Revenge Angel escrita por V Giacobbo


Capítulo 2
New divide




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2. New divide

    Um raio caiu próximo e as janelas tremeram. Eu acendi a luz e olhei para o meu quarto iluminado. Respirei fundo, pois estava na hora de agir e de pensar no meu futuro incerto.

    Caminhei até o espelho e me olhei criticamente. As cicatrizes não tinham me deixado feia. Não haviam deformado meu corpo a ponto de diminuir minha beleza. Eu era bonita, não podia negar. Todos os anos de esforço físico exigido por Luke haviam modelado meu corpo. Suspirei ao analisar o estado de meus cabelos. Estendi a mão até uma mesinha e segurei minha escova, ajeitando meus cabelos logo em seguida.

    Quando terminei de arrumar os fios castanhos, depositei a escova sobre a mesinha e estudei-os novamente. Estavam cortados de qualquer jeito. Atrás estava mais curto do que na frente. Sorri torto e leve, vislumbrando a solução.

    Virei-me, no intuito de caminhar até minha cama, quando outro assunto surgiu em minha mente e tomou toda a minha atenção.

    Como eu caçaria Snape? Como eu me locomoveria pelo país?

    Eu não podia, nem sabia aparatar. É claro que eu poderia me teletranspor...

    Opa. Será mesmo que eu ainda poderia me teletransportar?

    É, antes de a Força me abandonar, eu podia sumir e aparecer em outro lugar. Era como aparatar, mas diferente. Eu mandava minha energia para cada uma das minhas células individualmente e, depois, como um todo para, então, sumir e aparecer em outro lugar. Era algo que apenas eu podia fazer. Era uma técnica criada por mim. Eu utilizava das habilidades que não possuía mais. Sem a Força, será que eu conseguiria?

    Suspirei frustrada.

    Se tentasse, perder partes de meu corpo seria lucro comparado ao que poderia acontecer comigo.

    Xinguei em voz alta, irritada comigo mesma. Eu não possuía mais nada além de minha vida, minha honra, minha dignidade e minha promessa. Se eu não pudesse me teletransportar, minha promessa ficaria ainda mais difícil de ser cumprida.

    “Eu sou uma grifinória!” – pensei para mim mesma, decidida.

    Assenti a favor de meu próprio pensamento e decisão. Respirei fundo, controlando as batidas de meu coração, e fechei meus olhos. Eu precisava me manter calma e me concentrar avidamente.

    Relaxei o meu corpo, começando o processo de teletransporte. Prestei atenção nas minhas roupas e nos meus cabelos, sentindo suas texturas e suas próprias estruturas. A seguir fui para o meu corpo, tecido por tecido. Pele, músculos, tendões e nervos, veias e artérias. Foquei por algum tempo em meus órgãos vitais, caso fosse perder alguma parte de meu corpo eu devia me garantir que não seria nenhum daqueles órgãos. Por fim, estudei meus ossos. Quando pude sentir cada parte de meu corpo separadamente, pensei em todos, de uma única vez, e me imaginei ao lado da minha cama.

    Suspirei longamente, relaxando minha cabeça e mente. Não poderia saber se funcionara até abrir os olhos. Eu não sentia nada durante o teletransporte e nenhum som era emitido, ao contrário da aparatação. Engoli em seco e abri os olhos.

    - NÃO ACREDITO! – gritei com toda a potência de minha voz.

    Eu estava a um passo de minha cama, exatamente onde tinha imaginado. Eu conseguira me teletransportar!

    Porém, antes que conseguisse comemorar com uma forte gargalhada, uma forte dor de cabeça me fez cair de joelhos. Minha cabeça latejava e eu supus que ela fosse explodir. Levantei a hipótese de ter deixado algo para trás. Olhei para onde estava antes e não havia nada ali. Eu estava completamente inteira. Pouco depois a dor diminuiu, entretanto não desapareceu. Ela ficou naquele estado irritante, era a mesma dor que me atingira depois de Allison ter morrido.

    Levantei-me e me sentei na beirada do colchão. Apoiei os cotovelos na perna e o rosto nas mãos. Respirei profundamente, tomando nota de que eu sempre sentiria dor ao me teletransportar. Minha mente não era mais tão poderosa. Seria uma sorte para mim se ela fosse um pouquinho mais forte que as mentes humanas.

