A Raposa escrita por Miss Weirdo


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Ok, como começar?
Vou deixar isso o mais curto possível, porque não vão ter informações úteis sobre o capítulo, eu só vou contar um pouco do que foi essa demora pra postar, já que tem gente que quer me conhecer melhor/entender meus problemas.
Bem, como eu ja devo ter deixado numas notas iniciais anteriores, eu estudo numa escola bem difícil aqui da minha cidade, e esse ano eu passei pro primeiro colegial, que é bem diferente do nono ano. Eu simplesmente sou humanas até não poder mais, e eu não estava dando conta de pegar o ritmo das exatas, o que me complicou bastante agora no fim do ano, que me fez pegar sete recuperações (se contar por frente, ou seja, Matemática I, II e III, Física I e II e Química I e II), e quando chegaram os resultados das provas dessas recs e eu achei que finalmente estava de férias depois de passar o ano sofrendo, me avisaram que eu só tinha conseguido em física, e que ia ter que fazer mais uma prova de química e uma de matemática, além de ter mais uma semana de aula.
Ok, eu fiquei bem chateada com essa notícia, sendo que todos os meus amigos passaram, e me sentindo o ser mais burro de todos. De qualquer jeito, eu estudei muito, e consegui passar sem conselho (aquele grupo de professores que decidem te passar por bondade ou não), o que ia acabar com meu psicológico, saber que eu fui passada por pena e etc. Ah, retiram 40 alunos de exame de matemática, fez eu me sentir melhor depois de saber isso.
ANYWAYS, eu demorei porque entrei em estado vegetativo, quase bombei o ano, praticamente virei uma samambaia de preocupação e pa, e pra compensar ter ficado quase um mês sem escrever, fiz um capítulo de 4k palavras =D O PRIMEIRO DA MINHA CARREIRA AMADORA, YAY



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— Certo, homens - Fox comentou, colocando as mãos na cintura - vocês nos encontram aqui ao amanhecer. Não deve demorar.

Já era madrugada, as estrelas pintavam o céu como se alguém tivesse respingado tinta branca em uma tela negra, o que contrastava com as nuvens de chuva da madrugada anterior. Eu já havia me recuperado do mal estar - em parte, ainda podia sentir um pouco de enjoo - e estávamos a caminho de roubar suprimentos para seguir viagem.

— Capitã, antes de você ir, devo lhe advertir - Tobias se aproximou - evite a via principal, a guarda fica rondando o local em intervalos de meia hora, sem contar com as torres de vigia. Apesar de não voltar a minha cidade há quatro anos, tenho certeza de que nada mudou radicalmente.

Passamos com o navio perto Bahia Rochosa, que era oposta ao porto de Hiah. Nosso destino era a cidade, onde pegaríamos nossos suprimentos para prosseguir com a rota da fronteira de Maragua. Íamos para terra firme eu, Batata, Fox e Mohra os únicos “normais”, e com isso quero dizer os únicos sem prótese metálica, pois o infortúnio de perdermos algum membro em batalha nunca nos tinha ocorrido. Bem, acidentes acontecem.

— Queria poder ir com vocês para encontrar Aspro, meu amigo de infância - Tobias balançou a cabeça em desapontamento - ele costumava ter um boteco na esquina da praça. Uma pena que este braço chame mais atenção do que deveria - e começou a mexer a prótese aleatoriamente, segurando em seu cotovelo, o que me fez rir internamente. Era uma visão engraçada.

— Muito bem - Mohra interrompeu, dando um passo a frente - Tobias, onde podemos roubar uma carroça? Se lembra de alguma estrebaria?

Ele balançou a cabeça negativamente.

— Infelizmente não serei de grande ajuda em relação a isso, mas não deve ser de grande dificuldade encontrar um transporte, estamos em uma das capitais - ele deu de ombros, mas logo pareceu lembrar-se de algo, e logo prosseguiu - prédios de abastecimento de comida costumam ser bem guardados, porém já trabalhei em um, há sempre um alçapão aos fundos que leva até dentro do local.

