Viajantes - O Príncipe de Âmbar [HIATUS] escrita por Kath Gray


Capítulo 26
Capítulo XXV


Notas iniciais do capítulo

Hey! o/ Mais um esboço de capítulo!
Ninguém comentou no capítulo anterior ainda, mas talvez seja porque eu postei muito tarde... mesmo que faça uns 4 dias agora.
Então, aqui estou eu. Eu devia revisar mais algumas vezes antes de postar, mas como fiquei muito tempo longe, estou meio que com pressa demais XD (o que não pode ser boa coisa)
Bom, espero que se divirtam! Qualquer errinho que encontrarem, avisem, por favor!



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Aquela manhã não foi diferente de todas as outras.

Acordado pelo calor agradável dos mornos raios de sol tocando-lhe a face através das janelas, Dean sentou-se e espreguiçou-se, sem pressa de levantar. Como sempre, era o único que ainda estava no quarto.

Ele não precisava se trocar, porque as pessoas de lá não tinham o costume de trocar-se para dormir. Então, assim que se pôs de pé, desceu as escadas tranquilamente em direção ao primeiro andar.

– Bom dia, Dean! - cumprimentou Elliot, interrompendo sua conversa com Ty. - Como foi a noite?

– Ah, sabe como é... - respondeu Dean, brincando. - Meio parada, sabe?

– Imagino! - riu ele.

– Dormiu bem? - perguntou Ty.

– Bastante - respondeu ele, sinceramente, descendo o último degrau. - O saco de dormir é muito confortável.

– Todos já tomaram o café - disse Henric, saindo dos fundos da loja com uma bandejinha. - Vai querer um chá? Ou alguma fruta? Ou massa com geleia?

'Massa' era exatamente o que o nome dizia: uma massa feita de grãos moídos e um pouco de água, posta para secar ao sol. O interior era bem macio, e o exterior, crocante. Geralmente era servido em forma de bolinhos ou bolas achatadas, muitas vezes com alguma coisa a mais por cima, como geleia, molhos ou temperos.

– Ainda tem aquele chá de erva primavera? - perguntou.

– Acho que ainda tem um pouco, sim! - respondeu Henric, animado. - Vai querer?

– Eu adoraria.

Quando Henric se retirou, Dean olhou em volta. Então, percebeu que não via nenhum sinal de Kath.

– Ei, Ty, você sabe onde a Kath está? - perguntou ele.

Mais uma vez, Ty interrompeu a conversa para responder.

– Acho que está lá em cima. - disse, virando o rosto para ele. - Ela disse que queria tomar um ar.

Agradecendo, Dean andou até a escada e tornou a subi-la.

– Ah! E Dean... - chamou Ty.

O garoto interrompeu-se, olhando para o outro.

– Sim?

Ty sorriu.

– É a escada no fim do corredor.

.

A escada no fim do corredor dava para o telhado.

Quando abriu a porta, por um momento ele ficou bambo. Nunca tinha sido fã de altura e não confiava muito em telhados desde que vira Will tentar pegar a bola que caíra da varanda na casa de Júlia e as telhas cederem sob seu peso. Ele não tivera nenhum ferimento sério, mas ficara no hospital por semanas e tivera que usar gesso quase no corpo todo por bastante tempo - o que dera aos três amigos uma ótima oportunidade para exercitar suas habilidades artísticas.

Katherine estava mais ou menos no meio do caminho até a beira, senão mais próxima da borda. Ela sentava ereta e com as pernas cruzadas, o rosto erguido e os olhos fechados para receber o sol e a brisa da manhã. Seu cabelo balançava um pouco, mas não muito, pois não havia vento forte. Sua expressão estava completamente relaxada.

– B-bom dia! - cumprimentou Dean, tentando andar sem escorregar.

– Bom dia, Dean. - cumprimentou ela de volta. - Teve uma boa noite?

– Acho que sim. - respondeu ele. - Dormi bem, se é isso que quer saber.

A garota deu um breve riso com a resposta.

– Que bom.

Dean estava quase chegando quando perdeu o equilíbrio e caiu sentado. Ele começou a escorregar rapidamente, sem conseguir segurar-se em nada, mas pouco antes de cair para fora do telhado Katherine estendeu a mão e agarrou seu pulso. Sem sequer levantar-se, ela puxou-o de volta com um gesto simples e esperou o garoto se acomodar, divertida.

