A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 42
Antecipação


Notas iniciais do capítulo

Yo! Antes tarde do que nunca!

Um capítulo com menos ação, mas nem por isso menos tenso — ai, como estou sofrendo nessa reta final!

Boa leitura!



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Botan não estava mais no corredor quando Koenma deixou a sala do pai, nem em nenhum outro lugar do palácio. Se o sumiço da guia era uma boa ou má notícia, isso ele não sabia julgar — talvez por ter perdido a noção do que era bom ou ruim naquela situação. Ou do que estava disposto a encarar naquele momento.

Ele decidiu voltar para sua sala, taciturno, alegando que precisaria de um momento a sós. A conversa com o pai tivera o tom que ele imaginou que teria e o fardo agora parecia mil vezes maior. Quando foi que as coisas se tornaram tão complicadas?

Praticamente se arrastava, sem reparar no caminho que já conhecia de cor. Só interrompeu o trajeto quando avistou outros dois pés à sua frente, parados e bloqueando a passagem. Levantou o rosto para encarar o obstáculo e encontrou um oficial do Esquadrão de Defesa, devidamente fardado, olhando em sua direção.

— Senhor Koenma?

— Sim? — respondeu, um pouco ansioso. Torceu por novidades positivas para tirar-lhe daquele mar de pessimismo em que estava se afogando.

— Preciso que me acompanhe — o oficial pediu, sem se mexer.

— O que foi agora?

— Por favor, não torne isso mais complicado...

Koenma se calou. Podia ver a incerteza nos olhos do oficial, que o fitavam quase como um pedido de desculpas. Desmoronaria a qualquer momento.

— O que aconteceu? — ele voltou a perguntar, um pouco mais cauteloso dessa vez.

O oficial titubeou. Koenma achou que estava prestes a chorar.

— Sinto muito, senhor Koenma... — falou — Mas eu preciso fazer isso.

O filho de Enma recuou, sem compreender a resposta. O oficial, em contrapartida, avançou.

Um segundo membro do Esquadrão surgiu aos fundos do corredor. Andou com passos rápidos até os dois, fazendo Koenma se virar. Agora estava cercado por ambos os lados.

O segundo oficial, mais confiante, acenou para o primeiro, que correspondeu o cumprimento.

— Vamos — o recém-chegado ordenou.

Em silêncio, Koenma hesitou, ainda sem compreender a situação. Quando os dois começaram a andar, no entanto, ele obedeceu. Estava atordoado demais para contestar. E para notar que algo estava acontecendo bem na sua frente.

(...)

Botan pensou em sumir. Em invocar o remo e retornar ao Mundo Espiritual. Em inventar qualquer desculpa que a desobrigasse de permanecer ali. Ela, porém, apenas observou calada quando apoiaram Kurama na cama de Yusuke, tentando evitar a todo custo um contato visual com o ruivo.

Percebeu que ele a encarou por meio segundo quando seus olhares se esbarraram no apartamento. Ela desviou o rosto, incomodada. Propositalmente, se afastou. Deixou que os meninos se pusessem na frente e que suas perguntas preocupadas ocupassem o silêncio que em sua cabeça havia formado. Queria ir embora, mas ela, também, estava curiosa.

Foi um certo alívio que Kuwabara e Yusuke temporariamente tivessem esquecido o assunto do ataque. Ela não sabia o que sua acusação causaria entre eles. Além do mais, não conseguiu deixar de sentir uma pontada de preocupação pelo estado delicado de Kurama. Se dividiu entre o rancor e a compaixão, e, em dúvida, ficou.

Se arrependeu, entretanto, da própria escolha assim que ouviu a voz fraca do rapaz chamar seu nome. Inevitavelmente, todos se viraram para ela. E Botan se surpreendeu pela atenção inesperada.

— Posso falar a sós com você por um instante? — ele perguntou, olhando claramente em sua direção. Botan apontou um dedo para si mesma na altura do peito, como se perguntasse "eu?".

Kuwabara, Yusuke e Kiki a miraram com ainda mais curiosidade. Em seguida, fizeram o mesmo com Kurama, aguardando pela justificativa que ele não concedeu.

Kiki foi a primeira a deixar o quarto, calada do mesmo jeito que entrara. Passou apressada pela porta e sumiu pelo apartamento, encontrando refúgio na varanda. Seja lá qual fosse o assunto que Kurama quisesse tratar em particular, ela não estava interessada.

Os demais ainda questionaram o motivo daquilo numa hora dessas, mas a guia acabou por dar um passo a frente, finalmente encarando o ladrão. Disse que estava tudo bem e que os deixassem sozinhos. Não falou mais nenhuma palavra até que Yusuke empurrasse Kuwabara porta afora, atendendo ao seu pedido.

