Contos escrita por Carlitos


Capítulo 12
Gato Gangrena




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/654229/chapter/12

Mas na vizinhança tem um gato, gato danado, bichano mesmo. Ô felino ruim de pegar! Pode juntar todo mundo aí que não dá conta nem do rabo do bicho. Não tem nem chance.

 

Eu conto é porque eu vi. Eu vi o danado correndo com um bife na boca e Seu Elias, o açougueiro, correndo com a vassoura na mão, atrás do felino. "Gato disgramado!", dizia, mas não deu em nada. Ficou na porta do açougue reclamando que ele lhe roubava as carnes, o sete-vidas indo embora, saltitante.

 

Nem a cachorrada da rua pegava o salafrário. Faziam emboscada, corriam atrás, seguiam os passos. Nada. Biu, o cachorrão, já tinha anunciado que ia dar recompensa pra quem pegasse o gato. Ia roubar um frango assado do Seu Jenival e dar ele inteiro pra quem trouxesse o ardiloso.

 

Acha que a cachorrada não ficou empolgada? Ficaram pra burro! Juntaram em cinco e foram atrás do gatão. Tentaram pegar no beco da lixeira quebrada. Eram cinco contra um. Pois o bicho deu um jeito de escapar! Ficaram os cinco cães lá, sem entender nada!

 

Era Gato Gangrena, o rei da cidade, mandachuva da gataiada. Quando ele mandava pular, só perguntavam a altura. Astuto, manhoso. Desfilava pela cidade. Sempre com o focinho empinado, era o maioral. O gatuno. O que inspirou o ditado "à noite, todos os gatos são pardos".

 

E com as gatinhas? Elas se assanhavam todas. Era só ele passar, que já ficavam todas eriçadas. Também, quem não queria fisgar aquele gatão, ter ele todinho? Ele, a sensação entre os bichanos!

 

Tinha uns muros que os outros gatos não podiam subir, não. Ah, isso não! Esses muros eram só do Gato Gangrena. Ai de você se você quisesse desafiar o chefe. Se pit bull não tinha chance, você ia ter?

 

Tava a Clarinha, filha do Dr. Otávio, o médico, brincando na calçada de casa. As crianças todas brincavam assim na rua, à tardinha. Cidadezinha boa, em que não ficava todo mundo no celular. Brincava ela sozinha, com um gatinho. Pegava ele no colo, fazia carinho.

 

Aí que Dr. Otávio viu. Não era um gatinho, era o danado.

 

— Larga esse gato aí, menina; esse gato é da rua, tem doença!

 

A menina largou o bichinho e entrou em casa. Ora, Gato Gangrena não gostou nada do que ouviu. Gato de rua ele era, com orgulho, nunca seria um animal preso. Agora, doente? Ah, isso não! Não era mesmo! Ia ensinar pro doutor uma coisa…

 

Esperou todo mundo dormir. Até que não demorou tanto, naquela cidadezinha todo mundo dormia cedo. Escalou o muro da casa do doutor. Dormia o cachorrinho, o pinscher barulhento e brigão da família. 

 

Caminhou sobre o muro, foi andando até chegar onde tinha uma árvore, nos fundos da casa. Passou pra um galho, e foi descendo, devagar, suave. Não queria acordar o totó brigão. Vinha só pensando consigo, "agora eles vão ver".

 

Dos galhos chegou no tronco, e veio deslizando até o chão. Olhou bem em volta. Era um quintal grande que cercava os quatro lados da casa, lá na frente dormia o pinscher, dentro de sua casinha. Andou na grama em silêncio, como só os gatos conseguem, vindo pela lateral.

 

Queria achar a janela do quarto do casal, eles sempre deixavam uma fresta. Subiu nela. Dependurado e devagar, foi abrindo a janela. Não precisou abrir muito, passava em qualquer buraco, bastava conseguir passar a cabeça primeiro. Entrou no quarto.

 

Com cuidado, pulou da janela pro criado-mudo do lado do Dr. Otávio. Ficou parado, querendo silêncio. Um sobressalto, o doutor se mexeu na cama. Silêncio. Só os roncos dele e da sua esposa. Tava dando certo o plano.

 

Caminhou no escuro. Como felino, enxergava mesmo assim. Chegou até a porta, que estava aberta, pois o doutor e sua esposa tinham medo que Clarinha precisasse ser socorrida durante a noite. O bichano chegou no corredor e foi andando até a sala.

 

Lá ele olhou em volta e achou o que procurava. Encontrou, do lado da porta, a chave do carro do Dr. pendurada no chaveiro. Ele ia precisar dela no outro dia, pra poder ir até o hospital da região toda, na cidade vizinha. Então foi lá. Pulou na mesinha que tinha logo abaixo , e de lá se espichou todo, alcançando a chave pendurada. Pegou ela com a boca.

 

Pensou em levar ela embora. Mas aí já seria maldade demais, e ia atrasar muito o doutor, que tinha pacientes pra atender. Era pra ser só um contratempo, Gato Gangrena não queria fazer os outros pagarem pelo erro do doutor. Então veio outra ideia.

 

Foi até a cozinha, viu lá a geladeira. Grande, imponente, duas portas, com congelador em baixo e geladeira em cima. Foi quase um acontecimento na cidade. O Dr. comprou o modelo que sua mulher queria, pra deixar ela feliz. Era em cima dela que iria deixar a chave.

 

Escalou o topo da geladeira. Tinha uma camada de pó em cima dela. Deixou a chave ali, bem no meio, pra se alguém passasse a mão por ali, procurando, não achar logo de prima.

 

Depois, já no beco da gataiada, estava feliz. Agora aquele doutorzinho ia saber quem era Gato Gangrena. Gato de rua doente! Ia se atrasar agora. Ia se atrasar só pra aprender uma lição. E a vida noturna dos gatos tava só começando.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.