Revenge Angel escrita por V Giacobbo


Capítulo 3
Angel's birth




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Que lugares um assassino frequenta? Quais deles são públicos? Onde, exatamente, eles estão?

Perguntas e mais perguntas. Nenhuma resposta. Eu tinha apenas ideias, suposições. E as segui.

Cada dia eu passava em um lugar diferente. Era perigoso demais me teletransportar mais de uma vez por dia, pois uma única vez era o suficiente para fazer minha cabeça latejar.

Minha primeira parada foi na Travessa do Tranco, lugar suspeito. Embora eu tivesse certeza de que Snape não estaria lá, fui à busca de informações. Entrei na Borgin & Burkes. Não havia ninguém ali. Corri os olhos pela loja. O ambiente fedia a magia negra. Fiquei toda arrepiada.

- O que você quer? – perguntou uma voz grossa.

Procurei o dono da voz e vi um homem de cabelos oleosos me encarando feio. Ergui uma sobrancelha e me virei de frente para ele. Sorri sutilmente quando distingui surpresa no rosto dele. Minha aparência fazia-o deduzir que eu era perigosa e poderosa.

- Informações. – respondi, minha voz fria e forte.

O homem ficou ainda mais sério e me olhou de cima abaixo.

- Algum problema comigo? – perguntei, fingindo irritação enquanto tinha vontade de rir.

- Informações, você disse. – falou ele, como se não tivesse me encarado e eu não tivesse feito uma pergunta – Que tipo de informações?

- Sua loja é conhecida por toda a Inglaterra. – informei e, dando um sorrisinho irônico, completei – Bom, pelo menos pelas pessoas como nós.

- Pessoas como nós? – perguntou ele, incrédulo quanto à falsa semelhança que eu semeava entre nós.

- Sangues-puros e amantes das Artes das Trevas. – despejei todo o prazer que tinha sobre aquelas palavras e sobre o que elas significavam.

O homem pareceu surpreso com a intensidade dos meus sentimentos e sequer pensou na falsidade deles.

- Qual é o seu nome? – perguntou ele, tentando ser desconfiado, mas eu senti que ele já havia caído na mentira.

- Andressa Mulciber. – respondi um nome qualquer, adicionando o sobrenome de um comensal da morte que eu conhecia um pouco da história.

- Mulciber? – o homem pareceu chocado.

- Papai. – suspirei com adoração.

O homem encarou-me com visível descrença.

- Papai mandou que eu fosse atrás de Severo Snape quando o Lorde das Trevas estivesse prestes a tomar o poder. – contei, deixando que meus olhos brilhassem de devoção a Voldemort.

- Quando ele mandou? – perguntou o homem, querendo fazer-me entrar em contradição.

- Antes de ser preso, é claro. – respondi, seca – Maldito seja Alvo Dumbledore... que sofra no inferno. – a raiva foi tão intensa e real que o homem recuou um passo.

- Que tipo de informação você quer? – perguntou, em seus olhos eu vi o desejo de que aquilo acabasse logo e de que eu sumisse.

- Onde está Snape?

- Não sei nada sobre ele. – respondeu o homem, eu tinha certeza da veracidade de suas palavras pelo seu olhar – Desde o assassinato do velhote, ninguém entrou em contato comigo. – ele pareceu chateado por isto.

Contudo, eu percebi a falsidade nos olhos dele. Ele podia não saber nada sobre Snape, mas alguém entrara em contato com ele sim.

- É uma pena. – montei uma máscara de tristeza – O senhor, que sempre ajudou a nobre causa dos puros-sangues, ser esquecido.

Ele concordou com um maneio da cabeça e eu vi minha chance.

- É uma pena mesmo. – reforcei, virando-me para a porta – Gostaria muito de encontrar Snape e dizer que o senhor ajudou-me e, consequentemente, também ao meu pai e ao Lorde.

Caminhei até a porta e, ao estender a mão para a maçaneta, fui obrigada a parar, pois o homem falara:

- Eu ouvi rumores.

Virei-me e o encarei, séria.

- O Lorde das Trevas planeja resgatar seus fieis. – disse ele, indiretamente afirmando que Voldemort atacaria Azkaban.

Senti meu coração oscilar em uma batida e retornar acelerado. Usei os anos de treinamento com Luke e escondi minhas emoções, demonstrando apenas as falsas que me convinha.

