Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 29
O fim está próximo


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Então, primeiramente, gostaria de pedir desculpas pela demora. Eu estava mergulhada em um bloqueio infinito durante essas quase três semanas e não consegui postar ;-; me desculpem mesmo, juro que não foi minha intenção e.e Mas estou de volta com tuuuudo!

Preparem-se para esse capítulo, peguem os lencinhos (porque Fallen sem drama não é Fallen, heheh) e sim, o título não só faz jus ao capítulo, mas também faz jus à história. Falta apenas esse capítulo e mais cinco pra essa historinha que mora no meu kokoro acabar ;-; que tristeza.

Enfim, vou parar de enrolar e deixar vocês lerem. Leiam as notinhas finais depois. Beijocas!



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Nobody can save me now, the king is crowned

It's do or die

Nobody can save me now, the only sound is the battle cry

It's the battle cry

Nobody can save me now, it's do or die

— Battle CryImagine Dragons

Um relâmpago acendeu o céu, que naquele momento, estava tingido de tons de lilás e roxo, evidenciando a tempestade que se aproximava. Logo em seguida, um trovão ecoou, ressoando pelo cemitério em que os fenômenos aconteciam. O cheiro de chuva já era sentido e fluía pelo local com mais leveza do que uma pluma. O líquido escarlate, viscoso e particularmente familiar manchava a grama verde e bem aparada que cercava as lápides, tingindo tudo com tragédia. A tensão escorria pelas paredes imaginárias, e só havia um cheiro que poderia ser mais sentido do que o de chuva — o claro, evidente e inconfundível aroma de morte.

As centenas de corpos atirados sobre o solo não eram uma surpresa ou um obstáculo para os indivíduos que ainda se mantinham de pé. Alguns dos corpos não estavam literalmente desfalecidos — alguns apenas desmaiados, e os únicos que estavam em pé eram os herdeiros. A filha da luz e o filho das trevas. O bem e o mal. O equilíbrio, sustentando-se sobre a carne de duas pessoas — ninguém mais, ninguém menos do que Elizabeth Corpus, a filha de Deus, e Lúcifer, o anjo caído, o príncipe das trevas e da escuridão.

Ambos travavam um duelo intenso e hediondo, que aos olhos de um externo, parecia que nunca ia acabar. A luz celestial e cerúlea emanava das mãos da garota, e a cor dela inundava seus lumes igualmente. A corrente benigna se dirigia ao seu oponente, chocando-se com o poder do mesmo. A luz que, por sua vez, emanava das mãos do homem, tinha uma coloração avermelhada e escura, chegando a assemelhar-se ao tom do sangue que cobria as folhas sob os pés dos guerreiros. Esse feixe maligno colidia-se com o que Elizabeth produzia, causando rachaduras e tremores no chão. Ambos os herdeiros podiam sentir o solo oscilando debaixo de seus calçados, mas isso não atrapalhava o combate.

A tal batalha, que se mantinha equilibrada, pendeu para o outro lado da balança de repente. A garota inspirou fundo e gritou, deixando que toda a fúria e a ferocidade contida em si fosse expelida através do poder que escorria de suas mãos. O incentivo e o impulso foram tão fortes que a luz cerúlea invadiu a vermelha, causando a Lúcifer uma perda. O príncipe das trevas foi propelido para trás, e sua coluna foi de encontro a uma árvore próxima, chocando-se contra o tronco áspero. Lúcifer escorregou até o chão, sem forças, e seu corpo tombou ao chão.

Elizabeth, aproveitando sua deixa, tentou controlar-se, contendo os poderes que tomavam conta de seu corpo. Com seu esforço, o fogo cerúleo que bruxuleava em suas lumes esvaeceu. A mulher aproveitou para disparar em direção a um dos corpos que se encontravam estirados sobre a grama, e ela pôde sentir seus olhos umedecerem ao ver os olhos do homem quase se fechando. A filha de Deus segurou o rosto do anjo, sacudindo-o de leve.

— Cas! — clamou, preocupada.

O serafim abriu os olhos com muita dificuldade e esforço, como se aquele ato fosse um legítimo sacrifício. Ele mal conseguiu mantê-los abertos, e não tardou para que as pálpebras desabassem sobre as órbitas novamente. Desesperada, a morena depositou um tapa fraco no rosto pálido do anjo, que levou um susto e abriu os olhos novamente.

— Onde está? Cas, eu não tenho muito tempo... — ela olhou para trás, notando que Lúcifer estava se recompondo aos poucos e logo já recuperaria suas forças. — Por favor.

— No meu... No meu...

Ele não pôde completar a frase. Captando o que Castiel iria dizer, Elizabeth deslizou uma das mãos até o sobretudo dele, vasculhando-o abruptamente em um gesto urgente. Não demorou para que os dedos ágeis tateassem algo duro e pesado, e ela pôde constatar que era o que ela estava procurando. Mesmo preocupada com o anjo, ela foi forçada a arrancar o objeto de dentro de seu casaco e entregar-se ao seu destino. Antes de reerguer-se, a jovem afagou de leve os cabelos ônix do homem.

— Me desculpe.

— Beth...

