A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 41
Peso sobre os ombros (jamais no coração)


Notas iniciais do capítulo

O titulo do capítulo foi baseado numa pequena trova de Marcelo Zanconato Pinto:

"Se a vivência, em seus assombros,
me pesar, quando ancião,
que me pese sobre os ombros,
jamais sobre o coração!"



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Kurama se viu dividido entre o desespero pelos amigos e a raiva pelo responsável de tudo aquilo. Tentou limpar os pensamentos, obrigando-se a focar sua energia mental nos planos que traçara. Derrotar Bozukan. Capturar Liu. Minimizar os danos colaterais.

Poderia ele deixar para se preocupar com Hiei e Kiki depois? Kurama sabia que o inimigo era ardiloso e especialista em criar armadilhas psicológicas. Não seria estranho se tudo não se passasse de um truque para minar sua concentração. Caso se deixasse se consumir pela dúvida e preocupação, a vitória do youkai seria fácil.

Ao mesmo tempo, Bozukan era cruel. Matar nunca fora um problema para ele, fossem suas vítimas humanos ou demônios. O fazia sem pestanejar. O sofrimento da morte alheia era, por sinal, sua maior fonte de prazer. E a dor que a morte causava nos vivos, sua tortura preferida.

— O que você fez? — ele perguntou, apenas para ganhar tempo.

— Não prefere ver com seus próprios olhos?

A provocação do youkai era evidente. O tom da voz, o sorriso irônico, os olhos famintos, tudo só servia para alimentar o seu ódio. Sim, ele queria ver, era óbvio. Queria ter certeza de que estariam bem, que ainda estavam fortes e dispostos a lutar. Mas poderia ele? Poderia conceder à Bozukan essa vantagem? E principalmente, poderia suportar a possibilidade de rever o que o Olho de Jade já tinha previsto momentos atrás?

— Eu farei depois que acabar com você.

— Eu sabia — Bozukan respondeu — Você continua egoísta.

Ignorou o comentário. Mais uma vez conjurou as pétalas, que imediatamente seguiram o alvo. O oponente riu, desviando com facilidade ao mesmo tempo em que queimava uma a uma com as faíscas que produzia. Kurama não se importou. Eram uma mera distração, e cumpriam seu papel.

Produziu mais algumas, como precaução. Queria manter Bozukan ocupado o máximo de tempo possível, mesmo sabendo que ele logo perceberia a artimanha. Qualquer segundo, todavia, era precioso.

Kurama recuou, sem no entanto tirar o inimigo de visita. O youkai vencia a batalha com as pétalas e parecia alheio aos movimentos de Kurama, lhe proporcionando significativos momentos de liberdade.

Parecia.

Pois de súbito, Kurama sentiu o corpo arder. Seu cérebro explodiu com a dor inesperada, e o comichão ainda perdurou por intermináveis segundos como pequenas explosões que o atingiam da cabeça aos pés. Sabia que o ataque viria; o problema era que viera um pouco mais cedo do que o previsto.

Os dois se olharam, as pétalas restantes sobrevoando como míseros insetos ao redor, ineficazes. Bozukan sorriu orgulhoso pelo golpe bem sucedido. Apenas vacilou quando notou que Kurama fazia o mesmo.

— Do que está rindo? — o youkai perguntou.

Ele não precisou responder. Aos pés de Bozukan, uma raiz seca e escura alastrava seus dedos finos sobre a terra, se reproduzindo a cada centímetro que avançava. Timidamente, rodearam demônio, em um emaranhado frágil e sem vida.

— Mais um de seus truques? — riu-se, pisando na delicada raiz ressecada, que não ofereceu resistência. A ramificação se rompeu, criando migalhas sobre a grama.

— Eu não faria isso se fosse você...

A raiz quebrada se recompôs, dessa vez mais encorpada. O círculo continuou se fechando ao redor de Bozukan, crescendo em tamanho, e diminuindo em largura.

