Contos escrita por Carlitos


Capítulo 11
Insônia




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Era uma noite quente de verão. Girava de um lado a outro na cama, mas o sono não vinha. Vinha angústia e medo do futuro.

 

Juliano sentia-se pressionado em seu próprio casamento. Virou-se, observou por longos segundos sua mulher, que despreocupadamente dormia um sono profundo. Sua respiração que ia e vinha.

 

Ia e vinha como as dores em sua cabeça. Eram jovens. Já nem tanto. Bancário. Tinha estabilidade financeira. O pastelão moderno, a tragédia, o teatro.

 

Só pensava em contas. Dinheiro. Salários a receber. Planos futuros. Novos carros. Viagens. Nada disso o satisfazia. Não deveria ser feliz?

 

Ele podia fechar seus olhos e tentar se concentrar em alguma coisa, mas não conseguia. Mesmo na escuridão podia ver suas mãos. Nem se reconhecia mais.

 

Um rosto inchado no espelho do banheiro. Houve tempos mais simples. Houve um caso na adolescência, uma garota doce com quem se relacionava. Que o tratava bem, era cheia de planos. Com quem ele não soube lidar.

 

A água que lhe escorria pelo rosto era fria. Despertava-o, como se já não estivesse desperto.

 

— Vamos voltar pra cama, amor — disse-lhe enquanto o abraçava pelas costas. Seu corpo delicado e sua pele suave o envolviam. Estava quente, pelas cobertas e pela noite quente.

 

Voltou junto com sua mulher para a cama. Mas sua cabeça voava, girava, estava longe dali. Supermercados, compras do mês. Mais e mais contas. Mais planos. Mais planos eram mais contas. O atendimento no banco.

 

As pessoas que vinham se queixar de problemas. Problemas que nem eram seus, mas que tinha que resolver. Era pago para isso. Salários, tudo se resume a salários. E os mendigos e os usuários de drogas que via na rodoviária, sempre que decidia ir de ônibus para o trabalho.

 

As ruas, as pessoas, ninguém se olhava, ninguém conversava. Quando conversavam eram conversas superficiais. Uma cidade inteira em que todos querem trabalhar no setor público. Lembrou-se de não muito tempo atrás, quando ainda tinha que dar um jeito de garantir o próprio futuro. Dores da noite, da madrugada.

 

Levantou-se, olhou para sua cama. Sua mulher dormia. Seu rosto suave. Beijou-lhe a testa. Estremeceu de leve, mas não acordou.

 

— Te amo muito — sussurrou-lhe ao ouvido.

 

Trocou de roupa, foi até a garagem, tirou de lá seu carro e dirigiu. Dirigia na cidade com a maior área verde da região. As ruas da cidade planejada, primeiro vias locais, depois avenidas e por fim vias expressas.

 

Dirigiu até um lugar que lhe era familiar.

 

— A essa hora? — ela lhe recebeu no seu pequeno quarto.

— Não consigo dormir, sabe…

— Entendo… entendo…

 

Tinha olhos amendoados e cabelos curtos. À meia-luz de sua kitchenet. Pegava-lhe de surpresa. De qualquer forma ele sabia que ela não dormia. Passava a noite lendo livros.

 

— Pensei que quando tivesse um emprego que me pagasse bem, ficaria mais feliz.

— E não ficou? A vida é mesmo engraçada, sabe… — ela o respondeu.

 

Entreolharam-se. Havia uma poltrona primeiro, uma cama ao fundo e uma pequena cozinha à direita. À esquerda, na parede, muitos e muitos livros. Sentava-se ele na poltrona, ela na cama, um de frente para o outro. 

 

— Vou fazer um café — disse ela. Ele não disse nada.

 

Levantou-se vestida em seu robe marrom. Colocou um pouco de água para ferver.

 

— Está lendo o quê? — apontou ele para o livro que havia sobre a cama dela, aberto, capa e contracapa virados para cima.

— Ah, sim, é Lolita… é um livro sem importância…

 

Conheceu Aline ainda na faculdade. Costumava recorrer a ela quando se sentia assim, meio só, meio deslocado. Ela o entendia, ele também a ela. Gostava sobretudo das palavras que ela usava. As palavras. O poder que as palavras têm.

 

Passou o café no filtro de papel. Encheu duas xícaras. Trazia a sua e a dele. Quando estendeu para entregar-lhe, ele a tomou pelo pulso, a trouxe para si e beijou sua boca.

 

Quando seus olhares se cruzam, à meia-luz. Silêncios. Livros, café, álcool. Alguns vizinhos fumavam, sempre tinha um leve odor de cigarros no ar.

 

— O que seria a vida, a não ser uma séria de dúvidas? — pontuou Aline.

 

Estavam os dois na cama, lado a lado. 

 

— Talvez, talvez… — iniciou e não concluiu Juliano.

— Sabe, algo que me incomoda hoje é a frieza, a impessoalidade… — ia dizendo Aline. — Parece tudo superficial!

— Neste lugar todos querem ser funcionários públicos!

— Não, não é nem isso. É algo mais… — devolveu Aline.

 

Tinha Juliano ficado com essa fixação nos últimos tempos. Talvez porque tinha sido cobrado, incentivado a passar em um concurso público. E passou, virou bancário de um banco estatal famoso. Seu salário era bom, tinha estabilidade no emprego. Mas não se sentia tão realizado assim.

 

— E você ainda ama a Jéssica?

— Sim, amo sim. É só algo que tenho — respondia Juliano —, algo que não consigo explicar. Nem sei direito.

 

Ela ficou em silêncio por alguns instantes.

 

— Não sabe ou quer se enganar que não sabe?

 

Ele não respondeu.

 

Os dias iam-se passando. Sóis nasciam e se punham. Carros passavam; pessoas iam e vinham. Olhos, olhares. Gestos, pessoas. Palavras, frases. Fases da vida. Tempo, o tempo que passa. Com o tic-tac do relógio. Tempo, o mestre de todas as coisas.








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