A morena não permitiu que ele terminasse de falar. Levantou-se em um salto e virou-se na direção do príncipe das trevas, que já estava de pé novamente. Seus olhos transmitiam um calor escaldante que poderia ser sentido de longe e pareciam estar em chamas. Seu semblante era solene e transbordava ódio, raiva e todos os sentimentos perversos possíveis misturados em um só. Por um momento, a mulher pôde sentir isso. Ela pôde sentir a arrogância e a desumanidade penetrando em sua pele como uma tonelada de agulhas afiadas. Subitamente, um arrepio desceu por sua espinha, servindo de choque de realidade. Ela imediatamente disse a si mesma para focar no que realmente importava e tentando ignorar o medo, ela abriu a caixa de Pandora velozmente. Uma luz que emanou da mesma ofuscou o cemitério inteiro, e quando se esvaiu, toda a vegetação ao redor deles estava morta.

As árvores, a grama, os arbustos. Tudo que antes tinha uma coloração bonita de verde passara a ser adornado por uma sem graça coloração acinzentada. E quando Elizabeth ergueu os olhos até o céu, pôde contemplar uma das cenas mais assustadoras que veria em sua vida.

A lua, colossal e reluzente, erguia-se no céu, tingida de um tom amedrontador de escarlate. Uma lua de sangue.

Preocupada, Elizabeth procurou evitar o pavor que percorria cada centímetro de seu corpo, fazendo cada mísero pelo se eriçar. Elevou a mão na altura do ombro, o braço reto, e permitiu que, mais uma vez, os seus poderes fossem ativados. A luz cerúlea moveu-se na velocidade da luz contra Lúcifer, mas ela foi facilmente ignorada e impedida por ele, que esquivou-se com precisão. Confusa, a mulher tentou trazer à tona a raiva dentro de si, desferindo outro golpe sem sucesso. Ela alternou seu olhar entre o diabo e a caixa em suas mãos, e assistiu-a voar para longe bem diante de seus olhos até ir parar entre os dedos do anjo caído.

— Sabe, Elizabeth, eu acho que você realmente deveria ter lido as instruções.

Lúcifer colocou em prática toda a experiência que possuía, pois Elizabeth pôde sentir seu corpo sendo puxado em direção ao diabo com uma rapidez e uma urgência inconcebíveis, quase como se estivesse sendo sugada por um buraco negro. Cada átomo de seu corpo parecia estar prestes a explodir, e quando ela se viu sendo lançada contra a caixa, flashes tomaram conta de sua mente. Memórias.

O rosto de seu pai no sonho do djinn.

Os sorrisos entre os inúmeros beijos que Dean lhe dera no primeiro dia em que trocaram as palavras "eu te amo".

O desenho que fizera de Sam, Dean e Castiel, e a palavra clara e legível no papel amassado — "família".

Seus olhos inundados pelo azul cintilante. Sua aura celestial.

E então, ela foi capaz de perceber o quanto sua vida valera a pena. E o quanto, por causa desse mesmo motivo, ela deveria ser forte e impedir o que estava prestes a acontecer. Ela deveria honrar o seu título. O seu pai. O mundo.

Ela deveria ser a filha de Deus.

Indo contra todas as crenças e até mesmo contra a gravidade, Elizabeth afastou-se com uma força descomunal, lançando Lúcifer e a caixa para longe. Ela logo se viu levitando, a alguns metros do chão, e não precisou olhar-se no espelho para saber que, mais uma vez, seus olhos estavam mais azuis do que nunca. Com um simples gesto, a caixa de Pandora foi atraída para as mãos da mulher, e com a maior paz e tranquilidade do mundo, Elizabeth arrastou Lúcifer até a caixa de Pandora. Ele foi facilmente sugado para dentro dela, e ali preso. Para todo o sempre.

Voltando a fixar seus pés no chão, a mulher não pôde conter o sorriso mínimo que brotou em seus lábios. Ela havia conseguido. Havia impedido o apocalipse. Havia salvado o mundo. Havia cumprido sua missão.

Olhou ao seu redor e percebeu que Dean vinha em sua direção. Parecia tonto e confuso, mas mesmo assim, aparentava ter notado que ela havia conseguido. Ele também sorriu e abriu os braços para lhe dar um abraço, mas logo, uma profunda letargia assombrou Elizabeth. Ela foi ao chão abruptamente, mas foi segurada pelo Winchester. A aflição brilhava em seus olhos, e Elizabeth mal conseguia manter os seus abertos.

— Beth? Beth! — ele a sacudiu. — Fala comigo! O que 'tá acontecendo?

Ela sentiu um gosto ferroso na sua boca, e mesmo sem saber o motivo, sabia que algo dentro de si sangrava. Ela podia sentir o líquido viscoso nadando em seus lábios. Ela queria sorrir, mas não conseguiu. Dean, preocupado, a mantinha próxima e segurava seu rosto. Os olhos do caçador estavam umedecidos.

— Me desculpe, Dean. Nós... — ela gaguejou, quase sem forças, mas tentou reuni-las novamente para continuar. — Nós sabíamos que isso ia acontecer. Mas... Mas... Pelo menos nós c-conseguimos.

— Não... — ele balbuciou com a voz embargada.

— Nós... Nós c-conseguimos, Dean — ela tossiu. — Obrigada. P-por tudo.. Eu... Eu te amo. Dean...

Ela tocou o rosto dele, ofegante, e conseguiu sorrir de leve.

— Dean Winchester.

Foram as últimas palavras ditas por ela. O caçador encarou-a e assistiu-a fechar os olhos para todo o sempre. Confuso, ele sacudiu-a, não querendo acreditar que aquilo estava, de fato, acontecendo.

— Não... Não! — ele vociferou como um trovão.

