Rua do Castelo d'Água escrita por Laura Machado


Capítulo 3
Capítulo 3: Quai François Tissard




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/652394/chapter/3

Virei minha caneca outra vez. O café já estava frio e era quase uma aberração para a minha garganta. Mas eu bebi tudo que ainda sobrava ali, ao mesmo tempo que fazia a pior das caretas. Café era o melhor amigo do escritor, era o que eu sempre dizia para todos meus amigos que achavam que eu ingeria cafeína demais. Mesmo sem estar com sono, eu não estava conseguindo me concentrar o suficiente para conseguir escrever. Café naquele momento não era um vício, era uma necessidade.

Voltei meus dedos para o teclado, mirando a tela do computador. A barra piscava no topo da página, esperando que eu começasse a escrever. Capítulo Trinta, isso que já tinha digitado várias vezes. Algumas com o número, outras por extenso. Depois apagava e voltava ao número. Depois dava vários Enter e brigava comigo mesma por fingir que aquilo importava.

E então apagava tudo e pensava de novo em como escrever "Capítulo Trinta".

O lado bom era que eu nunca tinha me incomodado em dar nomes aos capítulos. Aquilo sim seria a perdição. Não só ter que escrever sabia-se-lá quantas palavras, mas ainda ter que ficar pensando em um título para cada capítulo. Se fosse esse o caso, seria bem mais fácil desistir.

Mas não era. Eu estava no lucro. Entendeu bem, Audrey? Perguntei na minha cabeça. Você está no lucro. Tudo que você precisa fazer é escrever o capítulo!

Passei os dedos pelas teclas, me deixando senti-las. Meu computador ainda era novo, mas já tinha algumas letras desaparecidas e algumas marcas de batalha em volta dele. Mesmo assim, não tinha nada mais delicioso no mundo do que escrever com ele. As teclas batiam rapidamente, quase sem esforço nenhum. E meus dedos já sabiam seu caminho tão bem, que eu nem pensava para digitar.

Isso quando eu tinha algo para falar.

Cheguei minha cabeça mais perto da tela, tentando focá-la o máximo possível. Era isso que eu ia fazer, parar de pensar. Parar. De. Pensar. Meus dedos escreveriam sozinhos. Marianne não era só uma personagem, eu era ela. E eu estava ali para contar minha história. Sem editoras, sem prazos, sem pensar em livros vendidos em prateleiras de livrarias do mundo. Era só eu, ela e a história.

E uma história boa. Uma história perfeita. Um final digno de todas as viagens que eu tinha feito pelos dois primeiros livros, digno de todas as fãs que escreviam em seus Twitters e postavam fotos em seus Instagrams que estavam esperando ansiosamente o último volume. Precisava ser digno de todas as críticas boas que eu tinha recebido, cada tradução que tinha sido feita para espalhar minha história por mais alguns países. Digna de tudo que eu tinha conquistado. Eu não queria ser mais uma escritora que tinha criado um universo e um enredo com potencial infinito e acabado ficando com preguiça de desenvolvê-los direito no final. Não queria que duvidassem por um segundo que eu amava aquela história. E que eu me importava com ela. Isso precisava ser visto em todas as linhas. Todas as palavras. E era o que mais me impedia de escrever.

Voltei a me inclinar no encosto da cadeira e tirei minhas mãos de cima do teclado. E se eu escrevesse mesmo qualquer coisa? Me perguntei, enquanto me girava de um lado para o outro sem parar. Era tudo muito válido, querer fazer o melhor possível. Mas será que continuaria assim se eu não escrevesse nada? De que adiantava toda a vontade do mundo de fazer um final perfeito se ele nunca conseguiria chegar ao papel? Tinha certeza de que minhas leitoras prefeririam ler alguma coisa do que nunca descobrir o que acontecia com aquela história.

Me girei forte e fiz minha cadeira dar uma volta completa.