- O senhor tem certeza? – perguntei, animada, os olhos brilhando alegres.

Ele confirmou com a cabeça.

- Creio que não irá demorar. – reforçou ele – Seu pai estará livre.

Por pouco eu não perdi o controle e engoli em seco. Meu pai. Isto me lembrou o Luke e as cicatrizes que eu escondia sob a roupa.

- Obrigada, senhor. – dei um sorriso largo e fiz uma leve reverencia – Será um prazer dizer boas coisas do senhor para meu pai quando, enfim, nos encontrarmos.

- O prazer foi meu em ajudar. – ele retribuiu a reverencia.

Eu me despedi e sai da loja. Caminhei em silêncio pela Travessa, até sair dela e entrar no Beco Diagonal. Eu estava concentrada demais em manter-me controlada que sequer olhei para o Beco. Cruzei-o o mais rápido que pude, sem correr ou levantar suspeitas.

Pelo Caldeirão Furado sai para a Londres trouxa. As ruas estavam movimentadas, os trouxas sequer sonhavam com a desgraça que cairia sobre todos, bruxos e não-bruxos.

Caminhei durante algum tempo, até me distanciar o suficiente do local bruxo para sentir-me eu mesma, para voltar à minha personalidade e esquecer a personagem que interpretara na Travessa.

Entrei em uma lanchonete e dirigi-me ao reservado vazio mais próximo. Uma garçonete se aproximou tão logo eu me sentei.

- Boa tarde. – desejou ela, estendendo o cardápio.

Eu virei o rosto para olhá-la. A garçonete soltou um gritinho ao ver o lado esquerdo do meu rosto e a cicatriz.

- Ah... – sussurrou ela, desconcertada pela própria reação.

- Tudo bem. – disse eu, solidária.

- Desculpe-me. – pediu ela, envergonhada.

- Já disse que está tudo bem. – dei um sorriso e recebi outro.

Dei uma olhada no cardápio. Eu não tinha fome. Entrara ali somente para ficar quieta em um lugar silencioso onde pudesse pensar. Pedi uma jarra de suco e devolvi o cardápio para a garçonete. Ela se afastou, ainda um pouco envergonhada.

Eu suspirei, colocando os cotovelos sobre a mesa e apoiando o rosto nas mãos.

“Todos eles... soltos!” – pensei – “Não é mentira, então, o que eu disse. Voldemort está prestes a tomar o poder.”

Mesmo que a única coisa que me importasse fosse minha promessa e minha vingança, eu ainda sentia pelo mundo ao meu redor. A Guerra ia começar, ou pelo menos era o que eu esperava. Se a Guerra estourasse, duas coisas poderiam acontecer. Ou Snape entraria nela como Comensal da Morte assumido ou se esconderia.

Eu disfarcei minha aflição quando a garçonete voltou com o meu pedido. Ela serviu o suco em um copo e depositou uma porção de batatas fritas sobre a mesa, ao lado da jarra cheia de suco.

- Meu pedido de desculpas. – ela sorriu.

- Não precisa.

- Eu insisto. – falou ela, sorrindo mais – Você parece que precisa se animar. Nada melhor do que gordura e sal para uma adolescente da sua idade.

Antes que eu pudesse retrucar ela se afastou. Eu encarei as batatas.

“Já que ela insiste.” – eu dei de ombros e levei uma até a boca.

Estava crocante e salgada, do jeito que eu gostava. O suco estava uma delicia também. Ao contrario das outras vezes que eu comera batatas fritas, onde eu as devorava em poucos minutos, naquela vez eu comi lentamente. Demorava alguns minutos para levar outra batata para a boca ou para beber um gole do suco.

Eu estava ali para pensar, não para comer ou beber. Aquilo foi um bônus.

“Eu tenho que achá-lo antes que Voldemort tome o poder.” – conclui depois de algum tempo – “Mas... como?!”

Depois de pagar a conta e agradecer à garçonete pelas batatas fritas, sai para o anoitecer londrino. Minha cabeça não doía mais, porém, eu tinha certeza de que não estava pronta para me teletransportar novamente. Eu precisava de um lugar para passar a noite.

Caminhei até uma rua sem movimento, saquei a varinha e a apontei para a rua. Ouvi um estouro e, no segundo seguinte, o Noitibus estava parado na minha frente. Guardei a varinha enquanto embarcava. Não havia ninguém ali, exceto o motorista e o atendente.

