vai acreditar? Ela é minha namorada a quase dois anos! Ela tem que acreditar, não tem como ela desconfiar de mim, certo? Eu criei coragem, me levantei e olhei em seus olhos que pareciam cansados.

– Alguém colocou isso na minha bolsa. – Eu não esperava a melhor reação vindo dela, afinal, se os alunos da nossa classe souberem disso, eu certamente seria visto como suspeito número um! Fiquei pensando se falava isso pra eles ou se apenas levaria pra polícia, eles teriam que acreditar em mim, mas, mais importante do que isso, havia a pessoa com a capa de chuva, e se ela colocou realmente o celular em minha bolsa, ela estava por aí, eu precisaria encontrá-la.

– Mas como assim? Por que fariam isso? – Talissa ainda não havia associado a situação, ou ela se fez de desentendida para me proteger. Antes que eu pudesse concluir a explicação, meu celular começou a tocar. Coloquei a mão no meu bolso esquerdo traseiro da calça e vi que o número era o de Pedro.

– Pedro?

– Onde você tá cara?

– Naquela sala de espera, do lado da ‘capela’, você já chegou?

– Tá todo mundo aqui, menos você e a Talissa, será que vocês poderiam vir aqui? O pai do Cauã quer falar com todos nós, eu to do lado de fora da capela, naquela parte com bancos de plástico. – Pedro parecia inquieto, mas naquela situação eu não o culpava. Assim que confirmei que estava indo, gotas de chuva começaram a cair novamente. Eu e a Talissa fomos até o local, eu não imaginava o que Sérgio, o pai de Cauã, iria querer com a gente, no máximo ele iria nos acusar e fazer uma cena, eu entendo sua dor, por isso vou tentar não discutir, e sobre o celular...eu acho que não é o melhor momento, posso estar sendo egoísta, mas só arrumaria mais problemas. Talissa pareceu entender o que eu pensava e não tocou no assunto. Ao chegarmos na parte lateral da capela do velório, um local semi aberto com alguns bancos bem sujos e uma imagem de nossa senhora no final da parede esculpida em gesso, percebi que Vivian estava lá também. Todos estavam, Otávio, Vivian, Pedro, Nicolas, Mariana e Helia. Parecia uma cena clichê, mas naquele momento comecei a tremer, no momento em que olhei para cada um deles.

– Qual o problema Felipe? – Vivian perguntou enquanto ela estava com um braço engessado, e com o outro, segurava uma capa de chuva preta. Não só ela, mas os seis ali, todos eles, estavam segurando uma capa de chuva preta. O que isso significava? É uma piada não é?

– Desculpa mas, por que todos vocês estão com a mesma capa? Combinaram ou algo assim?

– Hã? Tentei falar com você a manhã toda cara! Combinamos de vir pra cá todos juntos, começou a chover no caminho, já que viemos andando, por sorte tinha um vendedor de capas ali no portão, ele sabia que ficaríamos pro enterro e que choveria bem mais, e pelo visto ele estava certo. – Pedro disse tais palavras com total naturalidade. Mas é claro que haviam outras pessoas com capa de chuva preta no velório, sendo que havia um rapaz vendendo, então eu não precisava desconfiar dos meus amigos, a pessoa que eu vi, certamente, não era alguém entre nós.

– E por sorte, pegamos as últimas! As que sobraram eram só aquelas transparentes feias, se fosse pra pagar cinco reais daquilo... – Nicolas me deixou bem mais preocupado com aquelas palavras.

– C-como assim? Não sobrou mais nenhuma? – Minha pergunta não fazia muito sentido naquele momento, mas esperava que alguém me respondesse.

– Ele disse que haviam 8 dessas, pegamos as últimas 6, parece combinado né? – Aquilo era mentira, certo? Mesmo se fosse verdade, poderia ser outra pessoa a ter colocado o celular em minha bolsa, eu não tenho provas de que foi alguém usando a capa de chuva, mas supondo que foi, ele havia vendido mais duas antes, então haviam mais duas pessoas no velório que seriam suspeitas, e que não se incluiriam nos seis ali!

– Sorte mesmo, porque eu e o César compramos duas antes de vocês. – As palavras de Talissa me fizeram perder o ar. Aquilo era mesmo possível? Foi quando César apareceu da porta esquerda do local, fumando um cigarro.

– Tenho novidades pra vocês, sei que é um dia que não queriam isso mas... – Ele fez uma pausa, deu uma tragada em seu cigarro, e voltou a falar. – A polícia quer falar com todos vocês, logo após o enterro. – De alguma forma eu já esperava aquilo, eu finalmente podia falar do celular, foi quando, o último golpe, que eu não esperava, surgiu bem na minha frente.

– Lipe, e o celular que você achou? – Talissa disse aquilo em claro e bom som para todos ouvirem. Naquele instante, senti que eu iria desmoronar.


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