Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 33
O tempo


Notas iniciais do capítulo

Demorei? Demorei, mas depois que ler esse capítulo, vai dizer... Valeu a pena.
Permito agora que mergulhem no penúltimo capítulo desse meu devaneio. :) Vejo vocês nas notas finais.

Música do capítulo:

Hunger - Ross Copperman



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/653683/chapter/33

Eu estava deitada sobre algo rígido quando acordei naquela manhã. Rígido, porém quente, caloroso — tão quente que esse calor passava do “algo” para mim como uma corrente elétrica, ou melhor, fervente. A satisfação que senti ao lembrar de que o algo era o peitoral de Dean foi imensurável.

E pensar que aquela poderia ser minha última chance de acordar naqueles braços. Nos braços dele.

Subitamente, minha respiração ficou descompassada. Ficou mais ainda quando eu lembrei de que ele estava dormindo e que não queria acordá-lo, mas já era tarde demais. Dean abaixou a cabeça para me olhar, confuso, e tentei ao máximo encenar uma pacífica viagem no sétimo sono. Não foi convincente o suficiente, já que roçou seus dedos no meu pescoço, causando-me um arrepio repentino.

— O que há? Acha que o desodorante venceu? — perguntou, encostando o queixo na minha cabeça. Sinto-o sorrir contra os meus cabelos.

Franzi o cenho, tentando assimilar qual era o sentido daquela pergunta, mas rapidamente relembrei de que estava deitada debaixo de seu braço. Não contive a risada áspera que abandonou minha garganta.

— Idiota.

— O quê? Não gostou da minha piada matinal? — Dean satirizou, com o que sinto que é, através do contato de seu queixo com o meu couro cabeludo, um sorriso de canto.

Meu sorriso se dissipou ao lembrar do pensamento que me concedera angústia há poucos instantes, e com o que parecia ser uma nuvem carregada sobre a minha cabeça, soltei um grunhido e arranhei de leve a costela de Dean com a ponta de uma unha. Para minha surpresa, ele desvencilhou-se de mim e sentou-se na cama, virando-se na minha direção, em meu ângulo. Sustentei seu olhar preocupado, e eu sabia no que ele estava pensando.

— Não fique assim — pediu, quase em um murmúrio. O humor recente parecia ter tirado férias.

Me remexi na cama, jogando as mãos para trás e permitindo que elas caíssem sobre o travesseiro macio. Afundei mais a cabeça neste de propósito e grunhi novamente.

— E isso é possível?

— Se você acreditar que é.

Ouvi suas palavras com atenção, e então, dirigi meu olhar para ele. Ele não tirou o seu olhar de mim também, estralando a junta de um de seus dedos espessos. Respirei fundo e um fato surgiu em minha mente, cujo me permitiu a dar um sorriso ligeiro. Dean o estranhou.

— Quanto otimismo! Quem diria, Dean Winchester! Você pode ser parecido com o Sam, sim — eu caçoei enquanto assistia sua expressão de decepção.

Ele fez uma careta.

— Engraçadinha.

Soltei uma risadinha breve e me sentei na cama também, esquadrinhando o quarto de Dean Winchester. Lembrar das travessuras da noite passada me fez ficar com calor, assim como a proximidade minha à do caçador bem ao meu lado. Por mais íntimos e acostumados que estivéssemos, ele ainda exercia aquele efeito sobre mim. A carga elétrica, o súbito calor e os arrepios. Ele era minha kryptonita. Minha perdição, mas ao mesmo tempo meu refúgio. E bem, minha kryptonita sorria para mim agora — aquele sorriso torto que eu tanto adorava, perfeitamente esculpido nos lábios rosados e convidativos. E agora, eles pareciam mais convidativos do que nunca.

Incapaz de resistir, me inclinei na direção daqueles lábios e depositei um beijo suave nestes. As borboletas em meu estômago voaram como loucas, para todos os lados, batendo suas asinhas coloridas em euforia. Na verdade, parecia que de repente toda a fauna residia dentro do meu organismo, fazendo a festa dos bichos. Me afastei, e a falta de contato doeu. Em compensação, ainda podia observar seus olhos de esmeralda, brilhando para mim como nunca antes. Era eu quem sorria agora.