- Para onde vai, mocinha? – perguntou o atendente, me olhando do outro lado do veiculo, encostado no vidro ao lado do motorista.

- Alguma hospedagem bruxa ou trouxa, fora de Londres. – respondi, sentando-me no lugar vazio mais próximo.

O motorista deu partida e o veiculo disparou. Eu nunca tinha viajado daquilo antes, mas os solavancos, aceleradas, freadas e curvas acentuadas não me deslocaram um centímetro de onde eu me sentara. Eu olhei pela janela a viagem inteira, que demorou pouco mais de meia hora.

Quando o veiculo parou, eu consegui ver um hotel simples e bem cuidado, cuja plaqueta dizia:

Hotel Johnson

Desci do Noitibus e não olhei para trás para conferir se ele tinha partido. Já havia escurecido naquela cidade. Pelo ar eu supus que não fosse uma cidade muito grande, não cheirava a cidade grande. Entrei no hotel e caminhei até o balcão de recepção.

- Boa noite. – desejou um moço bem vestido, não devia ter mais de vinte anos – Bem vindo ao Hotel Johnson, eu sou Ben Johnson, em que posso ajudá-la?

Só então ele pareceu olhar de verdade para mim. Sua face ficou pálida.

- Boa noite. Eu gostaria de alugar um quarto. – respondi, sorrindo educada para não deixá-lo mais assustado.

Ben assentiu e pegou um papel de dentro da primeira gaveta.

- Preencha isto, por favor. – pediu ele, a voz um pouco mais baixa do que antes, estendendo um formulário e uma caneta para mim.

Preenchi com dados falsos.

Ele conferiu o formulário em silêncio.

“Ele deve estar pensando que sou uma bandida ou coisa pior.” – pensei, achando graça da situação.

Quando ele terminou sua análise, sua expressão estava normalizada.

- Terceiro andar, quarto 35, senhorita Stuart. – informou ele com um sorriso, me passando uma chave presa ao chaveiro do hotel.

- Obrigada. – peguei a chave.

- O jantar é servido às dez horas. O café-da-manhã estará disponível das sete e meia às nove horas e o almoço do meio-dia à uma hora. – disse ele, muito educado.

- Obrigada. – agradeci e caminhei até as escadas na lateral da recepção.

O prédio era muito bem organizado e limpo, embora simples. Pelo nome do recepcionista e do hotel, deduzi que era um negócio de família que, provavelmente, era frequentado por famílias.

Meu quarto era o último do corredor no terceiro, e também último, andar. Era pequeno, mas confortável. Havia uma cama encostada no canto, um criado-mudo, uma TV pequena sobre uma mesinha, uma escrivaninha na parede ao lado da porta de entrada e outra porta, que levava a um banheiro básico.

Tranquei a porta de entrada e lancei alguns feitiços somente por precaução. Deixei a mochila sobre a cama e retirei algumas peças de roupas mais comuns. Tomei um banho com tranquilidade. Depois de me vestir, voltei para o quarto e deixei minhas vestes de guerreira sobre a escrivaninha. Depositei as adagas sobre o tecido e os coturnos no chão. Deitei na cama em seguida.

“Coitado do Ben... e daquela garçonete.” – pensei – “Eu não sou o tipo normal de pessoa...” – dei uma risada tranquila e leve – “Nunca fui, é verdade, mas agora minha aparência denuncia isto.”

Suspirei e olhei para o criado-mudo, onde um controle remoto estava. Peguei-o e apontei para a TV, ligando-a. Passeei pelos canais, distraída. Estava prestes a desligar quando a propaganda da programação noturna passou.

- Não acredito! – exclamei, sentando-me sobre o colchão.

A TV anunciou que o filme que seria exibido naquela noite era, nada mais nada menos, um dos meus filmes favoritos, cujo personagem principal eu amava. Depois do filme seria exibido um especial sobre o mesmo. Gravei o horário de exibição na memória e desliguei a TV.

Meus olhos caminharam sozinhos até a escrivaninha para poder fitar minhas adagas. Eu dei uma risada divertida.

- Vamos ver seu antigo dono hoje à noite.

Ri novamente. Era mania minha conversar com os objetos que gostava.

“Sou louca.”