– Obrigado... - murmurou Dean, desajeitado.

– Disponha.

Dean olhou atentamente para sua postura. Era exatamente igual à que seus professores menos irritantes e seu irmão mais velho tentavam enfiar em sua cabeça, mas com a qual ele simplesmente não conseguia se sentir bem.

Tendo a garota como base, ele tentou sentar-se com as costas retas. Sua primeira sensação foi de que cairia para trás, mas então cruzou as pernas à frente e conseguiu manter-se sentado mais um pouco.

– E você? - perguntou ele. - Dormiu bem?

Por algum motivo, ela demorou alguns instantes para responder.

– Bom... mais ou menos. - disse ela, então. - Mas eu sempre precisei de menos tempo de sono, então não faz muita diferença.

– Ah...

A primeira parte de sua resposta tinha aquela sinceridade casual que raramente se via em seu Domo de origem. Aquela sinceridade que, quando alguém pergunta 'você está bem', 'está tudo bem' - ou 'dormiu bem', como acabara de acontecer - permitia-a responder 'não' ao invés de 'sim' quando fosse o caso. Era algo simples, mas que não era comum e à qual ele não estava acostumado.

Porém, a segunda parte lhe era duvidosa. Ele podia até não raciocinar conscientemente, mas, em algum lugar distante de seus pensamentos, ele se perguntava se o fato de ela sentir a necessidade de acrescentar uma justificativa para a falta de sono não era um sinal de que algo estava mais errado do que ela tentava aparentar.

O silêncio ali em cima só não era absoluto por causa dos assobios do vento ao seu redor, porque todo o resto permanecia na mais silenciosa calmaria.

– Bom... acho que já sei por que o Ty sorriu quando me disse onde você estava. - disse Dean, tentando puxar conversa.

Kath riu.

– É... Provavelmente ele fez de propósito. - concordou ela.

– É tão fácil assim imaginar que eu vou escorregar em tudo o que pisar? - perguntou ele retoricamente, meio de brincadeira.

– Hmm... na verdade, é.

– ...

Não havia resposta para aquela afirmação.

– Aliás... - Kath lembrou-se de algo. - Você estava me procurando, né? O que foi? Está com alguma dúvida?

– Ahn... na verdade, não - respondeu Dean. - Eu cheguei na sala e estava todo mundo menos você, então perguntei onde você estava e o Ty me respondeu. Foi meio no automático...

Assim que falou, ele percebeu que talvez não devesse ter dito aquilo. Ele virou-se para ela, se perguntando se ela não tinha se incomodado de ele não ter ido especialmente para procurá-la.

Porém, a expressão dela não tinha nada de incômodo. Na verdade, não parecia sequer surpresa.

– E você caiu na brincadeira dele como um patinho. - encerrou ela, rindo.

– Ei, eu sou um novato, lembra? - replicou Dean.

– Pato.

Dean nem se deu ao trabalho de retrucar. Assim que abriu mão da discussão, ele mesmo acabou rindo um pouco também.

– Aqui é bonito, não é? - disse Kath de repente, sonhadora. - Dá para ver o céu direitinho.

– É... - concordou o garoto. - Até dá vontade de tocar, né?

– É para isso que a gente sonha. - respondeu ela. - Para tocar o céu.

Ao ouvir a resposta, ele olhou para ela. Não estava surpreso pela frase, mas...

Sonhos... eles sempre haviam sido um tema complicado para ele. Antes do ano anterior, Dean quase nunca sonhava, mas não se preocupava muito em saber como seria. Agora, ele via que até pessoas como Katherine gostavam de sonhar.

Ela morava em uma floresta incrível, com pessoas incríveis. Ela podia fazer coisas incríveis como travar uma aliança com a natureza e atrair as pessoas ao redor.

Antes, Elliot. Depois, Shira. E agora, ele. Como deveria ser incrível ter tamanho poder em mãos. Não importava que tipo de poder ela usasse para lutar. Não importava que tipo de poder ela usasse em missão. Mas ela tinha o dom de transformar pessoas. Arrancar três jovens de suas existências mundanas e apresentá-los a algo muito, muito maior. Abrir a rígida porta da realidade e apresentá-los ao enorme mundo lá fora.

E até mesmo ela gostava de sonhar.

Como será que é sonhar?

