Revenge Angel escrita por V Giacobbo


Capítulo 4
Pain




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Não demorou muito e mais dois sons de aparatação, vindos da minha esquerda. Respirei fundo e contive a vontade de enfiar o rosto pelos galhos e ver quem era. Aguardei até que as vozes chegassem até mim.

- Novidades? – ouvi uma voz estranha, uma que eu nunca ouvira antes.

- As melhores. – meu coração saltou e eu o senti na garganta.

Era ele.

Severo Snape.

Eu o vi se aproximado, acompanhado de um homem mais alto.

- Pensei que fosse me atrasar. – disse o outro homem – Foi um pouco mais complicado do que imaginei. Mas acho que ele ficará satisfeito. Você tem certeza de que será bem recebido?

Vi Snape assentir.

“É claro que ele será bem recebido. Ele matou Dumbledore!”

Tive vontade de pular nele, atacá-lo ali, naquele exato momento.

“CALMA!” – gritei para mim mesma.

Respirei fundo e me concentrei.

Eu testara aquilo em outras pessoas, durante minha caçada. Como minha mente estava descansada eu teria pleno sucesso. Utilizei do mesmo método que usava para me teletransportar, porém, ao contrario de pensar em mim, pensei em Snape.

A possibilidade de realizar aquilo me intrigava desde a primeira tentativa, que rendera um sucesso. Eu não era mais jedi, não devia poder fazer aquilo. Mas fazia.

Não estudei o corpo de Snape, meu alvo foi sua mente. Eu a sentia forte como sempre fora, forte demais para que eu atacasse. Eu não ataquei, apenas sondei-a, como          um batedor estuda o inimigo com a intenção de conseguir informações para um ataque futuro.

Demorou alguns minutos, talvez vários. Snape já estava dentro da Mansão quando eu consegui o que queria. Assim como todos os seres vivos possuem uma energia vital, a mente possui um fator, que mudava de acordo com a mente de cada um. Os jedis controlavam as mentes das pessoas cujos fatores fossem baixos, deixando a mente fraca.

Assim que eu consegui descobrir o fator de Snape, eu o gravei na minha mente, no meu próprio fator, criando uma ligação que tinha apenas um propósito. Assim que Snape ficasse longe de mim, talvez pouco mais de um quilometro, eu seria teletransportada para um local a cinco metros da posição dele, automaticamente.

Eu testara aquilo algumas vezes e sempre dera certo. Tanto em pessoas com fatores baixos quanto as com fatores altos. Eu sabia que minha mente seria sobrecarregada e isto me daria uma dor de cabeça infernal. Contudo, valia a pena. Eu seguiria Snape, aonde quer que ele fosse.

Eu não soube dizer quanto tempo se passou, apenas que, quando os grupos de comensais começaram a sair pelo portão, conversando baixinho, eu fiquei tensa, pronta para a ação.

Snape não estava entre os comensais. Ele apareceu depois, quando praticamente todos já tinham aparatado. Sua expressão era indecifrável, mas ainda sim dura e tensa. Seu corpo estava todo rígido, como se estivesse esperava por um ataque eminente.

Quando ele aparatou, eu pisquei os olhos e me vi em um local totalmente diferente. Eu não tive tempo para sequer pensar. No instante seguinte eu senti vários punhos me golpearem na barriga e fui arremessada para trás. Eu consegui me mover, mesmo com dor no corpo e na cabeça, de modo que cai de pé.

“Mas que merda... o que aconteceu?!”

Eu ouvi um zunido e pulei para o lado. A árvore que estava atrás de mim rachou no meio e tombou. Eu procurei a origem daqueles feitiços com o olhar e achei Snape me encarando com a varinha erguida. Somente naquele momento lembrei-me do feitiço de desilusão, que eu não conjurara. Snape lançou outro feitiço e, enquanto eu desviava, saquei a varinha.

Minha dor de cabeça tornava impossível o uso de feitiços não-verbais, que eu aprendera o básico com Alice. Então eu comecei a retribuir os feitiços, sussurrando enquanto desviava e defendia os que ele me arremessava.

- Quem é você? Como me achou? – perguntou ele.

“Não me reconheceu.” – pensei, jogando-me para trás de uma árvore.