Eu que não preferia isso. Eu teria que levar aquele livro para sempre nas minhas costas. Qualquer outra saga que eu publicasse depois dele, usariam aquele como referência. Já podia imaginar as leitoras pegando meu próximo livro e o girando na mão. "Por que eu começaria a ler isso daqui?" Elas se perguntariam. "Mesmo que toda a história seja boa, ela só vai estragar tudo no final!" E elas o largariam em qualquer lugar, até longe da estante onde a livraria o tivesse colocado. E iriam parar na próxima escritora, uma com contrato para filmes e noventa livros perfeitos em uma única saga.

Me virei de volta para a mesa e apoiei no meu cotovelo. Suspirei. Tinha um pensamento, um único que eu nunca queria falar em voz alta. Na verdade, era uma sensação que eu mal me deixava sentir. Não tinha nem formado as palavras na minha cabeça, porque, no momento em que admitisse, estaria deixando de merecer tudo aquilo que eu já tinha conquistado. E não seria ali e nem naquele momento que eu me daria por vencida.

Voltei meus dedos para as teclas, sem apertá-las, só as sentindo outra vez, como se fingisse escrever. Já tinha um envelope com três fotos para a Kendra endereçado e esperando que eu fosse ao correio. Mas tinha resolvido passar o dia inteiro ali. Não queria me encontrar com Johann sem querer na rua. Já estava difícil o suficiente conseguir me concentrar no que tinha para fazer enquanto pensava em nosso encontro. Sabia que me distrairia completamente se tivesse que trocar olhares com ele.

Sorri comigo mesma, apesar de tentar me reprimir. Não queria voltar a sentir o frio na barriga de antecipação. Aquele momento era de Marianne. Era nela que eu devia pensar. Ainda mais que eu só tinha mais alguns minutos para me dedicar a ela.

Mirei a tela.

Eu podia fazer ela se apaixonar por outro cara. Algum novo, que aparecesse do nada.

Não. Eu não podia fazer isso com Lech. Ele era o cara perfeito para ela, apesar de tudo que já tinha acontecido entre os dois. Eles mereciam um final feliz juntos. Mas como fazê-lo voltar agora?

Meu celular começou a tocar de repente, me fazendo suspirar. Demorei mais alguns segundos para me irritar a ponto de aceitar atendê-lo e desviar o olhar da tela do computador para ele.

Era Esteban outra vez. Não era de se admirar que tivesse ligado de novo, eu tinha recusado cada uma das chamadas do dia anterior e daquela manhã. O estranho era ele querer tanto falar comigo. Mais ou menos na mesma intensidade que eu não queria falar com ele.

Recusei de novo. Quem sabe agora ele entendesse de uma vez por todas que a última coisa que eu queria-

O celular começou a tocar outra vez. Mas meu deus! O mundo estava acabando? Depois de seis meses sem trocarmos uma única palavra, o que tinha acontecido para ele precisar falar tanto assim comigo?!

Peguei o celular e finalmente aceitei a chamada, o colocando no ouvido.

"Alô?!" Falei, já soando completamente irritada e sem a mínima paciência.

"Drey?" Não sabia o que era pior, se era o apelido que só ele usava para mim ou sua voz rouca.

Respirei fundo. "Oi, Esteban," respondi, apesar de só querer pedir para ele parar de me atrapalhar.

"Desculpa a insistência," ele disse, me fazendo bufar uma risada, "mas eu precisava falar com você."

"An-hãm."

"É que eu vi que você está aqui," ele continuou.

"Aqui?"

"Em Paris. Vi sua foto no Instagram," ele parecia quase distraído, como se fizesse de propósito para não se mostrar interessado demais ou para chegar devagar ao ponto.

Eu mesma só revirei os olhos. Tinha conseguido só o tempo de tirar uma única foto das costas da Notre Dame, enquanto ia para a estação de trem que me levou a Amboise. Até tinha me perguntado se era boa ideia a compartilhar, mas a foto era bonita demais para deixar perdida no meu celular. O sol estava se pondo no Sena e a Notre Dame de trás era maravilhosa. E, no final das contas, eu não imaginava que ele fosse mesmo ver.

"Sei que é difícil para você," assim que ele falou isso, eu parei de girar minha cadeira. Eu tinha entendido direito? Ele sabia pelo que eu estava passando? E tinha mesmo me ligado para me consolar? Para mostrar algum tipo de compaixão? Será que tínhamos chegado ao ponto de enterrarmos o passado e sermos amigos? "Mas eu não queria que você tivesse descoberto assim."