— E não se esqueçam de trazerem laranjas - Cabeça gritou de algum lugar - e carvão. E carne também.

— Traremos batatas! - bradou Batata ao meu lado, e Garra logo lhe deu um empurrão.

— Quer cometer canibalismo, marujo? - perguntou, indignado.

— Estamos perdendo tempo - Fox constatou - só temos esta noite, precisamos de umas duas horas e nem sabemos como começar.

— Podemos começar saindo do navio - eu comentei, talvez um pouco mais alto do que realmente pretendia, e enquanto ouvi risos, recebi o olhar mortal da capitã.

— Muito engraçado, Tomeh, porque você não faz as honras? - ela indagou, apontando para o bote.

— A honra é toda sua - ri atrevidamente.

— Ah, mas eu insisto - seus olhos brilharam, e eu dei de ombros, indo até o pequeno barco, me sentando.

Fox veio logo em seguida, e eu estendi a mão para que ela usasse de apoio.

— Sempre um prazer, capitã - falei, enquanto ela caminhava até a ponta.

— É todo seu - ela disse, olhando para a frente, fazendo com que os Sailors rissem ainda mais com aquela situação. Batata e Mohra vieram atrás de mim. Os outros marujos passaram a descer o barco, e eu peguei o lampião das mãos do negro e o entreguei para Fox, que o estendeu para tentar ver algo além do que a lua nos mostrava.

— Aproximadamente dez minutos para alcançarmos terra, Fox - Mohra disse, pegando os remos.

— Como eu posso ajudar? - perguntei, vendo que Batata e ele resolveram se encarregar dos remos.

— Ficando quieto, Tomeh - ele disse. O barco tocou a água e eu me encolhi, enquanto Batata soltava as correntes.

Fizemos a viagem em silêncio, o vento estava quente, apesar da brisa marítima, e eu comecei a ficar incomodado por debaixo das vestes compridas. Ao alcançarmos a areia, ou quase isso, Fox pulou do barco e começou a puxa-lo com a nossa ajuda. Aquilo era diferente das praias de areia e grandes rochas de Tiga, meu continente. Pisávamos em pequenas pedras cinzas que chegavam a incomodar meus pés, mesmo com as botas.

Eu nunca tinha gostado muito de Hiah. As pessoas ali eram grossas, instáveis e mal educadas. Não como Fox, apesar de eles partilharem todas essas características, algo os diferenciava, porém eu não sabia dizer o que.

— O que Tobias tinha dito sobre a passagem? - Batata perguntou, e eu dei de ombros.

— Ele explicou sobre seguir uma trilha de madeira, algo similar a uma escada improvisada - Fox respondeu, caminhando, o lampião estendido a sua frente. Mohra logo ficou a seu lado, e eles sussurravam. Olhei de relance para Batata, e ele apenas revirou os olhos.

— Acostume-se, esses dois não se desgrudam.

— Algum motivo especial? - indaguei, e repreendi-me pela entonação equivocada.

— Sei tanto sobre nossa capitã quanto você, já disse que cheguei no navio a pouco tempo - chegou a ser até um pouco ríspido, porém compreensivo - mas pelos pedaços de conversa que já ouvi de Garra, foi Mohra que a levou para o navio.

Fiquei em silêncio então, refletindo. Fox era uma garota, Fox tinha dezoito anos, Fox era a capitã de um navio, Fox já havia matado pessoas… Mas o que mais me intrigava era: quem seria a real menina por debaixo daquela máscara crescida? Tive vislumbres dessa figura ao ver a ruiva chorando em desespero em meus braços. Aquela não era Fox. Fox não temia nada. Aquela era a pessoa que eu procurava descobrir.

— Imagino que seja isso - Mohra murmurou, encostando o pé em uma tábua inclinada, seguida por outras, o que formava uma espécie de escada.