    Depois de algum tempo, me levantei e peguei minha varinha, que estava debaixo do travesseiro. Caminhei até o espelho, não quis me arriscar em um teletransporte que poderia torrar meu cérebro. Fitei a varinha por alguns segundos, agradecendo mentalmente à Alice por ter me obrigado a mudar as propriedades de minha varinha.

    Nas férias entre o meu primeiro e segundo ano, ela pediu para que eu utilizasse das minhas habilidades de jedi para abrir minha varinha sem danificá-la. Fiquei apavorada somente de pensar em estragá-la, mas obtive sucesso. Alice pediu para que eu deixasse cair algumas gotas de meu sangue dentro da varinha. Perguntei o motivo daquilo e ela respondeu que explicaria depois. Fiz o que ela mandou e voltei a fechar minha varinha.

    Fiquei espantada quando ela mandou que eu fizesse magia com a varinha, afinal, eu não podia fazer magia fora da escola, era proibido. Ela disse que, se o Ministério rastreasse, ela diria que eu perdera o controle por um instante e tudo seria solucionado. Confiei nela, como sempre, e executei um feitiço simples.

    Rezei para que a varinha funcionasse e, Voalà!, ela funcionou com perfeição. Confesso que foi até melhor do que antes. Perguntei novamente à Alice o motivo de tudo aquilo. Ela disse que queria testar comigo algo que ela tinha tentado quando era jovem. Foi comprovado, com a minha varinha, que, mudando as propriedades mágicas da varinha, tornando-a uma varinha totalmente diferente, e que, consequentemente, não foi catalogada pelo Ministério, o mesmo não poderia rastreá-la.

    O Ministério nunca mais rastreou minhas magias. É claro que eu estava privada ao uso de magia apenas com a varinha. Se eu o fizesse sem ela o Ministério rastrearia normalmente.

    Apontei a varinha para meus cabelos e, fechando os olhos, imaginei um novo corte. Murmurei um feitiço simples, que Alice havia me ensinado, e senti alguns fios escorregarem pelos meus ombros.

    Abri os olhos e sorri levemente. Apesar de extremamente curtos para o meu antigo padrão, pelo menos meus cabelos estavam cortados corretamente. Eles estavam lisos e bagunçados, caindo pouco acima dos meus ombros. Minha franja permanecia na mesma altura, roçando em meus lábios. Passei a mão pelos cabelos, puxando a franja para trás. Fui obrigada a sorrir ainda mais, estava verdadeiramente feliz com o novo visual e com o efeito que meus cabelos ganharam ao serem jogados para trás. Eles estavam mais bagunçados, mais selvagens, mais Vitória.

    Dei as costas para o espelho. Novos pensamentos tomaram minha mente e ganharam prioridade. Eu devia separar tudo o que me fosse necessário.

    Apontei a varinha com um aceno displicente na direção da escrivaninha próxima, onde um aparelho de som residia. Ele ligou e começou a tocar uma música qualquer de uma rádio qualquer. Não prestei atenção na letra, senti apenas o impacto do metal pesado e do screamo do vocalista.

    Embalada pelo ritmo da música, cruzei o quarto até meu guarda-roupa. Estudei as vestes postas ali com atenção. Eu não sabia por onde andaria ou quais climas enfrentaria. Deveria estar precavida. Comecei a retirar algumas roupas e joga-las sobre a cama às minhas costas. Todas eram pretas, minha cor favorita. Depois, abri uma porta especifica do guarda-roupa e fitei meus calçados. Minha decisão veio rápida. Separei meu par de coturnos pretos. Ele era perfeito: resistente e confortável como as botas do exército.

    Abri uma das portinhas superiores e puxei para fora uma mochila. Caminhei até minha cama, apontei a varinha pra a mochila e murmurei alguns feitiços, deixando-a mais resistente e magicamente ampliada. Comecei a separar as roupas selecionadas, utilizando de critérios mais rigorosos para selecionar. Estava passando um “pente fino” nas minhas roupas, como diziam os trouxas.

    Enrolei os conjuntos e organizei-os em uma das divisões principais da mochila, que possuía duas, além das pequenas. Deixei um conjunto de fora, para vesti-lo.

    Quando voltei para o guarda-roupa a fim de pegar um par de meias, meus olhos fixaram-se sobre uma caixa de veludo negro, guardado sobre uma divisória feita especialmente para ela. Estaquei no lugar. Uma lembrança tomando minha mente.

