Contos escrita por Carlitos


Capítulo 9
Apartamento 304




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Juliana estava sozinha em casa, tinha todo o apartamento só para si. Tocava musicas na TV, bebia uma taça de vinho barato. Esperava por sua amiga, Marcela, a fim de não passar mais uma tarde solitária.

 

Tinha companhia para sair pela cidade, se quissese. Ou poderia sair sozinha, também. Mas não tinha cabeça, não estava afim. Queria ficar mesmo em casa, na companhia de suas músicas, seus livros, e de sua amiga. Sentia, inclusive, um certo desconforto quando se lembrava de André.

 

Tinham passado os últimos dias muito próximos, até. Quer fosse na faculdade, quer fosse no estágio que faziam juntos, compartilhavam até mais tempo do que seria realmente necessario compartilhar. Estava óbvio que ele queria algo a mais com ela. 

 

Ela, a priori, não teria motivos para não ceder. Contudo, alguma coisa, uma vontade a fazia recuar. Sentia algo fazê-la dizer não, que não dariam certo, seria uma desilusão para os dois.

 

Era engraçado até que pensasse assim, pois combinavam os dois. Tinham muitos interesses em comum, e não eram recém-conhecidos. Tinham uma amizade que vinha desde os tempos de escola e que foi construída em bases sólidas.

 

Perguntava-se, então, se não seria essa amizade o impeditivo. E a resposta nunca surgia cristalina em sua mente, se sim ou se não.

 

Mandou mensagens a Marcela, que a respondeu que sim, ainda iria até a casa de Juliana, mas que se atrasaria e ia chegar um pouco mais tarde, talvez já ao anoitecer. Era dia livre para as duas, e Marcela tinha saído com Gustavo, e, pelo visto, as coisas haviam esquentado.

 

Marcela e Juliana conheceram-se na faculdade. Logo nos primeiros dias já houve uma aproximação. O ambiente universitário é de mais fácil sobrevivência se estiverem em grupo, e ambas sabiam disso. De qualquer forma, após um inicio de apenas interesse, uma amizade genuína apareceu entre as duas.

 

Mais do que se completarem e dividirem uma mesma visão de mundo, sentiam grande confiança uma na outra. Eram cúmplices em segredos, sonhos e aspirações. Em verdade, às vezes até se espantava com a velocidade com que a amizade progrediu, e, ocasionalmente, se pegava comparando essa amizade com a de André. 

 

Sua amizade com André era a mais antiga e profunda que já experimentou até então. Passou a adolescência com namoros e paixonites, com amizades de meninas e de meninos, e nunca tinha visto uma igual a que tinha com seu melhor amigo. Quando analisava todas essas coisas, nem se espantava em perceber que André queria algo a mais com ela.

 

Todavia não se sentia completamente à vontade para ficar com ele. E, ademais, pediu para que Marcela viesse até sua casa para — quem sabe — fazer uma experiência. Finalmente a portaria chamou pelo interfone, atendeu e autorizou que subisse. Bateram à porta.

 

— Oi, amiga! — disse Marcela. Abraçaram-se.

 

Juliana reparou no perfume de sua amiga. Sentaram-se no sofá e conversaram um pouco, Marcela estava animada para contar seu encontro de mais cedo. Juliana demonstrava interesse em ouvir.

 

Já há algum tempo Juliana vinha notando uma coisa, uma vontade, uma causa sutil, mas que estava ali, e ela sabia que iria crescer,  como capim que cresce depois de um dia chuvoso. Ela reparava que algumas pessoas estavam ficando particularmente interessantes ultimamente.

 

— Continua ouvindo esses rocks adolescentes? — indagou Marcela.

— Melhor que ouvir piseiro! — retrucou.

— Não é, não! 

 

Juliana fitou sua amiga, o modo como ela assentiu o "não é, não!". Tinha os cabelos curtos e cacheados, os olhos claros, e um sorriso bonito, convidativo. Seus cachos lhe vieram ao rosto, à esquerda e à direita, enquanto negava com a cabeça que não, rock adolescente não é melhor que piseiro.

