Os 7 Pecados Capitais escrita por Talyssa


Capítulo 19
Quantas Marias e Joões existem no mundo?


Notas iniciais do capítulo

Eu me empolguei nesse capítulo, confesso. Sempre me ponho no lugar dos meus personagens e sofro um pouco com as consequências das ações de cada um deles, espero conseguir passar isso para vocês.
Boa leitura!



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Ramona tinha saído da casa do DC com muitas coisas na cabeça, mas ainda não tinha encontrado coragem e nem sabia como conversaria com a mãe sobre aquela história de feitiços, resolveu seguir uma linha não direta, sabia que nunca havia usado aquele recurso com a bruxa da casa, mas tinha que tentar.

Sua mãe parecia estar num bom dia, na verdade, recentemente estava sempre sorrindo e cantarolando por aí, até havia decidido ser mais simpática com a filha e não incomodá-la por sempre estar cuidando de plantas. É claro que Ramona estranhara esse comportamento, mas não arriscaria perguntar nada para não estragar aqueles raros momentos.

Com o plano que tinha em mente precisava ter a mãe o mais calma, feliz e dispersa possível, tentaria lançar lhe o próprio feitiço de confusão e, sob os efeitos desse, faria todas as perguntas que pipocavam na sua mente sobre os problemas que ocorriam na turma.

Primeiro tinha que estudar, afinal, confessara a si mesma que não havia prestado muita atenção no que a mãe fazia ao tentar ensiná-la, nunca pensara que teria que usar o feitiço, se arrepiava só de imaginar ter que confundir a mente de alguém para obter o que queria, só de pensar que estava prestes a fazer aquilo com Viviane já entrava num pequeno colapso nervoso.

Acordou cedo naquele dia, vinha praticando o feitiço no DC desde segunda, na noite em que conversaram ele havia se oferecido para que a moça treinasse seus dotes de feiticeira. No começo não tinha dado muito certo, Do Contra no máximo ficou desorientado na hora de contrariar a menina e dissera ‘sim’ ao invés de ‘não’, mas voltou atrás no mesmo momento. Com o passar das horas e tendo praticado a terça inteira no namorado, acabou conseguindo que ele estivesse tão confuso a ponto de quebrar seu DVD “O Palhaço e a Panqueca”, claro que o menino não ficou nada satisfeito quando saiu do transe, mas ela mostrou-lhe que o DVD real estava em outra capa.

Durante aquela madrugada inteira tinha feito até mesmo o gato latir ao invés de miar, portanto considerava-se pronta aquela manhã.

– Bom dia, mãe! – disse com um sorriso no rosto.

– Bom dia, filhinha. Como passou a noite?

– Tive um pouco de insônia, mas estou bem.

– Ah, mas eu sabia que aquele garoto contrariado acabaria te fazendo perder o sono, eu te avisei não foi? – disse Viviane perdendo um pouco a calma.

– Relaxa, mãe, não teve nada a ver com o DC, eu só estava nervosa com umas provas da faculdade mesmo.

– Era só isso, filha? Eu já te disse, Ramona, largue de ser idiota e confunda seus professores, eles lhe darão todas as respostas e até mesmo lhe darão nota 10 mesmo que não resolva questão alguma!

– E eu já lhe disse que não faria isso porque... – Ramona se interrompeu e ficou fixando o nada, era essa oportunidade que precisava para usar o feitiço. – Na verdade, eu ando tão preocupada que estou até mesmo pensando em usar esse feitiço... Mas só dessa vez!

– Finalmente, menina!

– O problema é que não sei usar o feitiço muito bem... Nós não poderíamos praticar um pouco?

– Claro, minha querida aprendiz de feiticeira! – disse a bruxa com orgulho na voz – Você sabe a teoria, deixarei que lance em mim para efeito de teste, não se preocupe se não conseguir logo, é um feitiço avançado.

Ramona se sentiu mal pelo que faria, mas sabia que precisava ajudar a turma. Lançou o feitiço em sua mãe já sabendo que funcionaria, fez todas as perguntas que tinha ensaiado e não precisou cavar muito para saber da história desde o princípio, da maldição lançada nas sete crianças, na confusão na casa do Cebola e estava envolvida até mesmo no assalto que terminou em tiros na casa de Carmem. Como já estava dominando o assunto, lançou um feitiço de memória em Viviane, ela não lembraria de nenhuma daquelas perguntas.