    Quando eu completei cinco anos de treinamento, Alice se juntou a Luke, em uma das salas onde eu treinava, trazendo aquela caixa. Com a permissão do homem, parei meu exercício e caminhei até Alice. Ela me entregou a caixa, dizendo:

    - Isto é um presente pelos seus cinco anos de treinamento. Mas, não se decepcione, é para quando você se graduar e virar uma guerreira.

    Eu abri o fecho prateado e levantei a tampa. Na hora eu não conseguira ver direito o que era, tive simplesmente a noção de que seriam as minhas vestes oficiais de guerreira.

    Balancei a cabeça, jogando aquela lembrança feliz no fundo de um poço.

    Caminhei até o guarda-roupa e puxei a caixa para fora. Voltei para a cama e a depositei sobre o colchão, sentando-me ao seu lado e a abrindo.

    As vestes estavam completamente iguais às daquele dia. O couro negro tocando suavemente meus dedos. Sorri pela beleza do conjunto. Era certo que eu não me tornaria uma guerreira. Contudo, não abandonaria aquelas belíssimas vestes por causa disto.

    Guardei o conjunto que tinha separado e o coturno na mochila. Com um aceno da varinha, que eu deixara sobre a cama, levitei outra caixa de veludo negro para fora do guarda-roupa e conduzi-a até mim. Aquele foi um presente de aniversário dado depois das vestes, era um coturno especial para ser usado junto.

    Olhei para ambas as caixas por alguns segundos, deixando minha mente vagar. Só então notei que a música scremo havia parado e que uma melodiosa e romântica tocava. Eu não estava com clima para ela. Agitei a varinha e mudei para outra estação de rádio. Uma música estava para começar.

    New Divide – Linkin Park

    Nova Divisão

    (http://www.youtube.com/watch?v=ysSxxIqKNN0&feature=fvst)

    Ouvi a introdução baixinha da música tocar, seguida pela batida da bateria e pelo toque sutil da guitarra. Reconheci-a imediatamente, era uma das minhas músicas favoritas daquela banda. Arrepiei-me toda ao perceber que ela se encaixava perfeitamente ao que acontecia comigo.

    Minha mente foi levada pela música, voltando aos meus planos para o futuro. Voltando para minha missão e minha vingança. Para um assassino que eu caçaria. Snape.

    I remembered black skies

    Lembro de céus negros

    The lightning all around me

    Dos relâmpagos em volta de mim

    I remembered each flash as time began to blur

    Lembro de cada flash no tempo nublado

    Like a startling sign that fate had finally found me

    Como um sinal inicial de que o destino me achou

    And your voice was all I heard

    E tudo o que eu ouvia era a sua voz

    That I get what I deserve

    Dizendo que eu tive o que merecia

    Minha dor de cabeça deu um pico doloroso e voltou a se estabilizar no nível de irritação.

    Snape, sempre Snape.

    Bufei, lembrando-me que, na última vez que aquela dor esteve presente, todas as vezes que eu pensava no assassino ela se intensificava. Era como se a voz dele estivesse, de fato, ali, lembrando-me do que eu tinha que fazer.

    Ordenando-me: “Acorde!”.

    So give me reason to prove me wrong

    Então me dê motivos para provar que estou errado

    To wash this memory clean

    Para apagar essas lembranças

    Let the flood cross the distance in your eyes

    Deixe a inundação cruzar o meio dos seus olhos

    Give me reason to fill this hole connect the space between

    Dê-me motivos pra encher o vazio

    Let it be enough to reach the truth that lies

    Deixe ser suficiente pra ligar verdade e mentira

    Across this new divide

    Além da nova divisão

    Apesar de querer insanamente matá-lo, lá no fundo eu sentia que não queria ser como Allison e como ele, uma assassina. Eu desejava que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo, do qual eu acordaria em breve.

    Entretanto, vivos demais para serem falsos eram os olhos negros de Snape, fitando-me quando Alisson morrera.

    Tudo era verdade, então. Eu sozinha, era verdade. Sem divisões entre Skywalker ou Atwood. Apenas eu, sozinha.

    Nenhuma divisão sobre mim.