— Bem, sendo amanhã ou não o dia em que eu baterei as botas, não altera o fato de que eu estou morrendo de fome — pressionei o lençol contra meu corpo desnudo e levantei da cama, enrolando-o pelo corpo da maneira certa.

Dean me encarou como se aquele ato fosse um pecado.

— Por que está fazendo isso?

— Isso? — lancei uma olhadela ao meu corpinho, unindo as sobrancelhas graças à confusão.

Ele assentiu.

— Você não quer que o Cas ou o seu irmão me flagrem como eu vim ao mundo no corredor, quer? Ou Miguel? Crowley? — expliquei, sardônica, mas me lembrei do detalhe. — Ah, desculpe, eu vim ao mundo vestida. Enfim, você entendeu.

— Crowley? — Dean torceu o nariz. — Eca. Isso é quase pedofilia.

Ao pensar nisso, estremeci.

— Quantos anos aquele cara tem, afinal? — devaneei, olhando para o teto.

Dean, ao contrário de mim, não está completamente nu, então levantou-se da cama, exibindo seu físico nem um pouco atraente — quem eu quero enganar? — coberto apenas por uma samba-canção. Ele se aproximou perigosamente de mim, com um semblante malicioso.

— Aqui dentro, você não precisa de lençóis. Ou roupas — sibilou o pedaço de mal-caminho.

Tive a leve sensação de que eu havia derretido naquele exato momento, em algum lugar, em meu âmago.

— Hmm... — o caçador chegou mais perto e tocou minha cintura. É como se o lençol não estivesse ali, sendo seu toque mais claro do que nunca. Me afastei bruscamente.

Dean encarou-me com uma mistura de surpresa e confusão.

— É, bem, mas estou com frio e acredito que vamos incomodar alguém se continuarmos aqui...

Ele ergueu as sobrancelhas e torceu a cabeça para o lado, fazendo uma careta que me entregava a razão.

— Concordo. Você é bem barulhenta na hora H — provocou, ainda mais malicioso.

Senti meu rosto tingir-se de vermelho. Como eu amava fazer cosplay de tomate — pura diversão.

Me contive de cair aos seus encantos e me afastei com um sorriso travesso, arrastando o lençol pelo chão e apertando-o bem contra o peito para que não houvesse nenhum risco de cair e expor meu corpinho nada atraente — e desta vez, eu estava sendo sincera. Fechei a porta e saí de costas para o corredor, o que me fez colidir bruscamente com alguém.

Se eu estava vermelha, acho que fiquei roxa ao quase cair no chão após um impacto direto com um certo anjinho de sobretudo. Notei que ele também ganhou uma corzinha ao me ver daquele jeito.

— Cass... Eu não sabia que... Você... Eu...

Acho que ele notou meu nervosismo e identificou minha tentativa de balbuciar uma desculpinha esfarrapada, porque ergueu aquelas mãozinhas adoráveis no ar e um sorriso consolador nasceu em seu rosto.

— Nunca aconteceu. Esqueça — sugeriu, acalmando-me. — Ok?

— Ok. Esquecer que você me viu quase nua, coberta por apenas um tecido fino de... hmmm... — eu analisei o lençol ao redor do meu corpo. — Digamos que, terceira categoria, após recém acordar de uma noite cheia de...

— Beth! — ele me cortou, fechando os olhos, apertando as pálpebras contra os lumes azulados.

Ao perceber o que eu estava prestes a dizer, cobri a boca, sentindo uma vontade avassaladora de enfiar minha cabeça em um buraco feito uma avestruz e de lá nunca mais sair.

— Desculpa! Impulso!

O anjinho continuou me encarando, talvez um pouco... Sem palavras?

— Esquecer. Pronto, já esqueci — eu disse, e saí pisando duro, passando pelo anjo embasbacado.

Falando em embasbacado, embasbacado me lembrou a palavra desastrado, e, sincronizando com meu pensamento, tropecei no lençol, quase indo ao chão, mas consegui me equilibrar apoiando-me em uma das paredes cinzas. Olhei para trás, e Castiel me encarava, visivelmente constrangido. Ruborizei ainda mais, de olhos arregalados, e apenas abri a porta do meu aposento, me enfiando lá o mais rápido que pude.

