Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 34
Queda


Notas iniciais do capítulo

Chegou a hora, muchachos. É o fim. The end. Acabou-se o que era doce.
Não vou ficar aqui enchendo linguiça não, portanto... Boa leitura!



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Eu já havia pensado neste dia milhares e milhares de vezes. Considerado milhares de possibilidades, criado centenas de expectativas e visualizado em minha cabeça neste mesmo número. Já tentara simular como eu me sentiria, à beira do fim, aos pés do precipício. Mesmo com tudo isso, nunca imaginei que me sentiria assim.

Tão… Calma. Isso mesmo. Eu estava calma.

Talvez fosse pelo calor que a mão de Dean entrelaçada na minha me transmitia. Talvez porque todos que eu amava estavam ali comigo, para me ajudar a enfrentar o que estava por vir. Talvez porque, pela primeira vez, eu estava confiante.

Foram incontáveis as vezes em que eu desacreditei em mim mesma, em toda a minha jornada até agora. Foram incontáveis as vezes em que senti medo. Incontáveis as vezes em que amei. Incontáveis as vezes em que ri, e as vezes em que chorei. Sorri tanto, vivi tanto. O tempo é, e sempre foi, o meu maior presente. Finalmente entendi a expressão de que só damos valor para as coisas quando elas estão prestes a acabar. É assim que eu me sentia agora, marchando em direção ao cemitério de Pittsburg, onde eu marcara um encontro com o diabo.

Eu vivi pouco. Sei disso. Mas tudo que vivi foi valioso. Cada momento, seja ele triste, feliz, constrangedor, trágico, doloroso, inesquecível. É por isso que me eu me sentia tão viva agora, tão… Humana.

Criaturas criticam a vulnerabilidade e a crueldade humana. Sim, é verdade. Somos vulneráveis e cruéis. Mas também somos capazes de amar. Há beleza na risada de um bebê, em uma mãe que beija a ferida de um filho, em um homem que descobre que vai ser pai, em uma adolescente que se forma na faculdade. E tudo isso porque somos capazes de sentir. Além do tempo, o maior presente de um humano são os sentimentos.

E sim, tudo valeu a pena. O pouco tempo que vivi, agora vejo, o quão valioso foi. E finalmente, posso dizer com todas as palavras e letras que vou conseguir. Vou conseguir cumprir essa missão.

Meu pai me mandou para a Terra com um propósito, e eu vou cumpri-lo. Sei disso. Não importam quais sejam as consequências, vou conseguir. E nunca estive tão certa disso quanto agora.

O som de nossos passos ecoava pela estrada na qual caminhávamos. O exército de anjos estava em nosso encalço, acompanhava-nos. O cemitério de Pittsburg era surpreendentemente isolado da cidade grande, quase no fim do município. A lua prateada se estendia no céu, abençoando-nos com sua aura reluzente e iluminada. Eu sentia meu coração bater dentro do peito, bombeando sangue. Me sentia humana. Nunca me senti tão grata por ser uma.

Após alguns metros, avistei o cemitério e seu portão de ferro, porém acobreado, como se tivesse enferrujado com os anos. Além de nossos passos, só os grilos eram audíveis. De súbito, um relâmpago acendeu o céu noturno, trazendo a prévia de uma tempestade. O cemitério era cercado por pinheiros verde-escuros, que certamente seriam mais belos se não estivéssemos no dia trinta e um de outubro, na primavera, e sim, em vinte e cinco de dezembro, no inverno. Não fiquei triste por não ter vivido um Natal. Minha vida foi inesquecível do jeito que foi.

Outro relâmpago ressoou, e eu sorri.

— Elizabeth?

É Dean quem me chamara. Eu o encarei, encontrando seus lumes preocupados.

Para minha surpresa, ele não disse mais nada. Permaneceu impassível e apertou mais os meus dedos, afagando gentilmente a palma da minha mão. Sei o que ele queria dizer — eram as mesmas três palavras que dissemos um ao outro no Tártaro, depois da nossa dança. E sim, ele disse. Seu olhar disse tudo. Ele não precisava de palavras para que eu soubesse daquilo. E eu nunca me esqueceria.