Espera aí. Do que ele estava falando?

"Descoberto assim?" Perguntei, confusa.

"Imagino que seja por isso que você tenha vindo," seu tom tinha ido de cauteloso a condescendente e eu já me levantava da minha cadeira. "E que não é fácil para você. Mas queria te pedir para nos dar espaço e não vir hoje. É um dia importante para nós e sei que você vai pensar melhor e-"

"Esteban," o cortei, quase brava. "Eu não tenho a menor ideia do que você está falando!" Até abri o braço, como se ele estivesse ali, na minha frente, naquele quarto de hotel.

Ele respirou fundo, e eu senti que lhe faltava paciência para lidar comigo. "Drey, sei que você veio aqui para tentar me impedir de me casar com Angel, ou pelo menos estragar nossa festa de noivado-"

"Como é que é?" Eu praticamente gritei, mas ele me ignorou.

"-e eu estava esperando que você já tivesse amadurecido e que pensasse melhor. Sei que devia ter te contado eu mesmo, mas Kendra disse que você estava com a cabeça cheia ultimamente. Sei que não foi fácil para você nos termos terminado, mas chegar ao ponto de você vir para cá só para tentar estragar tudo já é demais, não?"

"Esteban!" Dessa vez eu gritei de verdade. E podia imaginá-lo do outro lado da linha, revirando os olhos para mais uma das minhas atitudes infantis que ele odiava.

"Honestamente, Drey. Eu esperava mais de você, pelo menos ago-"

"Eu não estou aqui por você!" Berrei logo em seguida, cansada dele me ignorando como se falasse sozinho. "Eu não estou nem aí para quem você vai casar, quando ou onde! Case com Angel, case com a Torre Eiffel se quiser, eu não vim aqui para isso! E nem estou em Paris."

"Dreeey," ele prolongou meu nome o suficiente para deixar claro que não estava acreditando em mim. "Nós dois somos adultos aqui e podemos admitir nossos sentimentos. Não tem vergonha em dizer que você ainda não me superou. O que nós tivemos foi intenso."

"Sim, bem intenso. Principalmente a parte em que-" eu mesma me cortei, fechando os olhos e respirando fundo. Ele não valia a pena. Toda aquela conversa não valia a pena. Se eu pelo menos tivesse recusado a ligação outra vez! "Você está certo," falei, sabendo que era o jeito de conseguir sua atenção. "Nós dois somos adultos e não tem vergonha em admitir nossos sentimentos. Então eu gostaria que você ouvisse bem, porque eu vou falar o que estou sentindo."

"Claro, Drey. Estou ouvindo."

Revirei os olhos. Aquilo era insuportável e eu já estava chegando ao meu limite!

"Eu sinto," pausei, respirando fundo, "que eu não estou nem aí se você se casar com a Carla Bruni ou realmente levar minha sugestão a sério e tentar se casar com a Torre Eiffel. Sinto que já perdi tempo demais tendo que ouvir sua voz e espero que você seja incrivelmente feliz, a ponto de nunca mais vir atrapalhar minha vida de novo. E que, se você continuar me enchendo o saco, eu vou perder o horário do meu encontro hoje à noite."

"Encontro?"

"Sim. Encontro. Com outro cara. Em outra cidade. Eu não estou nem em Paris. Então seria ótimo se você parasse de ser narcisista ou pelo menos direcionasse todo seu egocentrismo na direção da pobre coitada da sua noiva e me deixasse em paz," desliguei antes que ele pudesse falar outra coisa e joguei meu celular na cama.

Típico. Dolorosamente típico da parte dele achar que tudo na minha vida ainda girava em torno dele, mesmo depois de meses sem nem nos falarmos. Típico achar que eu cruzaria o oceano para ir atrás de um cara que tinha me traído.