Naquele momento, o som de um bando de pássaros arrancou-os de seus devaneios. A revoada passou bem acima deles, longe no céu. Era engraçado como sua imensidão era tamanha a ponto de algo passar bem acima deles, mas tão longe que era impossível vê-los com precisão. Não, mais do que isso... era grande a ponto de eles olharem para cima à noite e verem de uma mesma vez milhares e milhares de estrelas, tudo apenas em seu limitado campo de visão.

– É... é mesmo imenso, não é?

Dessa vez, mesmo ele se surpreendeu. Quando virou-se para a garota, ela já o olhava, sorrindo imensamente.

– Mas agora é hora de acordar. - ela pôs-se de pé rapidamente e estendeu a mão para ajudar o outro. - Hora dos estudos. Temos que terminar isso o quanto antes.

– T-tá... - concordou Dean, aceitando sua ajuda. Ela tinha lido seus pensamentos? Ou era só coincidência?

De qualquer forma, algo lhe dizia que não teria mais tempo para pensar nisso por várias, várias horas.

.

Naquela tarde, a garota desapareceu por cerca de meia hora. Como era o horário em que ela costumava sair com Shira para abastecer a dispensa para o jantar e o café da manhã do dia seguinte, Dean não prestou muita atenção, até perceber que Shira não tinha saído.

– A Kath foi sozinha dessa vez? - perguntou ele.

Erguendo os olhos do livro, Shira negou com a cabeça.

– Não, a gente não saiu hoje - disse ele. - É que a Kath resolveu que vai cozinhar algo diferente para o jantar. Parece que ela trouxe alguma coisa lá do seu mundo.

Dean ergueu uma sobrancelha, curioso, mas não disse nada.

Ao fim de trinta minutos, ela finalmente surgiu do segundo andar, com uma expressão radiante.

– Tá na mesa!

O garoto estava realmente curioso quanto ao que Katherine tinha preparado para a refeição da noite, mas em momento algum lhe passou pela cabeça o que realmente os aguardava à mesa de jantar.

A 'mesa de jantar' nada mais era do que uma das mesas circulares da própria livraria, forrada com um material fino e transparente e ao redor da qual eram dispostas seis cadeiras para as refeições - exceto para o café da manhã, no qual não se dispunha cadeira nenhuma. Nessa ocasião, as comidas eram servidas e ficavam lá do nascer do sol até a hora do lanche da manhã, para qualquer um que quisesse petiscar. Depois do lanche, as cadeiras eram devolvidas aos seus respectivos lugares e a mesa era liberada para leituras, pesquisas e pilhas de livros até a próxima refeição.

E dessa vez, o que descansava em cima da mesa era uma panela, que parecia muito mais próxima dos utensílios mais simples do mundo de Dean do que das cumbucas de madeira do Povo do Leste, mas que na verdade se encontrava em algum ponto no meio do caminho.

E, dentro dessa panela, dois pacotes de macarrão penne quase transbordando pela boca.

Ty não parecia surpreso, o que, por sua vez, não surpreendeu Dean, já que ele estava com Katherine na Viagem e provavelmente sabia de cor tudo o que ela comprara naquele dia.

Elliot ficou positivamente surpreso. Sorrindo, ele comentou:

– Que cheiro bom! Faz um bom tempo que você não fazia macarrão, não é, Kath?

Shira sorriu um pouco com o cheiro, e Henric parecia ansioso para pegar a primeira porção.

Um de cada vez, todos se serviram, variando pouco quanto à quantidade de comida no prato (todos pegaram muito). Depois, cada um pegou um pouco de um dos três molhos dispostos em cumbucas ao redor da panela principal. Shira pegou do azul, Henric e Ty pegaram do vermelho rosado e Elliot pegou do branco. Katherine não pegou nada, e Dean ficou indeciso quanto ao que escolher.

– O rosa é o mais docinho, o branco é um pouco temperado e o azul tem o mesmo gosto daquelas frutas que pegamos na viagem - esclareceu Katherine, indicando as cumbucas. - Sabe, aquelas que o Ty pegou para o café da manhã naquele dia.

Ela nem precisou explicar qual era 'aquele dia'. Dean resolveu servir-se do vermelho rosado, então esticou-se por cima da mesa para pegar a colher e derramou uma porção generosa do líquido denso no próprio prato.