- Eu sou um anjo vingador, seu assassino. Te achar foi fácil demais. – disse eu com desdém.

Mesmo sem querer, minha voz saiu diferente do normal. Ela estava mais grave e seca.

Galhos e folhas secas denunciaram a aproximação dele. Eu respirei fundo e contei os segundos e os passos. Quando soube que ele estava a um metro de distância, eu sai de trás da árvore e ergui a varinha.

- Avada Kedavra! – gritei.

Para minha infelicidade, Snape foi ágil e desviou do feitiço, lançando outro contra mim, que eu não consegui evitar. Fui jogada para trás, sentindo lâminas cortarem profundamente meu ombro e minha barriga. Eu bati contra uma árvore e instantaneamente as cicatrizes arderam. Senti lágrimas nos meus olhos e algo quente escorrer pelo meu corpo.

Mesmo com o olhar embaçado eu vi o sangue escorrendo dos ferimentos causados pelo feitiço de Snape, a especialidade do próprio Príncipe Mestiço: o Sectumsempra. Eu vira pessoalmente Snape executando o feitiço de cura, para reparar os danos que O Eleito causara em Draco Malfoy.

Eu estava entrando no corredor do segundo andar quando Pirraça surgiu gritando. Snape apareceu em seguida. Levada pela curiosidade eu me aproximei o suficiente para ouvir Snape murmurando o feitiço. Parecia uma canção. No momento eu não consegui compreender as palavras exatamente. Porém, analisando minha memória posteriormente, eu não só distingui cada palavra como aprendi o feitiço.

Conforme o sangue ia escorrendo, minhas forças também eram levadas. Ouvi Snape se aproximando lentamente. Eu estava distante dele, o impacto do feitiço me arremessara para longe. Juntei o que restava da minha energia e comecei a proclamar o feitiço de cura, passando a varinha pelos cortes.

Quando o sangue começou a regredir e os ferimentos a fechar, eu parei de ouvir os passos de Snape. Tive certeza de que ele estava surpreso e confuso. Perguntei-me se ele lembrava de ter me visto do lado de fora do banheiro assim que curara o sonserino e se passara a me reconhecer com o cabelo curto, a cicatriz no rosto e as roupas diferentes.

Depois de alguns segundos, os cortes estavam completamente curados, mas eu ainda sentia a dor que minhas cicatrizes causavam. A dor era mais intensa do que da primeira vez. Eu forcei minhas pernas e consegui ficar de pé, mesmo que apoiada na árvore. Minha respiração era descompassada e pesada.

Eu ergui os olhos para procurar Snape e ele estava a alguns passos de distância, me encarando. Eu vi novamente aquele brilho no fundo dos olhos dele, aquele que eu não conseguira classificar na noite que Dumbledore e Allison foram assassinados.

- O que aconteceu com você? – perguntou ele.

Minha visão começou a ficar turva e escura. Eu usara toda a força que me restava para me curar. Meus joelhos cederam. Eu me questionei sobre o que aconteceria se eu desmaiasse e não o matasse antes disto.

Foi a última coisa que eu assimilei.

=.=.=

Antes de ver eu senti. Cordas me prendiam a uma cadeira, mantendo minhas mãos para trás. Elas não estavam apertadas, o que agradeci, mas estavam firmes. Se eu fizesse qualquer movimento elas me apertariam e fariam minhas cicatrizes arderem, todas elas.

Eu respirei fundo, ergui a cabeça e abri os olhos. Era um aposento escuro, eu conseguia apenas distinguir as formas de uma cama e de um pequeno armário nas sombras. Oposto a mim estava a única porta que eu conseguia ver e somente o fazia pelo fato de existir uma linha de luz abaixo dela.

“Merda.”

Eu estava presa e sabia por quem. Snape.

Com um suspiro eu comecei a pensar em uma maneira de escapar, mas o próprio ato de fugir gerava outro problema. Perder Snape, não saber mais onde ele estaria. Fugindo eu perderia completamente as chances de cumprir minha promessa.

Então eu pensei em simplesmente me teletransportar para fora das cordas, para o espaço vazio do quarto. Mas isto geraria um problema tão critico quanto o outro. Eu ficaria incapacitada pela dor de cabeça e eu não conseguiria matar Snape novamente.