E pensar que tinha sido logo sua prepotência que me tinha atraído a ele. Que eu já tinha gostado de como ele tomava as rédeas de tudo e fazia tudo como queria. Eu nunca nem tinha tido opinião perto dele, deixava que tomasse todas as decisões, só porque gostava de vê-lo agir como o chefe que era. Todos os presentes, os encontros milionários, todo o glamour de namorar o dono de uma empresa de advocacia tinha sido o suficiente para me cegar e engolir todas as vezes em que sentia que ele não se importava de verdade comigo. Ele só se importava com ele. Mesmo depois de tanto tempo, ele ainda só se importava com ele mesmo, só via a ele mesmo. Eu ali, presa na minha vida e nos meus próprios problemas, e ele ainda achava que o mundo se resumia a ele.

Era incrível como ele conseguia estragar até coisas que não tinham nada a ver com ele! Passei a próxima meia hora me arrumando para o encontro com Johann, mas pensando em como Esteban era insuportável. Como alguém podia ser assim? E como eu podia ter me sentido atraída para ele alguma vez na minha vida?

Quando saí do hotel, praticamente batia os pés. Mas estava determinada a não pensar mais nele. Eu tinha um encontro pela frente. E, bem mais do que isso, era com um cara que tinha me prometido que conseguiria desfazer meu bloqueio. Era como um vendedor de água no deserto. E eu praticamente corri até a ponte para encontrá-lo.

Ele tinha as mãos dentro do bolso e estava parado logo do lado de um poste de luz que já estava aceso, apesar do sol ainda nem ameaçar direito se pôr. Ele era alto, o que eu já tinha percebido. Mas era de um jeito um tanto imponente, independente. Só pela sua pose, pelo jeito que ele observava o rio logo abaixo dele, já dava a impressão de que ele era autossuficiente. Em espírito mesmo, senão em questões financeiras.

Esteban era assim também, mas vários níveis acima. Como se nem coubesse nele e ele não conseguisse parar um só segundo de se mostrar.

Mas Johann parecia calmo. Talvez fossem as águas do rio, ou o clima quente que contrastava com a brisa leve que tinha me obrigado a pegar uma blusa de frio. Mas ele parecia estar completamente mergulhado em pensamento, só observando o que estava à volta. Tanto, que eu até diminuí meu passo quando estava me aproximando. Não queria que o som das minhas sapatilhas o interrompesse, ao mesmo tempo que queria chegar mais perto dele e me certificar de que não estava imaginando, que eu estava mesmo indo a um encontro com ele.

Ele me percebeu, levantando o rosto na minha direção. E abriu um sorriso, me olhando de cima a baixo, depois encontrando meus olhos.

"Você está linda," ele disse, quando eu tinha chegado perto o suficiente para ouvir.

Queria dizer o mesmo e que, para ser honesta, eu nem conseguiria competir com ele. Eu estava de vestido, sapatilha, cabelo arrumado e maquiada, mas nem chegava perto dele, que só tinha vestido camiseta e calça jeans.

"Obrigada," disse, desviando o olhar, não querendo demonstrar o quanto me sentia desconfortável por não poder simplesmente falar que ele estava louco e que ele sim era maravilhoso. "Aonde nós vamos?" Perguntei, olhando em volta.

"A um dos únicos bares da cidade," ele disse, se virando um pouco na direção contrária ao castelo e abrindo um braço, me oferecendo para me apoiar ali.

Era quase um ato caricato. Nunca ninguém tinha me oferecido o braço assim, mas o aceitei, passando o meu em volta do dele e começando a andar.

"Não tem muitos bares por aqui?" Perguntei.

Ele riu rápido. "Tem três. Um deles é esse da esquina," ele apontou para onde estávamos chegando. "Nunca fui nele. Depois tem o Ô Pub, o que chega mais perto de uma balada aqui." Nós chegamos à esquina e saímos da ponte, virando à direita e seguindo o caminho ao lado do rio. "Mas o que nós vamos é meu favorito."

"Por quê?" Perguntei. Ele olhou por cima do ombro na minha direção. "Por que é seu favorito?"

Ele parou na frente do tal bar, soltando meu braço e me indicando uma mesa. Eu ainda o olhava, esperando sua resposta. Me sentei e ele fez o mesmo à minha frente.

Ia perguntar outra vez, quando ele se inclinou no encosto da cadeira e se virou para sua direita. "Por isso," ele disse, cruzando uma perna e até apoiando seu braço na mesa, em sua melhor posição de admiração da vista.