Fechei a porta atrás de mim e me encostei nela, quase tendo um ataque cardíaco. Eu podia ganhar o Oscar de mico do ano. Existe um Oscar para isso? Mantive esse pensamento, prometendo a mim mesma que pesquisaria sobre isso.

Ótimo! Se continuasse passando vergonha dessa maneira, eu não precisaria nem me preocupar em gastar com blush.

{...}

Larguei a caixa de Pandora sobre a mesa, causando um estrondo. Sam se sobressaltou ao meu lado.

— Quem é o felizardo que vai carregar esse treco? — sorri, ácida.

— Por que você não leva? — Crowley estreitou o olhar, enterrando as mãos nos bolsos. — Você é tão poderosa e não consegue carregar uma simples caixinha?

Revirei os olhos.

— Você é sonso ou se faz? — indaguei, enfatizando com ainda mais azedume. — Alguém pode nos vigiar. Eu sou o alvo aqui, lembra? Não posso simplesmente carregar esse troço enorme e pesado na minha jaqueta. Meu bolso é minúsculo.

— Guardar em um bolso não é muito seguro, aliás — comentou Sam, dando de ombros.

Castiel suspirou.

— Eu levo — o serafim estendeu a mão, visivelmente impaciente.  — Posso fazer uma espécie de feitiço que tranque o bolso do meu sobretudo. Assim, só pega a caixa quem eu desejar que pegue.

— Boa ideia, Merlin — Dean apanhou a caixa e colocou-a nas mãos de Castiel.

Observei o anjo realizando a bizarrice, fazendo com que uma luz azul bruxuleasse e saísse de dentro do bolso de seu fiel sobretudo caramelo. Em questão de segundos, o bolso ficou vazio, como se a caixa não estivesse ali.

Ele então notou que todos o encarávamos.

— O quê? Tina me ensinou alguns truques.

— Você e Tina, hein... — insinuou Dean, com um sorrisinho malicioso.

Dei uma cotovelada nele, que estava à minha esquerda. Fiquei muito satisfeita ao ouvir o grunhido que ele emitiu devido à pancada. Castiel ignorou completamente o comentário do caçador. De repente, lembrei-me de algo muito importante: Miguel e seu exército.

Como se um ser do além — provavelmente Miguel — tivesse lido meus pensamentos, meu celular vibrou dentro da jaqueta. Recolhi ele e não identifiquei o número no visor; ainda assim, atendi, grudando o celular à orelha.

— Alô?

Elizabeth — Miguel proferiu, solene como sempre.

— Eu já ia lhe convo...

A voz diz que eu estou ficando sem minutos. Esses telefones são muito complicados... — balbuciou, desconfortável. — Por isso, vou ser breve.

Pigarreei e assenti com um sonoro “mm-hm”.

Consegui convencê-los. O plano permanece o mesmo — alertou, e eu respirei fundo, aliviada. — Onde vocês ficarão até a meia-noite?

Ele me pegou. Uni as sobrancelhas, incapaz de pensar e inconformada em como eu poderia ter esquecido daquele detalhe. Presumi que Dean estava ouvindo a conversa com clareza, pois se inclinou de modo que ficasse com a boca bem perto do telefone e disse, bem alto:

— Em uma boate!

Arregalei os olhos, em alarme.

Boate. Dança. Não, não, não, não.

Fuzilei Dean com um olhar mortal, que visivelmente divertia-se com a tortura à qual ele acabara de me submeter. Engoli em seco, esperando uma resposta do arcanjo, que não tardou a encerrar meu aguardo com tais palavras:

Er... — seu constrangimento era quase tangível, e percebi que sabia como ele estava se sentindo. — Talvez eu passe lá. Certo. Vou ficar de olho no meu rastreador de... filhas de Deus.

Franzi o cenho diante da piada péssima que ele utilizou para consertar a situação — o que a propósito, não funcionou nem por sequer um segundo. Suspirei.

— Até.

E desliguei. De imediato, guardei o celular e dei um soco generoso no bíceps de Dean; pareceu doer menos do que a cotovelada, já que o músculo era praticamente um air-bag. Ainda assim, jurei que ouvi um grunhido baixinho.

