Viajantes - O Príncipe de Âmbar [HIATUS] escrita por Kath Gray


Capítulo 4
Capítulo III




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– ..ean! Dean!

Uma voz chamava-o insistentemente. Era vaga e parecia vir de muito longe, como que debaixo d'água.

Deaniel abriu os olhos, devagar. A luminosidade foi um choque por alguns segundos, mas quando se acostumou com a luz seus olhos puderam discernir a imagem vaga da garota que o chamava, porém estavam demasiado embaçados para detalhar mais.

Ele piscou uma, duas vezes, e o mundo novamente ganhou linhas.

Júlia estava de joelhos ao seu lado e Will, de pé próximo a eles, ambos com um semblante preocupado.

Só então ele percebeu que estava deitado.

– Ai... - murmurou. O chão duro fazia sua nuca doer. Devagar, ele se sentou. Sentiu uma tontura repentina, mas tentou ignorá-la.

– Dean!

Júlia abraçou-o com força, quase machucando.

– Graças a deus... - murmurou Will, aliviado, fechando os olhos e apoiando-se no banco próximo a um muro.

– O que aconteceu? Você não foi nem para casa nem para a escola, e quando te encontramos, você está desmaiado no meio da calçada!

– Eu... não sei direito - respondeu Dean, com a mente confusa.

Finalmente, Júlia soltou-o. Ele massageou a nuca e tornou a apoiar a mão no chão.

– Está tudo bem? Você está tonto? A cabeça está doendo? Está enjoado? - a garota metralhou-o com perguntas. A resposta era sempre a mesma.

– Não, não estou. Eu estou bem. - respondeu. Mentira.

– Eu liguei para seu irmão. Ele já está vindo - disse ela.

– Não precisa, eu já estou melhor - afirmou ele.

– Já liguei. Agora já foi. - retrucou. - Dean, você nos deixou realmente preocupados. O que aconteceu?

– Eu já disse... não sei direito.

Verdade.

Ele não fazia a menor ideia do que estava acontecendo.

Dean não se lembrava da vida que levava antes de seus sonhos. Eles estavam sempre ali, distraindo-o, confundindo-o e atordoando-o.

E então, de repente, a garota com a qual sempre sonhava apareceu. Do nada, ela simplesmente estava de pé à sua frente.

Em seguida, ela correra. Mesmo olhando o papel com seu rosto desenhado, aquela não era, nem de longe, a reação mais plausível. Ele não era um desenhista tão perfeito, era? Na verdade, Dean sequer desenhava antes de seus sonhos. Poderia ser qualquer uma ali. Por que ela reagira tão instantaneamente a algo tão subjetivo? E mesmo se fosse ela, por que isso seria motivo para fugir?

Mas ela fugira. E depois, quando ele finalmente a tocara...

Por que ele perdera a consciência no exato instante em que sua mão tocara seu ombro? E por que o último som de que se lembrava era...

Dean balançou a cabeça; era tudo tão confuso... tão desconexo.

Então, ele viu algo próximo à sua mão. Um papel meio amassado, jogado no chão.

Sem tomar uma decisão voluntária, seu braço moveu-se e pegou o pedaço de papel, que ele esticou com as duas mãos: era seu desenho.

Ele correra atrás de Katherine em busca de respostas. Mas, então, por que ele só estava cada vez mais certo de que sua vida não fazia sentido?

.

– Tá tudo bem mesmo, Dean? Você não é de passar mal por nada...

Dan dirigia com cuidado, mas também com pressa. Dean não se deixava enganar pela aparência: sabia que nada que dissesse impediria Dan de levá-lo para o hospital mais próximo.

Desde pequeno, Dean sempre sentira um misto de carinho, apreço e admiração por Dan. O irmão mais velho ainda não tinha um emprego fixo, mas trabalhava em turnos de meio-período em uma cafeteria para conseguir alguns trocados, e todo fim de mês ele levava os caçulas ao cinema. O dinheiro que sobrava ele dividia em dois e dava para os mais novos, para que comprassem algo para entreter-lhes até o próximo mês. Além disso, sempre que ganhava alguma gorjeta levava para casa um ou dois pacotes de marshmallows, bombons ou algum outro agrado, que os três se juntavam para comer assistindo a algum filme - ou mesmo algum documentário - que estivesse passando na TV.

Além do trabalho de meio-período, Dan também frequentava um cursinho próximo à escola, mas Dean suspeitava que o mais cansativo para ele não fosse o trabalho ou o curso, mas manter a casa em ordem. Era ele quem fazia tudo: lavava as roupas, cozinhava, lembrava os irmãos de suas obrigações, ajudava Simon com a lição. Algumas coisas todos ajudavam; cada um lavava a própria louça, arrumava a própria cama e mantinha o quarto em ordem. Mas isso era apenas uma pequena parcela dos deveres de casa, dos quais quase todos eram responsabilidade de Daniel.