Fox tomou a frente e subiu os degraus. Era sim uma pequena trilha entre as árvores, apesar de precária, assim como o resto da cidade, pelo que eu me lembrava. Levou-nos cinco minutos para chegarmos até uma trilha de três metros de terra, que dava início a uma rua. Seguimos em silêncio pelo lugar, pensando que tínhamos muitas coisas para fazer pela frente, e não tínhamos nem ideia de como começar. Perguntei para mim mesmo o que faríamos assim que conseguíssemos os suprimentos, como faríamos para leva-los até o barco?

De qualquer maneira, com o tempo tudo foi ficando mais movimentado, e eu percebi que já estávamos no centro da cidade. Pessoas passavam apressadas a cavalo, e ninguém dava a mínima para nós, que passávamos discretos pela multidão de gente atarefada. Melhor assim.

Observei as torres de vigia, todas apagadas, e vi poucos guardas (em sua maioria entediados) pela rua, o que me surpreendeu, não era o que Tobias havia nos descrito. A sorte me incomodava, quando coisas davam certo, outras davam errado, e eu não era o ser humano mais sortudo que existia.

Andamos sem rumo até chegarmos na praça principal, e Batata nos fez parar:

— Isso é uma besteira, nem sabemos para onde ir. O importante a se saber é como vamos achar um lugar para pegar comida - Batata questionou antes que eu o fizesse.

— Bem, eu não sei - Fox deu de ombros - acho que vamos ter que improvisar.

Bem naquele momento, uma carroça cheia de caixas passou pela rua, e uma delas caiu e se abriu, e de dentro rolaram maçãs. Nos entreolhamos, duvidando da sorte, e eu segui com o olhar enquanto os homens a cavalo iam até uma grande estrutura de madeira uma rua atrás da praça.

— Ou vamos até lá - ela abriu um sorriso maroto, e tomou a frente.

O armazém era bem grande. Uma construção robusta de madeira, rústica, com uma grande porta ornamentada na frente.

— Como fazemos para entrar? - perguntei.

— Teoricamente nós passamos pela porta, Tomeh - Fox revirou seus olhos.

— Capitã, eu já trabalhei com empacotamentos. A entrada é vigiada, devemos ir por trás - Batata assegurou.

— Uma porta nos fundos? - indagou Mohra.

— Não, estas contém vigias também. Sempre há um alçapão em algum lugar por perto, para nos ligar até lá por meio de um túnel subterrâneo - ele comentou, enquanto dávamos a volta, nos misturando às sombras, e lembrei-me de Tobias ter dito a mesma coisa. Era um lote de esquina, portanto, ao chegarmos na parte de trás, ele parou e apontou suavemente até uma estrutura pequena de madeira no chão, grudado à parede - que deve se parecer com aquilo.

Fox olhou de relance para Mohra, e este assentiu com a cabeça. Tentou abrir o alçapão, que estava trancado, e tentou o forçar para cima algumas vezes, sem sucesso. Em um piscar de olhos pisou com toda a força que pode, e a estrutura de madeira rachou-se com um barulho alto e nem um pouco discreto. Cobri os olhos com a mão em descrença, e ouvi Batata sussurrar:

— Fazer barulho é ótimo para um grupo de ladrões, isso mesmo - e a ironia era notável.

Mohra pareceu não ter percebido, e logo pegou o lampião de minhas mãos com um puxão e saltou para dentro do buraco negro. Batata logo em seguida, e eu dei meu jeito de passar pela pequena escada de madeira que tinha sido ignorada pelos outros dois. Fox imitou-me, e eu estendi a mão para ajuda-la, que foi ignorada com sucesso.

Meu desapontamento logo foi esquecido devido ao cheiro forte que estava lá em baixo. O chão era de terra, e estava um pouco enlameada, o que me recordou do clima úmido e das poças de água nas ruas de pedra da cidade. Mais para a frente era possível enxergar alguns focos de luz, mas nosso pequeno grupo ainda estava longe demais para podermos ver nossos próprios pés. Assim que tentei endireitar a coluna bati a cabeça, e escondi o pequeno gemido que lutava em escapar de meus lábios, pois minha respiração ecoava pela pequena estrutura e eu não queria mais barulho chamando atenção para nós.