Ao comer a primeira garfada, Dean percebeu que, mesmo sem o molho, o macarrão não tinha o mesmo gosto que costumava ter quando Dan cozinhava em sua casa. No lugar da manteiga, do óleo e do sal, ela provavelmente usara alimentos do próprio Domo, o que deixava o gosto bem mais intenso e acentuado.

O molho pareou perfeitamente com o macarrão. Realmente era doce, mas não o doce típico do chocolate ou açúcar. Era mais como uma... framboesa, talvez? Algo mais natural.

– E então, Kath... - começou Elliot. - O que você pretende fazer? Já faz um bom tempo que está aqui, e ainda temos que investigar a agitação na Ilha de Gelo o quanto antes. Quando vamos partir?

– 'Nós' não vamos nada. - corrigiu ela, pousando o garfo ao lado do prato e limpando as mãos nos braços. - Dessa vez, eu quero que você fique. Não fazemos a menor ideia do que está acontecendo, mas é mais provável que seja uma missão mais de espionagem e reconhecimento do que conflito armado. Eu sou melhor em passar despercebida, então é melhor que eu vá sozinha. Mas não me sinto segura deixando Dean despreparado aqui enquanto vou estar ocupada a quilômetros de distância. Pode não ser nada grave, mas a Imperatriz ainda não responde. - Sem querer, ela deixou escapar um suspiro preocupado. - Sempre há a chance de algum conflito se espalhar através da Ponte e alcançar a cidade. Eu poderia pedir a Ty que o levasse para o Leste, mas preciso que ele investigue a situação nos Reinos do Oeste, e se alguma coisa estiver errada é bem possível que os dois fiquem em perigo. Ty sabe se proteger, mas ele, não, então não vou deixar a cidade até que ele saiba pelo menos uma técnica. Magia Recorrente é uma técnica difícil, mas bastante útil, então deve ser suficiente.

– É, mas... isso pode demorar algum tempo - disse Shira, sério. - Como você disse, Magia Recorrente é uma técnica difícil de aprender. Devíamos ter pensado nisso antes, mas agora já não dá mais tempo de voltar atrás. Já faz mais de uma semana que você está aqui; o que quer que esteja acontecendo, já está acontecendo por tempo demais. Não podemos esperar mais.

– E o que você sugere que eu faça? - perguntou a garota, levantando-se e andando ao redor da mesa recolhendo os pratos.

– Eu e Henric conhecemos algumas pessoas de lá. - disse ele. - Podemos inventar alguma desculpa. Tentar descobrir direto da fonte.

De jeito nenhum!– Subitamente, sua voz aumentou de volume. Ela bateu os pratos contra a mesa com tanta força que era surpreendente que eles não tivessem se despedaçado. Apoiando as mãos na superfície do móvel, ela respirou fundo e tornou a baixar o tom. - A Ilha de Gelo já não é um lugar seguro no dia a dia. De jeito nenhum eu vou deixar você e Henric irem para lá sozinhos quando há algo errado acontecendo.

– Então, eu vou - disse Elliot. - Posso não ser igual a você, mas também sou treinado em combate e consigo usar um pouco de magia se necessário.

– Nenhum de vocês vai deixar essa cidade enquanto eu não tiver esclarecido o que quer quer seja! - afirmou ela, inflexível. - Não consigo falar com a Imperatriz há semanas. Alguma coisa está acontecendo, e séria o suficiente para interferir na nossa conexão. Talvez ainda não haja sinais, mas isso é muito maior do que qualquer um de nós está acostumado a enfrentar, inclusive eu. Não vou colocar vocês em perigo com algo que não têm como combater.

Por um momento, ela parou de falar, apertando os olhos e os lábios em tensão.

– Se isso for o que pensamos, eu não tenho nem certeza se podemos enfrentá-lo.

Dean não estava entendendo nada do que estava acontecendo. O que parecia ser uma refeição saudosa para os cinco e saborosa para ele passara de uma conversa despretensiosa para uma discussão séria em uma fração de segundo. E agora, com a última frase, toda a mesa mergulhara em um silêncio mortal, como se uma força invisível pesasse sobre eles junto à gravidade.

Por um momento, Dean sentiu-se culpado. Toda a discussão, de certa forma, tinha a ver com ele. Se ele não estivesse ali, Katherine já teria investigado a tal agitação na Ilha de Gelo. Ele não tinha escolhido ir para aquele Domo, mas tinha escolhido ir para o Norte com eles. E se não fosse tão ruim, já teria aprendido a Magia Recorrente, e ela estaria livre para partir sem se preocupar.

