Viajantes - O Príncipe de Âmbar [HIATUS] escrita por Kath Gray


Capítulo 5
Capítulo IV




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– Mangás não são a coisa mais perfeita do mundo?

Katherine suspirava, sonhadora, apoiando a cabeça na mão.

– Não eram 'animes'? - perguntou Ty.

Ty parecia ser um pouco mais novo que Kath: tinha pouco mais de doze anos. Seus cabelos repicados eram naturalmente bagunçados. Uma pequena mecha caía por entre os olhos, e várias outras adornavam sua cabeça, apontando em todas as direções. Os fios eram de um raro tom de loiro claro, com uma suave nuance amarelada, e seus olhos, de um também claro cor de amêndoa.

Seus braços não tinham músculos, assim como todo o seu corpo. Era um pouco magrelo, mas de um jeito natural para a idade. Parecia um garoto comum, do tipo que fica jogando videogame em casa o dia inteiro.

Não havia nada, nenhum indício que mostrasse quem realmente era.

Katherine estava sentada em um banco de concreto, preso ao chão da calçada da rua atrás do prédio abandonado em plena construção. Eles nunca veriam o lugar pronto, mas do jeito que estava, a estrutura servia como um bom refúgio.

Ty, ajoelhado no chão ao seu lado, tinha soltado um pouco as faixas de tecido próximo ao ombro e limpava cuidadosamente o ferimento no braço da garota.

– Mais ou menos. Anime é como um mangá, mas na forma de animação... ai!

Uma pontada dolorida percorreu seu braço a partir do ombro ferido.

– Você devia tomar cuidado da próxima vez, Kath - o garoto disse, sorrindo um pouco. - Se fosse mais cuidadosa, eu não ia precisar te remendar toda vez que volta. Pelo menos, dessa vez não vai ter que costurar.

– Eu não tenho culpa - protestou ela. - Você fala como se fosse fácil!

– Bom, eu tenho menos marcas que você - sorriu ele, divertido.

– Eu viajo mais do que você - apontou ela.

– Ok, ok - ele se rendeu. - Pronto. Acabei.

Ele terminou de enrolar a bandagem e prendeu-a com um nó discreto.

Katherine olhou para a bandagem recém-enrolada. Testou girar um pouco os ombros, mas uma pontada aguda a fez arquejar.

– Ei, vai com calma - disse o garoto. - Eu acabei de cuidar disso. Se forçar demais, vai voltar a sangrar. Não precisa ter pressa, tá? O mundo não vai acabar nos próximos quinze minutos.

A garota sorriu, acanhada. Ty sempre tomava conta dela.

– Tá bem. Vou tomar cuidado.

– Obrigado.

Ambos se levantaram em movimentos curiosamente precisos.

Menos de cinco minutos depois, eles já tinham se separado, cada um em direção a uma loja em um dos lados da cidade.

.

Quando viu o garoto, foi preciso menos de um segundo para conhecê-lo.

Cabelos desleixados castanho-escuros. Olhos ansiosos. Roupas simples, meio amassadas.

Um olhar promissor.

Definitivamente era estranho encontrar aquele tipo de olhar ali. Ainda não era o ideal, mas certamente prometia.

Quando ele virou a esquina, ofegando, Katherine estranhou. Quando a ave pousou em seu ombro, ela soube do longo percurso dele atrás do papel. Era, no mínimo, curioso.

– Hey! - cumprimentou. - Isso é seu?

– S-sim - respondeu ele. Por que ele estava tão nervoso?

– Parece bem cansado - comentou ela. - Teve trabalho para pegá-lo? Deve ser importante - arriscou.

Mesmo sem uma resposta clara, era óbvio.

Ele estava muito nervoso. Era até aflitivo assistir.

– Fique tranquilo - disse ela, tentando tranquilizá-lo. - Eu não vou ler.

Ela andou até ele, sorrindo, e estendeu o desenho.

Ele fez menção de pegá-lo, mas antes que qualquer coisa pudesse acontecer, uma suave brisa bateu, fazendo o papel se esticar a partir do ponto em que ela o segurava.

Foi preciso menos de uma fração de segundo para que a imagem a paralisasse.

O que ele fazia com aquele desenho?

.

– Espere, Katherine!

Até o momento, a corrida já a estava forçando ao extremo. A cada passo, uma dor excruciante percorria seu corpo a partir do ombro.

Mas quando o garoto tocou seu ombro, uma pontada súbita fez com que uma nova onda de dor aguda a percorresse, e Katherine berrou.

Naquele instante, ela sentiu algo em seu toque. A garota virou-se a tempo de ver o desconhecido desabar.

Sem sequer tomar uma decisão racional, ela jogou-se de joelhos a tempo de aparar sua queda.

Apenas o instinto a movera, mas ao vê-lo com mais calma, ela pensou se não fora algo acertado.