— Vamos seguir - Mohra sussurrou, andando devagar, estendendo o lampião a frente, mesmo não surtindo o efeito desejado. Era apenas uma questão de tempo até que nossos olhos se acostumassem à escuridão.

Me perguntei o porquê de aquele caminho ser grande, sendo que era apenas para nos levar do lado de fora até o de dentro, como uma porta, mas dei de ombros, eu guardaria aquela pergunta para mim.

O trajeto em si foi curto, levou-nos menos de um minuto para alcançar as luzes, e menos de dois para chegarmos na outra escada de madeira. Mohra abriu esse sem a necessidade de arrombamento, e fomos, um a um, subindo. Esfreguei meus olhos, pois tinhamos acabado de alcançar a escuridão novamente. Lá estava um breu, e as únicas luzes vinham das janelas de vidro abertas levemente para a ventilação que permitiam a entrada da suave luz da lua. Vi, em um canto ao longe, caixas empilhadas, e não pude ter certeza se eram de comida ou não.

— Acho que ali tem comida - murmurei, indicando com a cabeça para as caixas, mas ao lembrar que ali estava escuro e nenhum deles tinha visto, completei - no canto, debaixo daquela janela.

— Ali também tem caixas - Mohra disse - no lado contrário.

— Ótimo, vamos nos dividir - anunciei, e logo em seguida agarrei o pulso de Batata que estava ao meu lado - vem comigo.

Ele me seguiu no escuro calmamente, tentando não trombar em nada, e eu também. Chegamos em nosso destino, e logo analisamos as caixas, grandes, e todas empilhadas.

Passei a mão por uma delas instintivamente, e então murmurei que teríamos de abri-las.

Foi então que eu ouvi um estrondo do outro lado, e quando vi relances do que tinha ocorrido, já era tarde demais para tomar quaisquer conclusões. Tudo tinha desabado sobre Fox e Mohra, e era pouco tempo até que os guardas abrissem o local e nos achassem.

— Maldição - soltei no meio de uma respiração pesarosa. Puxei Batata novamente, tentando encontrar uma brecha para nos escondermos, e nos enfiei no meio de um buraco entre a parede e as mercadorias. Agachei, e senti que ele me imitou. As luzes se acenderam todas naquele segundo, e a claridade me cegou. Esfreguei os olhos, e ao abri-los tomei um susto.

Não era Batata que estava perto de mim, e sim Fox.

Passos ecoaram pelo armazém, e não de apenas uma pessoa. Parei para ouvir, e cheguei a conclusão de que eram quatro.

— Acho que são quatro guardas… - e fui interrompido por um chiado de Fox, pedindo silêncio, levando o indicador aos lábios. Eu obedeci imediatamente.

Logo em seguida, apesar dos xingamentos de Mohra, uma outra voz cortou o ambiente.

— Quem são vocês? O que fazem no meu armazém?

— Não te devemos respostas - Batata cuspiu as palavras, e logo em seguida um barulho incômodo atingiu nossos ouvidos, e logo um gemido do Sailor.

— Sim, vocês me devem respostas - e pausou por um segundo. Olhei para Fox, procurando entender o que faríamos, mas ela fitava inexpressiva as caixas, como que tentando ver através delas - tem mais alguém aqui? - ele questionou.

Ambos ficaram em silêncio, e eu cerrei os olhos.

— Guardas - foi a única coisa que o homem disse, como um pedido, e as andanças voltaram. Prendi todo o fôlego que pude, pois estávamos desarmados, sem chance de lutar contra guardas, e eu ainda me encontrava quase que a vista. Quando mirei meu rosto por um segundo para tentar ver algo, mesmo que apenas uma sombra, alguém puxou meu colarinho e me levou para trás em um pulo. Dei um grito com a surpresa, e minha única preocupação era Fox, mas assim que olhei para nosso esconderijo, ela havia desaparecido.

Fui arrastado enquanto me debatia até o meio do local. Pude dar uma olhada melhor, e me surpreendi: parecia bem maior enquanto iluminado. Batata e Mohra ainda estavam debaixo das caixas, e dois guardas apontavam armas para eles. Eu fui jogado de joelhos na frente de um homem alto, de nariz curvado e pele parda como Tobias, e aquela cena me lembrou de quando Fox quase me matou, ainda no antigo navio.

