Contos escrita por Carlitos


Capítulo 8
À Luz dos Postes




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Mesmo que as sombras me apanhassem e me levassem daqui, eu procuraria a luz. Não com tanto afinco. Gosto também da escuridão. Gosto da sinceridade da noite. Da falta de luz da madrugada.

 

A luz que a razão irradia é a qual eu procuraria. Mesmo nas trevas. Às trevas o meu desprezo. Nada de mim poderá ser retirado se eu não quiser. Chegarei mesmo a rir das tentativas frustradas de me diminuir, pois minha honra será maior que isso tudo.

 

Mas, veja, eu também tenho um coração. E mesmo que não tivesse, ainda haveria no mundo um motivo, uma causa primária, a que chamaremos vontade. E essa vontade seria a de viver. Apenas a inércia, um corpo vivo que tende a manter-se vivo.

 

Porém, dotado sou de sentimentos, e de toda a sorte de significados que vêm disso. Já não sou mais inercial, apenas buscando manter minha vida. Agora busco a arte, a metafísica. Algo maior para se viver e se morrer.

 

E me vejo em seus olhos. Significam muito. Talvez sejam tudo o que tenho para sentir. Estamos numa praia, a brisa a acariciar seu rosto. Você sorri, imperfeita, assim somos todos. Seu sorriso, seus lábios, indeléveis em minhas lembranças. Haviam dias que eu contava nos dedos, à esperança de algum algo melhor, que em você se personificou.

 

Contudo a vida é mais do que isso. Sejam talvez também os meus problemas, que se tornaram seus também. À toda sorte de malabarismo feito, na tentiva de nos mantermos um casal coeso. Quanta energia gasta, tudo deveria ser simples.

 

A simplicidade é a essencia da alma e de todas as coisas, todas as que valem a pena. O que muito precisa ser explicado e justificado é porque não é para existir.

 

Um dia você se foi. Todos os momentos viraram memória. Os dias pesaram depois. As trevas chegaram e me envolveram, num abraço perigoso. Tentei achar a luz, procurei-a, mas não a alcancei. Descobri que no meu coração só havia vaidades; você, quando presente, ofuscava-me todas elas. Já, sem você, não consegui tornar-me melhor.

 

E, talvez, fosse isso doentio. Já não mais me surpreende que não tenha aguentado. Como posso colocar tamanha responsabilidade em outra pessoa? Agora já posso ver quantas vezes meu coração amargurado maltratou o seu, simplesmente porque eu não sabia agir de outra forma. E quantas vezes o seu, por generosidade e, por vezes, até ingenuidade, respondeu ao meu com amor, com doçura, enquanto eu sufocava o seu?

 

Tornei-me um vampiro, sugando suas energias. E, quando você se foi, já não conseguia mais me sustentar sozinho. Eu caí, e quanto mais caía, mais me acostumava à nova situação, pois estava agora onde eu sempre deveria estar. 

 

Mas, me deixe levar, deixe-me vagar por minhas lembranças. Deixe-me lembrar de um tempo mais leve, em que só havia eu e você no mundo. E também de quando nos abraçávamos e eu sentia você em meus braços. Sentia sua pele, sua temperatura. Deixe-me recodar, deixe-me viver.

 

Deixe-me lembrar para que assim eu possa suportar minha atual realidade. Minha vida adulta.

 

Talvez haja ainda uma esperança. Talvez haja um sopro, um sopro de vida. Algo no horizonte. O que será que a vida guarda para mim? Se vivemos num universo em que tudo muda; em que, a priori, tudo é possível, seria para mim possível uma nova esperança?

 

Um quarto, uma cadeira. Uma janela, um cigarro no cinzeiro. Uma máquina de escrever. Teclas, sendo furiosamente pressionadas, na esperança de escrever uma história, uma história de vida e esperança, nessa tarefa de se escrever sentimentos. Tentativa de passar ao papel sentimentos abstratos.

 

Não, não sei. Quanto mais escrevo mais sinto que as palavras me escapam. Mais sinto que meus sentimentos vão-se embora. Que já não serei mais capaz de registrar o que sinto ao papel.

 

Mas um dia ela chega à porta. Bate-lhe suavemente. Eu abro, vejo-a e ela me dá um sorriso. Como dados jogados ao acaso. Como uma decisão de uma vida tomada em segundos.

 

Estão todos perdidos nas ruas. Qual o caminho que eu devo seguir? Se eu seguisse o trânsito, chegaria a lugar algum? Ou moro numa ilha em que todas as estradas trazem de novo ao centro da cidade?

 

Nos becos negociam-se drogas e armas frias. Prostituem-se. Belas jovens, rapazes fortes. O tempo se esvai, escorre pelos dedos e nem se percebe. Onde está, onde está a salvação? Carrega-se uma cruz cujo peso se sente a todo instante.

 

O garçom já sabe o que gosto de beber. Desce-me queimando a garganta. Sinto prazer em sentir que meu corpo se agride toda vez que bebo uma dose. Já estão todos os valores invertidos ao ponto de se ter prazer pela dor.

 

Mas haverá ainda uma vez que a encontrarei novamente, e com meus dedos lhe acariciarei os cabelos. Que com meus lábios beijarei sua boca. Que com meu tato sentirei sua pele. Que a abraçarei novamente e ela me dirá que ainda quer ficar comigo. Mas, por enquanto, só me resta a bebida e os cigarros.


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