    There was nothing in sight but memories left abandoned

    Nada além de lembranças abandonadas

    There was nowhere to hide, the ashes fell like snow

    Não há onde se esconder, cinzas caíam como neve

    And the ground caved in between where we were standing

    E o chão se abriu onde estávamos

    And your voice was all I heard

    E tudo o que eu ouvia era a sua voz

    That I get what I deserve

    Dizendo que eu tive o que merecia

    Eu havia rejeitado todo o meu mundo e somente naquele instante me lembrava dos meus amigos. Eu os abandonara, então. Perceber isto, e aceitar, fez meu coração doer. Eu estava mais sozinha do que havia planejado. Eu não poderia voltar para meus amigos depois de matar Snape.

    Novamente minha dor de cabeça deu um pico. Era a lembrança dele que me mantinha firme na minha decisão. A voz dele na minha cabeça, ordenando-me: “Acorde!”.

    So give me reason to prove me wrong

    Então me dê motivos para provar que estou errado

    To wash this memory clean

    Para apagar essas lembranças

    Let the flood cross the distance in your eyes

    Deixe a inundação cruzar o meio dos seus olhos

    Across this new divide

    Além da nova divisão

    Gritei de ódio e senti meus olhos encherem-se de lágrimas rapidamente. Como eu desejava que aquilo tudo fosse mentira. Eu poderia implorar aos céus para que meu mundo ainda fosse o mesmo. Eu preferia ser torturada todos os dias, com aqueles treinos de Luke, do que perder meus amigos e minha mãe.

    Porém, por mais que eu gritasse, ninguém me ouviria. Eu estava sozinha. Nenhuma divisão em mim. Apenas eu. O sonho de ter minha mente liberta transformando-se em uma realidade terrível.

    In every loss

    Em cada perda

    In every lie

    Em cada mentira

    In every truth that you'd deny

    Em cada verdade que você negaria

    And each regret and each goodbye

    E cada arrependimento e cada adeus

    Was a mistake too great to hide

    Foi um erro grande demais para esconder

    And your voice was all I heard

    E tudo o que eu ouvia era a sua voz

    That I get what I deserve

    Dizendo que eu tive o que merecia

    Fiquei com ódio de mim, então. Eu havia perdido tudo, não tinha como voltar atrás. E a culpa que Snape tinha naquilo tido, com toda a certeza, ele negaria. Ele tinha culpa sim e eu também. Não devia ter me deixado levar pela curiosidade, entrado na mente do Potter e esquecer meu próprio duelo. Não devia ter cedido ao ódio por Snape.

    Gritei, então, de dor. O pico foi grande demais na minha cabeça. A voz de Snape na minha cabeça.

    - Eu quero acordar! – berrei, deixando as lágrimas caírem.

    So give me reason to prove me wrong

    Então me dê motivos para provar que estou errado

    To wash this memory clean

    Para apagar essas lembranças

    Let the flood cross the distance in your eyes

    Deixe a inundação cruzar o meio dos seus olhos

    Give me reason to fill this hole connect the space between

    Dê-me motivos pra encher o vazio

    Let it be enough to reach the truth that lies

    Deixe ser suficiente pra verdade

    Across this new divide

    Além da nova divisão

    Across this new divide

    Além da nova divisão

    Across this new divide

    Além da nova divisão

    Fora de mim, apontei a varinha para o som com apenas um desejo. Ele explodiu e os destroços caíram por todos os lados, não houve fogo. Joguei minha varinha na cama e me levantei, as mãos firmes em minha cabeça latejando. Afastei-me de onde estava, os olhos fechados, meus pés me conduzindo até a parede lisa. Encostei-me nela e escorreguei até o chão.

    Deixei-me chorar. Eu precisava disto. Não havia chorado em nenhum momento desde a morte de Allison. Até parecia que meus sentimentos humanos haviam sido levados com ela.

    Não consegui notar quanto tempo fiquei ali, no chão, abraçando meus joelhos e chorando. A última coisa que eu assimilei foi a tempestade acalmando.

    Meu quarto estava claro demais quando abri os olhos. Fiquei parada e olhei para tudo a minha volta. A lâmpada continuava acessa, sua luz sendo quase superada pelos raios do sol que entravam pelas janelas. Minhas coisas ainda estavam sobre minha cama, exatamente como eu havia deixado. Os destroços do meu aparelho de som estavam espalhados pelo chão.