— Vejamos se você é mais inteligente que seus companheiros - ele cruzou os braços, me analisando com um sorriso irônico - o que fazem no meu armazém?

Vasculhei minha mente o mais rápido que pude procurando por uma desculpa razoável. O guarda que tinha me trazido estava ao lado de um outro, e ambos atrás do dono do lugar. Todos eles, inclusive os dois que vigiavam Batata e Mohra, estavam de costas para as caixas que Fox provavelmente usava de abrigo. Minha esperança naquele momento era que ela aparecesse e os golpeasse com seus punhos que não eram frágeis como um dia provavelmente foram.

E obviamente tudo isso veio a minha cabeça em dois segundos, pois eu logo o respondi:

— Eu devo dinheiro para aqueles dois - murmurei, fingindo vergonha - tentei fugir, porém me encontraram na rua, e o único lugar que vi foi este. Pode perceber que não roubamos nada, eu apenas tentei me livrar da tortura que seria ser pego pela gangue deles.

— Como… - o homem franziu o cenho, tentando formular uma pergunta, e eu logo o interrompi:

— Olhe o tamanho daqueles dois. Poderiam acabar comigo em menos de um minuto, eu só precisava tentar fugir de suas garras - arregalei os olhos, colocando toda a entonação que pude.

— Você não vai fugir enquanto não quitar suas dívidas, miserável! - Batata gritou, aos fundos, e até eu me surpreendi com sua agilidade em tentar nos manter vivos naquele momento.

— Sabem que fiz isso pela saúde de minha irmã! - bradei, me empolgando com a história - eu precisava das moedas, a doença…

— Pouco me importa, desgraçado - Mohra entrou na jogada - se sabia que não conseguiria devolver o dinheiro, poderia ter arranjado outros meios!

— Calem a boca! - o homem a minha frente gritou, e todos ficamos em silêncio e o olhamos. Foi quando tive um relance de Fox, caminhando vagarosamente em nossa direção, mas com a famosa agilidade de uma raposa. Ela puxou a faca que sempre carregava consigo, e eu agradeci mentalmente pelo fato daquela capitã ser tão letal - poderiam ter resolvido essa intriga besta do lado de fora de meu armazém. Sabem o prejuízo que poderiam ter causado se tivessem atingido as caixas erradas? Ainda bem que aquela só tinha frutas, se fosse a de copos eu não os liberaria.

— Então vamos solta-los, Aspro? - um dos guardas ao seu lado questionou, cruzando os braços.

Aspro. Aquele nome não era estranho, tive certeza de te-lo ouvido antes em algum outro lugar.

— Quem nunca se meteu em confusão por causa de dinheiro, estou errado? - ele revirou os olhos.

Meus olhos vasculharam o local a procura de algo que me ajudasse a recordar de onde aquele nome era familiar. Então, na parede atrás de mim, pintado a tinta, lia-se “Boteco do Aspro, uma das franquias mais antigas de Hiah”. A verdade atingiu-me como um raio.

Calculei que Fox devia estar quase o atingindo, e xinguei mentalmente pelo fato da capitã ser tão letal. Ao me virar, eu estava correto.

— Fox, não! - gritei, puxando Aspro para perto de mim. Ele ficou atônito com a surpresa, e mais ainda ao ver que quase tinha sido golpeado nas costas.

A ruiva olhou para mim, provavelmente mais surpresa do que todos, e arqueou as sobrancelhas.

— O que diabos você está fazendo? - ela questionou, perplexa.

— De todas as horas para ser otário, escolheu a pior, Tomeh! - Mohra gritou.

— Conhecemos ele, capitã - falei, ignorando todos.

— Eu nunca vim para Hiah, como que eu o conheceria? - ela indagou, nervosa.

— Então você não tem uma irmã doente? - ele perguntou, olhando para mim, confuso.