E quando enfim só restaram os dois naquele quarto, o nervosismo a inundou novamente.

— Você está bem? — Kurama perguntou, fazendo Botan rir sem graça.

— Acho que quem não está bem aqui é você...

— Eu sei que você me viu, Botan.

Ela não soube o que dizer.

Os cabelos vermelhos caíam desalinhados sobre a testa de Kurama, grudando na mistura de sangue e suor e quase lhe cobrindo os olhos. Ele queria afastá-los e desobstruir a vista, mas não conseguiu sequer mexer o braço. A dor nos músculos e a tensão da garota na sua frente impediam qualquer movimento.

— Não foi minha intenção te machucar, mas não espero que entenda. Ou que me perdoe.

— Onde estão as relíquias? — Foi tudo que ela conseguiu perguntar.

Kurama esperou um tempo antes de responder.

— Não estão mais comigo. Eu irei recuperá-las. Dou minha palavra, se ela ainda valer de alguma coisa para você.

— Por que você fez isso?

— Foi um acordo. Eu não faria, se tivesse outra saída. E o tempo estava correndo contra nós. Ainda está, na verdade...

Botan se aproximou, seus olhos violeta demonstrando uma firmeza que ela nem sabia se tinha. Encontrou os dele. Cansados, mas igualmente firmes.

Sentou na beira da cama. As manchas azuladas no peito e braços de Kurama quase desapareciam por baixo dos cortes abertos e das queimaduras na carne, mas ainda estavam lá. Resquícios do veneno sagrado que corriam pelas suas veias. Prova irrefutável do seu crime.

— As relíquias estão com Liu. Ele deve tentar atacar o Palácio com a ajuda de alguns aliados remanescentes do Esquadrão — explicou, desviando o rosto ao perceber a apreensão crescente no rosto de sua interlocutora — Liu é um estrategista, não fará nada impulsivamente. Por outro lado, talvez queira se aproveitar da ausência de defesas no Reikai enquanto Bozukan ainda está solto e Ayaka está ocupada com o fechamento das barreiras.

Kurama voltou a encarar a guia.

— Volte para o Mundo Espiritual e avise Koenma para estar preparado. É o máximo que posso fazer no momento, Botan. Minha prioridade ainda é Bozukan.

Botan ficou muda, ainda tentando entender o que Kurama tinha dito. Desde quando ele fazia acordos com dissidentes do Reikai? Ele não entendia que o equilíbrio do Mundo Espiritual — não, do mundo inteiro — talvez estivesse em risco?

— Eu sei que você não entende — Kurama falou novamente, como se tivesse lido os pensamentos da guia — É leal demais para isso. Koenma tem sorte — Ele sorriu tristemente — Mas o Reikai estava falhando em proteger os humanos. Já tivemos mortes demais.

Ele parou, fitando o vazio atrás de Botan. Lembrou do pai de Kiki com uma pontada de culpa no peito. Iria até o fim agora. No mínimo, devia isso a ela.

— Não pretendia que as coisas seguissem por esse caminho, mas foi o caminho que me foi oferecido. E talvez a ameaça de Liu force Koenma a refletir sobre seu papel no Reikai — continuou, pensativo.

Recostou a cabeça na cabeceira da cama. Não havia mais o que falar, apenas esperar que a guia espiritual emergisse de seu silêncio. Compreenderia se ela continuasse ofendida. Que o delatasse à Enma, se ainda não o tinha feito. Poderia a culpar por fazer seu trabalho?

Então sentiu um toque. Balançou a cabeça, ainda tentando afastar a franja, e viu Botan amparando com cuidado seu braço direito.

— Você não vai conseguir fazer muita coisa machucado desse jeito — ela justificou, um pouco sem graça, enquanto concentrava a energia na palma da mão — E que o Sr. Enma não saiba que eu te ajudei... — murmurou.

Kurama sorriu, fechando os olhos em gratidão.

(...)

Kiki observava com o olhar perdido o céu sem estrelas da cidade. Apoiada no parapeito, já tinha inconscientemente fuçado os bolsos duas vezes a procura dos cigarros ausentes. Teria fumado um maço inteiro, se não tivesse perdido tudo — cigarros e isqueiro — na correria da última hora.

Essa era a primeira vez que parava e deixava a adrenalina assentar desde que decidira acompanhar Kurama na caçada a Bozukan naquela noite. E por alguma razão, o coração acelerava em vez de acalmar.

Tinha sentido um choque quando vira a cena no quarto do pai, era verdade, mas a reação fora apenas isso: uma reação. Automática, quase. Mesmo a subida em silêncio da trilha até a clareira não a deixara concatenar as ideias. Agora, na primeira pausa da noite, ela finalmente entendeu o que sentia.