Quando o relógio, que estava sobre o criado-mudo, marcou dez horas, eu me levantei e peguei dentro da mochila um sobretudo normal. Vesti-o e guardei a varinha sob a manga. O sobretudo quebraria meu ar de pessoa normal, porém, as cicatrizes pelos meus braços denunciariam ainda mais minha situação.

Durante o jantar ninguém pareceu notar minha presença. Com aquelas roupas normais eu parecia uma pessoa normal e me camuflava entre elas. Ben foi o único que me viu e pareceu surpreso por eu estar tão diferente. Sorrimos um para o outro e eu voltei minha atenção ao meu jantar.

Mais tarde, naquela noite, eu fiquei deitada sobre a cama, a TV ligada e sintonizada no canal onde seria transmitido o filme, que começou exatamente na hora marcada.

Assisti-o com empolgação. Exclamando xingamentos e vivas dependendo da cena. Fui obrigada a xingar o personagem que eu amava. Eu sempre fazia aquilo. Não importava que eu soubesse o final do filme, eu xingava o personagem quando ele fazia coisas erradas do mesmo jeito.

Quando o final foi se aproximando eu fiquei muda, sentindo uma onda de tristeza avançar sobre mim. O personagem dirigiu-se ao seu encontro marcado com um dos vilões e eu engoli em seco. O vilão possuía soldados armados com armas de fogo e meu amado personagem possuía apenas suas adagas, várias delas.

- Você não tem nada. Nada além de suas malditas facas e seus golpes de caratê. Nós temos armas. – disse o vilão.

Eu consegui dar uma risadinha, pois já sabia a resposta.

- Não, vocês só têm balas e a esperança que eu morra antes que elas acabem, pois, se eu viver, morrerão antes de recarregar. – respondeu meu amado.

Eu murchei quando os soldados começaram a atirar e meu personagem ficou parado, apenas recebendo as balas. Depois que as balas acabaram, meu amado ficou parado e eu respirei fundo, pronta para o que viria a seguir.

- Minha vez. – disse ele e eu gargalhei por um rápido segundo.

Eu sempre achara aquilo engraçado.

“Minha vez... simples assim!”

Voltei a ficar séria e aproveitei a emoção da carnificina que meu amado realizou. Eu assisti tudo com devoção, não as mortes ou o sangue em excesso, mas os movimentos dele. Ele era perfeito e eu não ligava que aquilo fosse obra da computação gráfica e de movimentos ensaiados. A ilusão era perfeita e me comovia como se fosse realidade.

Quando todos estavam mortos, meu amado começou a retirar placas de metal que vestia por baixo das roupas. As placas estavam perfuradas e manchadas de sangue. Ele estava morrendo. As lágrimas vieram aos meus olhos e eu não me importei. Eu sempre chorava vendo aquele filme. Comecei a chorar quando ele reencontrou a mulher que amava e começou a dizer suas últimas palavras:

- Durante vinte anos busquei apenas este dia. Nada mais existia... até eu ver você. Então, tudo mudou. Eu me apaixonei por você, Evey... como nunca imaginei que seria possível.

- Ah! – exclamei de tristeza.

Graças a um feitiço que eu lançara ninguém do hotel me ouviria.

Eu chorei silenciosamente e aguardei o momento onde, enfim, eu choraria alto. Meia noite no filme, meia noite no relógio ao meu lado. Chorei de verdade quando a Abertura 1812, de Tchalkovsky, explodiu no filme, junto com o parlamento inglês.

Quando o filme terminou, o canal lançou os comerciais e eu aproveitei o momento para me acalmar.

“Calma Vitória...” – pedi para mim mesma – “É só um filme... calma!” – respirei fundo e assimilei uma coisa nova – “Maravilha, Vitória. Depois de tudo o que te aconteceu você fica chorando por causa de um filme?!” – bufei, irritada comigo mesmo, as lágrimas cessando – “Não derramou uma única lágrima enquanto Luke te torturava e chora feito uma viúva por causa de um filme. Essa é ótima!” – finalizei, irônica.

Quando o programa especial começou, eu estava tranquila e sem nenhum sinal de ter chorado.

Foi incrível. Entrevistas e making-of.

- NÃO! – berrei.

Tampei a boca com as mãos antes de lembrar que um feitiço impedira que todo o hotel me ouvisse. Suspirei aliviada e voltei minha atenção para o programa. Eu berrara aquela negação, pois descobrira o ator que interpretava meu amado personagem. Eu nunca soube e sequer imaginava que era aquele ator presente por detrás da máscara do meu amado.