Ninguém o obrigara a fazer nada. Ele simplesmente fazia.

Por isso, Dean esforçou-se para ser paciente durante todos os instantes em que era cutucado, apalpado e questionado pelos médicos do pronto-socorro.

Enquanto o tempo se arrastava entre uma consulta e outra, várias outras dúvidas surgiam na mente de Dean.

Os médicos haviam dito que não havia nenhum sinal de ferimento na nuca. Mas se ele caíra de costas no chão, como não se ferira? A única resposta que lhe vinha à cabeça era a de que a garota misteriosa o segurara. Mas, apesar de lógica, a ideia não lhe parecia plausível. Por que Katherine o seguraria? Ela fugia dele, estava assustada; que motivo traria uma garota em fuga a interceptar a queda de seu perseguidor?

Além disso, quando Will e Júlia o encontraram, ele estava com o papel na mão. Tinha deixado-o cair quando se levantou, mas depois descobriu que, quando o viram, desmaiado, sua mão estava fechada em torno do papel com firmeza.

Mas... ele estava certo de que deixara o papel cair quando corria atrás de Katherine.

.

Quando chegaram em casa, Dan foi imediatamente para a cozinha, dizendo que ia fazer uma coisa especial para o jantar. Simon, como era costume, seguiu-o serelepe, animado e pedindo para ajudá-lo, o que rendeu uma risada divertida de Dan, que sempre se contagiava com a alegria do mais novo.

Dean, ao contrário, subiu direto para o quarto.

Seu quarto era no andar de cima; ele subiu por uma escada em L até chegar a um corredor estreito que passava por um banheiro e terminava na porta de seu quarto.

Ele andava não de forma apressada, mas inquieta, quando atravessou a porta e fechou-a às costas.

Ele virou-se instintivamente e levou a mão à maçaneta para trancar a porta, mas deteve-se. Não queria que alguém entrasse, mas sabia que não poderia esconder aquilo para sempre.

Em parte hesitante, em parte resignado, ele virou-se e apoiou, talvez inconscientemente, todo o peso das costas contra a porta.

Dean não pôde deixar de observar a imponência reservada de seu pequeno santuário.

O quarto em si não tinha nada de especial. Não era especialmente organizado nem marcadamente elegante. Na verdade, não era nem minimamente organizado, e todos os seus móveis pareciam estar caindo aos pedaços.

A parede adjacente à porta era parcialmente encoberta por um armário de aspecto envelhecido, com uma dobradiça torta e uma porta meio caída.

Encostada na parece oposta, uma escrivaninha dava exatamente para uma grande janela sem cortina ou moldura. O móvel ficava lado a lado com uma cômoda da mesma altura à direita e uma estante mais alta à esquerda. A cama no meio do quarto, cuja cabeceira apoiava-se na parede entre a cômoda e o armário, trazia uma velha coberta de microfibra azul-cobalto desbotada, já perdendo pelos.

O quarto refletia o estado de espírito de Deaniel com extrema precisão. Havia papéis espalhados sobre a escrivaninha e a cômoda, assim como alguns caídos no chão. Vários livros toscamente empilhados adornavam a cômoda e a estante. Nem a cama escapava à desordem e ao caos; mal-arrumada, a coberta amassada e torta de um lado quase tocava o chão, e do outro quase deixava o colchão à mostra.

Os olhos de Dean passaram reto por cada uma dessas coisas. Nada disso lhe interessava agora.

Seus pés moveram-se lentamente quando ele andou até ficar frente à frente com o Mural.

O Mural.

Havia um ano que sua crise começara. Em poucos meses, seus pensamentos já não tinham lugar dentro da própria cabeça, imersa em um mundo de memórias.

Ele precisava de um escape.

Várias pessoas escreviam para esvaziar seus pensamentos... Algumas escreviam prosa, e outras, poesia... Algumas cantavam, outras dançavam...

Dean desenhava.

No começo, ele não sabia desenhar nem rusticamente. E não só não desenhava bem, como também mal pegara em um lápis havia meses.

Mas ele já vira seus rostos tantas vezes – eles já estavam tão fixos em sua mente - que simplesmente não havia margem para erro.

Ele pegou o jeito rapidamente, e logo o Mural começou a encher-se de figuras.

Rostos, close-ups, corpo-inteiro, imagens de perfil, cenários, animais, objetos e mesmo composições inteiras de diversos ângulos. Papéis quadrados, retangulares e até pedaços rasgados de guardanapos ou papel-toalha. Papéis brancos, papéis cinza, papéis creme, sulfite, layout, canson. Alguns rápidos sketches, outros detalhados. Todos esboços em grafite, focados não na perfeição, mas no registro fiel de algo real. Um ou outro com um fraco esboço das cores. Cada mínimo detalhe de cada pessoa de cada sonho que já tivera, sobrepostos uns aos outros, cobrindo cada centímetro do Mural e espalhando-se pela parede a partir do centro.

