Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 24
Atrás das cortinas


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi, cabritinhos! Demorei? Talvez...

Primeiro de tudo: mudei o estilo dos banners e agora todo o capítulo terá o trechinho de uma música no início. Por que a mudança?? Porque estamos na "segunda metade da fanfic", onde as coisas vão começar a acelerar de verdade. O final está se aproximando cada vez mais. Sei que isso é triste, até eu tô aqui sofrendo, mas é a vida, né... Enfim, guardem a melancolia para ler o capítulo.

Como assim, Milly? Pois é, cabritinhos. Eu sinto muito em lhes informar, mas vocês sofrerão bastante com esse capítulo. Sorry, juro que foi necessário...

Enfim, chega de enrolar e vamos ao capítulo... Peguem os lencinhos!

Música do capítulo (que aparece a letra no início):
Echo — Jason Walker

OBS: Leiam as notas finais!



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I'm out on the edge and I'm screaming my name
Like a fool at the top of my lungs
Sometimes when I close my eyes I pretend I'm alright
But it's never enough
Cause my echo, echo
Is the only voice coming back
Shadow, shadow
Is the only friend that I have

 

O VENTO AGREDIA meu rosto com uma força significante. O Chevrolet Impala mil novecentos e sessenta e sete zunia veloz pela estrada. Meus braços estavam apoiados na janela e a brisa me parecia a única calmaria de toda aquela situação. Estávamos cara a cara com um novo e desafiador empecilho — Abaddon, um dos cavaleiros do Inferno, e segundo os irmãos Winchester, "uma vadia ruiva destruidora de lares". A descrição dos meninos me assustara, mas havia uma vantagem nisso — ao menos eu sabia o que diabos os meus corriqueiros enjoos deviam significar. Eu estava prevendo, através de sinais corporais, a ascensão de uma lenda. Talvez essa habilidade fizesse parte do meu mojo celestial.

Senti o automóvel freando e fiz uma careta. Já estávamos procurando por Abaddon já fazia uma porção significante de dias e infelizmente, ninguém, nem mesmo os demônios sabiam do paradeiro da ruiva. Nenhuma visão surgiu para auxiliar-nos, e estávamos realmente no fundo do poço. Com dois inimigos — se é que eles não estavam associados —, Lúcifer e Abaddon, mais próximos do que pensávamos, e ainda por cima, sem nenhum plano B ou soluções. Estávamos fracos e vulneráveis. Toda vez que eu criava uma minúscula expectativa de que encontraríamos uma pista, mesmo que ela fosse pequena, eu me decepcionava. Essa era a desvantagem de tentar ser otimista. 

Sam pigarreou, me despertando dos meus pensamentos. Descolei a bochecha da minha mão, na qual eu apoiava meu rosto, e saí do carro, constrangida. Já faziam dias que também não saíamos do bunker e eu e Sam conseguimos convencer Dean a irmos nós dois e ele permanecer no esconderijo. É claro que ele protestou — teimoso do jeito que é —, mas usamos como argumento para que ele não abandonasse o bunker a possibilidade de que Crowley ainda estivesse por perto e o fato de que não queríamos arriscar seu pescoço por uma tarefa idiota. No desfecho, Dean rendeu-se e concordou, mas insistiu que levassemos uma torta de maçã para ele. Era a única condição, então eu e seu irmão, no caso, o Winchester mais novo, nos comprometemos a realizar o seu guloso desejo.

Meneei a cabeça, como se isso fosse, de fato, descartar todos os meus devaneios inúteis. Eu tinha que parar com essa mania, afinal, de acabar perdendo-se nos pensamentos mais idiotas já vistos. Mas bem, eu não tinha culpa se faltavam alguns parafusos em minha cabeça esquisita. 

Assim que atravessamos a porta de vidro da loja de conveniência vinte e quatro horas, Sam me encarou após esquadrinhar discretamente o estabelecimento.

— Pegue o que achar necessário — sugeriu calmamente, erguendo um pouco os ombros.

