A Sociedade Rubi escrita por Mari e Léo


Capítulo 22
Ritual de passagem


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Tudo bem?? Esse é um capítulo que fala mais sobre os invocadores e sobre o passado de Delaware. Espero que gostem e não esqueçam de comentar!



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Enquanto amanhecia, carregamos o corpo de Gillis. Não chorávamos nem demonstrávamos dor. Mas estávamos nos sentindo incapazes. Carregava nas costas Gillis e Corea ajudava Collins caminhar, sem nenhuma lágrima, apenas dor.

Na mata os corpos secos dos vampiros cheiravam fumaça. Contamos dezenove corpos até chegarmos no casarão. Lá entramos pelo portão. Em silêncio, tentando compreender tudo. Mas era impossível.

Rhodes estava na porta. Seu rosto havia ganhado um pequeno corte, mas ele não demonstrava dor. Estava inexpressivo, era como se soubesse que algo havia acontecido.

– Isso é sério? – ele veio até nós.

– Gostaria de responder que não. – respondeu Corea. – Sinto muito.

Deixamos o corpo no salão de entrada para esperar os outros. A cada momento os grupos chegavam. O segundo a chegar foi o da floresta. Yves havia ganhado alguns hematomas e Delaware mancava, mas os outros estavam bem. Depois chegou o grupo da estrada. Todos estavam bem. Rivera e Gaspar chegaram e pareciam chocados, mas nada ruim. Mas o pior aconteceu quando Valentina e Hiden desceram as escadas e Corea os viu.

Rhodes e Murphy seguraram os braços da invocadora. Corea gritou e tentou se soltar. Rivera foi até ela e pediu para se acalmar. Mas eu mesmo não via motivo para isso.

– O que você fez? – Corea gritou para Valentina. – Que droga de invocação você fez?

– Eu não fiz nada. – Valentina respondeu enquanto se agarrava ao braço de Hiden. – Parem de me acusar.

– Como se você não soubesse. – Rivera começou a rir. – Sabemos o que é!

Caminhei até Valentina e olhei nos seus olhos. Negros e vazios. Como os dos vampiros possuídos.

– Você fez essas coisas? – perguntei. – Responda pelo o que é.

– Não fiz nada. – ela respondeu.

– Claro que não. – Corea gritou. – Foram as criaturas que fizeram.

Rivera e Yves pediram novamente para Corea ficar calada. Era o melhor a fazer. Aquilo poderia ser pior. Estávamos mexendo com coisas que não sabíamos o que era e o qual era o poder.

– Temos corpos para guardar. – disse Rhodes. – Mais respeito, invocadores. Vocês devem conhecer o ritual de passagem, pelo menos pelos livros, pois chegou a hora de fazer.

Levamos o corpo para uma sala especial. As paredes eram cinza e um lustre com luz azul iluminava o lugar. Haviam quatro janelas e todas ficavam no roda pé.

Deixamos o corpo de Gillis no centro da sala. Em seguida Rhodes, por ser o mais velho da casa, colocou vinte velas em volta do corpo de Gillis. O invocador recente deveria acender as velas e eu deveria fazer isso. Acendi as velas com um pedaço de pau que me entregaram. O cheiro era de rosas e fez o quarto ficar com uma fumaça esbranquiçada.

– Agora o invocador que abre portais da equipe pode falar. – disse Rhodes.

– Do fogo nós nascemos. – Yves começou. – Do fogo morreremos. Somos invocadores de vampiros. Somos o começo, o meio e o fim. Hoje, amanhã e sempre. Abrimos portais com nossa fé, fechamos caminhos para proteger.

As chamas das velas aumentaram, quase encostando no teto.

– Somos guardiões dos vampiros. Somos parte do mundo sobrenatural. – disse Rhodes. – Somos invocadores de vampiros. Que este corpo seja guardado por quem ele guardou. Que seu descanso profundo não seja perturbado. Que esteja no pleno, que esteja seguro.

As chamas começaram a se transformar em borboletas de fogo. Voaram por todo local, até pousarem no corpo de Gillis. O medalhão com o rubi estava lá, brilhando intenso e levitando ainda preso ao pescoço.

– Das chamas nascemos, nas cinzas morremos. – todos os invocadores de vampiros falaram.

O medalhão pousou lentamente. As borboletas saíram pelas janelas, como se estivessem indo em busca de outro invocador. O rubi do medalhão agora era uma pedra negra, sem brilho, mas desenhada nela estava um borboleta de fogo.

O quarto ficou frio e o corpo de Gillis começava a exalar um cheiro estranho, não de morto, mas sim de fumaça e cinzas.

Saímos do quarto e Rhodes arranjou um caixão negro, com uma pedra vermelha cravada na fronte. Os mais velhos trataram do corpo e o ajeitaram no caixão.

Todos estavam lutando para não chorar. Era uma dor intensa. Gillis não era um colega como eu imaginava, ele era um amigo. Meu amigo. E havia sido morto. Fechei os olhos e balancei a cabeça.