Ele inconscientemente se aproximou e seus dedos deslizaram suavemente pelas folhas. Quando achou um lugar ideal, tirou uma tachinha de um dos papéis e prendeu o novo desenho por cima.

Bem no centro do quadro.

Seus pensamentos transbordaram por sua boca em um sussurro rouco:

– Quem é você, Katherine...?

.

Júlia ia dar uma passada na gráfica para pegar uns cartões de visita que sua mãe havia encomendado. Dean tinha prometido que levaria Simon ao parque, então pediu desculpas e seguiu para casa.

Porém, mal virou a esquina, deparou-se com três rapazes.

Eles vinham pela calçada e ocupavam quase toda a sua extensão, então Dean desviou-se pela rua para dar passagem, mas um dos garotos ainda assim esbarrou-lhe o ombro, com violência.

– Ei - protestou ele. - Olha por onde anda, palhaço!

Dean não retrucou; não estava a fim de puxar briga. Mas o garoto não deixou assim.

– Ei, ei - ele virou-se e segurou o ombro de Dean com força. - Eu te disse para olhar por onde anda - repetiu.

Dean olhou para o rosto e finalmente o reconheceu.

– Derek - falou. - Eu não te reconheci com a barba raspada.

Derek era o ex-namorado de Júlia. Ele tinha repetido dois anos, então mesmo estando no primeiro ano do colegial, estava para fazer dezessete. Fazia parte do grupo de basquete da escola por causa da altura. Seus cabelos repicados eram de um tom escuro de loiro, tão escuro que mais parecia castanho, e os olhos, de um verde poluído.

– Quem você acha que é, mané? - rosnou.

Os dois colegas de Derek, Ric e Jordan, se aproximaram. Ambos eram tão altos quanto o colega e possuíam a mesma estrutura atlética, já que faziam parte do time de esportes.

– Olha, eu não estou procurando encrenca - afirmou Dean, e tentou desenvecilhar-se, mas a mão que segurava seu ombro apertou ainda mais forte.

– Que pena - os olhos de Derek semicerraram-se, e sua voz baixou de tom. - Porque acabou de achar.

Se Dean já não andava muito paciente ultimamente, naquele momento, a paciência se esgotou.

– Olha, por que você não para com essa encenação e diz logo o motivo real de tudo isso?

O mais alto torceu a boca, irritado. Não pareceu gostar da resposta.

– E qual seria esse motivo?

– Ciúmes - respondeu Dean. - Você está com ciúmes da Júlia. Mas deixa eu te contar uma coisa: não importa se vou eu falar com ela ou se você vai implorar pessoalmente. Ninguém pode forçar a Júlia a me largar. Ela é ela, e é livre para tomar suas próprias decisões.

Pronto. Agora ele tinha conseguido.

O sangue subiu ao rosto de Derek. Furioso, ele pôs-se a socar o rosto de Dean, que pouco podia fazer para amortecer os golpes.

O garoto ferido sentiu algo escorrer do nariz. Limpou-o com a mão, e logo que afastou-a do rosto viu uma mancha vermelha. Era sangue.

– Retire o que disse, otário - mandou Derek, cheio de si.

– Vai se ferrar - disse Dean com simplicidade, com os lábios inchados.

As costas de Dean bateram contra a parede com um baque surdo.

Enquanto as duas mãos fortes de Derek seguravam seus ombros, a primeira joelhada atingiu-o no estômago, fazendo-o se encolher. Um soco atingiu-o em cheio no rosto. Em seguida, ele agarrou seu colarinho e lançou-o na rua com violência.

Vários chutes se seguiram aos golpes, atingindo-o por todo o corpo, principalmente nas costas expostas.

Dean sentia o corpo pendendo entre a dor e a dormência. Suas pernas formigavam, enquanto suas costas ardiam dolorosamente.

Finalmente satisfeito, Derek ergueu Dean pela gola da blusa e pressionou-o novamente contra o muro áspero.

– Vai implorar por misericórdia agora, otário? - provocou Derek.

A cabeça de Dean latejava. Suas pernas estavam dormentes. Suas costas doíam ardidamente.

– Você bate como uma menininha.

Derek decididamente acabaria com sua raça.

O garoto mais velho empurrou-o com força contra a parede, fazendo sua coluna queimar de dor. Dean viu-o cerrar os punhos de tal forma que suas unhas marcavam a pele e preparar o golpe final.

Ele instintivamente apertou os olhos, esperando pelo impacto.

Mas ele não veio.

Dean abriu os olhos no exato momento em que o potente soco atingia o rosto de Derek.

Mesmo de costas, Dean não teve dificuldade em reconhecer os longos cabelos dourados em um rabo de cavalo, a camiseta verde-perolada e os braços enfaixados da recém-chegada.

K...Katherine?


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