Antes que eu pensasse em qualquer outra coisa, a linha de luz se distorceu. Eu respirei fundo, pronta para o que viesse. A maçaneta girou e a porta abriu, revelando a figura negra de Severo Snape.

A luz do outro lado da porta era natural e fraca. Ela não me atingiu, o que me permitiu encarar Snape sem nenhuma irritação nos olhos. O rosto dele estava oculto nas sombras, mas eu conseguia distinguir os olhos negros. Eles não continham nenhum brilho especial, estavam frios como sempre estiveram nos meus cinco anos anteriores em Hogwarts.

- Skywalker. – disse ele.

Eu senti meu sangue borbulhar e meu rosto se transfigurar em uma máscara de puro ódio.

- Não me chame assim. – eu sibilei, a voz marcada pelo sentimento que eu repreendi durante toda a minha vida.

- É o seu nome. Por qual outra maneira eu poderia lhe chamar, hein Skywalker? – desdenhou ele, seco e frio como sempre.

- Não me chame assim! – eu berrei, sentindo o ódio encher o meu peito e queimar como chamas negras.

Eu vi o corpo dele ficar rígido e ouvi sua respiração ficar mais profunda.

- Quem você pensa que é, Skywalker?! – perguntou ele, zombaria em sua voz bruta.

Eu rosnei, sendo assolada pelo ímpeto de atacá-lo, de matá-lo.

- Sou V, seu desgraçado! Vitória Atwood Skywalker está morta e enterrada. Você a matou! – eu respondi, gritando com ira.

- Eu não fiz nada contra você! – ele se aproximou, rápido, a voz irritada.

- Matou Dumbledore! Trouxe aqueles malditos comensais para destruir a tudo e a todos. Você traiu Hogwarts! – eu berrei enquanto ele se aproximava ainda mais.

- Eu vi você morrer. – murmurou Snape, apoiado nos braços da cadeira, a voz pesada.

- A Vitória Skywalker morreu. – grunhi contra o rosto dele, sem nenhum temor pelo que ele poderia fazer comigo – Ela está vivendo no inferno e eu vou te levar até ela.

- Você não está morta. – ele segurou meu rosto com violência, constatando que eu era de carne e osso.

- A Skywalker está morta. – eu repeti, a voz deformada pelo aperto em meu rosto – Eu não sou ela. Eu sou V.

- Você ficou louca. – Snape me soltou e se afastou, virando-se de costas.

- Não assume seus próprios erros, seus próprios assassinatos. – eu rosnei, o ódio levando-me a cometer uma falha – Covarde.

Ele foi rápido, mas eu consegui ver. A figura negra virou-se e sua mão quente e pálida acertou meu rosto e minha orelha, a palma gravando sua forma na minha pele. Minha cabeça virou com o impacto e meu olhar ficou no chão escuro. Eu ouvia a respiração arfante dele, o ódio fazendo ressoar um rosnado em sua garganta.

Para minha sorte, ele acertara o lado sem cicatriz do meu rosto. Eu voltei a encará-lo com ódio. Eu podia sentir a ardência do tapa e tinha certeza que minha pele estava marcada. Senti vontade de pular nele, causar à ele tanta dor quanto eu já tinha sofrido depois que ele matara Dumbledore. Contudo, eu não podia me mover, não sem despertar minhas cicatrizes.

A necessidade de bater foi transformada em necessidade de falar e gritar tudo o que estava entalado na minha garganta. Então eu me lembrei da última noite que passara casa de Alice, da que tocara, o scremo pesado, antes da música que me fizera perder a cabeça. Na ocasião eu não prestara atenção na letra, apenas no ritmo e na potência do scremo. Porém, ali, cara a cara com Snape, com meu alvo, eu consegui lembrar da letra da música. E ela era mais do que perfeita.

Angel – Diablo

Anjo

(http://www.youtube.com/watch?v=dHZ1T8dw0v4&feature=search)

Eu deformei a minha voz para que ela se adequasse ao estilo e clima da música. Ver o espanto estampado nos olhos de Snape foi um prazer mais do que suficiente para me fazer continuar.