Sorri fraco. Samuel devolveu o sorriso e se afastou, dirigindo-se à metade direita da loja. Fiquei com a outra, onde encontravam-se alguns produtos embalados — pães, bolos, tortas, biscoitos e outras coisas frescas — e os freezers de comidas e bebidas, que tornavam o lugar um pouco frio e instável. Me encolhi na blusa fina, que apesar de ter mangas longas, me deixava suscetível e poderia possibilitar um futuro resfriado. Sem muito em mente, caminhei até os produtos embalados enquanto afagava os braços com força, afim de esquentá-los. Meus olhos percorrem depressa as prateleiras, em busca de uma preciosa e ao mesmo tempo maldita torta de maçã. 

Quando meus olhos alcançaram a mesma, suspirei, estendendo o braço para apanhá-la. Assim que capturei a guloseima, semicerrei os olhos, olhando ao meu redor à procura de algo interessante para levar. Caminhei devagar até um dos freezers, no caso, o das bebidas, e examinei os produtos perfeitamente empilhados nas prateleiras. Indecisas, minhas órbitas dançaram sobre a superfície de vidro e paralisaram na direção de uma garrafa com uma embalagem inusitada. Era muito colorida e enfeitada, e era preenchida por um líquido de um tom claro de amarelo que eu deduzi — o rótulo me disse — que tratava-se de suco de maçã.

Dei de ombros e abri a porta do frigorífico, recolhendo a bebida, mas quando fechei a porta, escutei a pior voz que eu poderia ouvir naquele momento.

— Oi, Lizzie.

Pressionando as unhas compridas contra a palma da mão desocupada — a força era tanta que eu poderia acabar rasgando a pele —, me virei para o dono daquela voz insuportável, já com a carranca de ódio instalada em cada poro da minha pele. 

— Crowley — sibilei, tentando conter a ferocidade por trás da máscara de ironia, que mantinha uma das minhas sobrancelhas erguida de maneira sarcástica. 

Diante de minha carranca, o rei do Inferno encolheu-se, erguendo as mãos no alto em sua defesa e retraindo os ombros. Não vacilei — vasculhei o ambiente ao meu redor com os olhos para me certificar de que ninguém escutava a conversa e tornei a encarar o demônio, as órbitas castanhas incendiadas. Eu estava quase esmagando a torta e o frasco de suco nas minhas mãos por conta do ódio.

— Relaxa, Liz! — Crowley revirou os olhos. — Eu não estou aqui para sequestrar você ou algo do tipo! Na verdade, eu vim aqui pra dizer...

Ele fez uma pausa, comprimindo os lábios, como se hesitasse em proferir as próximas palavras. Franzi o cenho.

— Dizer? 

Crowley rolou os olhos novamente.

— Dizer que você estava certa — no mesmo instante, esbocei um sorriso vitorioso. — Você venceu, ok? Lúcifer estava mesmo me usando. Ele só me usou para mandar você para o futuro e em seguida me chutou, ainda me insultando e espalhando por aí que eu era um mau rei. Mas que calúnia!

Dei de ombros, caminhando pelo corredor calmamente.

— Isso significa...

— Sim — afirmou o demônio, enterrando as mãos nos bolsos do sobretudo ônix com uma perceptível má vontade. — Eu estou de volta no time... Infelizmente.

Eu o encarei com uma careta e Crowley crispou os lábios, movendo o olhar até o suco e a torta que eu segurava. Em seguida, recebi um olhar curioso do rei do Inferno.

— O quê? — elevei os supercílios. — Eu precisava me abastecer! E devo lembrar que essa torta é para o Dean, não para mim...

O demônio revirou os olhos pela terceira vez em menos de cinco minutos, o que me fez franzir o cenho. 

— Vocês dois enrolam demais... Esse relacionamento está me dando sono — comentou aparentemente desinteressado, parando ao lado de uma prateleira e pegando um pacote de  um doce japonês para examinar.

Travei o maxilar. Todo mundo continuava com aquela conversa de que Dean e eu tínhamos alguma coisa. É, eu sabia que nós tínhamos, mas era cansativo ouvir aquilo de todo mundo, como se fosse muito óbvio — talvez fosse mesmo. Mas infelizmente, eu não tinha o básico — a desenvoltura adequada para sair explicando tudo ao Winchester. Eu nem mesmo sabia como nomear o estranho sentimento que crescia cada vez mais em meu âmago, que diria expressá-lo com palavras, ainda mais para o alvo daquele maldito sentimento? Bem mais difícil do que jamais imaginei.