O demônio tirou o sorriso do rosto. Se preparou para saltar para longe, mas não conseguiu subir nem meio metro do chão: no instante em que tentou, as raízes mais grossas o puxaram para baixo.

Kurama se aproximou, já seguro de que tinha conseguido aplicar a estratégia que formulara. Bozukan soltou mais um raio, mas teve o braço igualmente envolvido pela ramificação.

— Você sabe que precisa de muito mais do que isso para me vencer, Kurama.

— Isso é apenas o começo — respondeu — Eu falei para deixar meus amigos de fora disso.

— Não sei do que está falando...

E um grito feminino ecoou pela clareira, fazendo Kurama enrijecer. O youkai estava sorrindo novamente.

— Kiki?! — clamou, mas ouviu apenas outro grito de volta. Agora, em tom masculino, grave — Hiei?!

Os gritos se sucederam, em agonia. As raízes se apertaram contra o corpo de Bozukan, reflexo da ira repentina de seu manipulador.

— Pare com que está fazendo! É seu último aviso.

— Você me vê fazendo alguma coisa?

O rosto do demônio já estava parcialmente coberto pela ramificação ressecada. Ainda assim, ele permanecia calmo, o sorriso ainda visível pelos espaços abertos.

— Shuichi?

O olhar de Kurama se petrificou. Era a voz de sua mãe que agora ecoava por entre as brumas, se misturando aos lamentos dos amigos.

Ele fechou os olhos, tentando espantar a sensação negativa que aqueles sons causavam dentro de si. Eles não eram reais, tentou se convencer. Sua mãe estava a salvo, em casa. Seus amigos estavam bem.

— Você ainda não entendeu, Bozukan — falou, reabrindo os olhos. Apenas a testa do demônio agora era visível — Eu não vou cair nas suas armadilhas.

Os gritos continuavam, penetrantes. Shiori, Kiki, Hiei.

— Essa não é só uma raiz seca — continuou, chegando ainda mais perto — é uma espécie rara de Sempre-Viva, uma planta reviviscente do Makai. Ela sobrevive milênios em condições adversas, apenas aguardando o momento adequado para renascer.

Kurama tocou no casulo formado pelos ramos em volta do demônio. Magicamente, cada crosta escurecida se coloriu de um verde vivo. Criou folhas, se expandiu com fartura, dobrou de tamanho.

— E elas só se contentam com sangue para se hidratar...

O invólucro vegetal comprimiu o corpo da presa. Os gritos, no entanto, não cessaram. Continuaram ocupando sua mente e deixando Kurama apreensivo. E se estivesse errado? E se fossem reais?

Apertou os punhos com força, esforçando-se para não ceder às emoções. Precisaria apenas ter certeza de que Bozukan estava morto, e os lamentos seriam suspensos. Era um risco, ele sabia, mas devia assumi-lo.

Ou não devia?

Antes que chegasse a uma conclusão, viu uma luz querendo vazar pelos poros do envoltório que havia criado. Franziu os olhos e se afastou. O casulo explodiu, com uma trovoada ensurdecedora e um clarão que fez respingar choques elétricos em tudo que estivesse por perto.

Inclusive Kurama.

Ele soltou um gemido, deixando os joelhos cederem. A eletricidade o atingiu no peito, rasgando a camisa e o marcando com uma queimadura no local afetado.

Bozukan, coberto de feridas e com as vestes igualmente rasgadas, surgiu, ofegante. Olhou para Kurama com ódio, e este se levantou, decidido a não desistir. Estava ferido, mas sabia que o youkai também estava. Não só pela Sempre-Viva, mas pelo gasto energético dessa última detonação. Com ambos naquele estado, bastaria uma pequena vantagem para vencer. E Kurama se considerava na dianteira.

Porém duas sombras dispersaram sua atenção. Sem querer, deixou o canto do olho captar as formas que surgiram de seu lado. E quando os viu, não conseguiu evitar se virar completamente.

Hiei e Kiki ressurgiram, atordoados, feridos, mas vivos. Encontrou o olhar dos dois, que em seguida voltaram-se para onde Bozukan os esperava.