- Por um lado, foi aprisionado, torturado, maltratado mental e fisicamente, e depois queimado. – disse o ator – Isso criou um anjo vingador, digamos assim.

Minha mente pareceu desligar e eu não assimilei mais nada que era transmitido pela TV.

Anjo vingador.

Meu amado era um anjo vingador.

Minha mente voltou a trabalhar com força total e eu comecei a pensar em coisas que ainda não havia pensado, pois ainda não tinham acontecido. Pensei nas semelhanças entre a nova Vitória e o personagem principal.

Primeiro, e muito óbvio, o nome. O personagem não tinha um nome, apenas um codinome, que era V. Vitória e V.

Segundo, ambos fomos torturados.

Terceiro, ele buscara – e eu ainda buscava – vingança.

Nós éramos iguais. Ele tinha habilidades fantásticas e eu também.

- Anjo vingador. – repeti.

“Será que eu também o sou?” – questionei.

V.

Vitória. Sem sobrenome, sem prisões e sem divisões.

- V. – murmurei a letra, apenas para ouvir seu som – Pode me chamar de V. – repeti uma fala do personagem.

“Gostei do som.” – pensei, dando um sorriso.

Eu já havia mentido minha identidade duas vezes. Andressa Mulciber e Lúcia Stuart. Um codinome era mais fácil e prático, se eu não me hospedasse mais em hotéis.

“Se posso ser apenas Vitória, por que não V?” – questionei.

Eu dei um sorriso. A resposta era clara: eu podia.

=.=.=

Os dias seguintes passaram rápidos. Eu me teletransportava de um canto para o outro do país, procurando. Descobri que Azkaban havia sido atacada enquanto caminhava pela Travessa do Tranco, procurando por algum rosto de comensal conhecido. A notícia me abalou. Eu tinha poucos dias antes que minha caçada se tornasse ainda mais difícil.

Eu não me hospedara mais em hotéis. De manhã eu me teletransportava para uma cidade, que possuía ligação com bruxos, diferente todos os dias e de noite me teletransportava para uma floresta qualquer, onde dormia aos pés das árvores. Para minha sorte ainda era verão e eu não passava frio de noite.

Meu tempo era curto. Eu sentia que em breve Voldemort tomaria o poder total e a aproximação do final do mês de julho me deixava apreensiva quanto ao outono, embora ainda estivesse distante.

Durante uma das minhas buscas pelos lugares bruxos, tanto por informações quanto por rosto conhecidos, lembrei-me de uma música que tinha ouvido apenas uma vez há muito tempo. Eu não me lembrava do ritmo ou da melodia, apenas da letra.

Tentei esquecê-la e me concentrar na caçada. Contudo, conforme a última semana do sétimo mês se aproximava, mais intensa ficava a letra da música na minha cabeça. Rendi-me, então, e passei a recitar a letra, lenta e sussurrante.

- Vestido na armadura de feridas que ainda doem.

Alguns teletransportes mal posicionados fizeram com que eu caísse algumas vezes e algumas das cicatrizes arderam. Sempre na mesma intensidade, as cicatrizes me lembravam do meu passado.

- Com a lâmina do ódio eu imagino no escuro.

As cicatrizes me lembravam de Luke e do que ele fizera a mim. Também de Snape, meu alvo. Eu remoia o ódio, concentrando-o em algum lugar dentro de mim para que eu o usasse como arma quando fosse necessário.

- Através de câmaras vazias de minha memória, eu procuro por sonhos em qualquer lugar que eles possam se esconder.

Snape se escondia em algum lugar que eu não conseguia pensar. Eu sabia pouco sobre ele, é claro. Não sabia onde morava antes de se tornar um assassino. Se eu soubesse aquela informação, talvez tivesse poupado tempo e energia.

- Dor está trancada por dentro, portas estão trancadas atrás.

Eu mantinha todos os meus sentimentos enterrados, jogados, no fundo do poço que substituía meu coração. Eles eram minhas defesas, meus ataques. Quando eu precisasse, eu os ressuscitaria e os usaria para me dar forças, tal como o ódio fortalecia os jedis.

- Correntes que lancei dentro, correntes que limitam minha mente.