— Vê? A sua fácil distração denuncia seu fracasso com o amor — Crowley deu uma risadinha travessa, devolvendo o pacote alimentício estrangeiro à prateleira.

— Você gosta de me infernizar, né?! 

Crowley elevou as omoplatas cobertas pelo tecido enegrecido em um gesto rápido, abaixando-as novamente em seguida. Eu realmente estava distraída com o que o rei do Inferno relatou, visto que tomei um susto imenso quando Sam apareceu bem na nossa frente. Agradeci mentalmente por não ter emitido um grito capaz de quebrar todas as janelas e vidros daquele lugar.

— O que ele está fazendo aqui?! — inquiriu Sam, eufórico e apontando desesperadamente para o demônio ao meu lado.

Retraí os lábios.

— Aparentemente, ele está de volta ao time — lancei-lhe um olhar desdenhoso.

— Sentiu minha falta? — Crowley sorriu, erguendo as mãos no ar como uma garotinha mimada. 

— Nem um pouco — as palavras sopraram de sua boca como uma ameaça e eu observei sua mão navegar lentamente até a arma escondida no bolso interno de seu casaco.

— Ei!

Sam parou diante da minha advertência. Posicionei a mão diante seu rosto, pedindo para que parasse. Desconfiado, o Winchester mais novo obedeceu, contendo a vontade de atirar bem na garganta do rei do Inferno. Pude ouvir Crowley suspirar a meu lado, o que me fez lançar-lhe uma olhadela cúmplice. Pousei uma das mãos sobre o antebraço de Sam, tranquilizando-o.

— Ele pode ser um idiota, mas é útil para alguma coisa, então acho melhor não simplesmente assassiná-lo, ainda mais em público — sussurrei, olhando alternadamente para todos os cantos da pequena loja. 

Sam, que mantia os olhos semicerrados, relaxou as pálpebras, deixando que uma lufada de ar escapasse de seus lábios. Afastou a mão de dentro do casaco, de modo que ela voltasse a descansar ao lado do tronco. Olhei para Crowley, vendo que ele sorria vitorioso. Assim que percebeu o meu olhar fumegante sobre ele, estreitou os olhos e começou a assobiar. 

— Não pense que eu esqueci o que fez com o Dean — alertei para o demônio. — Um passo em falso e eu acabo com a sua raça. 

— Queridinha, a minha raça é quase infinita! — murmurou, carregando uma extensa camada de modéstia na voz. — Você e os seus kamehameha's vão demorar um século para... 

Crowley parou de falar, como se algo o interrompesse ou suas cordas vocais simplesmente arrebentassem de repente. Franzi o cenho e reparei que Sam tinha a mesma expressão de confusão estampada no rosto. O rei do Inferno esquadrinhou o local com um olhar assustado, desenterrando as mãos do bolso do casaco e cerrando-as em punho. Ele parecia temeroso, mas ao mesmo tempo sorrateiro. O sobretudo que tremulava diante de seus calcanhares foi alisado pelas mãos grossas do demônio, que logo em seguida esboçou um sorriso nervoso.

— Parece que temos companhia... — murmurou para si mesmo, mas não em um tom baixo o suficiente para se tornar inaudível para mim e para Sam. — Bem, nos vemos depois, parceiros. Adios

E logo, em um veloz piscar de olhos, ele havia desaparecido. Nada de Crowley, apenas o vazio. Suas palavras nadaram pelos meus pensamentos... Temos companhia? Que tipo de companhia seria capaz e tão perigosa a ponto de conseguir amedrontar e expulsar o rei do Inferno? O único sujeito que eu pude mentalizar foi Lúcifer, mas eu já não o temia mais. Eu havia prometido a mim mesma que eu reverteria o meu destino, não importava se ele estava escrito em linhas de sangue ou algo do tipo. Eu ia alterá-lo. Custe o que custar, repeti para mim mesma. 