Mas ele já não estava mais lá.

Hiei sacou a espada, ansioso para pegá-lo. Sabia que ele devia estar perto. A visão de Kurama foi o que o deteve. O estado do amigo o alarmou por um instante, com seus machucados visíveis, a enorme queimadura no peito e manchas azuladas que partiam de suas veias sob a pele. Hesitou, incerto se devia deixá-lo ali.

— Vá, Hiei, eu estou bem — ele falou — Não deixe ele escapar.

Foi a deixa que o demônio de fogo precisava. Hiei acenou com a cabeça, satisfeito, e sumiu na escuridão, no encalço do youkai.

Kiki também hesitou, mas não esperou que Kurama se pronunciasse. Correu até ele, o amparando quando ameaçou desabar.

— Eu estou b...

— Cala essa boca, está nada! — ela reagiu, o segurando por baixo do braço — Vamos sair daqui.

— Espere — pediu — Ouvi gritos. Vocês estão bem?

— Eu não sei o que ouviu, mas não foi a gente. Ficamos presos em algum lugar, não conseguíamos ver nada.

Kurama ouviu aliviado aquela declaração. Ainda perguntou pela mãe, ao que Kiki respondeu com uma expressão confusa. Não, ela não estava com eles, nem sequer a ouvira.

Era como se meia tonelada tivesse sido arrancada de seus ombros.

(...)

— Eu ainda não entendi o que você veio fazer aqui em casa essa hora — um Yusuke sonolento perguntou para Kuwabara, esfregando os olhos em um bocejo.

— Tem alguma coisa acontecendo e a gente não pode ficar parado! — ele respondeu, afoito. O segurou pela gola da camisa e o sacudiu algumas vezes — Ah, acorde de uma vez, Urameshi!

Ele empurrou o amigo para o lado, levantando da cama. Ainda estava tentando fazer algum sentido das palavras de Kazuma quando mais alguém invadiu seu quarto. Dessa vez, a bordo de um remo que voou janela adentro, fazendo as cortinas esvoaçarem.

— Yusuke! Que bom que está acordado! — Botan exclamou, fazendo o remo desaparecer — Preciso da sua ajuda! O Reino Espiritual precisa!

— De novo esse papo? O Reikai que se resolva sozinho, eu não tenho mais nada a ver com isso!

Yusuke saiu do quarto aos palavrões. Kuwabara e Botan se entreolharam, e saíram logo em seguida ao seu encalço. Um falando por cima do outro.

— Isso é sério — a guia tentou mais uma vez — E não é só com o Mundo Espiritual que eu estou preocupada.

— Ao menos deixe Botan falar — Kuwabara pediu.

Yusuke cruzou os braços, apoiando-se na bancada da cozinha. Olhou com descrédito para a deusa, que apertava as mãos, nervosa.

— O Reikai foi invadido... espere, deixa eu explicar! — ela reclamou, quando Yusuke começou a revirar os olhos impaciente — Eu fui atacada também, está bem? Alguém invadiu, roubou as relíquias mais sagradas do Reino Espiritual e me atacou na saída. E eu estou com medo do que pode acontecer.

Kuwabara se alarmou com o relato da amiga. Mais ainda com o descaso de Yusuke.

— Quem foi o covarde que te atacou, Botan? — ele perguntou — Me diga que eu acabo pessoalmente com esse infeliz!

Ela olhou de um para o outro, assustada, com medo das próprias palavras.

— Você viu quem te atacou? — Yusuke a indagou. E ela acenou em resposta.

Mas a conversa foi interrompida pelo interfone que soou alto no apartamento. Os três mais uma vez se olharam, desconfiados e confusos. Yusuke se ausentou, indo atender o aparelho. Voltou logo em seguida com uma expressão apreensiva.

— Era Kiki — ele falou, diante do olhar inquiridor dos dois — E está com Kurama.

Botan congelou na mesma hora.


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