Mesmo que eu não fosse mais uma jedi, eu ainda me teletransportava, o que sempre me deixava intrigada. Era claro que eu estava presa a uma linha de perigo constante. Eu não podia me teletransportar seguidamente. Ficava o dia inteiro perambulando pelas cidades, mesmo que já tivesse visto tudo o que precisava ali.

- Por muito tempo eu era o prisioneiro dos pensamentos. Escravo dos meus próprios sonhos.

Sonhos. Eu tinha sonhos quando era criança. Eram sonhos reais demais. De fato, não eram sonhos. Eram visões, visões do meu futuro relacionado àquele instante. Alguns sonhos se realizaram, mesmo que em longo prazo. Eu sonhara, certa vez, que Alice me dava uma caixa de veludo negro. Dentro estavam minhas adagas. Outros sonhos eram ruins, pesadelos. Eu já sonhara com a morte de Alice, com a morte de meus amigos. Todos mortos por um sabre de luz, a arma jedi. Eu tinha medo daquilo.

Tinha.

- Mas hoje de noite eu sou livre e a morte caminha comigo.

Por não ser mais uma jedi eu nunca mais teria aquelas malditas visões. Não precisava mais temer. Estava livre. Sem prisões, sem divisões. Era maravilhosa aquela sensação.

- Eu os vejo morrendo, fraturados pela minha raiva. Eu bebo seus gritos para saciar meu ódio.

Eu imaginava como mataria Snape. Imaginava como o torturaria. Eu queria que ele sofresse tanto quanto fosse possível. Certamente, quando aquilo se tornasse realidade, eu desenterraria minha raiva e deixaria o ódio explodir. Utilizaria de todos os sentimentos que pudessem me fortalecer e o torturaria. Eu o faria implorar pela morte, gritar por ela.

- Eu vou rasgar todos em pedaços, eles não vão escapar.

Eu o encontraria, custasse o que fosse. Mesmo que Voldemort tomasse o poder, mesmo que a Guerra estourasse e ele se escondesse ainda mais. Alguma maneira eu ia conseguir, algum modo eu alcançaria. Eu o torturaria antes do fim.

- Eu sou o anjo da vingança suicida.

Anjo vingador. Anjo da vingança. Suicida? Homicida soava melhor. No entanto, suicida também não podia ser excluída. Eu era uma garota de apenas dezesseis anos que vagava pelas cidades inglesas em busca de um Comensal da Morte, assassino e exímio duelista. Eu não temia a morte. Não me importava em morrer depois que matasse Snape.

Eu não tinha vida me esperando depois da vingança. Nem pai, nem mãe. Nem amigos, nem amor.

Nada.

- O olhar final e brilho de aço faminto. A lâmina corta a carne e a dor está aqui.

Talvez eu concedesse à Snape um último desejo. Na verdade, eu não o faria. Eu encararia aqueles olhos negros, suplicantes pela morte, e não concederia nada. A morte, sim, mas nada de bom além dela. Minhas adagas fariam o serviço final. O coração seria o alvo. A adaga trabalharia lentamente, cruzando o corpo dele aos poucos.

- Eles agonizam, eu tenho que sentir. Porque das feridas deles meu sangue derrama.

Eu iria rir dele, vendo-o sofrer. Provavelmente eu me sentiria mais viva do que nunca antes. Pelo menos era o que eu sentira ao sonhar com a morte dos meus amigos. A vida que arrancaria de Snape seria minha e eu me deliciaria com ela.

- Dor está trancada por dentro, portas estão trancadas atrás. Correntes que lancei dentro, correntes que limitam minha mente. Por muito tempo eu era o prisioneiro dos pensamentos. Escravo dos meus próprios sonhos. Mas hoje de noite eu sou livre e a morte caminha comigo.

A Morte andava comigo.

=.=.=

A última semana de julho chegou e eu não tinha nenhuma informação. Eu estava exatamente no mesmo ponto, parada desde o inicio. Decidi, então, voltar ao inicio.

A Travessa do Tranco estava agitada, o que eu achei estranho. Caminhei pela sua rua principal sem me preocupar com quem me visse. Havia mais gente que o normal e eu aproveitei para estudar os rostos que passavam, embora muitos estivessem encapuzados.

- Hey, garota! – ouvi uma voz conhecida gritar atrás de mim – Andressa! – completou o homem e eu notei um pouco de ironia na sua voz.