— Você não percebe? - olhei fundo em seus olhos, tentando faze-la entender, mas a pobre estava tão perdida quanto todos ali. Olhei para Aspro - somos amigos do Tobias.

Ele então deu um passo para trás, sem palavras, e após uns instantes murmurou:

— Tobias morreu em um naufrágio quatro anos atrás, como é possível?

Foi quando Fox compreendeu.

— Salvamos ele dos destroços, o único sobrevivente. Hoje Tobias faz parte dos marujos do meu navio, o Metal Curse.

— Mas então… - ele parou, e então fitou-a perplexo - Sea Fox?

Ela assentiu, sorrindo.

— Mas você… Como é possível… Todo esse tempo… - e então balançou a cabeça para livrar-se da confusão - como está meu amigo?

— Bem - afirmou - quis vir até aqui para vê-lo, mas eu proibi devido a suas condições… físicas - concluiu.

— Mas ele nos disse que você era dono de um bar - eu falei, e depois gesticulei para demonstrar nossos entornos - o que aconteceu?

— Os negócios cresceram - ele riu, desacreditado - eu ainda não acredito que Tobias estava vivo esse tempo todo. Guardas - ele virou - ajudem esses dois homens a se livrarem das caixas - e depois voltou-se para nós dois novamente - qual o real motivo de estarem aqui?

— Suprimentos - a ruiva disse - estamos quase sem abastecimento. Nos sustentamos de navios inimigos, porém nenhum cruza nosso caminho em semanas, por isso tentamos a sorte de descer em Hiah e roubar algo.

— Ah, deve ser por causa do aviso - ele ponderou, e eu o questionei - rumores estão voando com o vento de que um navio pirata está causando a onda de sumiços pelo mar dos corais. Marinheiros de todos os lados estão mudando suas rotas para não encontrar os tais piratas. Imagino que vocês estejam envolvidos…? - ele questiona, mesmo já sabendo a resposta. Fox murmura um xingamento, porém Aspro prossegue - de qualquer maneira, não há necessidade de roubar, eu irei dar os mantimentos para vocês.

Sorri, agradecendo, e ao olhar para Fox, vacilei. Ela estava séria, o olhar perdido e preocupado. Coloquei a mão em seu ombro, o que a fez se assustar discretamente, e disse:

— Vamos dar um jeito. Vocês sempre conseguem, não? - e sorri confiante. Ela colocou sua mão por cima da minha, tentou forçar um sorriso, mas não conseguiu.

***

Levou-nos aproximadamente quarenta minutos para juntar tudo o que precisávamos e colocar no transporte de Aspro. Ele nos levou a cavalo até o fim da estrada, e ainda iríamos seguir a pé por todo aquele trecho de mata. Ele nos ajudou a por todas as caixas no chão e ainda nos desejou toda a sorte e um soco na cara de Tobias por nunca ter lhe mandado notícias. Eu, Batata e Mohra fomos levando tudo aos poucos até o bote, e o carregamos por inteiro. Infelizmente, não havia sobrado espaço para mim, e ainda tinha uma caixa na beira da estrada. Eu falei que eles deveriam ir e depois voltar por mim.

— Eu fico com ele - Fox disse, se levantando, e eu me surpreendi.

— Mas capitã, levar você até o navio… - Mohra começou, e ela logo o interrompeu:

— Não é importante como os suprimentos. Vamos, não vou a lugar algum - ela afirmou para tranquiliza-lo, usando minha mão de apoio para chegar no chão. Depois de um pouco de relutância, Mohra deu de ombros, apesar de incerto, e começou a remar no pouco espaço concedido, junto a Batata.

— Qual o motivo de ter sua companhia? - questionei, intrigado.

— Não abandono meus homens - ela falou, e algo me incomodava em seu olhar. Gesticulou com a cabeça para a pequena trilha, e eu fui em busca da caixa. Ela veio atrás de mim.

Ficamos em um silêncio desconfortável, e eu me permiti perguntar:

— Medo do escuro? - foi mais como um deboche, já que Sea Fox não temia nada (exceto trovões), mas seu silêncio inquietou-me.