E para combinar com seu estado, a chuva que era aguardada finalmente chegou, caindo sobre pingos finos no cemitério e molhando Dean Winchester. Ele não se importava. Tudo com o que se importava era que seu amor estava ali. Morta. Desfalecida e seus próprios braços.

Um soluço da mais pura e absoluta dor escapou dos lábios dele, e sentindo uma dor excruciante espalhar-se por toda a extensão de seu peito, ele curvou-se sobre o corpo e começou a chorar.

O amor de sua vida estava morto.

O ar invadiu meus pulmões e meus olhos se abriram. Um som gutural e incrivelmente agudo abandonou meus lábios e me fez deduzir que tratava-se de um grito. Meu corpo foi impulsionado para a frente e quando retomei a consciência, pude perceber que minhas mãos estavam apoiadas nas bordas da cama, mantendo meu corpo semi-erguido. Meus dedos agarravam os lençóis com força e eu podia sentir uma camada espessa de suor deslizando por minha testa. A ofegância era quase incessante. Meu coração batia dolorosamente no peito, colidindo violentamente com as costelas e me proporcionando uma sensação esquisita de que o órgão ia, de fato, saltar para fora através da boca. Enquanto eu tentava recuperar meu ritmo cardíaco normal e controlar a respiração, a porta se abriu bruscamente na minha frente, revelando um Dean apreensivo e parcialmente assustado.

A tranquilidade de repente retornou ao meu ser e conforme ele se aproximava, transbordando preocupação, todas as sensações ruins que anteriormente tomavam conta do meu corpo iam se esvaindo com facilidade, até mesmo o pesadelo que eu acabara de ter.

O caçador lançou-se sobre a cama, me envolvendo com seus braços fortes. Ele levou suas mãos em um gesto urgente até o meu rosto, segurando-o firmemente e com afinco. Pisquei devagar. Seu semblante ostentava a mais pura aflição. Mesmo que eu tivesse sido aquela que teve um pesadelo, quem tremia era ele. Sua pele quente, ao colidir com a minha, que estava fria, fez com que um arrepio suave descesse por minha espinha.

— Você está bem? O que aconteceu? — ele praticamente cuspiu as palavras, alarmado.

Esquadrinhei o aposento ao meu redor. Só então me recordei de que havia adormecido no quarto de Dean. Por mais que estivéssemos tendo algo — não era nada oficial ainda —, não costumávamos dormir juntos, porém, deduzi mentalmente que eu tivesse pegado no sono enquanto assistíamos o novo filme do Batman, que a propósito, era levemente entediante.

Voltei a olhar para Dean, que pelos olhos arregalados, evidentemente ansiava por uma resposta e estava prestes a me enforcar porque nada saía da minha boca.

— ‘Tô — balbuciei. Ele afastou as mãos do meu rosto devagar.

O Winchester fechou os olhos por um segundo, e quando tornou a abri-los, ele aparentemente não pôde conter o suspiro que fugiu de seu peito. Encarei-o mansamente.

— O que foi, afinal? Sonho? — ele passou a língua pelos lábios delicadamente, e ao ver que não respondi, o semblante aflito voltou a se instalar em cada um dos poros da pele macia de seu rosto. — Visão.

— Eu acho — murmurei, deslizando as mãos pelos ombros dele.

Flashes do recente pesadelo me atormentaram em um único segundo. O sangue e o caos me assustou e meu coração voltou a bater de maneira totalmente arrítmica. Senti os olhos umedecerem. O caçador pareceu perceber isso, pois afastou uma madeixa castanha que caía sobre o meu rosto com cuidado até a orelha e se aproximou. Não resisti e lancei os braços sobre ele, enroscando-os em torno de seu pescoço em um abraço urgente e necessário.

Aspirei a fragrância agradável e inconfundível de sua pele e uma lágrima traiçoeira escorreu pela maçã do meu rosto, caindo sobre o tecido fino da blusa que Dean vestia e deixando uma trilha molhada e salgada pelo meu rosto.

Recuei e enxuguei a bochecha com as costas da mão, tentando me controlar para que não desabasse ali mesmo. Dean permanecia preocupado. Ele procurou pela minha mão e assim que a encontrou, recolheu-a e entrelaçou seus dedos com os meus com força. Seus olhos transmitiam um brilho que me servia de calmante. Suspirei.

— Você... Se sente confortável para me contar o que aconteceu agora?

Analisei a situação mentalmente. Se eu contasse para ele, provavelmente ele ficaria desesperado e dispensaria a caixa de Pandora como uma opção para derrotar Lúcifer. Por mais que a visão fosse terrível e dolorosa, eu tinha conseguido acabar com o diabo nela. Acarretou a minha morte, mas isso não tinha a mínima importância. A caixa era nossa única esperança e se salvar o mundo exigisse um sacrifício de minha parte, então eu o faria. Afinal, era essa a minha missão.

Diante de minha conclusão, balancei a cabeça em negação. Não contaria a ele. Não naquele momento.

Dean teve uma reação esperada — aparentou estar decepcionado, mas compreendeu. Aproximou-se devagar e depositou um beijo gentil na extensão da minha testa. Seus lábios quentes me forneceram alívio e calmaria.

— Está com fome? Posso fazer um sanduíche para você — ele sugeriu, levantando-se da cama.

Repeti o seu gesto e coloquei um sorriso no rosto, tentando esquecer tudo que me assombrava.

— Só é necessário um pequeno surto meu e você já se torna meu empregado? — zombei. — Nossa. Preciso continuar sonhando com tragédias.