— O que foi? Não está a fim de uma dose de tequila antes de enfrentar o diabo? — Dean riu. — Não precisa se embebedar, mas é uma maneira de atenuar a situação...

— Engraçadinho.

O caçador me encarou, e eu temi ele descobrir a verdadeira razão da minha indignação diante da ida a uma boate. Os outros permanecem quietos, nos olhando indiferentes e desorientados. O que eu temia aconteceu; Dean abriu um sorriso gigantesco e gargalhou, ainda muito entretido com minha insegurança. Precisei segurar minhas mãos para não dar uns belos de uns tapas naquele rostinho de cinema.

— Você não sabe dançar. É isso, não é?

— Isso é equivocado — Castiel se pronunciou, sério. — Não é obrigatório dançar em boates. Você pode ficar apenas sentada.

Olhei para Castiel. Todos na sala o encararam, na verdade, e Dean balançou o indicador na sua direção.

— Para um anjo meio leigo, até que você sabe das coisas — disse o caçador, ainda risonho, e então, vira-se para me fitar. — Pena que eu vou obrigar esses quadris a se mexerem um pouquinho.

— Nem morta — sibilei.

O Winchester ergueu as sobrancelhas.

— Não é você que disse que pode morrer hoje? Então! Você vai mesmo morrer sem beber tequila em uma boate e dançar ao som de Britney Spears?

— Não estava na minha lista de “coisas para fazer antes de morrer” — ironizei, cruzando os braços, e então sorri, sardônica. — Por que você não faz isso, mademoiselle?

Não esperando por meu argumento, Dean fechou a cara, transbordando orgulho. Como eu podia amar alguém tão insuportável? É, definitivamente é verdade o que dizem. Os opostos realmente se atraem.

— Ok, chega de encher linguiça — Castiel falou, quase como uma ordem, e sua voz pareceu incrivelmente robotizada.

Novamente, nós o encaramos. Mastiguei o lábio, me sentindo preenchida por vergonha alheia. Não era do porte de um anjo usar esse tipo de expressão. Apagava seu charme.

— Eu andei pesquisando umas expressões populares.

— Claro, é popular — debochou Crowley, com um sorrisinho de escárnio. — Popular entre as integrantes do clube do livro da minha avó.

O serafim abaixou a cabeça, e não consegui identificar sua reação.

— Concordo plenamente, Cas — Sam levantou uma mala que estava em suas mãos e a balançou. O som de armas, batendo-se umas contra as outras, ecoou pela sala do bunker. — Temos que ir.

Todos assentimos e andamos na direção da porta, rumando ao Impala — no qual eu tive que me espremer no banco de trás com Castiel e Crowley. Um anjo e um demônio, um de cada lado. E é claro, um alce e um esquilo na frente. Que sorte a minha.

Próxima parada: Pittsburg.

{...}

Ao colocar um pé para fora do carro e pisar na sarjeta da rua de Pittsburg, já iluminada pela luz prateada da lua cheia graças à noite que chegara, me arrependi profundamente de ter feito isso. Previ grandes constrangimentos naquele lugar, e se eu não morresse, eu definitivamente ia ficar no meu quarto durante semanas. Dean ia conseguir, de alguma maneira, me persuadir. É claro que conseguiria. Já estava me preparando para ser caçoada pelo resto da minha vida.

Bem, mas pelo menos aquilo me impedia de pensar no que me aguardava três horas depois. As cinco horas dentro do carro nada espaçoso graças à presença de dois seres sobrenaturais, um de cada lado, emburrados, me fez ficar perdida em devaneios e possibilidades, além de eu ter mergulhado de cabeça em meu pessimismo. Talvez eu precisasse disso. Descontrair um pouco.

Nunca achei que, quando estivesse tão próxima da morte certa, agiria de modo tão grotesco e inapropriado. Eu estava a três horas de distância de encontrar-me com Lúcifer e, possivelmente, trancafiá-lo em uma caixa cuja ele nunca mais poderá deixar. E sim, eu estava de pé, em frente a uma boate.