A menina gravara tudo, DC havia dito que precisariam de provas, mas no fundo do seu coração, agora não tinha certeza se queria entregar o gravador, sentia que trairia sua mãe, é claro que não se orgulhava por ter uma mãe que ficasse fazendo o mal por aí, sentia vergonha por ela ter feito tudo aquilo, mas sentia medo caso a turma, principalmente a Mônica, tentasse fazer algo contra a bruxa. Decidiu que guardaria aquela gravação por um tempo, até que achasse que o momento era o correto, isso poderia ser hoje, amanhã, semana que vem... Ou nunca!

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Já tinha passado uma semana desde que Denise havia desmaiado na casa de Carmem, desde lá ainda não tinha melhorado muito, as dores de cabeça ainda eram constantes, para piorar agora lhe davam febres, não podia comer que coloca tudo para fora, seu corpo doía, sua barriga estava inchada e apareceram manchas arroxeadas na pele, como se fossem hematomas.

Seus pais ficavam a cada dia mais preocupados, a garota não conseguia mais nem fazer suas piadas. Denise tinha medo de se olhar no espelho, estava muito mal, seu cabelo estava perdendo o brilho e as olheiras tomavam conta do rosto, dava graças à Deus que finalmente pegaria o resultado dos exames, mas ao mesmo tempo receava que a conclusão dos médicos não fosse boa, se tratando do jeito como estava sentindo-se, provavelmente a resposta não seria das melhores.

Às nove horas da manhã foi acompanhada do pai e da mãe ao hospital, a secretária pediu para que aguardassem e foi verificar se o médico podia recebe-los, logo descobriu que aquela família tinha tratamento VIP, pois, todas as despesas eram pagas pelos Frufu’s, pediu para que entrassem.

O médico cumprimentou-os, indicou cadeiras em frente à sua mesa e começou.

– Eu realmente detesto ser portador de notícias ruins, mas não tem um jeito fácil de dizer isso à ninguém, tentarei explicar da melhor forma possível para que entendam. – limpou a garganta – Bom, no dia que essa moça desmaiou e foi trazida para essa unidade fizemos uma série de perguntas à ela, por suas respostas, achamos que poderia ser uma infecção ou algo assim, então decidimos que era melhor pedir um hemograma, exame de sangue, para avaliar se estava tudo bem. Infelizmente nós achamos algumas alterações nas células sanguíneas de sua filha, há uma grande elevação da contagem de glóbulos brancos e também níveis baixos de plaquetas e hemoglobina. Teremos que fazer alguns exames mais aprofundados para ter certeza se realmente é o que pensamos, determinar o tipo da doença e o tratamento que vamos seguir, mas por esses exames, tudo indica que sua filha está com leucemia. Eu lamento.

A Terra parou de girar. Os barulhos do hospital cessaram. O médico desapareceu. Só existiam três pessoas na sala e elas ainda sentiam o gosto amargo da notícia ruim. A mãe, dona Danusa, chorava baixinho abraçada a filha, acariciando seus cabelos, não queria soltá-la, não queria perde-la, tinha a impressão que se a largasse, a menina desapareceria como fumaça, “Deus ajude-nos, por favor, permita que ela fique conosco”, sussurrava baixinho em uma oração urgente.

O pai, seu Denilson, abraçava as duas num gesto protetor, a ficha ainda não tinha lhe caído, sua bebê, sua filha única não podia estar tão doente, os médicos tinham errado, tinham sim! Ele balançava a cabeça se negando a acreditar que tão nova sua filhinha teria que passar por todo aquele sofrimento, toda uma luta; ele teria que tirar forças para as duas mulheres de sua vida, mas não se imagina tão forte, não pensava ser capaz, “Senhor, me ajude a ter forças por mim e por elas”, rezava em seus pensamentos.

Denise recolheu-se em sua mente, viu-se olhando para o espelho como muitas vezes fazia, viu as marcas roxas pelo corpo, a fragilidade das unhas e dos cabelos, que jaziam opacos e sem vida, as bolsas em volta dos olhos, as roupas que não davam mais certo em suas curvas. Sua vida inteira tinha sido vivida para se mostrar, vivida para se fazer ver, ela vivia só pela aparência, mas era tudo como uma bola de sabão que tinha uma vida curta e efêmera, a beleza externa dura por um segundo e estoura, estoura com a velhice, estoura com a enfermidade, a bola de sabão de Denise acabara de sumir no tempo junto com a doença que descobriu.