I prepare for war inside my head Eu me preparo para guerra dentro de minha cabeça

I close my eyes and reach the point Eu fecho meus olhos e alcanço meus objetivos

Where everything is meaningless Onde tudo é sem significado

You strike on my nerves Você ataca meus nervos

You have dragged me down

Você me puxou para baixo

But now I'll do the same what you've been doing to me Mas agora eu vou fazer o mesmo que você vem fazendo pra mim

Before you can say a word Antes que você possa dizer uma palavra

I'm gonna get you, break you and throw you away

Eu vou pegar você, quebrar você e jogá-lo fora

Eu me conhecia o suficiente para saber que meu rosto estava mascarado pela ira e pela, eu tinha que admitir, loucura que a própria música impunha. Porém, ver o espanto no rosto sempre sem emoções de Snape compensava tudo. Eu cheguei até a pensar que valia a pena sofrer o que havia sofrido somente para vê-lo daquele jeito, espantado e, de certa forma, acuado.

Can't you see your oncoming suffering? Você não pode ver seu sofrimento que se aproxima?

Why can't you see the revelation?

Por que você não pode ver a revelação?

Nos olhos negros eu via principalmente confusão. O que me deixou mais irritada. Eu queria atacá-lo fisicamente. As palavras representavam apenas superficialmente o que eu realmente sentia. Superficialmente mas perfeitamente.

The pressure of blood is singing in my ears A pressão sanguínea está cantando em meus ouvidos

When I heard that you've been spreading lies around me

Quando eu escuto que você vem espalhando mentiras em volta de mim

I strike with fear, a cry of war

Eu ataco com medo, um choro de guerra

And I pull the strings that you hold before E eu puxo os fios que você segurava antes

I will pretent the shock wave of your life

Eu vou encenar a onda de choque da sua vida

Ele dissera, "Eu não fiz nada contra você!". Era apenas uma das várias mentiras que ele havia criado em torno de si mesmo e de mim. Contudo, eu sabia a verdade e era o que bastava para jurar vingança e cumpri-la. Não existia mais nenhuma divisão sobre mim e isso abria uma nova perspectiva. Eu não dependia de mais ninguém para seguir com minha vida, mesmo sendo uma vida em busca de vingança. Eu me comandava, liberta da imposição da Allison e de qualquer outro que tentara me controlar.

Can't you see your oncoming suffering? Você não pode ver seu sofrimento que se aproxima?

Why can't you see the revelation?

Por que você não pode ver a revelação?

Eu havia feito as minhas escolhas e ia desempenhar meu papel com perfeição. Eu ia causar tanta dor quanto poderia sobre ele. Eu queria deixar aquilo claro para ele, mas a confusão ainda tomava os olhos negros.

Today you see the end of the line Hoje você vê o fim da linha

'Cos now my hatred is open wide Porque agora meu ódio está escancarado

Then you will know who I am in this game Então você vai saber quem eu sou nesse jogo

The Angel of Revenge

O Anjo da Vingança

Eu faria de tudo para que aquilo virasse ao meu favor o quanto antes. Eu sentia cada vez mais a necessidade de causar dor à Snape, torturá-lo e fazê-lo gritar, de matá-lo. Meu ódio estava completamente liberto, eu não o prenderia mais, nunca mais. Ele não me causaria mal algum, apenas me daria forças. O que acontecia entre mim e Snape, o que ele havia começado e eu me esforçava para terminar, não era simplesmente um jogo, onde ganha quem fazia o outro sofrer mais. Aquilo era algo mais cruel e dramático. Era guerra. Na guerra há luta, sobrevivência e morte, vitória e derrota, misericórdia e condenação. Porém, na minha guerra, apenas a vingança era importante. O resto era consequência. Eu era um anjo vingador, já havia tomado isto para mim. Um anjo da vingança. Eu não usara nem usaria dos métodos corretos, eu faria o que deveria ser feito, independente de quantas Maldições eu tivesse de usar. Eu ia me vingar.