O letreiro rosa neon que quase me cegava exibia o nome “Tártaro”. Ótimo. Eu iria passar meus possíveis últimos momentos em uma boate grotesca chamada “Tártaro”.

Para uma cidade de míseros vinte mil habitantes, presumi que pelo menos mil deles estavam ali dentro, devido à barulheira e à fila gigantesca. Bufei e segui os outros até os seguranças brutamontes na porta de entradas, vestidos com paletós impecáveis e usando óculos escuros. À noite.

— Qual é o atraso aí, cara? — perguntou Sam, tentando soar descolado. Segurei o riso.

— Tem um número máximo de pessoas. Quando alguém sai, alguém pode entrar. O espaço é pequeno e duvido muito que, cobiçado do jeito que Tártaro é, alguém sairá até as seis da manhã. Sugiro encarecidamente que desistam — resmungou um dos brutamontes em resposta.

Ouvi Crowley pigarrear ao meu redor e empurrar todos atrás, ficando na frente e cara a cara com o segurança. O rei do Inferno — irônico para um lugar chamado Tártaro, quase um sinônimo para inferno — se aproximou do homem e sibilou alguma coisa. Não pude deixar de notar que, subitamente, seus olhos ficaram negros. Crowley convocou um demônio a invadir a casca daquele segurança?

O segurança — ou demônio, fiquei em dúvida — afastou a faixa que impedia que qualquer um entrasse e concedeu uma brecha para que passássemos. O aglomerado de jovens na fila fez um escândalo, berrando insultos.

Às vezes, é preciso burlar as regras. Ainda mais no seu possível último dia na terra.

Eu permanecia tocando nesse assunto como se eu fosse a única. A única que poderia morrer. Mas bem, o problema talvez nem fosse morrer. O problema era morrer antes de trancar o bastardo na caixa — mas ainda assim, eu temia. Não podia enganar a mim mesma mais. Não agora. Esconder o medo era tolo e fútil. Mas como eu disse, eu não estava sozinha.

Todos estariam em risco. Dean, Sam, Castiel, Crowley, Miguel, Tina... Todos. E todos por minha causa. Apertei os olhos enquanto caminhávamos, tentando espantar a culpa repentina.

Não era culpa minha. Eu sabia disso. Mas ainda assim, era difícil não me sentir culpada. Não sentir um peso nos ombros.

Eu precisava pensar positivo. Todos estavam correndo riscos para salvar o mundo. Salvar milhões, bilhões de famílias, manter a paz e a estabilidade. E sim, aquele era um risco que valia a pena correr.

Então, persisti em meu plano de tentar não pensar nisso, pelo menos por enquanto. Relaxar um pouco, talvez seguir as sugestões de Dean. Não é o que dizem? Viva todas as noites como se fosse sua última.

Essa poderia ser a minha última. Não hesitarei em vive-la ao extremo.

Nos esprememos entre a multidão e enfim chegamos até o bar, e achei ter ouvido um bater de asas. Eu não estava errada. Bem, dois “bateres” de asa.

Tina e Miguel se aproximaram da mesa onde nós nos instalamos, bem próxima ao balcão — era um tipo de mesa alta, onde os bancos são altos. Dean pediu tequila para todos. Tina parecia muito mais confortável do que Miguel, que mais parecia um papagaio em ninho de passarinho.

— Como conseguem estar tão eufóricos estando tão perto de uma batalha histórica e decisiva como esta? — questionou com uma formalidade exagerada.

— Escute, Miguel — eu me inclinei mais para frente, olhando bem no fundo de seus olhos. — Essa pode ser a última noite de todos nós. Aproveitar é essencial.

— Concordo com ela — Tina balançou a cabeça, sorrindo com seus dentes branquíssimos dignos de um comercial. — Não seja tão quadradão.

O garçom se aproximou e colocou uma dose para cada um. Cada um pegou seu copo, menos Miguel. Foi Castiel quem se pronunciou dessa vez, olhando diretamente para o arcanjo ao dizer isso:

— A viver cada segundo — ele ergueu o copo, propondo o brinde.

Miguel, hesitante, encarou o copo. Deu-se por vencer e apanhou o seu também. Batemos os copos no centro da mesa e viramos ao mesmo tempo. A sensação é horrível — o líquido desceu queimando como uma flecha por minha garganta, mas me faz sentir viva.