Ele não fazia a menor ideia do que estava acontecendo, mas ainda assim podia perceber que estava atrapalhando a todos.

– De qualquer forma, a segurança de Dean é prioridade. - continuou ela. - Não darei um passo para fora da cidade até que ele esteja a salvo e longe de qualquer possibilidade de se ferir. Eu prometi que ia levá-lo para casa, e vou. Mesmo que tenha que dar minha vida por isso.

Seu tom não deixava abertura para respostas, então a discussão se encerrou ali.

Até a lua subir ao céu, nenhuma palavra foi dita sobre o assunto. Ao amanhecer do dia seguinte, todos já estavam absortos em suas respectivas atividades - ou, pelo menos, era o que faziam parecer. Dean imaginava que aquilo não era bem verdade.

Na verdade, todos repassavam mentalmente a conversa do dia anterior, procurando alguma solução.

Para ele, era como se, do dia para a noite, toda a alegria do ambiente tivesse se dissipado.

Então, lhe ocorreu que talvez isso não fosse exatamente a verdade.

Será que aquela conversa realmente tinha mexido tanto com eles? Ou será que aquele tinha sido apenas um estopim? Será que tinha sido assim o tempo inteiro? E Dean somente tivesse percebido no dia anterior?

Não, não pode ser... eles estava felizes antes, não era? Ele se lembrava bem. De Ty e Elliot conversando naquela manhã. De Kath olhando para o céu e pensando em estrelas e sonhos. Não, antes mesmo disso tudo. Lembrou-se dos Protetores, voando alegremente pelo cômodo - ou, no caso de Aiden, se esgueirando.

Feliz ou não, uma pessoa não pode controlar seus pensamentos. E uma pessoa que passava a manhã pensando sobre o céu não podia ser uma pessoa preocupada...

... podia?

Então, uma imagem lhe veio à mente. A imagem dele subindo a escadaria em uma noite escura, com Ty seguindo-o. A imagem dele olhando sobre o ombro e vendo as faces sérias de Henric, Shira, Elliot e Kath, reunindo-se em um círculo tão tenso que podia-se sentir de longe o tamanho de suas preocupações.

Se isso for o que pensamos... eu não tenho nem certeza se podemos enfrentá-lo

Desde o começo, eles já sabiam da urgência de sua missão. Mas mesmo assim lá estavam eles, gastando seu tempo com o garoto novato e inoportuno.

Agora, ele tinha certeza de que a preocupação não era algo recente. Mas também sabia que, quando eles sorriam, era de verdade.

Como eles conseguiam sorrir em meio a algo tão grande assim? Como podiam agir com tamanha paciência em meio a tamanha preocupação?

O que se passava em suas cabeças?

No dia seguinte, Dean e Kath passaram as longas horas da manhã imersos em livros. Dean os lia, e Katherine os explicava. Longos livros descrevendo a teoria e explicando métodos de aprendizado. Toda vez que acabavam um livro, Katherine pegava uma folha de papel e Dean tentava fazê-la flutuar.

– O vento é um dos elementos mais ariscos, mas o daqui está em repouso - explicou ela. - Por isso, vai ser mais fácil de praticar. A Natureza é intensa demais, e a terra está conectada a ela. A água é muito densa e o fogo, perigoso. Por isso, costumamos praticar com o vento.

Porém, por mais que tentasse, Dean não conseguia mover a folha um milímetro sequer. A hora em que Katherine saía, e que ele antes costumava aproveitar para descansar, agora ele passava inteira de frente para a folha, tentando por em prática o que ele já sabia em teoria, sem sucesso.

– Ei - de repente, ele se deu conta de algo. - No dia em que te encontrei, eu estava perseguindo uma folha de papel que tinha caído da minha mochila e foi carregada pelo vento. Tive que perseguí-la por vários minutos e ela sempre desviava da minha mão, como se tivesse vida própria. Você acha que foi magia?

Katherine pareceu surpresa com a informação. Depois de pensar um pouco, ela respondeu:

– Bom, provavelmente sim. Afinal de contas, há poucas formas de fazer uma folha sair levitando por aí e desviando de alguém. Mas eu não imagino por que alguém faria isso.

– Você não tem ideia de quem seja? - perguntou ele.

Ela balançou a cabeça.