You're about to see what is like to be haunted and nailed down Você está prestes a ver o que é ser assombrado e pregado pra baixo

My lust for war will lead us to this bitter state

Meu desejo por guerra vai nos levar a esse estado amargo

Where pain is so real and paralyzing

Onde a dor é tão real e paralisante

The price we have to pay O preço que temos que pagar

But like a phoenix I rise Mas como a fênix eu subo

To tear your soul apart

Para rasgar sua alma em pedaços

Uma coisa eu tinha que admitir, a traição de Snape e tudo o que acontecera depois me trouxera algo de bom. Eu não era mais atormentada por Allison, meu monstro de ódio. Mas a boa consequência era sobrepujada pelas más, a grande maioria. Eu já havia experimentado algumas dores e eu as aplicaria nele para vê-lo reagir como eu, sufocar como eu, paralisar como eu. Mesmo que ele me mantivesse presa àquela cadeira, eu arranjaria um jeito de sair. Tecnicamente, eu já havia morrido. As fênix ressurgem mais fortes depois do fogo que as devora. Eu era mais forte do que antes, dependendo do ponto de vista, pois não me segurava mais.

Can't you see your oncoming suffering? Você não pode ver seu sofrimento que se aproxima?

Why can't you see the revelation?

Por que você não pode ver a revelação?

Today you see the end of the line Hoje você vê o fim da linha

'Cos now my hatred is open wide Porque agora meu ódio está escancarado

Then you will know who I am in this game Então você vai saber quem eu sou nesse jogo

The Angel of Revenge

O Anjo da Vingança

O que mais me irritava era a expressão e o olhar dele. Surpresa e confusão. Questionei-me se o maldito não entendia o que eu queria dizer? Eu ia matá-lo, independendo de quanto eu tivesse que sofrer ou pecar para isto. Eu era V; um anjo vingador. Minha promessa seria cumprida.

Assim que meu canto terminou, Snape pareceu voltar a si, a expressão ficando séria e mesclada de raiva, os olhos frios e arrogantes.

- Você ficou maluca. – afirmou ele, convicto.

- Seu mestiço maldito! – gritei.

Ele se aproximou de mim mais uma vez e segurou meu rosto novamente. Ele ficou muito próximo de mim, seu olhar negro vazio de sentimentos perfurando os meus castanhos frios.

- Olha só quem fala, garota. – grunhiu ele, a respiração descompassada.

Eu cuspi no rosto dele com repugnância. Ele afastou-se alguns centímetros, sem me soltar, e com a mão livre limpou o rosto. Sua expressão era uma máscara de desdém.

- Pelo menos eu não sou nem traidora nem covarde. – rosnei, a voz deformada pelo aperto firme de seus dedos.

Eu sequer consegui ver. Snape usou a mão livre para desferir outro tapa. Para meu azar, ele acertou minha cicatriz por completo. Sua outra mão abandonou meu rosto e eu o vi afastar-se alguns passos. Minha cabeça caiu, eu mirei minhas pernas e, no instante seguinte, não assimilei nada além da dor.

Minha cicatriz ardeu em chamas, obrigando-me a contrair os músculos do corpo todo para suportar a dor, que estava ainda mais intensa do que da vez anterior. Era como se a lâmina que me feria ardesse mais profundamente ou com chamas invisíveis mais quentes. Eu não sabia explicar.

Em todas as ocasiões onde minhas cicatrizes haviam ardido, eu nunca derramara uma única lágrima. Os olhos se enchiam delas, de fato, mas nenhuma rolara. Pelo menos até aquele instante. Foi rápido demais para que eu pudesse impedir. Quando percebi, meu rosto já estava molhado.

Apesar da dor ser o foco dos meus sentidos, eu pude ouvir a respiração de Snape se acalmar. Eu vi pelo canto dos olhos ele se aproximar novamente e se abaixar na minha frente.

Eu me sentia tão fraca que cedi ao sofrimento. Apesar das lágrimas continuarem rolando sem minha vontade, meus olhos se fecharam e eu não vi, ouvi ou senti mais nada. Somente a dor.

=.=.=

Quando acordei, senti o gosto de algo ruim em minha boca. Meus sentidos não estavam mais tão fracos e eu consegui ver o cômodo mais nitidamente, apesar da escuridão ser a mesma de antes. Eu não me sentia mais tão debilitada.

Tentei distinguir o sabor amargo na minha boca, mas fracassei.

“Alguma poção?”

No mesmo momento fiquei com receio de que fosse Veritasserum. Logo em seguida balancei a cabeça, dispensando a ideia. A Poção da Verdade não tinha aquele gosto, eu já havia tomado uma dose dela. Outro fato, mais do que claro e que excluía a possibilidade de ser aquela poção, era a minha renovação física.