Respondi com o meu olhar. Sei que ele entendeu.

Andamos unidos até o cemitério, e Castiel destrancou os portões medievais calmamente. A meia-noite finalmente chegou, no mesmo momento em que o céu se acendeu mais uma vez. O ambiente sinistro nos acolheu, embora eu nunca tenha me sentido mais serena. É claro que esse sentimento se dissiparia assim que a luta começasse, mas eu guardaria ele dentro de mim e traria à tona minha coragem. A coragem que eu sabia que tinha.

Sempre duvidei dela, mas agora eu não tinha incertezas. Somente a minha bravura. Somente a minha missão. Nada mais importava agora. A jornada chegara ao fim. Estava na hora.

Meus pensamentos foram lidos, e de longe, observei alguém. Serpenteando entre os pinheiros, até chegar ao fim deles — até pisar na grama, em um ruído molhado. Um leve sereno já caía, e este caiu também sobre as suas vestes. Ele colocou-se à luz, de modo que eu pudesse ver os seus olhos.

Lúcifer estava ali.

Realmente esperei alguma provocação e piadinha, mas nunca o vi mais sério. Seus olhos estavam mais acinzentados. Estamos a três metros de distância, mas eu conseguia lê-lo com clareza. E eu via algo esquisito no fundo das íris austeras… Talvez… Medo?

Eu não tinha certeza. Mas Lúcifer permaneceu ali, parado, com os braços suspensos feito uma estátua. E não disse nada. Não separou os lábios. Apenas respirava, com os olhos fixos em mim.

Eu sabia o que ele estava fazendo. É claro. Estava tentando me assustar. Eu queria rir e dizer que aquele não era o seu dia, mas não era o momento. Não conseguiria se quisesse. Me sentia hipnotizada em permanecer parada e fazer o mesmo. Como se não conseguíssemos nos mover.

Não permitiria que ele me abalasse. Soltei a mão de Dean.

Lúcifer empinou o queixo, e eu sabia que aquilo havia sido um sinal. A batalha começou.

Nós não nos movemos quando um exército de demônios revelou-se — por um momento, avistei Helena entre eles, o único anjo —, deixando a escuridão e expondo-se também à lua. Não demos um passo quando o exército angelical colidiu com o demoníaco. Eu não podia interferir. Precisava salvar tudo e cada gota do meu poder para Lúcifer. Olhei por uma das últimas vezes para Dean. Seu olhar era urgente, preocupado, mas com ele, ele repetiu o que disse na boate. Eu também repeti.

Corpos começavam a cair pela grama. Eu não conseguia me mover. Talvez precisasse ajudar, mas algo me atraía a Lúcifer, e a partir de um momento, não consegui mais tirar os olhos dele. Eu ouvia sons de armas, gritos de agonia, esfaqueamento. Nada era mais alto do que o som do sangue fervilhando em minhas orelhas e meu coração batendo tão rápido que chegava a ser doloroso, castigando minha caixa torácica.

Fui capaz de desviar o olhar por um segundo e, não soube como, mas criei um campo de proteção ao redor de Dean, Sam e Castiel. Eu não conseguia impedi-los de serem feridos, mas eu conseguia garantir suas vidas. Ainda assim, era difícil. Eu sentia o suor escorrer por minha testa enquanto o tempo passava e o escudo doía cada vez mais.

Eu ainda encarava Lúcifer, e ele ainda me encarava. Então, como um sinal, um trovão ecoou como um estrondo.

Traga seus poderes à tona. Deixe que eles fluam por meio de seus dedos, deixe-os voar como pássaros… Sinta-os em suas veias, movendo-se velozmente para fora. Imagine-os transbordando por suas mãos como vinho. Desengaiole-os.