Ele tinha mais ou menos quinze anos. Não que ela fosse boa nesse tipo de coisa. Afinal, ela mesma era um péssimo exemplo: não havia até aquele dia uma só pessoa que tivesse adivinhado sua idade de primeira.

Ele tinha uma pele mediana - não escura, mas definitivamente não clara. Seus cabelos escuros eram repicados e a franja caía suavemente para o lado.

Quem era ele? Um mero garoto normal, com curiosidade por notícias antigas? Ou um enviado por parte deles, um inimigo? Se era normal, por que trazia um desenho, e não uma foto impressa? E como conseguira uma imagem tão fiel, depois de tantos anos? Se era inimigo, por que não parecia querer atacá-la? Por que já não tinha atacado?

– Por que apagou-o, Milady? - murmurou para o nada. - Ele é amigo? Ou inimigo? Devo guiá-lo? Devo ajudá-lo? Ou devo fugir?

Naquele momento, como se em resposta às suas preces, o pardal desceu do céu ao seu lado, saltitando algumas vezes ao pousar.

Tudo ficou vago por alguns segundos, mas logo a explicação clareou seus pensamentos.

Ela olhou em volta. Quando não achou o que procurava, a ave levantou voo, e em poucos minutos estava de volta, trazendo um pequeno pedaço de papel dobrado no bico.

Katherine inclinou a cabeça em agradecimento e pegou a folha com cuidado e colocou-a com delicadeza na mão do garoto. Com mais cuidado ainda, ela aninhou-o no chão, apoiando sua cabeça com calma no piso gelado.

Kath surpreendeu-se com Milady. Sentia-se honrada com a atenção que recebia... ainda mais por haver tantos deles. Ela não a culparia se não obtivesse resposta ao chamá-la algum dia.

Mesmo sendo uma de suas poucas porta-vozes.

.

– Certo, o que conseguiu?

Katherine tinha recuperado sua mochila.

Ela segurou-a com uma das mãos, enquanto com a outra remexia seu conteúdo, de vez em quando tirando uma ou outra coisa para mostrar a Ty.

– Eu peguei algumas roupas, um rolo de barbante, um isqueiro e um canivete suíço novos, um kit de costura para remendar a camisa dos meninos, uma caixinha de ferramentas e algumas barras de cereal.

– E dois pacotes de macarrão? - Ty ergueu uma sobrancelha.

– E dois pacotes de macarrão - concordou Kath, rindo. - E você? O que tem aí?

O garoto deu um sorrisinho enigmático, como quem está satisfeito consigo mesmo.

– Bom, primeiro eu peguei algumas barras de chocolate, também - começou, também tirando a mochila dos ombros para exemplificar. - Alguns livros com nomes interessantes... um caderno... canetas... - então, ele ergueu o olhar para ela, com um sorriso nada discreto. - Isso daqui...

Com um gesto teatral, ele tirou da mochila um pequeno volume de mangá.

Katherine arregalou os olhos, e em seguida começou a saltitar alternando os pés e a bater palmas, comemorando.

– Saiu o próximo volume! Saiu o próximo volume! - exclamou, radiante, adiantando-se para pegar o livreto. Começou imediatamente a folheá-lo.

– Ei, ei, guarda para depois! - riu o garoto. - Agora, a gente tem que guardar as coisas. Acho que conseguimos sair daqui ainda hoje. Além disso, se ler tudo, vai ter que esperar um mês inteiro para ler o próximo!

– Ok, ok! - concordou ela, divertida, guardando o volume na própria bolsa. - Bom, acho que podemos ir, então.

– Onde deixamos as coisas? - perguntou o garoto, começando a andar. - Tem que ser num lugar escondido. Não quero voltar e descobrir que fui roubado e estou sem moedas de novo.

– Sem di-nhei-ro – ela corrige. - Também há notas aí dentro.

– Certo. Que estou sem di-nhei-ro de novo - ri ele, imitando sua fala pausada.

– A construção ainda é um bom esconderijo - disse ela. - Só fomos roubados uma vez. E aposto que a gente consegue encontrar outra parece oca para esconder a mochila. Uma mais escondida.

– Bom, você é quem sabe. Eu confio na sua opinião.

A garota corou de prazer ao ouvir o elogio.

– Obrigada - agradeceu. - Bem, acho que devíamos ir. Quanto antes sairmos daqui, melhor.

Com a última frase, Ty virou a cabeça para ela. Algo em seu tom de voz indicava que ela não falava mais com o tom divertido, descontraído.

Também... ele não a culpava. Tinha todos os motivos para odiar aquele lugar.

– Tá tudo bem? - perguntou ele, mesmo sabendo a resposta.

– Não, não está - respondeu ela, tentando disfarçar o tom magoado. Ela não queria que ele ficasse preocupado, mas tinha que ser sincera.

Ty lembrou-se do que ela dissera da última vez...