— Muito esperta — revirou os olhos. — Vem.

Segui Dean para fora do quarto, ignorando o fato de que eu estava vestindo um pijama mais curto do que se eu usasse uma roupa de cachorro — é claro que quando cheguei no andar inferior, eu estava corando, mas preferi evitar o constrangimento. Avançamos em direção à biblioteca, onde Sam e Castiel sentavam-se à uma das mesas. Castiel bebia discretamente uma xícara de café — eu nem sabia que anjos comiam — e Sam mantinha os olhos vidrados na tela do laptop, parecendo ligeiramente preocupado.

— Beth — Castiel pronunciou, afastando a caneca dos lábios. — O que aconteceu? Ouvimos você gritar.

— Prefiro não falar sobre isso agora, Cas — omiti, me aproximando da mesa.

Ele deu de ombros. Dean apressou-se em puxar uma cadeira para sentar-se e aliar-se aos dois outros rapazes. Permaneci de pé e apoiei o quadril na borda da mesa — vantagens de não ser muito alta. Levei os dedos até as têmporas e massageei-as de olhos fechados, em uma tentativa de espantar a dor que se instalava nelas.

Abri os olhos e varri o local com os mesmos. Me curvei na direção de Sam, a fim de saber o que havia no laptop que era capaz de o deixar muito distante. Deparei-me com inúmeras manchetes de matérias, estampando a tela reluzente — terremotos, massacres, pestes repentinas, furacões e tudo que podia se imaginar. Não demorei a deduzir que tudo aquilo era resultado do apocalipse. Suspirei.

— Então o Armageddon finalmente bateu na nossa porta?

— Parece que sim — afirmou Sam, acenando com a cabeça.

Estreitei o olhar, percebendo que Dean e Castiel me encaravam.

— O quê? — indaguei.

— Estávamos esperando você acordar. O feitiço de localização da caixa de Pandora ficou pronto — respondeu de prontidão o anjo.

— E como sabem disso?

Ambos se entreolharam.

— Os ingredientes começaram a brilhar. Sei lá porque, acho que a mãe do Crowley é maluca... — Dean riu e apoiou os cotovelos sobre a superfície de madeira.

Cruzei os braços e bufei. Pisquei com força os olhos cujos eu lutava contra a vontade de revirar. Voltei a olhar para o anjo e o caçador, intrigada.

— E o que faremos agora?

— Invocamos a Tina — o serafim informou.

{...}

Mentalmente, agradeci por não estar vestindo o pijama com o qual acordei, pois o vento agredia meu corpo com uma violência descomunal. Meu olhar estava fixo no recipiente no centro de um símbolo esquisito que Sam havia desenhado no chão, e agora, Dean lançava aos poucos os ingredientes na tigela. Afaguei os braços por cima do moletom, em uma tentativa completamente sem sucesso de espantar a brisa congelante que me envolvia. Eu estava parcialmente nervosa, apesar de não saber muito bem o motivo. Talvez fosse porque estávamos prestes a descobrir onde a caixa de Pandora estava, e aquela caixa era a deixa para a batalha final. Essas duas palavras — batalha final — já eram o suficiente para me fazer estremecer.

Não fui capaz de conter o suspiro ligeiramente exasperado que abandonou meus lábios abruptamente enquanto eu observava o isqueiro vermelho deslizar pelos dedos de Dean, precipitando-se em direção ao amontoado de ervas dentro da tigela. Assim que a faísca atingiu o seu destino, a mesma acendeu os ingredientes, fazendo com que chamas alaranjadas e reluzentes ascendessem verticalmente, bruxuleando diante de meus olhos. Em poucos segundos, as labaredas, que dançavam livremente, revelaram e deram espaço ao sujeito que as mesmas escondiam — Tina.

Sua aparência foi uma surpresa engraçada para mim. A ceifadora era alta e relativamente bonita — longos e lisos cabelos dourados caíam sobre seu peito como cascatas de ouro e seu rosto era enfeitado por pequenos, porém encantadores olhos azuis, cujos só não eram páreos para os de Castiel. Apesar de ser bonita, sua figura era parcialmente cômica. Talvez fossem as sobrancelhas grossas e intimidadoras e o sorrisinho sarcástico que os lábios rosados ostentavam, além de é claro, a pose que a mulher mantinha — a mão descansava na cintura fina, proporcionado à ceifadora um leve ar de superioridade.

Não tardou para que Tina encontrasse Castiel no meio de todos nós, o que a fez sorrir mais ainda.

— Castiel! Oi! Como vai, amigão? — ela deu uma piscadela, mas não saiu do lugar.

— Oi, Tina. Já faz algum tempo que não nos encontramos, não é mesmo? — Castiel pendeu a cabeça delicadamente para o lado, como normalmente fazia.

— Concordo plenamente. Sem querer ser indelicada, mas... Posso saber por que estou aqui? — a ceifadora fez uma careta. Sua voz soprava em um tom indiferente.

Cruzei os braços, ainda tentando proteger a mim mesma do frio.

— Precisamos de sua ajuda.

Em resultado ao meu pronunciamento, a loira dirigiu o olhar penetrante e ao mesmo tempo escarnecedor até mim. Ele caía sobre a minha pessoa como uma guimba acesa de cigarro sendo pressionada contra a minha pele — queimava. Tentei não me mostrar intimidada. Tina me olhou dos pés à cabeça, me examinando cuidadosamente, e para a minha surpresa, seu sorriso se alargou ligeiramente.