 

Juliana fitou-a por alguns segundos ainda e disse:

 

— Pode colocar uma música que quiser, mas só uma!

 

Logo Marcela pegou o celular e colocou em um piseiro que gostava. Em muitas coisas as duas concordavam, mas, com relação à músicas, não, não concordavam. Uma gostava ainda do rock pop juvenil típico estadunidense, a outra gostava mais das músicas popularescas nacionais. 

 

No vestuário o mesmo se repetia, uma gostava mais de cores, a outra gostava mais de tons fortes e um estilo mais roqueiro. Quando adolescente, Juliana era o verdadeiro estereotipo do fã de rock. Porém, com o passar dos anos, passou a se vestir de forma muito mais equilibrada.

 

Equilíbrio. Como quando se faz o truque de bar, de equilibrar dois garfos num palito de fósforo. Equilíbrio, de não demonstrar seus sentimentos todos de uma vez e acabar sufocando sua presa. Usar a inteligência.

 

— Já tá na cara que o André quer ficar com você. Já tão até falando disso lá na faculdade!

— E você acha que eu não sei… 

 

Gostava do corpo de Marcela. Vinha reparando nisso nos últimos meses. Que ela gosta de usar shorts justos e curtos, e de deixar suas pernas à mostra. Pernas bonitas, a academia lhe faz bem, e notava a sua pele bronzeada. Vinha se perguntando se apenas a achava bonita ou se tinha alguma coisa, alguma vontade.

 

Vontade de deixar de ser aquilo para se tornar isto.

 

Vinha pensando aqui com seus botões. Postava fotos na academia, quando terminava o treino. Marcela fazia a mesma coisa. Um dia respondeu a um story pós-treino de Marcela, e a coisa evoluiu para uma mandar fotos na academia para a outra. Como encorajamento.

 

Tinham inclusive pensado em malhar juntas, na mesma academia e no mesmo horário, mas a rotina e a conveniência não lhes permitia.

 

— E você não vai ficar com ele?

— Ah, eu não sei, sabe. Algo me diz que não, não vai ser bom… não tenho tanta vontade.

— Hum… Sabe, o André parece tão bonzinho. — E um sorriso malicioso surgia no rosto de Marcela — Nem parece que ele daria conta… — concluiu.

— Não, nem é isso. — Juliana sorriu também, e de soslaio continou: — É uma coisa, uma sensação que tenho… Aliás, que não tenho!

 

Quase como uma iluminação, um insight, enquanto fitava Marcela e seu olhar malicioso, lhe veio à mente. Ora, não era uma voz, uma sensação que tinha que a impedia de ficar com André. Era o que não tinha, o que faltava. Faltava algo a ele que a atraísse a ficar com ele.

 

Era um homem certinho demais, comum demais. Faltava o borogodó, como tinha ouvido sua avó falar.

 

— Falta?

— É, acho que falta — ia se explicando para a Marcela. — Foi uma coisa que pensei agora… Acho que falta atração…

— Acha que só vê ele como amigo?

— Acho que sim — confirmou Juliana.

 

Marcela ficou em silêncio por alguns instantes.

 

— Sabe que vai machucar ele, né?

— Sei… eu sei.

 

Depois de algumas músicas, algumas taças de vinho, o assunto já ficava mais leve.

 

— Podia era pedir uma pizza — disse Marcela.

— Pedi aí então!

— Vamos dividir!

— Pensei que você fosse pagar tudo.

— Pensei que voce fosse minha amiga — inquiria Marcela —, e fosse me ajudar a pagar!

— Mas sou sua amiga, só estou sem dinheiro…

— Você sempre está sem dinheiro… E estou com fome!... E, além disso, você vai comer também!

— Tá bom, pede aí! — cedeu Juliana.

 

Não conseguiram marcar de treinar na academia juntas, mas trocavam fotos dos treinos que faziam. Se exibiam. Exibiam seus corpos ficando mais torneados, mais desenhados, a cintura afinando e os glúteos ficando mais salientes.

 

"Ai amiga, quero botar silicone, meus peitos parecem que estão diminuindo com o treino," escreveu e enviou Marcela por mensagem uma vez enquanto treinava.