Sam me acompanhou até o caixa da loja de conveniência e nós pagamos pelas coisas que compramos. Abandonamos o estabelecimento com as sacolas em mãos e eu recolhi o famigerado suco de maçã de dentro de uma delas. Girei os dedos ao redor da tampa apertada e abri o lacre da bebida, levando a abertura até os lábios. O líquido deslizou por eles e nadou por minha boca na direção da garganta, proporcionando-me uma sensação magnífica. Pela primeira vez, eu senti que havia encontrado a bebida mais maravilhosa existente nos quatros cantos do planeta Terra, superando até mesmo o meu precioso café. Sam aparentou notar minha euforia, pois riu baixinho enquanto íamos até o Impala.

Devolvi a tampa ao frasco de suco, fechando-o, e guardei-o de volta na sacola. Colocamos as poucas compras no banco de trás do automóvel e eu marchei até a porta do carona do carro, deslizando meus dedos pela pintura. Assim que eu ia abrir a porta, uma pontada dolorosa nasceu em meu estômago.

Oh, não. Os enjoos estavam de volta.

Uma tontura forte me atingiu no mesmo momento, como uma pancada em minha cabeça. Me desequilibrei e fui ao chão. Tudo começou a ficar borrado e disforme, eu mal conseguia sentir os meus membros, e tudo que fui capaz de sentir foi o meu corpo colidindo com o áspero asfalto. Piscando incontrolavelmente, eu pude escutar a voz de Sam muito distante, chamando pelo meu nome. Podia senti-lo me sacudindo, mas meus olhos giravam pelo lugar. A visão turva não me permitiu distinguir coisa alguma. 

Samuel conseguiu me erguer e eu retomei um pouco a consciência. O borrão que cobria a minha visão se esvaiu um pouco, mas a tontura ainda se fazia presente. Senti meu estômago embrulhar dentro do corpo e o gosto terrível de bile nos lábios. Soltei um suspiro e olhei para Sam, tentando não desmaiar e cair novamente.

— Eu... Vou ao banheiro... — foi tudo que escapou da minha boca, ligeiramente dito em um fio quebradiço de voz.

Sam assentiu, me largando delicadamente como se eu fosse uma boneca de porcelana, prestes a se quebrar e espatifar-se em um milhão de pedacinhos. Cambaleei até o banheiro externo que acercava a loja de conveniência, enjoada e atordoada. Tentei recobrar os sentidos quando cheguei ao aposento, que por incrível que parecesse, era mais limpo do que eu pensava. Senti meu estômago pulsar mais uma vez e a emanação do enjoo rumar veloz em direção à minha garganta, e por isso, corri para dentro de uma das cabines, fechando a porta atrás de mim. Enrolei os cabelos, colocando-os para trás, e me ajoelhei em frente à privada.

Quando percebi, o líquido mal-cheiroso já saía da minha boca, sendo lançado para dentro da privada. Era a primeira vez que eu vomitava, e eu podia relatar com toda a certeza do mundo — era horrível. Mas tudo aquilo que ocorrera em menos de cinco minutos me fez automaticamente ligar os pontos em minha cabeça — os enjoos estavam ligados à Abaddon, e se eles estavam fortes àquele ponto, isso significava que ela estava... 

Perto. Muito perto. Perto demais. 

Temerosa, saí da cabine, ainda atordoada e grogue por conta do vômito. Manquei até a pia dentro do banheiro, com cada membro do meu corpo suando e tremendo. Curvei o corpo com dificuldade na direção da torneira, abrindo-a, e lentamente, reuni um pouco de água nas mãos. Lancei a água fria contra o rosto, que atingiu-o como um choque. Limpei os lábios — que provavelmente estavam sujos de vômito — com o mesmo líquido e fechei a torneira, ofegante. 

Levei os olhos bem devagar ao meu reflexo no espelho e para a minha surpresa, me deparei com ela. 

Abaddon, parada bem atrás de mim.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, sua mão deslizou pela minha cabeça e empurrou-a em direção ao espelho, batendo com a minha testa no vidro.

O som do vidro se quebrando ou se rachando — não fui capaz de identificar o certo — e a dor do impacto foram as últimas coisas que ouvi e senti antes de tudo ficar escuro e mergulhar no breu.

{...}

Assim que abri os olhos e retomei a consciência, a primeira coisa que senti foi um perfume ótimo, porém exagerado, cujo fez meus olhos arderem. Fiz uma careta e tentei enxergar algo no escuro no qual eu me encontrava submersa. Não obtive sucesso.