Nunca me senti tão preparada. Tão forte. Tão viva.

E então, quando o relâmpago acendeu o céu, minha corrente se libertou. O sangue manchava as lápides ao redor e o cheiro de chuva era forte, invadindo minhas narinas. Corpos nos cercavam, alguns mortos, outros inconscientes. Quem eu amava não estava morto. Eu ouvia suas respirações, ouvia seus corações baterem. Estavam vivos. Feridos, inconscientes, mas vivos. Eu os manti assim.

Não havia mais ninguém de pé, apenas eu e ele. Eu, Elizabeth Corpus, a filha de Deus. Ele, Lúcifer, o anjo caído, o príncipe das trevas e da escuridão.

Ele libertou seu feixe de poder, tão escarlate quanto o sangue que respingara em minhas botas, e este chocou-se bruscamente contra o meu brilho cerúleo. Iniciamos um duelo intenso e hediondo, que apesar de ter apenas começado, parecia nunca ter fim. Meus olhos estavam inundados pelo mesmo azul, sentia minhas íris ferverem. Meu corpo todo formigava, mas não era de fraqueza. Era a minha aura, fluindo por cada milímetro do meu corpo. Era minha aura, meu poder, minha força.

O chão tremia e oscilava sob meus pés, inconstante, como se batalhássemos sobre um terremoto.

Gritei e empurrei minha corrente benigna na sua direção, descontando tudo e investindo. Permiti que todo o ódio e a minha ferocidade fossem expelidos através de meu poder, que escorria livre das minhas mãos. O impulso foi tão grande e eficaz que assisti minha luz azulada invadindo a vermelha. O impacto propeliu-o para trás, e o príncipe das trevas colidiu contra uma árvore. Ao contrário de minha visão, o pinheiro pendeu para trás e Lúcifer sumiu na floresta, na escuridão.

Minha deixa.

Com meu esforço, meu poder se esvaiu e eu corri entre os corpos, buscando pelo corpo do serafim. Assim que o encontrei, meus olhos doeram e marejaram. A preocupação me preencheu, mas sei que ele ficaria bem. Me abaixei ao seu lado e toquei seu rosto, procurando acordá-lo. Seus estonteantes e agora atormentados olhos azuis se abriram com dificuldade.

Ainda assim, foi difícil demais mantê-los abertos. Estapeei levemente o rosto do serafim.

— Cas, eu preciso dela…

Castiel não abriu os olhos, mas balançou a cabeça de leve, como se me concedesse a permissão. Enfiei a mão no bolso de seu sobretudo macio e tateei algo rígido e pesado. A caixa.

Apanhei-a, e antes de erguer-me, acariciei seus cabelos bagunçados.

— Me desculpe — sussurrei.

O anjo abriu os olhos e chamou em um fio de voz:

— Beth…

Uma lágrima escorreu por meu rosto quente. Sorri com dificuldade e me levantei, retornando ao campo de batalha.

Lá estava ele. Firme, forte e restaurado. Observei os corpos da minha família e desejei mentalmente, como se eles pudessem, de fato, me ouvir.

Obrigada.

E então, eu o encarei. O ódio, a repulsa, o verdadeiro diabo. Seus olhos estavam vermelhos, cor de sangue. E toda a sua ira estava diretamente direcionada a mim. Não me permiti vacilar. Ergui a caixa e a abri.

Um estrondo machucou meus ouvidos, e tudo ao nosso redor se torna cinza. As árvores, a grama, as flores sobre as lápides. Tudo se torna cinza, morto, sem graça. Elevei o olhar para o céu.

A lua de sangue me encarava, mais vermelha do que qualquer coisa que eu já havia visto. Colossal, assustadora, escarlate. Bem diante dos meus olhos.

Lúcifer sorriu pela primeira vez naquela madrugada, e a caixa voou de minhas mãos.

— Sabe, Elizabeth, eu realmente espero que tenha lido as instruções.