— Então não eram apenas boatos — contestou ela, dando passos aleatórios e ruidosos pelo pequeno espaço no qual se encontrava. O som de suas botas chocando-se contra pedregulhos era levemente incômodo. — Você é mesmo a filha de Deus.

Minhas órbitas foram semicerradas em um ato automático. Apesar de levemente suspeita, a ceifadora parecia ser alguém confiável, e além do mais, Castiel confiava nela. Ela era leal. Se em todos os anos sendo amiga do anjo ela não havia feito nada, por que eu deveria desconfiar? Diante dessas interrogações, tentei abaixar a guarda e tratá-la com educação e de maneira imparcial.

Ignorei seu comentário e me apressei em partir para o que realmente interessava e importava:

— Nós precisamos de almas.

Tina me encarou, os lumes cerúleos impassíveis. Os braços rígidos caídos ao lado do corpo e a pose superior me eram ligeiramente intimidadores, e de súbito, um sorriso evidentemente caçoísta emergiu sobre os lábios finos da mulher. Não pude conter o indispensável ato de elevar as sobrancelhas abruptamente, lançando à loura um olhar curioso. Cocei a garganta e assisti o sorriso dela se alargar mais ainda.

— Isso é um pedido meio cômico para se fazer a uma ceifadora. Mas acredite, não me surpreende. Em meus milhares de anos, até perdi a conta de quantas vezes me pediram isso — Tina dirigiu sua atenção às cutículas, que mesmo de longe, pude notar que eram extremamente bem cuidadas.

— Você pode fazer ou não? — cortou Sam em um tom de urgência.

A ceifadora bocejou, parecendo distraída, mas eu sabia que aquilo era apenas uma tentativa dela de criar um certo suspense. Por mais que eu fizesse a mesma coisa com muita frequência, era irritante. Finalmente pude saber como Dean e Sam se sentiam. A loura deslizou os dedos franzinos pelas madeixas douradas despreocupadamente e um suspiro falsamente cansado fugiu do peito. Os supercílios castanho-claros uniram-se no meio da testa.

— Bem, eu gostaria de saber o motivo. Não sou do tipo caridosa para ficar distribuindo esse tipo de coisa por aí. Ainda mais quando falamos de almas. Vocês sabem o quanto é difícil levar uma alma que deseja continuar perto dos familiares para o céu ou para o andar de baixo? Pode demorar dias. Semanas. Meses. Muito cansativo. Minha sorte é que o rei do pop aceitou o destino com muita facilidade... Ah, e eu já contei? — os dentes branquíssimos como porcelana foram expostos de maneira orgulhosa em seu rosto. — Eu ceifei o Michael Jackson. Morram de inveja, vadias!

— Nós precisamos das almas para completar um feitiço — suspirei, erguendo o olhar. Podia sentir minha respiração levemente entrecortada quando entrava nesse assunto que me deixava um pouco perturbada. — Um feitiço para localizar a caixa de Pandora.

Tina pareceu surpresa, mas não de maneira exagerada. As sobrancelhas grossas estavam novamente erguidas — algo que assim como era meu, parecia ser um hábito dela. A loira carregou uma das mãos, encostando-a sobre a boca. Parecia bastante interessada em roer as unhas compridas, o que me deu certa agonia. Agradeci quando ela parou e um bufar pesado substituiu o silêncio que predominou naquele local por alguns segundos — segundos que mais pareceram uma eternidade.

— Bem, isso é novo — a ceifadora ergueu o indicador no ar, pensativa. — Deixe-me adivinhar... Rowena?

— Bingo — resmungou Dean, fazendo uma careta.

— Aquela mulher sempre tem um truque na manga.

A ceifadora suspirou.

— Por que querem a caixa de Pandora?  — estranhou ela, juntando os supercílios. 

— Pretendo trancafiar Lúcifer dentro dela.

Tina semicerrou os olhos, e novamente, seus lábios passaram a ostentar um sorrisinho que não pude interpretar corretamente. Não sei se ela estava duvidosa e zombando de mim ou se estava levemente orgulhosa. Preferi não criar expectativas.

— Por incrível que pareça, não é uma má ideia... E para a sua sorte, eu também não vou muito com a cara do satã. Encontrei ele há algum tempo. Achei entediante — a loura revirou os olhos.

— Você pode fazer ou não, Tina? — cobrou Castiel, extremamente focado.

Novamente, a ceifadora fitou as cutículas, parecendo analisar cuidadosamente a proposta e recriando o mesmo incômodo suspense de minutos atrás.

— Sabe, Castiel, você já me ajudou muito em todos os séculos em que nos conhecemos. Não consigo contar nos dedos quantas vezes você já me salvou das minhas trapalhadas, visto que desajeitada deveria ser o meu segundo nome... Ou seja, sim, eu faço. Viram? Eu sou uma sujeita digna de respeito — ela abriu um sorriso convencido. — E então, onde está o feitiço?

Guiamos Tina para dentro do bunker logo em seguida. Eu me senti um pouco invadida com uma estranha  — pelo menos para mim — dentro do lugar que eu considerava a minha casa, mas a cada vez que suspeitava da loira, tentava me lembrar que Castiel confiava muito nela e vice-versa. Além do mais, não havia nada de muito suspeito nela, afinal, no caminho até a sala onde se encontrava o feitiço, ela quase tropeçou nos degraus espalhados pelo bunker umas duas vezes. Talvez fosse só implicância minha, e foi verdadeiramente difícil conter o riso diante das provas que Tina me proporcionou de que ela não era pra lá de perigosa — talvez só quando quisesse.