Estava assustada. Tão profundamente assustada que até evitava admitir.

Não por causa de Bozukan ou pela chance de morrer antes do raiar do dia. Esse não era o tipo de coisa que passava pela sua cabeça.

Seu medo era pelo que viria depois. A vida que teria que enfrentar quando tudo acabasse.

Era por isso que Kiki raramente pensava no futuro. O futuro era um lugar escuro e desagradável, muito pior do que o presente — por mais terrível que o presente fosse. Até o passado era melhor. Previsível e aconchegante — o que talvez explicasse o porquê dela ainda insistir em se manter presa a amarras tão antigas. O futuro não. O futuro era aterrador.

— Que noite, heim?

Yusuke havia se aproximado silenciosamente da garota na varanda, se juntando a seu lado. Ignorava o frio da noite, vestindo apenas uma camiseta de manga curta. E pela expressão introspectiva, ignorava também o pânico que a corroía naquele exato minuto.

— Meu velho morreu — ela disse, com uma naturalidade mórbida.

O assunto foi tão abrupto que Yusuke se perguntou se tinha entendido direito. Olhou espantado, procurando alguma pitada de emoção no rosto da garota, mas não teve certeza do que encontrou. Atordoado, não arranjou palavras para responder.

Kiki reparou na surpresa do garoto, mas não conseguiu dizer mais nada. Ela mesmo não saberia explicar por que dissera aquilo, e ainda por cima daquela maneira. A frase tinha saído tão espontânea que era quase como se estivesse aguardando qualquer gatilho que fosse para ser arrancada do coração.

E no fim das contas, ouvir a própria voz a forçou a encarar o fato do qual ela tentava se esquivar. O fato de que agora estava sozinha. Até alguns minutos atrás, podia fingir que não, mas a frase em voz alta solta no ar não deixava mais dúvidas.

Estremeceu com a ideia. Sentia o corpo gelado, mas por dentro, as entranhas reviravam. A inevitabilidade do futuro a atormentava. E ainda apoiada no parapeito da varanda, ela afundou a cabeça entre os braços, escondendo o rosto.

— Tá tudo bem com você, menina? — ele perguntou.

Kiki achou a pergunta irritante. E mais ainda a resposta óbvia que morreu na garganta sem jamais ser proferida.

A tentativa de diálogo, no entanto, foi bruscamente cortada pelo vulto que agora voava na direção dos dois. Arregalaram os olhos, incrédulos. Pegos de surpresa, precisaram se jogar, um para cada lado, para desviar do corpo que cruzou o espaço entre eles com uma velocidade fora do comum.

O corpo explodiu o vidro da varanda e se arrastou até o meio da sala, obrigando Kiki e Yusuke a protegerem os rostos dos estilhaços. Quando voltaram a descobrir os olhos, viram em choque as vestes pretas tradicionais de Hiei.

Correram afobados, se jogando de joelhos ao lado do youkai desfalecido, braços e rosto cobertos de sangue. A espada já não estava mais em sua posse, e pequenos fragmentos de vidro ainda pendiam dos cabelos negros. De olhos fechados, permanecia inerte.

Kuwabara, atraído pelo barulho, olhava para os três, estupefato. Passou por eles e disparou até a varanda procurando o responsável, mas o céu noturno continuava vazio como antes.

Botan e Kurama apareceram logo em seguida, igualmente alarmados. A guia se juntou ao corpo de Hiei prontamente, enquanto Kurama fitava de pé o cenário recém-formado. Um receio inevitável irrompeu na mesma hora em seu cérebro.

— Yusuke, sua mãe! — ele exclamou apreensivo — Você sabe onde ela está?

— Não, está fora de casa hoje — respondeu, franzindo a testa ante a pergunta. Em seguida, compreendeu. Estreitou os olhos ao virar-se para a varanda e completou, com raiva — E é melhor esse filho da puta a deixar em paz.

No chão, Hiei abriu os olhos. Primeiro devagar, para depois despertar por completo. Levantou-se com dificuldade, o rosto consumido pela ira. Todos se voltaram para ele.

— Você está bem? — Kurama perguntou, mas Hiei apenas deu um rosnado baixo e irritadiço.

Cambaleou até a varanda, empurrando Kuwabara para o lado e espreitando o vazio lá fora como se fosse seu inimigo particular.

— Maldito... — murmurou.

Tateou em busca da katana, mas a bainha estava vazia. Como resultado, fechou o punho, comprimindo os dedos em uma fúria assassina. Seria capaz de matar alguém com as próprias mãos, ele sentia.

Mas não seria necessário sujá-las para isso.

Decidiu que não havia mais motivos para se conter. E lentamente, começou a desenrolar as faixas que cobriam seu braço direito.

A marca negra do dragão estava livre novamente.


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