Antes mesmo de me virar eu sabia que era o dono da loja Borgin & Burkes. Ele estava bem à porta, me encarando. Acenou, me chamando, e entrou na loja. Estranhei tudo aquilo, porém, obedeci.

A loja ainda fedia a magia negra, entretanto, demorou um bocado para que eu me arrepiasse. Achei ainda mais estranho.

- Então, senhorita Mulciber. – disse o homem, agora o escárnio era completo em sua voz.

Somente então eu percebi que ele estava ao lado da porta, que trancara segundos antes. Percebi meu erro. Ele descobrira a mentira. Aquilo era uma armadilha.

“Comensais...” – deduzi, lançando um olhar rápido pela loja.

Eu não queria que eles estivessem ali, exceto um deles.

- Sabe quem eu encontrei semana passada? – perguntou o homem, caminhando até o balcão e parando ao lado dele.

Pensei rapidamente se devia interpretar minha personagem ou se devia confrontar.

“Que se dane!”

- Mulciber? – chutei, sabendo que tinha acertado.

- Exato! E sabe o que eu descobri? – percebi um movimento sutil dele, a mão direita pousou na prateleira de baixo do balcão.

“Varinha.” – eu tinha certeza daquilo.

- Que ele não tem uma filha! – berrou ele, a mão direita erguendo-se.

Eu agi por reflexo. Joguei meu braço esquerdo para baixo e a varinha se desprendeu do coldre. Agarrei-a com a mão esquerda.

- Petrificus Totalus.

O homem caiu duro no chão. Corri até ele e peguei a varinha de sua mão. Seus olhos me acompanharam, divididos entre medo e ódio.

- Você me obrigou a fazer isto. – disse eu, afastando-me.

Virei à plaqueta da porta, informando que a loja estava fechada. Com um aceno de minha varinha, as janelas foram cobertas por uma cortina negra e a porta foi lacrada. Verifiquei, com muito cuidado, se havia alguém nos fundos da loja. Não havia ninguém.

Voltei até o homem e o encarei.

“Ele sabe de algo... se Mulciber veio aqui, ele sabe de algo!” – tive completa certeza.

Suspirei, irritada. Se eu ainda fosse uma jedi eu poderia me infiltrar na mente dele com facilidade. Contudo, eu dependia apenas de meios bruxos para minha vingança. Eu seria culpada de um assassinato, então mandei as regras para o inferno e apontei a varinha para a testa do homem.

- Imperio!

As pupilas do homem contraíram e dilataram ao máximo. O medo e o ódio sumiram.

Cancelei o Feitiço do Corpo Preso e ordenei:

- Levante-se.

O homem se levantou.

- Conte-me tudo o que sabe sobre Lorde Voldemort, os Comensais da Morte e a Guerra.

Ele despejou todas as informações que tinha. Demorou muito. Ele conhecia muitas coisas sobre Voldemort. Eu ouvi tudo com atenção. Informação demais nunca fizera mal a ninguém.

Depois de horas, ele chegou ao ponto que eu queria.

- O Lorde está habitando a residência dos Malfoy, como punição à família que tanto o desagradou nos últimos anos.

“Incrível, eu, uma garota de dezesseis anos, descobri a posição de Voldemort. A Ordem da Fênix inteira atrás do desgraçado e sou eu quem o acha!” – pensei, dividida entre revolta e diversão – “Mas, também, eles não usariam a Maldição Imperius. Eles são o lado ‘bom’ da Guerra, tem que ser certinhos.” – finalizei o pensamento com um toque de sarcasmo.

- Esta semana, durante a noite, os comensais se encontrarão na mansão. – finalizou o homem.

- Snape estará lá? – perguntei.

- Certamente que sim. Ele é o mais fiel e o favorito do Lorde. – eu consegui captar inveja na resposta do homem.

Conjecturei que aquele homem havia perguntado a Mulciber sobre Snape e recebera exatamente aquelas palavras como resposta.

“Fantástico...” – pensei, feliz – “Fácil demais!”

Eu fiquei séria com meu próprio pensamento.

“Fácil demais?!” – repeti, irritada comigo mesma – “Até agora foi danado de difícil e você diz ‘fácil demais’. Ah... poupe-me, V.”

Eu criara o costume de dirigir a mim mesma pelo meu codinome: V.