    Tudo estava imóvel. Parecia uma pintura. Quem quer que a olhasse diria que ali vivia alguém despreocupado com a ordem e limpeza, nunca imaginaria alguém que escolhera uma vida de dor e sofrimento, uma vida baseada no desejo suicida e homicida de vingança.

    Suspirei e ergui minha mão esquerda para fitar a Marca. Ela estava idêntica à da noite anterior. Por quanto tempo mais ela permaneceria assim? Quanto tempo eu teria de paz antes que ela começasse a exigir o cumprimento da promessa? Não havia resposta. Nenhuma certeza. Como eu pensara na noite anterior, não havia mais divisões em mim, nenhuma certeza, apenas possibilidades e expectativas.

    Levantei-me e estiquei minhas costas doloridas, ouvi os estalos e senti alívio. Caminhei até meu espelho e fitei meu reflexo, apoiando-me com uma das mãos na parede, com preguiça demais para manter-me exclusivamente sobre minhas pernas. Meus olhos estavam envolvidos por escuras e profundas olheiras. Minha pele estava potencialmente mais pálida, o que dava mais impacto sobre as olheiras e a cicatriz em meu rosto, que riscava minha bochecha esquerda com uma grossa linha marrom clara.

    Alice tinha uma cicatriz idêntica no pulso esquerdo. Ela se queimara, certa vez, com o ferro de passar roupas. Ela tinha a mania de fazer algumas coisas como os trouxas. A cicatriz era pequena e imperceptível em sua pele levemente bronzeada. As minhas eram idênticas e isto me dava a certeza de que elas sempre permaneceriam com aquela tonalidade, como a de Alice.

    Suspirei e me afastei do espelho, dirigindo-me à porta que conduzia ao meu banheiro. Fiz minha higiene pessoal e me despi, entrando de baixo do chuveiro ligado. Enquanto sentia a água morna caindo suave sobre meu corpo e minhas cicatrizes, comecei a refletir sobre o que acontecera na noite anterior.

    Qual era a explicação para minha reação a música?

    “Simples.” – conclui em seguida – “Humanidade.”

    Pela primeira vez em toda a minha vida eu estava liberta. Sem a Força me habitando eu não precisava controlar meus sentimentos, anular os que me fariam mal, os que me fariam cometer o mal.

    Os sentimentos que eu reprimira haviam explodido. Eu não conseguira controlá-los. De fato, não era mais preciso. Sentir raiva não me corromperia, não me levaria ao Lado Negro da Força. Eu estava livre para sentir tudo o que os jedis se controlavam para não sentir.

    Medo. Raiva. Ódio. Paixão. Amor. Estes eram sentimentos básicos de qualquer ser pensante sente e que transformariam os jedis em seres perversos e incontroláveis, insaciáveis por sangue e morte.

    Eu estava livre para sentir qualquer que fosse o sentimento em qualquer intensidade. Não havia mais divisões sobre mim, não havia mais prisões também.

    Junto com os sentimentos básicos, e tantos outros, também vinha um especifico, que me dominara na noite anterior: desespero.

    Eu me desesperara. Eu sentira tanto medo que isto me consumira até me levar ao desespero completo.

    Sim, eu tinha medo. Tinha medo de morrer? Não. Tinha medo de sofrer antes de morrer? Sim. A morte é algo inevitável para os seres vivos, mas o sofrimento não. Sofrer é uma terrível bonificação. Eu tinha medo de não conseguir cumprir minha promessa. Não pelo simples fato de não conseguir matar Snape, porém, pelo que isto geraria. Eu carregaria eternamente a Marca da minha promessa até que ela fosse cumprida. Se eu não matasse Snape, eu sofreria pela minha própria escolha.

    Eu temia pela minha vingança. Ela era potencialmente difícil por dois motivos básicos. Primeiro, eu devia achar Snape e ele poderia estar em qualquer lugar do país. É claro que, para um jedi, seria fácil. Eu conhecia relatos de jedis que buscavam pessoas por todo o universo e as encontravam. O que era a Inglaterra comparada ao universo inteiro? Bem, isto era para um jedi, não para mim, uma simples bruxa.

    Segundo, eu poderia falhar. Snape era um Comensal da Morte e um assassino, possuía um conhecimento vasto de azarações e maldições e, certamente, era um exímio duelista, com movimentos rápidos e bons reflexos.