Chegando na sala, avançamos até a tigela colocada cuidadosamente sobre uma mesa no centro do aposento. Tina fez uma careta e espalmou as mãos sobre a madeira.

— Como eu disse... Coisas de Rowena.

Suspirei. Contornei a mesa rapidamente, deslizando a ponta dos dedos sobre o carvalho parcialmente gelado e observei a ceifadora. Observei-a fechar os olhos e erguer as mãos com leveza. Seus movimentos eram delicados e suas mãos dançavam no ar. Olhei para os rapazes, que pareciam tão confusos quanto eu a não ser Castiel. Provavelmente ele já havia visto ela fazer algo do tipo.

Surpreendendo-me, os olhos de Tina brilharam na minha direção. Uma luz cinzenta e ofuscante bruxuleava no interior de suas órbitas, o que precisei admitir a mim mesma que foi um pouco assustador. Era como se o brilho azulado e fascinante de seus olhos tivesse sido levado e substituído por um mar de cinzas cintilantes. Estava óbvio que ela não estava de fato me encarando, mas a claridade que inundava seus olhos poderia fazer qualquer um se sentir intimidado pela ceifadora. Com movimentos graciosos e ao mesmo tempo levemente sinistros, a mesma luz que infestava seus lumes emanou de suas mãos, o poder escorrendo por elas. Por um momento, pude sentir o chão tremer sob meus pés e abruptamente, minha visão foi ofuscada por um clarão violento, quase capaz de me cegar.

O clarão durou cerca de dez segundos, tornando tudo desconexo e turvo, e o tempo que durou me pareceu mais cerca de um século. Agradeci mentalmente, aliviada, quando finalmente pude voltar a enxergar. Tina parecia bem, e o brilho prateado que os ingredientes do feitiço lançava em forma de feixes para todos os lados daquela sala, iluminando todos os cantos, também concordava com a possível veracidade.

— Eu preciso de um mapa — a loura sacudiu a cabeça, parecendo entender o que o feitiço requeria. — Rápido!

Observei um Castiel alarmado desaparecer, abandonando apenas um farfalhar de asas que produziu um eco quase inaudível pelo aposento. Não tardou para que ele voltasse ao local, dessa vez com um mapa encardido em mãos. O anjo entregou às pressas o papel espesso para a ceifadora. Ela, concentrada, enfiou uma das mãos no bolso, recolhendo rapidamente de lá um isqueiro. De início, ele me pareceu normal, mas logo percebi a estampa do mesmo — o objeto estava tingido de rosa e tinha um desenho de uma boneca que eu deduzi mentalmente que fosse a Hello Kitty, visto que não tenho muito conhecimento sobre personagens infantis.

A atenção de Tina foi atraída até mim e os rapazes, pois todos nós a encarávamos de olhos arregalados. Ela fez uma careta.

— O quê? — revirou os olhos. — Eu gosto de gatos.

Dei de ombros. A ceifadora preferiu ignorar nossa reação ao seu gosto por gatas sem boca e apressou-se em acender as ervas que brilhavam dentro do recipiente sobre a mesa, incendiando-as. As chamas se misturaram ao prateado cintilante e absorveram uma cor dourada e luminosa. As mesmas labaredas que bruxuleavam na frente de meus olhos eram encantadoras e estavam a ponto de me deixar hipnotizada, mas fui logo raptada do mundo dos sonhos e algodão doce quando Tina lançou o mapa sobre as chamas. Atenta, me esgueirei para contemplar o resultado e o mapa iniciou o processo no qual se transformaria em cinzas.

Um pouco desconfiada sobre o sucesso do feitiço, fui surpreendida quando apenas um minúsculo pedaço do mapa restou sobre a tigela, e por algum motivo desconhecido, ele não estava sendo queimado pelo fogo. Uni as sobrancelhas e assisti as chamas se esvaírem sem muitos esforços. Logo, o que restou foi apenas um pedaço minúsculo do papel, indicando uma cidade no estado de Oklahoma.

El Reno.

— É tudo que o feitiço pode dar  — Tina esfregou a palma da mão na bochecha, aparentando estar ligeiramente esgotada pelo uso de suas habilidades em excesso. Até mesmo me identifiquei.  — Onde a caixa está precisamente... Bem, isso terão de descobrir por conta própria.

Fechei os olhos.

— Desapontada, mas não surpresa — murmurei para mim mesma e agradeci mentalmente que Tina não pôde ouvir meu comentário.

Senti uma mão tocar o meu ombro e abri os olhos, me deparando com a ceifadora. Ela me olhava com certa ternura no olhar, e subitamente, a suspeita que eu sentia em relação a ela se dissipou como areia movediça. Um sorriso manso, cujo não pensei que daria as caras, surgiu em seus lábios, e o brilho em seus olhos parecia verdadeiro — assim como o ar de consolo que as órbitas azuladas transmitiam. Pisquei, encarando-a, tentando desvendar o que aquele gesto significava, mas ela não tardou a se expressar:

— Boa sorte, Elizabeth.

E logo, ela afastou a mão do meu ombro, desaparecendo bem diante de meus olhos. Estática, fitei o nada, tentando de alguma maneira descobrir como diabos saberíamos em que lugar de El Reno a caixa estaria.

{...}

— Tudo isso para nada — Dean resmungou, com uma carranca estampada na face. — Ótimo. Perfeito.