Eu estava viva. E era isso que importava.

Ninguém mais bebeu. Não podíamos estar embriagados em uma luta com o Lúcifer em carne e osso e mais um bando de seus lacaios, então, ficamos na mesa, conversando. O assunto agora era o dia em que Tina ceifara Michael Jackson.

— Foi o melhor dia da minha vida! — ela enfatizou, rindo alegremente.

— E como ele reagiu ao saber que teria de abandonar o corpo? — perguntou Dean.

Tina fez uma careta.

— Não posso contar isso. Respeito a privacidade dele — Tina empinou o nariz, orgulhosa de seu feito. — Mas posso dizer que tive um showzinho privado.

— O quê?! — dissemos em uníssono, até mesmo Miguel.

A ceifadora gargalhou.

— Com moonwalk e tudo.

Nossos queixos caíram em sequência.

— Morram de inveja, bitches.

E então, a conversa partiu para outro rumo. Observei o diálogo. Até mesmo Miguel estava envolvido, sorrindo. Até mesmo o carrancudo do Crowley. E pensar que em, agora uma hora e meia, tudo aquilo poderia... Acabar.

Estremeci. Não, não. Chega de pessimismo.

Seja positiva, Elizabeth. Pense positivo.

Sem mais delongas, espalmei as mãos sobre a mesa e saltei para fora do banco, atraindo a atenção de todos. Arregacei as mangas da jaqueta e remexi nos cabelos, confiante.

— Quer saber? Eu vou dançar.

De repente, no timing perfeito, como um milagre de último dia na Terra, uma música da Britney Spears começou. Reconheci logo de cara dos meus dias entediantes que passei navegando na internet e, principalmente, no YouTube.

É Toxic.

Não dei a mínima para olhares alheios. Aliás, isso era até convencido de se pensar; eu não era o centro das atenções ali, a não ser para os meus amigos. Ainda assim, nada importava mais. Magicamente, risquei o “dançar em uma boate cheia” na lista de coisas a fazer antes de morrer. Não, esse item não estava na lista umas seis horas atrás, mas agora estava e acabara de ser descartado.

Mexi meus quadris e pulei até que meus pés doessem. Cheguei a perder a noção do tempo, mas deduzi que havia passado pelo menos uns quarenta minutos na pista. A um ponto, Tina se uniu a mim e dançamos algumas músicas juntas, mas ela ficou entediada e voltou para a mesa. Já na provável décima terceira ou quarta música, voltei meu olhar para a mesa. Meus amigos ainda conversavam, animados, menos ele.

Ele mantinha os olhos fixos em mim, e a sensação de atrai-lo era extremamente... Não, não havia como descrevê-la. Meu vocabulário limitado e inocente demais não permitia. Mas sei que ao ver o modo como ele me observava, cada pelo do meu corpo se eriçou. Meu coração pulou uma batida.

Mas não parei de dançar. Continuei dançando, e dessa vez, olhando para ele. Só faltava eu fazer um strip-tease ali, no meio de toda a multidão, mas eu ainda tinha um resquício de classe. Ousei chama-lo com o indicador, atiçando as faíscas de desejo que nos circulam. Como se estivesse hipnotizado, ele me obedeceu.

Esperando que ele dançasse comigo, fui totalmente surpresa ao ter tido meu rosto puxado para ele. E subitamente, ele aproximou nossas bocas na velocidade da luz, colando-as, como se fossem uma só. Como se pertencêssemos ali.

Dean me beijou. Me beijou com urgência, selvageria, e eu correspondi. Ainda que aliviado, o desejo não parecia se saciar. Mesmo em público, enquanto me beijava, explorava todas as possibilidades e me invadia com seu gosto, suas mãos percorriam todo o meu corpo. De vez em quando, ele desgrudava sua boca da minha e trilhava meu pescoço com beijos e mordidas, mas logo, voltava a me atacar ferozmente. E não ligávamos para quem estava assistindo.

Era como se estivéssemos sozinhos ali. Só eu e ele.