Fiquei quieta por algum tempo, tentando ouvir sons de fora do aposento. Minha própria respiração me impedia de ouvir qualquer coisa. O silêncio era total e intrigante.

“Onde Snape está?”

Tentei me focar em outra coisa, pensar em como me livrar das cordas sem ter que teletransportar, sem perder a oportunidade de duelar páreo a páreo contra Snape.

Presa e sem ouvir qualquer som além da própria respiração, eu cansei até mesmo de pensar. Comecei a ter fome. A poção que eu tinha sido obrigada a beber, seja lá qual fosse, estava perdendo sua força. As necessidades básicas começaram a ser exigidas pelo meu corpo. Comida e água.

Meu estomago roncava e se contraía de tempos em tempos. Minha boca ficou seca e meu mal estar voltou. Era como se eu tivesse lutado várias guerras sem descanso. Fiquei frustrada. Eu queria sair dali. Pelo menos me ver livre das cordas, poder simplesmente andar pelo cômodo. Mover-me.

Tive vontade de gritar. Eu tentei, mas até mesmo minha voz falhou. Todos os meus músculos estavam duros, resultado de estar imobilizados há muito tempo.

Eu apaguei pouco depois.

=.=.=

Novamente acordei com aquele gosto ruim na boca, sentindo-me mais forte do que antes. Eu já sabia que, se ficasse quieta, logo minhas forças desapareceriam. Aguardei em silêncio por algum tempo. Finalmente ouvi um ruído distante e soube que Snape estava presente.

- SNAPE! – gritei com todas as minhas forças, sentindo meus próprios ouvidos doerem.

O ruído se transformou em barulho. Um silêncio perdurou por alguns segundos. Então, a faixa de luz sob a porta se deformou.

Snape entrou e eu consegui ver seu rosto de relance. Sua expressão era de susto.

- Esqueceu-se de mim?! – ralhei com ele, a raiva surgindo de repente.

- Como poderia me esquecer de uma garota louca amarrada em um dos cômodos de minha casa? – retrucou ele, desdenhoso.

“Sua casa. Estamos na casa dele!”

Snape percebeu que tinha deixado a informação escapar. Ele caminhou até uma mesinha que eu não tinha reparado no escuro.

- Está vendo isto? – ele pegou um objeto sobre a mesa e ergueu na minha direção.

Era uma varinha. Eu reconhecia os entalhes na madeira. Era a minha varinha.

Senti meu rosto ficar surpreso. Snape deu um sorriso arrogante e deixou a varinha sobre a mesinha, afastando-se dela.

- Pegue. – falou ele em tom de desafio.

Meu olhar oscilou dele para a varinha algumas vezes. Ele sabia das minhas habilidades de jedi. Ele achava que eu ainda as tinha.

- Pegue! – ordenou ele, impaciente.

Eu o encarei por alguns segundos com o olhar perdido e confuso. Depois, lancei outro olhar para minha varinha. Estava tão perto e, ao mesmo tempo, tão infinitamente distante.

- Não consigo. – murmurei.

- Como? – perguntou ele.

Senti o sangue ferver. Eu o encarei novamente, a expressão raivosa.

- Não consegue? – desdenhou ele.

Ele se colocou de lado e apontou para uma estante que estava encostada na parede oposta à porta de entrada. Eu olhei para a estante e vi a luz ser refletida por alguns objetos prateados.

- Estavam presas em seus coturnos. – anunciou ele – Você as quer? Pegue-as.

Eram minhas adagas. Minhas amadas adagas. Voltei meu olhar ainda mais cheio de raiva para Snape.

- Eu não consigo! – exclamei as palavras separadamente.

- Você é... como Dumbledore dizia mesmo? – ele parou por alguns segundos, pensando.

Ao som do nome do antigo diretor de Hogwarts eu senti a chama negra do ódio acender, quente e poderosa.

- Ah, sim. Você é especial. – ele despejou todo o desdém que possuía sobre as palavras – Você pode fazer coisas especiais. Para quem consegue controlar a mente dos outros, mover objetos é fácil demais. Use de suas habilidades especiais, pegue sua varinha! Liberte-se! – enquanto ordenava ele se aproximou, ficando a três passos de distância.

- Eu já disse que não consigo. – sussurrei, minha voz mais violenta do que nunca antes.

