Além dos Fatos Desconhecidos escrita por Anikenkai


Capítulo 2
Auto estima de cachorro




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Depois dos Atentados de 11 de Setembro, os Cães de Busca e Resgate encontraram pouquíssimas pessoas vivas, e ficavam deprimidos por terem falhado. Por isso, alguns Bombeiros tinham que se esconder nos escombros para serem resgatados, e poder melhorar a auto estima dos Cães...

 

— Fatos Desconhecidos, (29/10/15)

 

 

Sempre fui treinado, desde filhote, para dar o melhor de mim quando sou usado para os mais diversos tipos de resgates. Sim, eu sou um cachorro. Mas não um cachorro qualquer. Um labrador, forte, resgatado pela polícia após eu ser abandonado pelos meus pais - sem motivo nenhum, a propósito - nas ruas lotadas de humanos em Nova York.

Os humanos foram muito gentis comigo. Me deram água, ração, cuidados e um treinamento rígido para que eu fosse usado como futuro cão farejador, uns dos bons. Me fizeram pular em piscinas, arcos, correr e farejar coisas horríveis para aguçar meus sentidos, enfim, para que eu me tornasse um especialista.

Poucos anos depois, estava lá eu, com uma coleira nova de couro, com os dizeres em uma placa metálica: "cão farejador especial de resgate - Patrulha 543" (pelo menos, foi o que meu dono me repetiu ao por em meu pescoço). Participei então, de vários momentos perigosos: Em aeroportos, achei vários papelotes de cocaína, outras drogas e até... uma bomba. Ajudei os bombeiros em 3 ou 5 resgates de incêndios. Enfim. Estava orgulhoso do meu trabalho. Meus pais e meus irmãos espalhados por aí teriam ficado orgulhoso do cão que me tornei, sem dúvidas.

Porém, o tempo foi passando, e eu estava sentindo que algo me faltava. Como os humanos diriam... uma namoradinha? Ah sim, o tempo passa mais depressa para nós, temíveis cães farejadores. O oficio do trabalho não me deixava passear muito, e por isso comecei a envelhecer, e ficar sozinho. Depressivo até. Ah, sim! Depressão não atinge apenas vocês humanos. Nós animais também temos sentimentos, mas enfim. Eu estava me sentindo cada vez mais triste, sem motivos. Eu adorava meu trabalho, mas queria também aproveitar os prazeres da vida canina.

Foi então, que um belo dia, na manhã de 11 de Setembro, fui levado para um aeroporto próximo, para farejar algumas malas. Sem importância. Até que, ouvi alguns latidos. E então, a vi pela primeira vez.

Ah, ela era linda. Belíssima, eu diria. Meus olhos se arregalaram, e ignorei o meu trabalho por alguns segundos, para admirá-la. Lá estava ela. A bela poodle - de laços rubros nas suas lindas e longas orelhas, com seus olhos cor de avelã e seu pelo branquinho como neve - passando nas mãos de sua dona, uma mulher gorda de casaco que falava com meu dono. Ela era perfeita, estava completamente apaixonado. Tímido, me aproximei as quatro patas, e fui surpreendido com uma lambida tímida sua. Nosso primeiro beijo. Inesquecível.

Seria esta bela poodle que me tiraria da vida de amargura e solidão? Estava até imaginando: eu, ela, e dezenas de filhotes, correndo pelo departamento da polícia. Ah! Meu coração palpitava forte. Porém, antes que eu pudesse latir perguntando sobre ela mais um pouco, ela fora puxada pela coleira, com sua dona carregando a mala dela para a fila do seu avião. Com um latido tristonho, me despedi.

Eu tinha esquecido de farejar a mala da dona daquela poodle.

As horas passaram, e eu apenas pensava, feliz, na minha amada. Recebia carinhos diversos do meu dono, que notava ao sorrisos, que eu estava contente. Até lambi seu rosto. E seguimos com a equipe de policiais humanos, de volta para a central.

Trágico momento. Bum. O mundo havia parado de respirar. Algo tinha acontecido. Algo terrível. Um pandemônio estava para surgir. Lati desesperado para a televisão, quando começara do nada a ser transmitido na tela que um acidente grave tinha acabado de acontecer. As sirenes tocaram altíssimo, e todos os policiais correram nervosos. Até meu dono, estava nervoso. Pessoas corriam desesperadas do lado de fora. E então... assistimos um avião se chocar com um prédio alto, vários quilômetros daqui.

Por sorte, estávamos longe o suficiente, nada nos atingiu ou as casas próximas. Mas corri como furacão, nas mãos do meu dono, para dentro, para nos proteger. Fui trancado em minha casinha, alheio o que estava acontecendo de fato. Alguém apagou a luz. Com choramingo de medo, deitei minha cabeça em minhas patas, fechando os olhos, esperando que o pesadelo acabasse.

Dois dias depois, fui liberado. Estava gordo, comi completamente toda minha ração. Apesar do medo de ficar sozinho, tudo o que me dava forças era pensar em minha amada poodle. Se eu estava sendo levado, significava que eu iria voltar ao aeroporto. Então... eu poderia vê-la novamente! Abanei meu rabo animado, latindo para meu dono. Porém, seu rosto estava endurecido. Com uma feição de extrema tristeza. Fiquei intrigado. Todos os policiais estavam na mesma forma.

Não, eu não estava sendo levado para o aeroporto. Olhando pela janela, no colo dele, pude ver a destruição local conforme nos aproximávamos do prédio grande que tinha sido atingido pelo avião: telhas, placas, carros atingidos. Destroços do prédio por toda parte. O cenário de caos era amedrontador.

Pulando do carro, me pus na trabalhar. Farejando os destroços, tinha sido mandado encontrar sobreviventes em meio aquilo tudo. Porém, depois de horas e horas, não encontrava ninguém. Estava desanimando aos poucos. Quando um dos policiais, se aproximou do meu dono e disse:

— Estávamos averiguando o caso. Parece que uma das bombas que explodiu o avião antes do choque estava em uma das balas das passageiras. Fui pesquisar... er... uma mulher robusta, 37 anos... estava com uma cadelinha poodle consigo. Não sobreviveram ao acidente, já que estavam dentro do avião.

Parei de fazer completamente o que estava fazendo. Sentei. Ergui minha cabeça e comecei a uivar, uivar para o céu, aos prantos, querendo morrer. Eu esqueci uma mala! E por conta disso, minha amada morreu. Fui tudo culpa minha. Minha.

Depois de um dia inteiro exaustos, meu dono me levou de volta. Ele tentou acariciar minha cabeça, mas eu estava triste demais. Foi então que sussurrando, decidiu mobilizar outros policiais para fingir estar soterrados nos escombros, para que eu os encontrasse no dia seguinte.

Deu certo. Me animei um pouco, achando-os naquele lugar. Mas mesmo assim, as lembranças me traziam a tona a culpa recente. Será que um dia alguém me perdoará? Será que eu veria a poodle no céu canino? Será que alguém descobria os restos da mala?

 


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