Só então percebi que estava sentada em uma cadeira. Tentei levantar e afastar as pernas, mas algo me prendia. Tentei também sacudir as mãos, e diante disso, percebi que elas encontravam-se firmemente atadas à cadeira, assim como as minhas pernas. Me debater foi a minha única opção — me remexi no móvel, mas quanto mais eu me movia, mais presa eu parecia ficar. A corda áspera já machucava a pele dos meus punhos e a dos meus calcanhares, o que me fez emitir um grunhido. Me debati mais ainda, mas uma voz áspera interferiu no meu ato, cortando o silêncio:

— Sabe, isso não é muito inteligente.

Era a voz de uma mulher, e eu sabia muito bem a qual mulher ela pertencia.

Uma luz forte acendeu-se acima da minha cabeça, preenchendo o lugar com a claridade. Fechei os olhos, apertando as pálpebras contra as órbitas com força. Tornei a abri-los um pouco tempo depois, piscando incontrolavelmente e tentando me acostumar com a mesma claridade que insistia repetidamente em me cegar. Quando consegui mantê-los abertos, observei o demônio bem na minha frente, esculpido em uma pose autoritária e com um sorriso maquiavélico desenhado no rosto.

Abaddon.

Ela era mais majestosa do que eu havia imaginado, e definitivamente tinha uma casca à altura. As longas ondas ruivas de seu cabelo caíam por seu peito como uma cachoeira de fogo, batendo um pouco depois dos ombros. O rosto era angelical, e ao mesmo tempo, era carregado de maldade. As sobrancelhas finas e bem desenhadas contrastavam com o verde magnífico de seus olhos, mas que evidentemente escondiam segredos obscuros. Os lábios tingidos de escarlate estavam curvados em um sorriso de escárnio, preenchido por dentes branquíssimos e pavorosamente bem alinhados. O corpo era escultural — mesmo debaixo das roupas pretas as inúmeras curvas da mulher eram perceptíveis. Eu parecia mais uma formiga perto dela, por mais que eu não a temesse tanto quanto eu temia Lúcifer um tempo atrás do que ocorria naquele exato momento.

Ela percebeu que eu a encarava, pois ergueu uma sobrancelha.

— Você é mais poderosa do que pensei — comentou ironicamente, cruzando os braços. — Foi capaz de prever a minha ascensão. Isso não é para qualquer um.

Abri a boca, buscando palavras em meu dicionário imaginário para respondê-la, mas nada parecia querer sair da minha boca. Fechei-a em seguida, escutando a amarga risada de Abaddon ecoar pelo local — cujo eu ainda não sabia o que era, visto que tratava-se de um lugar elegante, com móveis rústicos feitos de carvalho e um elegante lustre reluzindo no teto. Os passos do demônio faziam o assoalho ranger, o que dava ao lugar um aspecto velho, porém, o som até era agradável. 

— Bem, se você for esperta o bastante, estará se perguntando porque eu a trouxe aqui. 

Estreitei os olhos, sentindo uma rebelde gota de suor escorrer por minha testa.

— Talvez — sibilei entredentes. 

Abaddon riu, abaixando-se de modo que ela conseguia olhar em meus olhos e eu nos dela. Analisei suas feições extraordinárias e ao mesmo tempo cheias de maldade e ela abriu mais um de seus sorrisos perversos. Franzi o cenho, e o sorriso do demônio foi explicado quando senti algo perfurando minha coxa. Um grito agudo escapou dos meus lábios, ecoando pelo aposento, e eu apertei os olhos com força, sentindo eles inundarem de lágrimas. A contragosto, uma delas desceu por minha bochecha. Abri a boca, encarando a faca cravada em minha coxa. Grunhi de dor e encarei Abaddon com os olhos vermelhos por conta do choro.

— Eu não preciso de respostas — declarou, áspera. — O que eu realmente pretendo é fazer um acordo com você. 