Expirei com força, apertando as pálpebras contra as órbitas em uma tentativa de me acalmar. Estávamos sentados ali há apenas cerca de quinze minutos e eu já sentia toda a extensão do meu cóccix latejando, a dor se espalhando em direção às costas com facilidade — tudo por conta da tensão que predominava no ambiente. Meus cotovelos deslizaram na mesa e eu me permiti esfregar a testa a fim de espantar a dor instalada em minhas têmporas, mas depois da revelação de Tina, tudo parecia ter virado de cabeça para baixo. Dean tinha razão. Tinha sido tudo em vão.

— Fique calmo, Dean — pediu Castiel solenemente. Eu apreciava a tranquilidade que ele geralmente ostentava.  — Nós vamos achar um jeito.

— Momento ideal para otimismo, Cas — ironizou o Winchester mais velho. — Francamente.

O anjo coçou a barba que crescia ao redor dos lábios cheios, levemente distraído.

— Essa é a questão. Otimismo é a única coisa que nos resta — ele soltou um muxoxo de decepção.

— Eu também quero acreditar nisso  — me manifestei, mordendo o lábio.  — É nossa última esperança. Vamos fazer pesquisas, dar um jeito. Nós sempre damos, não é?

Dean suspirou.

— Dois otimistas e cheios de esperança escorrendo pelas mãos. Que incrível — zombou com um sorriso sarcástico enfeitando o semblante parcialmente irritado.

— Só me deem um tempo para pensar, ok? — pedi baixinho, em um tom quase inaudível. — Por favor?

Senti o olhar dos três rapazes caírem sobre mim como bigornas sobre meus ombros, mas mantive o olhar fixo na mesa. A sensação de que eles me olhavam simplesmente não ia embora, então me vi obrigada a erguer a cabeça e encarar as consequências. Eu o fiz e me deparei com Dean, que estava sentado na cadeira ao meu lado. Seus olhos grandes e verdes como esmeraldas cintilantes me fitavam, inundados da mais pura e legítima preocupação e aflição. O afeto pôde substituir a dor, pelo menos naquele momento, pois vê-lo preocupado comigo era extremamente satisfatório. Observei o caçador estender a mão até mim, pousando-a na lateral da minha cabeça. Seu dedo afagou suavemente a maçã do meu rosto.

— É a visão, não é? — perguntou mansamente, afastando a mão da minha bochecha.  — Tem certeza de que não quer falar?

Cogitei em contar, mas automaticamente, me vi sacudindo a cabeça em negação. Castiel rompeu o momento quando começou a falar:

— Eu queria que existisse outra maneira de derrotar Lúcifer. Realmente queria. Eu não... Me conformei ainda  — Castiel balbuciou.

Congelei no mesmo segundo, temendo o que iria sair da boca de Castiel, mas eu sabia que não deveria impedir. Se eu impedisse, iria parecer ainda mais suspeita e eles me forçariam a contar sobre o meu sonho. Ou melhor, visão. Lá dentro, eu sabia que aquilo iria acontecer de verdade e estava disposta a aceitar o meu destino.

— Conformar sobre o quê? — Sam indagou, juntando as sobrancelhas.

— Vocês não sabem? — disse o anjo, parecendo surpreso.

Fingi uma dor insuportável em minha cabeça e me levantei, tentando a todo custo evitar aquela situação. Não era uma boa hora para que Dean e Sam soubessem daquilo, e eu desejei muito naquele momento cortar fora a língua do anjo. Me afastei sorrateiramente, mas infelizmente, fui notada.

— Ei, volta aqui — ordenou Dean, a voz mais firme do que nunca.  — Existe algo que sabem que eu e Sammy não sabemos?

Girei nos calcanhares, sentindo todas os meus músculos tremerem tanto quanto cordas de um violão. Sentia um arrepio descer pela espinha a tensão correndo em minhas veias. O nervosismo puro transbordando em minhas órbitas e em meu semblante. Não precisava de um espelho para saber disso. 

— Beth...  — sibilou, desconfiado.

— O uso da caixa pode ser fatal — Castiel entregou os pontos, me fitando com um olhar que claramente me pedia desculpas.

Dirigi meu olhar a Sam e Dean. Ambos estavam estáticos, suas bocas entreabertas e os olhares fixados em mim. Me encolhi no moletom, sem a mínima ideia do que faria ou diria. Abaixei a cabeça. Não conseguia olhar para eles. Não daquele jeito. E eu não queria mentir, realmente não queria, mas havia sido inevitável. Aquele era o único jeito. Não podíamos desistir.

Dean ergueu o tronco, vindo na minha direção e fazendo com que meus devaneios se dissipassem subitamente.

— Você sabia disso? — a decepção estava estampada em seu rosto.

Desviei o olhar, sentindo lágrimas arderem na beirada dos olhos.

Elizabeth — ele pronunciou, fazendo-me estremecer. — Olhe para mim. Você sabia disso o tempo todo? — questionou pausadamente.

Não pude conter uma lágrima traiçoeira que escapou, escorrendo por minha bochecha e deixando uma trilha molhada e salgada por ela. Sacudi a cabeça freneticamente, sentindo a culpa inundar meu coração e meu rosto se tingir de vermelho por estar a tanto tempo segurando o choro.