Encarei o homem à minha frente, pensando no que devia fazer com ele. Ele não precisava morrer e também não merecia. Ele havia me ajudado muito, eu não poderia pagá-lo com a morte.

- Onde fica a Mansão Malfoy? – fiz minha última pergunta.

Ele me deu o endereço e eu sorri. Deixei a varinha dele sobre a primeira prateleira dentro do balcão, exatamente onde ela estava antes que ele a empunhasse. Caminhei até a porta e me virei para ele.

- Obliviate. – murmurei.

Novamente as pupilas dele se contraíram e se dilataram. Ele ficou “oco”, esperando por uma lembrança nova.

Agitei a varinha e as cortinas desapareceram, libertando a visão das janelas. Virei à plaqueta da loja novamente e sai. Do outro lado da rua, consegui ver o homem acordando do transe e olhando para os lados, aturdido. Ele pareceu achar alguma linha de pensamento e rumou para os fundos da loja.

=.=.=

Naquela noite eu me teletransportei para o endereço que recebera. Estava parcialmente segura pelo Feitiço de Desilusão. Ocultei-me entre os arbustos que tomavam a lateral esquerda da estrada. Bem a minha frente estava os portões da Mansão Malfoy.

“Como pode?” – questionei, enraivecida – “Lucio Malfoy fugiu de Azkaban e ninguém vem procurá-lo na cada dele?!”

Recordei-me então, de que Lorde Voldemort estava prestes a tomar todo o controle. Certamente ele já controlava o suficiente do Ministério para manter seus Comensais a salvo.

Durante aquela noite eu fiquei acordada, ansiosa demais para dormir. Não houve movimento algum, nem dentro nem fora da casa.

- Esta semana, durante a noite, os comensais se encontrarão na mansão. – repeti a fala do dono da loja, aos sussurros - Esta semana. – refleti por alguns minutos, enquanto o sol nascia a leste – Pode ser qualquer dia. – suspirei, frustrada.

“Será que estou segura aqui?” – perguntei a mim mesma, minutos depois.

Eu poderia resistir a um Comensal, mas duvidava que conseguisse o mesmo feito com Lorde Voldemort.

Ainda desiludida, andei pelos arbustos, quebrando alguns galhos. Com eles, e alguns feitiços, consegui montar uma armação que me camuflaria sob os arbustos. Preferi montá-lo a alguns metros de distancia dos portões, à direita dos mesmos.

Não demorou muito e eu estava dormindo.

=.=.=

Para minha sorte, eu estocara alguns lanches na mochila e garrafas com água. Fiquei perambulando pelos arbustos, desiludida, todas as noites. De dia eu dormia.

Depois de três dias acampando ali, meu estoque acabou.

“Merda!” – pensei, frustrada.

Eu não podia, em hipótese alguma, me teletransportar dali. Eu não podia me teletransportar duas vezes seguidas, era demais para mim.

Anoiteceu mais rápido do que eu esperava. Eu bebi os últimos goles da garrafa de água e permaneci sob meu abrigo. A frustração não me dava animo para ficar andando pelos arbustos.

Contudo, mais tarde naquela noite, ouvi sons de aparatação. Desiludi-me o mais rápido que pude e caminhei pelos arbustos até o som.

“Merlim e Yoda, me protejam.” – fiz uma prece por puro desespero.

Vários homens e mulheres vestidos com mantos negros caminhavam, vindo pela estrada. Eles viraram para o portão da Mansão e o cruzaram, como se fosse feito de fumaça.

“É hoje...” – pensei, tentando acreditar no que acabara de ver e no que iria acontecer.

Voltei até meu abrigo e o desfiz com um aceno da varinha. Joguei a mochila nas costas e voltei até o portão. Fiquei parada, em silêncio, apenas esperando. Dentre os Comensais que já haviam chegado Snape não estava presente. Todos, sem nenhuma exceção, estavam sem capuzes, os rostos completamente visíveis.

“Eles se acham inalcançáveis!” - revirei os olhos.

Não demorou muito e mais dois sons de aparatação, vindos da minha esquerda. Respirei fundo e contive a vontade de enfiar o rosto pelos galhos e ver quem era. Aguardei até que as vozes chegassem até mim:

- Novidades? – ouvi uma voz estranha, uma que eu nunca ouvira antes.

- As melhores. – meu coração saltou e eu o senti na garganta.

Era Ele.

Severo Snape.


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