"Você não resistirá ao acordo". As palavras do demônio que possuía a sra. O'Neil atormentaram meus pensamentos por alguns segundos. Fechei os olhos, respirando fundo. Abaddon, me pegando de surpresa, arrancou a adaga da minha perna, arrancando de mim outro grito desesperado. Quando abri os olhos, pude perceber que ela apreciava o meu sofrimento. O mesmo sorriso perverso nasceu em seus lábios e ela cravou a faca no meu corpo novamente, dessa vez em meu ombro. Berrei, sentindo as áreas apunhaladas queimarem, como se pegassem fogo, e o sangue manchar e encharcar minhas roupas lentamente. A ruiva arrancou a adaga da minha omoplata e aquilo abriu passagem para um quarto grito. A cada facada, eu ficava cada vez mais tonta e tudo parecia girar ao meu redor. A dor era excruciante. Eu podia sentir meus músculos se enrijecendo, se contraindo debaixo da pele por conta da dor. Podia sentir o sangue escorrendo por minha pele bem devagar, torturando-me. 

Crispei os lábios, engolindo em seco e tentando manter os olhos abertos, a fim de fitar Abaddon.

— Se quer propor um acordo, por que me torturar? — perguntei em um quebradiço fio de voz.

O demônio girou a faca entre as mãos, sacudindo os fios cobre que desciam do topo da sua cabeça até os ombros de um lado para o outro. 

— Para garantir de que você o aceitará e o cumprirá — ela ergueu as sobrancelhas com certo sarcasmo.

Ofeguei, semicerrando os olhos e tentando controlar a respiração e ignorar a dor. Ela ainda me encarava.

— Você, por acaso, está no time do Lúcifer?

Abaddon riu.

— Quem disse que você poderia perguntar alguma coisa, Elizabeth? — estranhou ela, franzindo o cenho dramaticamente como se estivesse encenando uma peça de teatro. — Mas bem, como é uma pergunta interessante, vou tratar de respondê-la... Não, eu não estou do lado daquele amador. Bem, ele pode ser Lúcifer, mas na minha opinião, ele está bem enferrujado. Aliás, ele preferiu aquele anjo idiota... Helena. Ugh.

Enquanto eu tentava processar as palavras da ruiva, principalmente as que se referiam à Helena e o fato de ela estar associada à Lúcifer, ela se aproximou de mim, roçando a ponta da adaga em minha bochecha velozmente e fazendo um corte na pele. O corte ardeu e eu grunhi, torcendo o nariz e coçando a garganta.

— Vê, eu sei que você está aliada aos Winchester — a ruiva fez uma careta, o que só evidenciou ainda mais o ódio que o demônio nutria pelos Winchester. — Então, a minha proposta é a seguinte: eu não encosto um dedo sequer nos seus amiguinhos e você vai me dever um favor. Melhor, você vai procurar por um certo objeto para mim.

— Objeto? — crispei os lábios.

Abaddon revirou os olhos.

— Não interessa — desconversou com um sorriso sarcástico e azedo. — E então... Fechado? 

Engoli em seco, tentando controlar a respiração descompassada e meu coração, que pulsava dolorosamente contra minhas costelas. A dor nos locais que Abaddon me apunhalara era cada vez pior e cada vez ainda mais ardente — era como se as feridas estivessem prestes a explodir, granadas sanguinolentas. Abaddon bocejou em resposta à minha demora para responder e levou a ponta da adaga até o meu braço. Me debati, tentando evitar outro corte, mas a ruiva rasgou a pele do meu braço, fazendo um doloroso corte vertical. Urrei de ódio, sentindo uma raiva descomunal se apossar do meu corpo. 

Por mais que eu tentasse, eu era incapaz de utilizar os meus poderes. Eu estava fraca demais, grogue demais, tonta demais para revidar e reverter a situação. Eu escutava a risada de Abaddon cada vez mais abafada e distante, meus olhos tendiam a se fechar, não importava o quanto eu tentava mantê-los abertos. Arfei, descontrolada, e permiti que as lágrimas deslizassem por meu rosto. Abaddon, em um gesto rápido, pressionou a ponta da adaga em minha barriga, ameaçando perfurá-la.

— Não! — exclamei com a pouca força que me restava, agoniada e assustada. — Eu aceito! Aceito o acordo!

Abaddon abriu um sorriso vitorioso. Respirei fundo, encarando-a.

— Se você tentar... Qualquer coisa — o demônio aproximou seu rosto do meu perigosamente. — Eu vou acabar com você e os seus amiguinhos. E isso é porque estou do seu lado... Se fosse o contrário, isso tudo seria muito, mas muito pior.