Reuni as únicas forças que me restavam e olhei para ele. O rosto do homem que eu amava e o seu semblante transbordava um sentimento que eu nunca imaginei que doeria tanto  — amargura. Um sorriso desapontado descansava nos lábios que eu amava beijar, e assim como os meus, lágrimas nadavam em seus olhos. Eu percebia o esforço que ele tinha para não deixá-las cair, e aquilo doía como o inferno. Meu peito ardia. Tudo parecia estar em chamas. Meu coração parecia ter se tornado um incêndio constante.

Dean fungou, permitindo que uma risada rouca e amarga abandonasse seus lábios abruptamente, causando-me um arrepio e mais lágrimas que escorreram livres pelo meu rosto.

— Depois de tudo... — o caçador começou, mas parou de repente. Ele abaixou o olhar, e quando o ergueu novamente, parecia completamente mudado. A dor havia se esvaído rapidamente e sido substituída pelo mais puro deboche. — Esqueça. Eu estava certo quando disse que era egoísta.

E me deu as costas. Simplesmente saiu.

No mais profundo silêncio, Dean marchou até as escadas do bunker, impassível. A dor me consumia por completo. Decepcioná-lo era algo que não estava nos meus planos. Ele não entendia. Eu precisava me sacrificar. Aquilo era necessário. Dei um passo a frente, chamando seu nome. Ele virou-se, sem nenhum resquício de emoção em sua fisionomia.

— Você sabe que eu preciso fazer isso, Dean — choraminguei, com a voz arrastada e quebradiça. — Você sabe. Por favor. Não me faça escolher. Eu não quero perder você...

Solucei, sentindo a dor queimar dentro do peito novamente. Eu queria cair ali, desabar, mas apenas funguei, secando as lágrimas que escorriam por meu rosto com as costas da mão. Um sorriso irônico foi esboçado pelo Winchester.

— Você já perdeu. 

E quando Dean ia subir as escadas, seu celular começou a tocar. Born To Be Wild ecoava pela biblioteca do bunker, e furioso, ele recolheu o telefone do bolso e caminhou a passos pesados e apressados até a mesa cuja qual Sam e Castiel acercavam, praticamente catatônicos. Transbordando ferocidade, o caçador lançou o aparelho sobre a mesa sem se preocupar e deu-nos as costas mais uma vez, sumindo na escada de espiral do bunker que levava ao andar posterior, pelo qual ele provavelmente marcharia até o seu quarto e se trancaria lá por Deus sabe quanto tempo.

Engoli o choro, reunindo minhas forças, e me aproximei da mesa onde Castiel e Sam ouviam tudo, assustados. Capturei o celular de Dean entre as mãos e atendi a ligação, que a propósito, era de Garth.

— Oi, Garth. Hora ruim — informei, tentando mascarar qualquer denúncia de que eu estava chorando.

— Acredite, essa é a hora certa — ele parecia nervoso. — Vocês precisam ver isso. Eu estou falando sério. Aquele... Aquele anjo está com vocês?

— Garth? Sou eu, Castiel — o serafim se manifestou, inclinando-se na minha direção para que o caçador do outro lado da linha pudesse ouvi-lo melhor.

Ouvi um suspiro abafado na ligação.

— Pode teletransportar vocês todos rapidamente para onde eu estou? — perguntou angustiado. — Estou em Camdenton, em um galpão abandonado na rota 56.

Pisquei e automaticamente vi a todos nós em um cenário diferente. Atordoada, olhei para o telefone nas minhas mãos e varri o local com os olhos, logo avistando Garth na porta do galpão. Preocupada, caminhei rapidamente até lá, com o anjo e Sam no meu encalço enquanto guardava o celular de Dean no bolso da calça jeans. Assim que eu estava próxima o suficiente, Garth começou a tagarelar:

— Eu estava conversando com duas amigas caçadoras minhas, Skyler e Valerie Mason, elas haviam pegado um caso em uma cidade próxima daqui, disseram que passaram por essa rota e que viram algo estranho acontecendo nesse galpão, mas estavam ocupadas demais para checar. Eu vim aqui para ver do que se tratava e... Deus. Eu não sei nem explicar. Só entra.

Esquivando-me do homem eufórico, adentrei o local, sentindo o piso ranger sob minhas botas e o cheiro de pó que emanava de cada canto do fétido armazém. A luz que estava pendurada ao teto me permitiu ver tudo.

Os corpos. Centenas de corpos amontoados. Sangue para todos os lados. E uma mensagem clara escrita com o mesmo líquido viscoso em uma das paredes de madeira. Uma mensagem que não precisava ser assinada para eu saber quem havia a deixado.

31 de outubro. Cidade onde você ascendeu. Cemitério. Boa sorte. O fim está próximo.

Lúcifer.

Lúcifer havia deixado aquela mensagem.

 


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Notas finais do capítulo

Primeiramente: DR do casalzinho. Ai. Doeu na alma. Eu nem mesmo sei de que lado eu tô da história ;-;

Segundo: Teorias sobre como eles irão descobrir onde está a caixinha? e.e

Terceiro: Gostaram da Tina? Ela não será recorrente, mas fará várias participações especiais e eu amo ela *-*

Quarto: Teorias sobre o sonho/pesadelo/visão da Beth? Acha que isso vai acontecer mesmo?

É isso, gente. Não esqueçam dos comentários, por obséquio, e olha, quero ver reflexão de vcs hein! Hahah. Os vejo no próximo. Beijocas!

(Twitter: http://twitter.com/jdmorganz
Tumblr da fic: http://fallen-fanfic.tumblr.com
Ask: http://ask.fm/novakswife)



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