"Pra mim parecem normais os seus seios," respondeu juliana.

"Não, estão diminuindo," retrucou Marcela e junto da mensagem mandou uma foto, tirada no banheiro da academia, com o top levantado, revelando seus seios, estrategicamente cobertos com a mão que não segurava o celular.

 

E quando viu a foto, Juliana sentiu esse algo, e também sentiu o deboche. Poderia ser uma piada ou uma mensagem. Quanto aos seios, confirmou que eram bonitos e lhe pareciam estar do mesmo tamanho de antes. E lhe veio um estalo e uma ideia na mente…

"Você reclama aí dos seus seios, são muito mais bonitos que os meus," e mandou ela própria uma foto dos seus, exatamente na mesma pose de Marcela, porém se protegeu a menos, revelando um pouco mais do que devia.

 "Hum, deu pra ver que são rosinhas.." respondeu Marcela junto com um emoji. Respondeu com outra foto e a legenda: "Os meus não são tão clarinhos assim…"

 

E as trocas de mensagens e fotos foram escalando. Dali a pouco foram ficando mais ousadas. Contudo, não passavam de uma troca de mensagens e de registros dos treinos na academia. Eram encorajamentos. Era uma exibindo para a outra os resultados dos exercícios, e mostrando que quando se tem foco, se pode chegar aos resultados. 

 

Além disso, nunca tinha acontecido algo de fato. Marcela até saía com Gustavo, um outro aluno da faculdade, colega de classe. Mas Juliana sentia que havia também algo nessas mensagens, talvez nas entrelinhas.

 

Ali, sentadas no sofá, Juliana estudava sua amiga que tinha suas pernas à mostra por um short curto justo, e vestia um cropped de mangas longas. Pernas desenhadas, uma barriga lisinha. Um colar no pescoço. Era bonita também de rosto. Sua boca, seus lábios. Era ela toda um convite, só estava ali, à sua espera.

 

— Vou botar um forró! — sorriu e quis tomar o celular das mãos de Juliana.

— Pois então bote, que vou dançar com você — uma ideia lhe surgiu na cabeça.

— Oxe, e você sabe dançar, é? Pensei que fosse a roqueira… Deve nem saber dançar!

— Pois eu posso aprender, não deve ser tão dificil!

 

Colocando uma nova música, Marcela se levantou do sofá.

 

— Então vem, vou te ensinar. Só não vai pisar no meu pé…

 

Marcela tomou a mão direita de Juliana com sua própria mão direita, e colou seu corpo com o de sua amiga, para poderem dançar.

 

— Tem que deixar a cintura mole… isso, acompanha a minha…

 

Com seus corpos colados, Marcela rebolava seus quadris, que eram seguidos pelos de Juliana. Ensaiavam passos, havia alguma hesitação, mas acabava fluindo.

 

— Ó, até que você não é tão ruim!... — disse enquanto ria da amiga.

— Vai me conduzindo — respondeu Juliana.

 

Marcela também se interessava por Juliana e seus cabelos acobreados, pele pálida e corpo bem desenhado pelos treinos de academia. Já até conheciam de vista quase todo o corpo uma da outra. Agora, encaixadas, conheciam o tato uma da outra. E desde o princípio Marcela tinha segundas intenções.

 

Estavam ali as duas, com os corpos colados, dançando uma música qualquer, que já nem prestavam atenção. Tinha ali uma energia, uma tensão, uma vontade de se sentirem juntas. Só estavam esperando o tempo certo, o timing perfeito, que daquela noite não passava.

 

Marcela afasta Juliana de si e faz sua amiga rodopiar. Traz ela de volta num movimento vigoroso, e quando vem a seu encontro, já a recebe com um beijo. Um beijo ardente e desejado. Demoram-se alguns instantes, corações pulsando, transpiração alta.

 

— Está gostando?

— Estou, muito… — sussurrou Juliana

 

O entregador deixou a pizza, já paga via app, na portaria do prédio, mas nenhuma das duas mulheres desceu para buscá-la.






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