Engoli em seco, sentindo a bile dançar em minha língua. Não, eu não estava com medo, mas a dor estava me deixando vulnerável. Fechei os olhos e senti os dedos de Abaddon tocarem a minha testa. Para a minha surpresa, todas as dores se esvaíram rapidamente e eu senti meu corpo comprimir-se rapidamente. Quando abri os olhos, me vi em outro lugar ainda junto da ruiva.

Girei nos calcanhares, esquadrinhando o local rapidamente e percebendo que tratava-se do estacionamento de um posto de gasolina. No caso, o mesmo posto de gasolina em que Abaddon havia me raptado, no banheiro que ficava situado próximo à loja de conveniência. Encarei o demônio ao meu lado, que admirava o ambiente ao seu redor e logo encarou-me de volta. 

— Eu chamarei você quando for preciso — alertou calmamente. — Adeus, Elizabeth.

E com um sorriso amargo, ela desapareceu bem diante dos meus olhos. Confusa e atordoada, olhei para as minhas vestes. Eram iguais as que eu usava anteriormente, porém, não estavam encharcadas de sangue. Como já era noite, deduzi que havia passado-se um dia. Todos os ferimentos haviam desaparecido — eu não sabia que demônios eram capazes de curar, mas como Abaddon era um cavaleiro do Inferno, talvez ela fosse — e eu estava intacta, como se nada tivesse acontecido. Pensei também em como explicaria para os Winchester tudo que aconteceu. 

Primeiro, eu precisava chamá-los.

Resgatei o telefone celular do bolso da jaqueta e disquei o número de Dean rapidamente. Grudei o aparelho na orelha, ofegante e rezando para que ele atendesse. Sua voz rouca e preocupada logo penetrou em meus ouvidos e eu sorri, aliviada.

Beth? Deus, Beth, onde você está?!

— No mesmo lugar onde desapareci. Venham, por favor, eu preciso de vocês. 

{...}

Uma luz branca e ofuscante de faróis quase me cegou e eu descolei o cóccix do chão, me levantando e tirando a poeira da calça. O Impala invadiu minha visão, derrapando pelo vazio estacionamento, e logo, Dean e Sam desceram de lá. Caminhei na direção deles, sentindo os olhos arderem. Eu me sentia culpada por aceitar a proposta de Abaddon, mas não podia deixar que nada acontecesse com eles. Eles eram a minha família.

Sam me envolveu em um abraço preocupado, caloroso e amigável, e é claro que eu retribuí. Logo, nos desvencilhamos e meus olhos encontraram os de Dean.

Eu paralisei, sentindo meus pés grudarem no chão. Era surpreendente o choque que os olhos verdes penetrantes do caçador me proporcionavam, e naquele momento, eles estavam arregalados, aflitos. Tomei coragem e corri até o Winchester, abraçando-o tão forte que houve um baque produzido pela colisão de nossos corpos. Suas mãos envolviam o meu tronco, unindo-se em minhas costas em um abraço urgente. Minhas mãos rodearam o seu pescoço e o puxaram para mais perto, apertando-o como se nunca mais quisesse soltá-lo.

E talvez eu definitivamente não quisesse.

Quando percebemos que estávamos nos abraçando por tempo demais, nos desvencilhamos, constrangidos.

— Aconteceu uma coisa...

— Cala a boca, Sam! — ordenou Dean, me olhando apreensivamente. — O que houve? Para onde você foi?!

Soltei um longo e pesado suspiro.

— Longa história, história para depois — desconversei, olhando para Sam. — O que aconteceu?

— Cas desapareceu e Miguel precisa de ajuda para resgatá-lo. Ele sabe onde ele está — explicou Samuel.

Preocupada, abri a boca, sacudindo a cabeça. Percorri os fios dos meus cabelos com os dedos, sem saída e mais preocupada do que já estava. Comprimi os lábios, atordoada e desesperada, e fui alertada por Dean.

— Agora conta o que houve — exigiu. 

— Eu... Droga!

Respirei fundo e recomecei:

— Abaddon me sequestrou.

— O quê?! — exclamou o Winchester mais velho. 