Senti meu corpo sendo puxado na sua direção como um imã, como se eu estivesse sendo sugada por um buraco negro. Cada átomo do meu corpo se agitou, mas travei meus pés na grama. O seu controle sobre mim se encerrou de imediato.

Não me contive e sorri, sibilando:

— Não se preocupe. Eu li.

E então, tudo vem à tona.

O rosto de meu pai no sonho do djinn.

O primeiro dia em que eu e Dean trocamos as palavras “eu te amo”, nossos beijos e nossa dança.

O desenho que fiz da minha família.

Memórias. Memórias da vida incrível que tive, e da qual jamais esqueceria. Meus olhos foram inundados pelo azul. Por minha aura celestial.

Eu era a filha de Deus.

Senti meu corpo levitando. Minha força formigando por meu corpo. A caixa voltou para as minhas mãos, e diante de um trovão, Lúcifer foi sugado para dentro da caixa. Ali preso. Para todo o sempre.

Meus pés se fixaram ao chão novamente. Eu estava em terra firme. Era o meu fim.

Aguardei pela letargia, por qualquer sensação. Nada. Eu não sentia nada.

Eu estava viva. Eu havia conseguido.

Olhei para o lado. Dean caminhava na minha direção, com o sorriso mais lindo estampado em sua face. Ele estava machucado e mancava, mas seu sorriso nunca estivera mais lindo. Eu estava viva.

Me preparei para dar um passo a frente, mas algo atravessou meu corpo bem perto do meu coração. Eu sabia disso porque ele falhou, pulou uma, duas, três batidas. Senti outra aura celestial estava atrás de mim. A única no lado de Lúcifer. Ela foi a responsável.

Aguardei a dor, mas ela não veio. Somente a letargia que eu esperava há instantes atrás. Por que não doía? Antes que eu caísse, ele me aninhou em seus braços.

Encarei os olhos mais lindos do mundo, incapaz de me mover. Meu coração batia cada vez mais devagar. A vida pouco a pouco me abandonava.

O sangue nadou em meus lábios e o gosto de ferro me atordoou. Minha visão ficou turva. Vozes me cercavam, mas eu não ouvia nenhuma além da de Dean. Ele gritava comigo. Não consegui distinguir nenhuma de suas palavras, apesar de conseguir ouvi-lo.

Eu não conseguia falar. Não tinha fôlego. Ele se afastou para olhar para o meu rosto, e eu olhei para ele.

Ele soube o que eu disse com meu olhar. E ele respondeu.

Uma luz branca tomou conta de mim. E então, não vi ou ouvi mais nada.


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Notas finais do capítulo

*postei e saí correndo*

Eu sei. Vocês querem me matar, né? Já estou esperando isso.
Pois é... Foi mal. Eu pensei em uma porção de finais para Fallen, mas não encontrei algum mais digno do que esse. Aí vocês se perguntam: "COMO ASSIM, MILLY? SUA VACA! VAI ACABAR ISSO ASSIM?"...

Então, meus caros, é aí que está. Eu provavelmente já devo ter dito isso, mas alguns leitores não sabem: Fallen terá uma segunda temporada! Uhu!
Portanto, acalmem seus coraçõezinhos; tudo tem conserto. Eu prometo.

Também prometi que haveria um epílogo, e sim, haverá; pretendo postar o epílogo e a segunda temporada juntos, para assim encerrar Fallen de vez.
Decidi realizar os agradecimentos quando publicar o epílogo, que demorará um pouquinho mais pois estou organizando a segunda temporada direitinho.

Mas para quem está curioso, a segunda temporada se chamará "The Written Destiny" e essa é a capinha abençoada: https://68.media.tumblr.com/de20bf39a9cbb391a7610c6e7ba6dd7b/tumblr_otrzed4vkS1qhxtuao5_1280.png

É isso aí, cabritinhos. Nos vemos no próximo, onde eu direi tudo que desejo dizer a vocês, meus leitores que amo tanto!
Não me matem kkkkkk beijão!



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