    Eu era uma eximia jedi, uma guerreira perfeita, de movimentos e reflexos incomparáveis para alguém da minha idade. Mas eu não era mais uma jedi. Eu era uma simples bruxa, uma aluna que acabara de prestar os NOMs. Eu duelava bem? Sim. Contudo, qual é o resultado de um duelo entre uma boa duelista e um exímio duelista?

    Falhando nisto eu tinha dois possíveis destinos: ser morta ou ser capturada. O que eu temia era ser capturada, interrogada e torturada pela minha própria caça. Eu não queria este destino. Eu não queria sofrer pelas mãos dele.

    Basicamente, eu tinha medo de sofrer.

    Eu também pensei em todos os outros sentimentos que antes eu reprimia. Raiva, ódio, paixão e amor. Eu nutria ódio contra Luke e Snape. Sentia raiva de mim mesma. Paixão eu nunca tivera, apenas evitara qualquer coisa que pudesse me levar até ela. Amor. Ele era o sentimento mais proibido para os jedis. O amor gerava medo. Medo de perder o ser amado. Um medo que levava o jedi à sua destruição.

    Eu sempre amara. Um amor controlado. Quando eu escolhera minha vingança, porém, eu negava este sentimento, negara o amor que sentia por Alice e pelos meus amigos. Por Tiago.

    Todas as mudanças em minha vida, todo o meu mundo que desmoronara, todos os sentimentos que eu reprimira e toda a incerteza do meu futuro, e o medo que isto causava, me conduziram ao desespero.

    Por quê?

    “Humanidade.” – respondi, novamente.

    Eu era humana. Eu sentia e sofria como uma garota humana comum. Não havia mais divisões sobre mim, não havia mais prisões.

    Quando conclui todo o meu devaneio, vi-me na cozinha, sentada à mesa com um prato vazio de comida na minha frente. Assustei-me com o fato de ter realizado atos decorados, que existiam na minha antiga rotina de férias.

    Eu havia terminado meu banho e me vestido com shorts, camiseta e chinelos, secara meu cabelo com um feitiço e descera as escadas. Havia preparado sanduiches de presunto e queijo e uma pequena jarra de suco de laranja. Somente despertei quando terminei minha refeição.

    Suspirei, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo na palma da mão. Fitei a janela, que preenchia metade da parede oposta.

    Tudo poderia ser igual, como os meus atos rotineiros daquela manha. Eu ainda poderia viver tranquilamente, treinar durante as férias e estudar em Hogwarts com as pessoas que eu amava.

    “Não.” – balancei a cabeça, me levantando e levando os objetos que usara até a pia – “Nada poderia ser igual. Sem divisões, sem prisões. Sem a Força. Não.” – conclui, depois que lavei os objetos e os deixei sobre o escorredor de louça.

    Olhei para a Marca na palma da minha mão. O meu passado me conduzira até aquele momento e me conduzia até o meu futuro incerto. Cerrei a mão em punho e respirei fundo, unindo minha coragem e determinação grifinória.

    Eu enfrentaria meus medos e os venceria. Eu enfrentaria Snape e o mataria. Eu cumpriria minha missão, custasse o que custasse.

    Mais tarde, naquele dia, eu estava novamente em meu quarto. Minha mochila estava pronta. Eu pegara uma grande quantidade de comida, pois não sabia quanto tempo minha caça duraria, então eu devia estar preparada. Eu me apossara de algumas poções que Alice mantinha armazenada no sóton, onde ela mexia com magia.

    Ao contrario de Luke, que usava o subterrâneo para treinar a mim e a meu irmão, Alice utilizava o sóton como ambiente puramente mágico. Era a parte da casa que explicitava a existência de bruxos ali.

    Olhei para o relógio da cabeceira. Faltava pouco para as duas da tarde. Eu já havia almoçado e tudo estava pronto para minha partida. Exceto eu.

    Dei a volta na cama e abri a caixa de veludo negro. Fitei o conjunto que eu devia usar somente quando me tornasse uma guerreira jedi. Dei de ombros e comecei a me despir.

    Minutos depois eu caminhei até o espelho para me fitar.

    - Wow! – exclamei, espantada.

    Eu parecia poderosa. Terrivelmente poderosa. Ri fria. Certamente fora Luke quem escolhera aquele conjunto, pois ele sempre dizia que a aparência dizia muita coisa da pessoa. Para ele, eu sempre fora a mais poderosa e dizia que, um dia, eu superaria qualquer ser habitado pela Força, jedi ou sith, que já tivesse nascido.