— Eu não terminei — interrompi o futuro sermão. — Eu ferrei com tudo. Abaddon não está aliada à Lúcifer, mas me torturou para que eu aceitasse a sua proposta. O acordo que aquele demônio que possuía a sra. O'Neil citou.

Sam e Dean se entreolharam, intrigados.

— Beth... O que você fez? — indagou Sam, devagar e com cautela. 

— Me desculpem — choraminguei, sentindo as lágrimas começarem a escorrer por meu rosto. — Abaddon disse que se eu ficasse devendo um favor a ela, mais precisamente procurar um objeto para ela, ela não machucaria vocês. Eu sei que isso é egoísta, mas...

Fui interrompida por Dean, que parecia furioso e vociferou como um trovão:

— Egoísta?! É claro que é egoísta! Como você é capaz de arriscar a sua vida e a vida do resto do mundo por nós?! Você ao menos sabe o que a Abaddon planeja? Você colocou tudo e todos em um beco sem saída!

Me encolhi diante de suas acusações, permitindo-me chorar. Funguei e emiti um soluço, pousando as mãos sobre o peito.

— Dean... Me desculpe — balbuciei, me aproximando um pouco para segurar a sua mão, mas ele se afastou. — Dean...

Seu olhar frio me atingiu como uma bala, atravessando o meu coração e quebrando-o em milhares de pedaços. Ele não demonstrava mais compaixão ou qualquer outra coisa — apenas ódio, um ódio evidentemente profundo. Os olhos verdes não eram mais encantadores, e sim, gélidos, perfurando minha pele como um laser e me causando mais dor do que qualquer outra facada já causou. Solucei novamente, observando-o se distanciar e se aproximar do Impala. Antes de ingressar no automóvel, Dean me encarou rigidamente — como se fosse me transformar em pedra — e sibilou:

— Entra no carro.

Destroçada, movi meu olhar para Sam, que me encarava mansamente e com os olhos cheios de pena. Ele deu-me as costas e entrou no Chevrolet devagar.

Sem nem mesmo conseguir controlar as lágrimas, ofeguei e solucei, gemendo pela dor que os olhares dos irmãos me causaram. Acompanhei-os, entrando no carro e tentando manter o meu pranto silencioso para não irritar mais ainda o Winchester mais velho. 

Antes de dar a partida, Dean me lançou o mesmo olhar frio de antes através do retrovisor, determinando sem piedade:

— Vamos salvar o Cas.

O Chevrolet avançou velozmente em direção à estrada, mergulhado na tensão e no silêncio mortal. Sentindo as lágrimas quentes escorrerem lentamente pelo rosto, eu soube:

Nada doía mais do que um coração quebrado. 

 


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Notas finais do capítulo

Pesado... Me perdoem por isso. Sério. Tô sofrendo aqui ;-; Coitada da bichinha.

Bem, agora Elizabeth está condenada ao acordo de Abaddon, já que se ela não cumprir, Abaddon acabará com os meninos. E será que essa bitch falou a verdade sobre não estar no time do Lúcifer? Hmmm... Mistérios e mais mistérios.

Onde acham que o Cas está? Tadinho, ele sempre sai machucado em tudo... Pobre do meu baby. Agora, vamos ver como Sam, Dean e Beth conseguirão montar um plano com todo esse clima tenso entre eles. Complicado, pessoal.

Pois é, estou chorosa. MAAS, como eu disse para lerem as notas finais, trouxe uma surpresinha! Lá no tumblr de Fallen eu postei vários e vários graphics (edições) da Elizabeth e de Deth. Tem até umas manips muito lindas, então, para alegrar vocês, deem uma olhadinha lá: http://fallen-fanfic.tumblr.com

Depois, me digam nos comentários o que acharam das edições ♥ De novo, me desculpem pelo cap emotivo. Foi necessário!

E a segunda surpresa é que em breve disponibilizarei uma playlist com as músicas que eu acho que combinam com Fallen e que fazem parte da trilha sonora, tanto no Spotify como no YouTube :)

Beijos e vejo vocês no próximo.

(Twitter: http://twitter.com/winxchestwr {estou a todo momento postando spoilers da fic e dos próximos capítulos}
Tumblr pessoal: http://millyfanfics.tumblr.com
Tumblr da fic: http://fallen-fanfic.tumblr.com
Ask: http://ask.fm/novakswife)



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