– Eu conheço os dois Viajantes do seu Domo, e nenhum deles é versado em magia. Na verdade, um deles nem sabe o que é, e não havia nenhum outro Viajante ali naquele dia. - respondeu ela. - Seja lá quem foi que fez isso, eu não faço a menor ideia de sua identidade.

O treinamento continuou por mais várias horas. Ao fim da tarde, Dean já estava ficando cansado, e sua cabeça doía por causa da concentração intensa.

Em determinado momento, Shira aproximou-se dos dois.

– Olha, Kath - disse. - Já faz vários dias que estamos tentando isso do jeito comum. Mas... talvez a prática teórica não seja a mais adequada para ele.

Por um momento, a garota tentou decifrar a sugestão implícita em suas palavras.

– Você acha que devíamos tentar o ensino pelo método prático? - perguntou Kath.

– Eu não tenho certeza, mas acho que vale a pena tentar - respondeu ele.

– Pode ser uma boa ideia... - respondeu ela, pensativa, mas com um tom otimista. - É perigoso praticar esse tipo de magia em larga escala em um terreno tão perto da capital; poderia chamar atenção. Mas é um bom começo. Você tem alguma ideia para usarmos como base? Algum exercício que possamos usar para praticar hoje?

– Na verdade, não... - respondeu ele, sorrindo nervosamente, como se pedisse desculpas. - Eu até poderia tentar ajudar, mas você sabe que sempre tive mais facilidade com a teoria. Já fiz tudo o que pude por ele; a partir daqui, já não é mais a minha área de atuação. Mas o que acha de fazer uma visita a Indra? Aposto que ele adoraria ajudar, e ele tem muito mais prática do que eu com a parte da execução.

– Pode ser interessante! - concordou ela. - Ele vive perto da fronteira, então deve ser mais seguro para esse tipo de prática. Além disso, podemos aproveitar para os exercícios de resistência e domínio do movimento. É uma ótima ideia, Shira!

De repente, tudo parecia ter ido de preocupante a esperançoso. Talvez não fosse nenhuma solução para problema algum, mas era bom sentir que algo havia sido resolvido para variar, mesmo que apenas uma dificuldade temporária. Era como se finalmente algo estivesse dando certo, quando tudo o que eles conseguiam pensar, mesmo em um lugar agradável e tranquilo quanto aquele, era a demora para investigar a misteriosa agitação.

Dean também ficou feliz com a ideia de finalmente aprender Magia. Não só pela perspectiva de aprender algo que, em seu mundo, não passava de uma lenda para sonhadores e crianças na hora de dormir, mas também por sentir que, assim que o fizesse, Kath ficaria menos preocupada. Finalmente poderia deixá-lo sem ressalvas e esclarecer o que podia ser algo, mas também podia não ser nada. Seus primeiros dias naquele mundo tinham sido um sonho virando realidade, e ele não gostava do jeito que as coisas caminhavam desde que colocaram os pés dentro das grandes passagens da Cidade da Fronteira - ou até mesmo antes disso. Katherine estava preocupada, e, com ela preocupada, todos ficavam preocupados também. E agora, ele poderia deixar de ser uma preocupação.

Talvez fosse seu corpo se preparando para dar o máximo de si no dia seguinte, mas, naquela noite, Dean não tardou a adormecer.


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Notas finais do capítulo

- Quando Kath chama Dean de 'pato', não é literal. Primeiro por ela não conhecer patos tão bem quanto ele, e segundo porque ela respeita muito animais para fazer isso. Dean só ouve assim porque foi como seu cérebro interpretou o significado. Isso acontece várias vezes ao longo da história, mas só agora lembrei de explicar. É como quando a gente vê uma gíria em inglês e entende naturalmente.
— Eu estou rascunhando uma história paralela enquanto isso. Eu estava pensando em fazer um mangá, mas ainda não estou boa o suficiente para isso... Se tiverem algum tempinho, poderiam dar uma olhada?
O link é esse:
https://drive.google.com/open?id=0B0sA9DIUp8qXV0JENkNxRzJ1VG8
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Ah! E esqueci de explicar: quando a Kath 'limpa as mãos nos braços', é porque sabe como sempre ensinam a gente a não limpar as mãos na roupa? Então, quando ensinaram isso para ela, ela começou a limpá-las esfregando os dedos contra os braços (que ela dobra para cima quando o faz). Depois é mais fácil limpar os braços do que a roupa.



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