— Histórias do passado - ela afirmou. A conversa se encerrou ali.

Ao chegarmos no fim da trilha, peguei a caixa do chão e voltamos para o meio das árvores.

— Sabe - falou ela - foi bem impressionante, o que você fez por nós lá no armazém.

— A desculpa que eu inventei? - questionei, um sorriso se abrindo em minha boca. Fiquei grato por ela estar atrás de mim e não vê-lo.

— Não, aquilo foi legal, eu quero dizer você me impedir de matar Aspro. Foi bem idiota também, a primeira vista.

Dei de ombros, ou pelo menos tentei, já que a caixa pesada impedia grande parte de meus movimentos.

— Você iria tirar uma vida a toa - respondi, a voz quase falhando - eu tento impedir a morte de inocentes.

Ela deu uma pausa, e eu senti certo desconforto por parte de Fox em relação ao assunto.

— Isso é bom para a sua alma, Tomeh, mas algum dia pode te destruir.

Tentei descobrir o que ela quis dizer, mas se eu tomasse meu tempo para desvendar todas as segundas intenções das frases de Fox, eu gastaria minha vida com algo impossível.

Um farfalhar de folhas incomum se sobressaiu no silêncio da noite sem vento, e acabou por chamar minha atenção. Mexi a cabeça vagarosamente, tentando ter vislumbres de algo, mas não pude.

Foi quando o grito agudo de Fox cortou o ar que eu me virei, derrubando a caixa em susto, o coração quase saltando para fora de meu peito. Uma mulher velha de túnica preta esfarrapada segurava seu braço com força, e logo aproximou o nariz do pulso de minha capitã, onde não havia roupas e apenas pele, e o cheirou. Logo em seguinte jogou a cabeça para trás, absorvendo. Eu estava paralisado, e Fox tinha a boca aberta em espanto, o medo estampado em seu rosto.

— Híbrido - a senhora balbuciou, rouca, com um sorriso de dentes podres a mostra - nunca tinha visto um pessoalmente - e cheirou mais uma vez.

— Solte-a! - gritei, puxando Fox para perto de mim, e a idosa o fez. Então, apontou o dedo para o nariz da ruiva, com sua unha parecendo uma garra, e o silêncio da noite nunca foi tão ensurdecedor.

— Seu sangue te condena, garota, sua linhagem foi amaldiçoada pelos deuses, mistura maldita - cuspiu logo em seguida.

— O que você quer dizer com isso? - Fox rosnou, ainda presa entre meus braços, e eu apenas queria tira-la dali logo.

— O que você merece lhe espera, minha jovem dos cabelos de fogo - ela entortou a cabeça - e você não tem ideia do que está por vir - começou a rir descontroladamente. Ela gritava no meio dos soluços da diversão assustadora, engasgando a palavra “híbrido”. A capitã encarava em horror, enquanto eu pensava em maneiras de apenas sumir daquele lugar. Rapidamente alcancei a caixa pesada no chão e acertei na cabeça da velha, que caiu no chão imóvel.

— Corre, Fox - eu sussurrei, e ela não hesitou. E eu corri logo atrás dela, desajeitadamente pelo peso da caixa.

Ao chegar na praia, Fox estava sentada no chão, encolhida, com os braços ao redor dos joelhos. Eu não pensei duas vezes antes de abraça-la, mais uma vez, para conforta-la.

Ficamos daquele jeito em silêncio até que o barco que nos buscaria ficasse visível. Foi quando ela pediu, a voz quase inaudível, para eu solta-la.

— Não quero que vejam que há algo de errado comigo - ela balbuciou.

— Não há nada de errado em sentir medo - eu respondi - eu quase vomitei lá em cima.

Ela sorriu suavemente com o canto da boca.

— Você não está na minha posição, Tomeh - e negou com a cabeça, olhando para o chão, e logo em seguida para o barco que se aproximava - eu não posso sentir medo, ou eles vão perceber que sou apenas uma pessoa.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, qualquer crítica, qualquer coisa, podem falar, sou toda ouvidos :3



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