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Desde o começo da semana o Sr. Feitosa já havia começado a preparar o esquema para o que seria o negócio mais rentável que já tinha encontrado, o pai de Carmem apresentou a ONG para ele e, por consequência, o setor de finanças com que ia trabalhar. Aquela organização tinha muitos projetos sociais e recebia milhares de doações de todas as partes do mundo.

A maior beneficiada era uma comunidade em São Paulo mesmo, muitas famílias ali dependiam das doações da ONG e tinham seus filhos participando dos projetos que envolviam esportes, artes cênicas, dança, o que ajudava a tirar as crianças da rua e leva-las para um caminho melhor.

Além dessa comunidade, a ONG fazia doações para centros de reabilitação, hospitais, orfanatos, asilos, enfim, muitas pessoas dependiam dela. Quem dera que o Sr. Feitosa ficasse tocado com a história da Dona Maria, mãe solteira, criando cinco filhos sozinha e com o suor do seu trabalho, mulher trabalhadora, que abria mão de colocar o feijão na sua boca para colocar na de seus filhos, analfabeta, nunca tinha tido oportunidade de estudar até a ONG conseguir lhe uma vaga no projeto de alfabetização para adultos, toda a noite estava lá, com seu caderno e caneta, sua felicidade residia no simples fato de começar a juntar as sílabas e formar palavras.

Porque ele não se compadeceu do Seu João? Homem pobre, 70 anos de idade, abrigava na sua casa seus três filhos e seis netos, conseguia a comida do dia-a-dia com o dinheiro pouco da aposentadoria e ainda fazia bicos como carpinteiro. A Organização lhe ajudava com cestas básicas, suas crianças participavam das escolinhas de Jiu Jitsu e das aulas de ballet, por isso tinham que tirar ótimas notas na escola. O velho já estava cansado, mas nunca recusava um serviço, queria só poder dar uma bola para os netos e uma boneca para a netinha mais nova.

E a Dona Lurdinha? Sua felicidade estava nos dias que uns poucos voluntários iam visitar seu asilo, ah como ela gostava de falar, contar seus tempos de moça, até lembrar de suas quatro filhas mulheres e começar a chorar baixinho, todos se perguntavam: como uma mãe conseguiu cuidar de quatro filhas, mas essas quatro não conseguiram cuidar de uma mãe? Mas ela não deixava que falassem mal de suas meninas, todo o final de semana se arrumava todinha, pois tinha a esperança que alguém a visitaria.

Pedro estava esquecido no mundo, tinha caído no abismo das drogas. Só tinha 14 anos quando fugiu de casa onde era espancado pelo pai e via sua mãe apanhar todos os dias, desde aí perdeu-se nas bebidas, no cigarro, depois na maconha e acabara no crack. Não tinha mais esperança que conseguisse sair daquele buraco, até que conheceu os voluntários da ONG que lhe estenderam a mão. No início havia sido difícil, mas pouco a pouco, com um passo de cada vez, a confiança dele foi arrebatada e hoje ele frequentava um dos mais de cinco centros de reabilitação bancados pela organização; tinha trabalho de carteira assinada e conseguira até uma namorada, que já pensava em casar, Pedro só precisava que lhe oferecessem uma oportunidade.

Feitosa passou por cada uma dessas histórias pela voz embargada do bom Sr. Frufu, mas não havia mais jeito para seu coração endurecido e negro, os únicos sentimentos que conhecia era a ganância do homem, o amor pelo dinheiro. Só era mais um dos muitos seres humanos sem escrúpulos que existiam no mundo, só mais um daqueles que desviavam dinheiro do SUS para tratar-se nos mais belos SPA’s, tiravam dinheiro da segurança pública para contratar seguranças particulares porque a cidade estava um caos, roubavam dinheiro da educação para que ninguém construísse conhecimento suficiente para ameaçar seu poder; Feitosa só era mais do mesmo, mais dos muitos.


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Notas finais do capítulo

Quantas Marias e Joões existem no mundo prejudicados pela ganância de outros seres humanos? Quantas Lurdinhas foram abandonadas por seus filhos e largadas num asilo ou sozinhas em casa? Quantos Pedros caem no mundo das drogas por problemas familiares?
Isso não é regra, mas sabemos que acontece. Até onde vai a ficção e a realidade? Fica a reflexão: até onde vai a ganância e o egoísmo do ser humano? O que a gente pode fazer para amenizar os erros causados por nossa própria raça? Você já fez sua parte hoje?

No mais, espero que tenham gostado desse capítulo carregado com um pouquinho mais de realidade, super beijos para vocês



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