– Ele era um otário genial. – disse Yves de braços cruzados e na porta, esperando assim como eu. – Vamos sentir falta dele.

– Por que essas coisas acontecem? – fechei os punhos e abaixei o olhar. – Por que logo o Gillis? Ele não merecia isso.

– Essas coisas acontecem. – disse Delaware. – E nós nunca sabemos lidar. É a vida. Não importa o que somos. Já perdi um colega de equipe, ele estaria na posição do Gillis. Era meu irmão gêmeo.

Olhamos para a pequena invocadora. Ela sorriu, mas demonstrava dor. Tentou parecer forte, mas ela ainda parecia uma boneca que poderia se quebrar.

– Já estou bem. – ela respondeu. – Aprendi a lidar com a dor. Só para de doer quando aceita. Vocês vão aprender também. Todos aprendem. Ainda mais agora. São tempos obscuros e acho que não devemos mesmo confiar na Branca de Neve, ela não parece uma boa pessoa e é muito flexível. Pessoas reais não são assim.

Yves e eu ficamos chocados sobre como Delaware entendia isso tudo. Ela que parecia tão frágil, era na verdade uma guerreira. Observadora. Com aquele jeito ela só poderia ocupar uma posição na sua equipe e era a mesma que a de Yves, a da sabedoria, da observação.

– Garota esperta. – Yves sorriu, mas seus olhos ainda estavam tristes.

– Parece você. – olhei para Yves e ela sorriu lateralmente. – Observadora. A única diferença é que ela não sai julgando na cara.

– Idiota. – a invocadora deu um tapa na minha cabeça.

– Você ama. – a provoquei e ela esboçou um sorriso, e foi depois desse sorriso que saquei que nem havia pensado no que falei.

A invocadora saiu andando. Olhei para os meus pés. Com tudo isso acontecendo, Yves não teve tempo para me ajudar a lembrar. Mas comecei a perceber que estava sentindo um sentimento estranho por ela. Aquela frase solta tinha um significado e eu não compreendia.

Rivera se aproximou. Seus olhos azuis elétricos estavam avermelhados. Ela não era próxima de Gillis, mas sentia a mesma dor que nós. A invocadora havia se tornado uma amiga do grupo, parte do grupo. E isso não tirava a razão dela chorar, dava ainda mais razões. Quando uma sociedade perde um invocador, todas as outras também perdem um pouco.

– Se eu estivesse lá na hora, isso não havia acontecido. – disse Rivera. – Eu não deixaria acontecer.

– É o destino. – falei.

– Não existe essa de destino Hooper. – Rivera cruzou os braços. – Esquece isso. É bobagem. Tudo depende de nós. Só isso. Vivemos o agora, não o amanhã ou o ontem. Mas eu poderia estar lá, poderia ter impedido.

– Não se culpe.

– Não estou me culpando. – ela sorriu, mas em seguida ficou séria. – A culpa é de quem está nos manipulando. E você sabe quem é, todos sabem. – seus olhos foram direcionados para Valentina, que conversava com Hiden. – O próximo vai ser ele. Você vai ver. É tudo calculado. Só existe um ser que pode brincar com a vida. E são as damas da noite.

Rivera saiu andando. Cruzei os braços. Era uma primeira morte com gosto amargo e com um mistério descoberto, bastava querer enxergar. E Rivera Safira enxergava. Quando me tornei invocador, sabia que seria perigoso, mas não dessa forma. Era um risco de vida para proteger o mundo, mas no final era só me proteger mesmo.

Rhodes no meio da sala chamou nossa atenção, junto dos mais velhos que carregavam nos ombros o caixão de Gillis.

– Invocadores de criaturas, vamos para o cemitério dos guardiões.

Saímos do casarão em direção a caverna que Yves abriu portal no dia que encontramos Valentina. Dessa vez quem abriu o portal foi o próprio Rhodes.

– Por favor, ao passarem, estejam com suas mentes vazias. – Rhodes pediu.

A lanterna de luz negra formou o portal. Olhei para as pessoas ali. E todos faziam o mesmo. Olhei para frente, para o portal. E senti tontura. Quando percebi já havia atravessado o portal.

Estávamos numa praia com areia branca e fina. O sol brilhava fraco e na nossa frente estava o cemitério dos guardiões. Cercado por árvores e um muro longo. Logo em frente, a dez passos, estava o grande portão prateado.

Rhodes abriu os portões e nós caminhamos em completo silêncio. E era isso que nos machucava e dava paz ao mesmo tempo. Olhei para Yves e ela olhava para o céu. Rivera olhava para os lados, como se tentasse sair dali. Mas Delaware parecia pior. Com os braços para trás, seu medalhão com o diamante balançava, era pura melancolia, ela já conhecia aquele lugar.