- Então a garota especial só é poderosa quando está sob o aconchego de seus amigos e familiares?  Onde estão seus amigos, garota? Onde está seu pai, Skywalker?

A chama negra alastrou-se pelo meu corpo e eu perdi o raciocínio, a razão. Agi por impulso, por instinto. Por ódio.

Dei um berro estridente e comecei a forçar as cordas que me prendiam, todas elas. O ódio me fez forte, tal como me fazia forte quando A Força me habitava. Senti alguns lugares do meu corpo serem feridos pelas cordas, cortados e arranhados. Todos os meus músculos trabalharam com toda a sua potência para que eu ficasse livre.

Meus olhos ficaram fixos em Snape e vi sua expressão oscilar de assombro para preocupação. Eu apenas não consegui distinguir se a preocupação era consigo mesmo ou comigo.

Segundos depois as cordas arrebentaram e eu me pus de pé. Ergui a mão na direção das minhas adagas e ordenei mentalmente:

“Accio!”

Uma das adagas voou na minha direção. Enquanto ela vinha, eu avancei contra Snape, que sequer se moveu. Agarrei a arma a um passo do meu alvo. Eu me concentrara tão de repente para conjurar o feitiço que minha própria mente demorou alguns segundos para assimilar o fato. Quando ela o fez, eu recebi a consequência.

Alguns centímetros separavam minha adaga do coração de Snape quando o incêndio se apagou instantaneamente. O ódio que me dava forças sumiu e minha mente e sentidos clarearam. Eu ainda desejava matar Snape, empurrar a adaga mais alguns centímetros e perfurar seu peito. Porém, meus sentidos foram alheios a isto.

Todas as minhas cicatrizes arderam no mesmo instante, causando-me mais dor do que jamais antes. Meu corpo paralisou e eu não consegui me mover. Minha expressão, cujo olhar mantinha-se fixo no rosto de Snape, mudou de raiva para pavor e para dor, em poucos segundos.

A dor foi tão intensa que eu gritei e desabei sobre meus joelhos. Ouvi a adaga caindo no chão ao meu lado ao mesmo tempo em que as lágrimas me vieram e começaram a rolar. Era dor demais, muito além do que eu poderia suportar. Eu continuei gritando, contraindo minhas mãos e braços, desesperada para que o sofrimento parasse.

Vi, mesmo com a visão embaçada pelas lágrimas, a forma de Snape se modificar. Ouvi a respiração dele mais perto de mim. Ele havia se ajoelhado à minha frente.

- Skywalker? – sua voz era assustada e eu senti suas mãos pousarem sobre meus ombros.

Eu berrei, afastando as mãos dele com as minhas. Ouvir aquele nome fez doer em outro lugar. Tanto meu corpo ardia quanto meus sentimentos, minhas lembranças de uma infância aparentemente feliz.

Tive a impressão de que, com o passar dos segundos, a dor se intensificou ainda mais. Eu estava ficando louca. Não conseguia pensar em nada além da dor e da necessidade de que aquilo parasse.

Pela primeira vez em toda a minha vida, eu desejei morrer. Com todas as minhas forças eu quis morrer, quis pedir que alguém me livrasse daquele sofrimento, da única coisa que eu temia.

Para minha infelicidade, apenas Snape estava ali. Apenas ele poderia me ajudar. Eu teria que implorar. O problema é que eu não sabia implorar. Eu nunca implorara nada em toda a minha vida, nem mesmo quando Luke me marcara. Nunca. Eu não sabia o que e como dizer.

O desespero pelo fim da dor foi tão grande que uma lembrança clareou na minha mente sozinha. A lembrança de alguém implorando. Dumbledore implorando.

- Severo... – eu imitei Dumbledore, a voz suplicante e fraca.

Ouvi a respiração de Snape dar um solavanco pela surpresa sofrida.

Eu não sabia suplicar, estava apenas imitando a única pessoa que eu vira suplicar em toda a minha vida. As mesmas palavras, o mesmo tom de voz.

- Severo... por favor... – repedi a súplica de Dumbledore, esperando que Snape tomasse a mesma atitude.

A dor aumentava e eu não gritava e chorava apenas por ela, mas pelo desespero também.

Algo tocou a lateral da minha cabeça.

Depois disto, não senti mais nada.


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