Eu não sei o que é pior. Ter que me esconder sem ter feito nada... ou perceber que ninguém mais se lembra daquilo.

Seu tom não deixava margem para discussão. Em silêncio, eles continuaram o trajeto.

Depois de alguns minutos, Ty estava imerso em pensamentos, quando algo o arrancou de seu estado de distração.

– Espere! - Kath parou de repente.

– O que foi, Kath? - Ty assumiu uma expressão alerta.

Então, ele também ouviu. Um barulho de impacto, como alguém batendo contra uma parede ou outra superfície.

Logo, ambos viram a cena que se desenrolava.

Um garoto acabara de levar um soco. Estava no chão, contra o muro. De seu nariz escorria um fiozinho de sangue.

Do outro lado, havia três pessoas. Um deles batia, enquanto os outros só observavam.

Os ouvidos de Katherine pareceram explodir de fúria. Como alguém podia ser tão covarde? Três pessoas batendo em uma no meio da rua?

Ela podia ser uma guerreira, mas era totalmente contra violência gratuíta. E aquilo era algo que ela não podia tolerar.

– Vai implorar por misericórdia agora, otário? - o mais alto provocou, em um tom de escárnio que fez Katherine cerrar os punhos.

– Não sabe bater mais forte, menininha? - respondeu o garoto caído, em desafio.

Aquela frase provocou na garota uma espécie de satisfação. Um enfrentamento. Menos em minoria absoluta, o garoto recusava-se a recuar.

Esse era o tipo de coragem que ela mais admirava em outra pessoa.

A resposta para a o desafio era clara. O garoto loiro cerrou os punhos.

Mesmo àquela distância, Katherine percebeu que, se o golpe o atingisse, as consequências seriam, no mínimo, perigosas. Ele tinha atiçado o gatilho de ódio do agressor.

Orgulho. Sempre o orgulho.

Ah, só por cima do meu cadáver.

A garota disparou em sua direção bem a tempo de desferir um potente soco, direto em sua face.

.

Se fosse alguém perigoso, ela desferiria o soco direto em seu queixo. Ele desmaiaria e pouparia seu tempo.

Mas logo de cara ela viu o quanto ele era patético.

Outras pessoas não perceberiam, mas ele andava um pouco curvado. Significava que era mais preguiçoso do que podia parecer, e pessoas preguiçosas, em geral, eram fáceis de vencer.

Kath sorriu internamente se lembrando de sua exceção fictícia preferida.

Ela abriu um pouco os braços, em um ato simbólico. Queria deixar claro de imediato que qualquer golpe que tivesse a intenção de atingí-lo deveria passar por ela primeiro, e que não seria uma tarefa fácil.

– Olha, cara - disse. Ela tentava manter um tom disfarçadamente ameaçador. Se tentasse parecer perigosa de cara, eles ririam por causa de seu tamanho. Mas ela sabia por experiência própria que um tom normal no meio da batalha podia soar perigoso e desestabilizador. No momento, ela não estava no meio de uma batalha, mas ainda devia ser perturbador ver uma garotinha fazendo ameaças com um tom totalmente despreocupado na frente de três atletas de colegial. - Eu não faço a menor ideia do que está acontecendo, mas se você acha que vai bater em alguém com uma vantagem de três para um na minha frente, está terrivelmente enganado.

– Ka... Katherine?

Kath olhou por cima do ombro.

Por um momento, ela ficou surpresa. Era o mesmo garoto do dia anterior... o que será que ele tinha feito para provocar os valentões? Não parecia ser o tipo de pessoa que arranjava briga.

Ela sorriu para ele.

– Hey - cumprimentou. Milady havia afirmado com certeza que ele não era um inimigo. Depois da explicação, ela ficava satisfeita em poder vê-lo de novo. - E aí, garoto?

Kath virou-se novamente para os adversários.

– Katherine, saia daqui. Eu me viro com eles... - disse o garoto.

– Senta aí e observa - ela divertiu-se. Por que será que as pessoas nunca tinham confiança nela?

– Eles são três, e são muito maiores do que você - ele insistiu.

Ela sorriu ainda mais. Além de não recuar mesmo em desvantagem, o garoto se preocupava com uma garota que acabara de conhecer.

Se o mundo tivesse mais pessoas assim, seria um lugar muito melhor.

– Legal. Tem mais graça assim - brincou. Ela não conteve um sorriso selvagem, que poderia se assemelhar ao de um predador.

– Mas...

– Apenas olhe. - ela ouviu Ty atrás de si. Finalmente, ele a alcançara. - Ela sabe se virar.

Ela duvidava que ele acreditasse, mas se isso o impediria de interferir, era mais que suficiente.

Ela lembrou-se de uma frase que ouvira de relance, pouco antes de chegar.

– Ah, e uma coisa - sorriu ainda mais. - Nunca subestime uma menininha.

O garoto louro avançou para dar o primeiro golpe.


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