Na frente estava uma estátua enorme, com os três primeiros invocadores, cada um empunhando sua arma. Aoshi com seu arco, Vlad com sua espada e Mikhail com seu tridente. Ambos estavam jovens, altivos e com seus medalhões. A inscrição logo em baixo era a seguinte:

Em memória aos primeiros protetores.

Que guardaram a verdade durante a vida e que continuarão honrando a missão.

Em respeito a todos os guardiões de hoje e sempre.

Vlad Rubi, da Sociedade Rubi

Aoshi Esmeralda, da Sociedade Esmeralda

Mikhail Safira, da Sociedade Safira

As sepulturas dispostas pelo local eram em geral cinzentas. Não havia nenhum tipo de coisa que transmitisse medo como nos filmes. A única sensação era de completo vazio, mas ao longe pude notar um grupo de pessoas.

– Parece que não fomos os únicos a sofrer perdas. – disse Jasper.

Um senhor de cabelos longos e brancos veio até nós. Sua roupa estava suja de barro e ele tinha olhos acinzentados e tristes. Segurava uma pá na mão direita e preso ao pescoço estava um colar de contas negras.

– Senhor Rhodes. – o velho fez referência. – Parece que ontem não foi um grande dia para as Sociedades. Minhas condolências.

– Não foi um dia bom mesmo. – Rhodes assentiu. – Mas tomaremos isso como uma chance de nos preparar melhor. E você Gusmão, já preparou o túmulo para Gillis?

– Sim senhor, na ala dos seus guardiões. – Gusmão respondeu.

O velho nos guiou até o túmulo escolhido. A estátua altiva que estava no centro dos túmulos ali era de um vampiro com as asas abertas e olhando para o céu.

Caminhamos com passo lento e paramos onde depositaríamos Gillis. Respirando leve. Rhodes e os mais velhos de cada equipe desceram o caixão. Gusmão tirou um flauta do bolso e suas notas começaram a soar. Pesadas e tristes. Como a trilha sonora da morte. Limpei os olhos enquanto Corea proferia as palavras:

– Nós nascemos com as chamas. Vivemos para proteger as criaturas no nosso mundo. Cuidamos da ordem das coisas. Cumprimos a lei a todo custo. Fazemos o justo. Para enfim morrer e nos tornar cinzas.

Gusmão com um força sobrenatural tampou novamente a sepultura, essa força era produzida pela flauta. Em nossas vistas uma borboleta de fogo solitária pousou sobre o túmulo. E depois veio o estrondo subterrâneo.

– Tornar cinzas. – Rivera limpou os olhos cheios de lágrimas. – A cultura é diferente, mas o sentimento é o mesmo. Nós nos tornamos vapor.

Demos meia volta. Não havia mais nada a fazer ali. O sentimento pesado ainda estava preso na alma, uma dor de perder um amigo. O tipo de coisa que traria revolta e que nos mudaria.

Olhei para os lados e notei que Delaware não estava ali. E eu sabia que havia apenas um canto ali que ela iria. Caminhei em direção a área onde a estátua de lobisomem estava. Desviei dos túmulos até finalmente vê-la.

Com as mãos sobre o túmulo e de cabeça abaixada. Os cabelos curtos conseguiam tampar a face mesmo assim. Era fraca, frágil. Delaware sabia lidar com a dor. Mas como lidar com a perda?

Aproximei-me lentamente, mantendo uma certa distância. Um espaço suficiente para escutar o silêncio completo.

– Ele morreu e era idêntico a Gillis. – a voz de Delaware era embargada. – Só que em vez de vento, com ele foi um ritual. Um ritual de magia branca, destinada a me curar de uma mordida que eu havia levado de um cão pastor. Não é natural, mas as vezes acontece. Era para eu estar viva e ele também, mas a força vital que ele depositou em mim não foi suficiente, então ele deu todo o resto. Eu sei que deveria agradecer, mas prefiro estar morta.

Delaware chorava desesperadamente. As lágrimas molharam o túmulo. Ela limpou tímida os olhos, mas a dor em seu peito, aquela dor amarga, a feria desde que perdera o irmão.

– Se você ainda está viva é porque possui um papel importante. – disse a Delaware.

– Acha mesmo?

– Todos nós temos um papel importante na vida e sinto que você ainda não o cumpriu. Então continue lutando Delaware. Somos amigos.

A invocadora sorriu em meio as lágrimas. Sua dor era intensa, mas eu sabia que a força de vontade era maior. Isso era natural entre os invocadores de lobisomens. Era o que os tornava especiais.

– Vamos logo Delaware. Ficar aí parada não vai trazer seu irmão de volta a vida. – falei. – Vamos?

Ela caminhou até mim com um pequeno sorriso. Era uma margarida que havia nascido para ajudar as pessoas e dar seu melhor. Não devia ficar ali chorando.

– Hooper, você também tem um papel a cumprir. – disse Delaware. – Descubra logo que Valentina está metida nisso. Não podemos mais perder tempo.


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Notas finais do capítulo

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