    A calça e a camiseta de mangas compridas e de gola alta estavam grudadas no meu corpo, como uma segunda pele de borracha, apesar de serem de couro, moldando-me e acentuando minhas formas. O corpete sem alças era de um tecido mais grosso e suave, belos com detalhes. Os coturnos tomavam mais pés até poucos centímetros abaixo dos meus joelhos. Todo o conjunto era surpreendentemente confortável e não me segurava, pelo contrário, eu sentia que podia fazer qualquer movimento vestindo-o, uma mobilidade incrível. O sobretudo negro completava-me, sua barra quase tocando o chão e seu colarinho erguido para cima, imóvel, na altura da gola da camiseta.

    Sorri. Eu estava bonita. Não que isto fizesse diferença, mas eu não fiquei triste com aquele detalhe.

    Luke estava certo, no final das contas. A aparência revela muito da pessoa. Eu parecia poderosa e pronta para matar. Eu não ser poderosa era irrelevante, já eu estar pronta para matar era outra coisa.

    Caminhei até minha escrivaninha, abri a primeira gaveta e retirei de lá meu colar. Coloquei e o deixei sob a camiseta, deixando o zíper aberto o suficiente para deixar visível a lua prateada. Ao lado da minha cama, peguei minha varinha e conjurei um coldre especifico para ela, prendi-o sob a manga do sobretudo, no meu braço esquerdo, e guardei minha varinha ali.

    Agora sim, eu também estava pronta.

    Respirei fundo, pronta para partir. Peguei minha mochila e a joguei sobre um dos ombros, dando uma última olhada no meu quarto.

    Todo o meu corpo paralisou e eu ofeguei.

    “Merlim! Como eu pude me esquecer de vocês?!” – pensei inconformada comigo mesma.

    Joguei a mochila na cama e caminhei até o que me fizera paralisar. Sob minha escrivaninha, preso à parede a 1,80 metros do chão, uma pequena tábua de mogno formava uma prateleira. Sobre ela, um suporte sustentava os objetos que me atraíram: duas adagas. Ergui as mãos e as retirei do suporte, trazendo-as para mais perto do meu olhar, para estudá-las melhor.

    Eu era apaixonada por aquele tipo de arma, arma branca. Alice sabia disto e, no meu aniversário anterior, me dera àquelas duas adagas, imitações perfeitas das que um personagem de um filme que eu amava utilizava. É claro que elas eram adagas de colecionador, cegas. Contudo, eu as afiara, em segredo, assim que fora possível.

    Fiz um movimento ágil com uma das adagas e vi um corte surgir na prateleira de mogno. Sorri contente. A habilidade de luta que eu desenvolvera durante toda a minha vida não havia sido apagada com a morte de Allison e eu estava feliz por isto. Segurei ambas as adagas com a mão esquerda e, com a direita, saquei minha varinha. Ajoelhei sobre um dos joelhos e apontei a varinha para meu coturno. Fiz o mesmo com o outro.

    Guardei minha varinha e segurei uma adaga em cada mão. A modificação que eu realizara nos meus coturnos permitia que eu guardasse minhas adagas ali, uma em cada coturno. Os punhos negros das adagas ficaram para a mostra, ligeiramente ocultadas pelo negro das minhas roupas.

    Caminhei até o espelho e me olhei. Sorri pelo canto dos lábios e toda a minha expressão assumiu uma máscara de desafio e sadismo. Gargalhei friamente. Dei as costas ao espelho e peguei minha mochila, jogando-a sobre os ombros.

    Enquanto sai do meu quarto, cruzava o corredor e descia as escadas, não olhei em volta. Parei, apenas, com a mão na maçaneta da porta da frente. Fitei pela última vez o interior da casa.

    - Adeus. – disse, despedindo-se completamente da minha antiga vida.

    Sai pela porta e cruzei o caminho que conduzia até o cercado. Pulei a mureta e olhei para a casa pelo canto dos olhos. Memorizei aquela imagem, a que eu pensava ser a última.

    Virei-me, para verificar se alguém vinha pela rua para que eu pudesse me teletransportar. Meu coração deu um pulo e eu senti o mesmo da noite anterior: desespero.