Só nos afastamos quando o ar ficou rarefeito demais para continuar. Ofegantes, nos encaramos. Ele ainda segurava meu rosto. O escuro não me permitia ver suas feições perfeitas, mas a sua presença me acendia. Ele me acendeu como um cigarro.

A música animada deu lugar a outra que se iniciava, claramente uma música romântica.

Fiquei em choque quando o DJ disse, no microfone, saindo pelos alto-falantes:

— Pedido para os pombinhos Dean e Elizabeth... Hunger!

E então, todos ao redor se afastaram um pouco, como se soubessem que ele se referia a nós. Talvez fosse só impressão minha. Talvez fosse só pelo fato do ambiente ter, subitamente, clareado, e então, eu pude ver seus olhos.

Os olhos mais lindos da face da Terra. Verdes como a grama. Brilhantes como a lua. E olhavam para mim. Todo o amor contido neles era direcionado a mim, e todo o amor contido nos meus, a ele.

Eu poderia observar aqueles olhos para toda a eternidade.

A eternidade era hoje. Não iria desviar o olhar. Ele também parecia não pretender.

Dean afastou uma mecha de cabelo para trás da minha orelha. A selvageria e o desejo do longo beijo que demos há pouco tempo se dissipou, noto isso, mas ela é substituída por algo muito maior.

O mais puro amor.

Ele sorriu.

— Me concede essa dança?

Ele já sabia a resposta. Sua mão alcançou a minha, e ele me puxou até uma varanda vazia na boate. A música ainda era instrumental, e eu mal conseguia respirar quando ele segurou minha cintura.

Envolvi-o com meu braço e entrelaçamos nossos dedos de nossas mãos livres. E então, dançamos.

One look and I can’t catch my breath

Two souls into one flesh

When you’re not next to me

I’m incomplete

Eu não estava de vestido, nem ele de terno, não estávamos em um salão, mas gostei de imaginar isso. De visualizar isso.

Cause I’m on fire

Like a thousand suns

I couldn’t put it out

Even if I wanted to

Gostei de imaginar a dança em que eu me encontraria vestida de branco, e ele, com um terno lindo. A dança na qual eu mais sorriria em minha vida. A dança após ter visto ele, me esperando enquanto eu caminhava graciosamente na sua direção, avistando de longe o seu sorriso tão grande quanto o meu. Eu queria ter isso com ele. E só com ele.

These flames, tonight

Look into my eyes and say

You want me too

Like I want you

Tive certeza disso.

E então, rodopiamos. Dancei, novamente, até a música se acabar. Ao último verso, ele me beijou. Me beijou como nunca antes.

O melhor beijo da minha vida. Em minha vida curta, esse é o melhor momento. Minha melhor memória. Uma memória que atravessou todas as barreiras possíveis. Até mesmo o tempo. Nada, nem ninguém, poderia me fazer esquecer aquilo.

— Você não vai morrer, Elizabeth.

Eu balancei a cabeça e sorri. Não havia notado, até agora, que estava chorando. Toquei o seu rosto e trouxe ele mais para perto. Nossas testas se encostaram, e eu funguei, fechando os olhos e apertando os dedos em seu pescoço, enquanto ele aperta os dele em meu quadril.

— Eu não vou. Eu prometo.

— Eu te amo — murmurou.

— Eu te amo — devolvi.

E permanecemos assim, até que somos atrapalhados pelo gongo. Abri os olhos ao ouvir a voz de Castiel, e não pude deixar de notar o alarme em seus lumes que outrora pareciam tão serenos — agora, estão mergulhados na tormenta.

E ele então, murmurou, enigmático:

— Está na hora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Que lindo, awn...
Sim, me inspirei na dança Delena (https://www.youtube.com/watch?v=1Fxy5mlNIL4) para fazer essa cena, e achei muito lindinho. Amei escrever esse capítulo.

Pois é, muchachos. Estamos na reta final de Fallen. Só resta o último capítulo e o epílogo... Climinha de despedida.
Não esqueçam do review maroto e é isso aí. A gente se vê no próximo!

(Twitter: http://twitter.com/obrodenws
Tumblr: http://fallen-fanfic.tumblr.com
Ask.fm: http://ask.fm/novakswife)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Fallen" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.