    Virando a esquina, distraído demais para me ver, Tiago caminhava lentamente na minha direção. Ele não devia me ver. Eu não devia vê-lo. Ele era uma das coisas que eu mais sentiria falta, meu melhor amigo e o garoto que eu gostava. Eu não contava com a visão dele nos meus planos, eu não sabia ao certo qual era a força que ele empenhava sobre mim.

    Saquei a varinha e apontei-a para mim mesma, rezando para que desse certo. Senti como se tinta escorresse desde a minha cabeça até os meus pés. Fitei minha mão rapidamente, ela estava invisível. Guardei a varinha e recuei alguns passos. O Feitiço de Desilusão me manteria oculta da visão dele.

    Pouco depois ele estava parado a quase dois metros de mim, fitando um envelope que segurava nas mãos. Estudei sua expressão, era de desolação. Senti minha face expressar confusão e curiosidade.

    “O que aconteceu?!”

    Tiago lançou um olhar carregado de emoção para uma das janelas do segundo andar, a que pertencia ao meu antigo quarto. Ele deu um suspiro longo e triste. Com alguns passos, ele se aproximou da caixa de correio e colocou o envelope ali dentro.

    - Desculpe-me. – pediu ele, murmurando e dando um último olhar para a janela.

    Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans e se virou. Segui-o com o olhar enquanto ele caminhava tristemente até a esquina.

    “Mas...” – eu não conseguia entender o que ele viera fazer, o que ele fizera.

    Quando ele virou a esquina e desapareceu de vista, eu corri até a caída de correio e a abri. Retirei o envelope. Estava endereçado a mim. Rasguei-o e retirei uma única folha de papel.

    “Querida Vitória,

    primeiramente, gostaria de pedir suas desculpas. Por favor, me perdoe pelo que estou fazendo.”

    “Mas que diabos!” – exclamei confusa.

    “Meus pais piraram e decidiram se mudar.”

    “Não!” – finalmente eu compreendera.

    “Com a invasão de Hogwarts e a morte de Dumbledore, meus pais acham que Hogwarts não é mais segura. É claro que isto é uma bobagem, os comensais só entraram porque tiveram ajuda do Snape, eu tenho certeza disto. Mas eles não me ouviram e já tomaram todas as providencias. Nós vamos para os Estados Unidos.

    Eu queria muito poder me despedir de você, mas você mesmo disse que eu não poderia mais te visitar a dois anos atrás.

    Assim que eu terminar meus estudos e vou voltar, prometo. Cuide-se, enquanto isto.

    Beijos,

    Tiago.”

    Senti uma lágrima escorrer por um dos meus olhos. Por incrível que parecesse, eu estava feliz. Agradeci à Merlim por aquilo. Tiago estaria longe da Inglaterra, longe da Guerra, longe de mim.

    Este último fator produziu um efeito ambíguo em mim. Eu não queria ficar longe dele, mas escolhera o caminho que nos distanciavam. Suspirei, matando a ambiguidade e aceitando apenas o que eu podia – e devia – aceitar. Tiago estaria seguro longe dali, longe de uma garota em busca de vingança e assassinato.

    Olhei a caligrafia no papel uma última vez. Com movimentos rápidos, transformei a carta e o envelope em uma bola de papel amassado. Estiquei a mão para o lado e deixei a bola cair dentro do bueiro que havia ali. Ouvi a bola cair na água que cobria o fundo do bueiro.

    Primeiro eu renunciara Luke e depois Alice. Em seguida, meus amigos e, minutos antes, minha antiga vida como um todo e a casa onde havia crescido. Naquele instante, eu renegara por completo o garoto que eu gostava, que amava.

    Respirei fundo e olhei para o céu.

    Não restava mais nada, então. Nada do que eu tinha antes. Nada da Vitória Atwood Skywalker. Nem pai e nem mãe. Nem amigos, vida ou casa. Nem amor.

    Balancei a cabeça, de olhos fechados, jogando aquelas certezas no fundo do poço que substituía meu coração.

    Não importava aquilo, não mais. Eu tinha uma missão a cumprir, uma promessa, uma vingança.

    A única coisa que importava, além da minha meta, era que eu era apenas eu.

    Sem divisões, sem prisões.

    Uma nova divisão em mim.

    Vitória e apenas Vitória. Uma nova Vitória.


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