Segui seus olhos.

Nós estávamos diretamente na frente do castelo. Como todas as outras luzes da cidade, as dele estavam acesas, mesmo que o sol mal tivesse começado a se pôr. O céu ainda estava claro, ameaçando começar a ficar laranja, mas ainda contrastando com as águas inquietas do rio Loire. Estava mesmo bem bonito, como tudo em Amboise. Mas eu me virei logo de volta para Johann, que olhava a vista incansavelmente com a expressão mais sonhadora que eu já tinha visto.

Ele sorria também, mas de leve, como se inspirasse, de um jeito calmo e pleno. E eu senti que podia ficar olhando para ele para sempre.

O tempo foi passando, nós dois em silêncio, como se nos ajeitássemos em nosso lugar e deixássemos tudo que era desconfortável ali desaparecer ou se adaptar. A cada segundo, eu sentia mais à vontade, como se ele fosse alguém que eu conhecesse a muitos anos. Nem senti a necessidade de falar alguma coisa, gostava mais de continuar olhando para ele, o conhecendo por cada centímetro seu que eu observava ou cada vez que ele respirava e parecia querer absorver tudo à sua volta.

Quando ele se virou outra vez para me olhar, seu sorriso cresceu e eu o imitei, voltando à realidade. Eu não o conhecia, na verdade. Mal me lembrava do seu sobrenome.

Me endireitei na cadeira e um garçom chegou, obrigando Johann a fazer o mesmo. Eles se falaram em francês, mas ele parou para me olhar no meio.

"Eu vou pedir alguns drinks. Quer dar uma olhada no cardápio?" Johann perguntou, mas eu balancei a cabeça.

"Se tiver alguma coisa com vinho branco e fruta, eu aceito."

Ele sorriu, depois se virou para o garçom e falou mais alguma coisa em francês, completando com uma apontada para o cardápio.

Quando nós ficamos sozinhos outra vez, ele se sentou um pouco mais na minha direção.

"Então, Audrey Scott," ele começou, e eu o imitei, apoitando na mesa com os cotovelos. "O que te trouxe à Amboise? Sei que veio escrever seu livro, mas por que aqui?"

Eu bufei uma risada, olhando rapidamente até o castelo e depois voltando a mirá-lo. "Na verdade, eu só entrei no aeroporto e pedi para a atendente escolher um lugar para onde eu iria."

Ele arqueou as sobrancelhas, divertido. "Sério?"

Eu concordei com a cabeça. "Sério."

"Mas não tem avião para Amboise."

"Mal tem ônibus para Amboise," reclamei, apontando para a cidade do outro lado do rio, mas de um jeito brincalhão. Ele riu. "Mas a atendente me mandou para Paris, na verdade. Só que eu resolvi vir para cá, depois da indicação do cara que voou do meu lado," ou algo desse tipo, completei na minha cabeça.

"Então você veio no escuro? Sem saber nada da cidade?" Ele se inclinou de volta na cadeira e eu achei que fosse só um jeito de jogar charme, mas logo o garçom apareceu com dois drinks enormes.

"Tipo isso," falei, enquanto meus olhos grudavam no copo gigante e cheio de um drink degradê laranja que era colocado à minha frente. "O que tem nisso?"

"Champanhe e pêssego," Johann, disse, pegando o seu. "Achei que precisávamos começar comemorando."

Eu queria atacar o drink, e foi mais ou menos o que fiz, assim que o garçom se distanciou e Johann e eu fizemos um brinde. E era delicioso! Por definição, pêssego não era das minhas frutas preferidas, mas combinava perfeitamente com o champanhe! Era como se suas bolhinhas fizessem todo o doce do pêssego ficar mais macio, mais divertido, mais saboroso.

Quando voltei a apoiar o copo na mesa, já tinha ido quase metade. Mas o de Johann estava praticamente no mesmo nível também e nós só trocamos sorrisos pela nossa sede.

"E você?" Perguntei, limpando discretamente em volta da minha boca. "Por que escolheu Amboise?"

"Não escolhi," ele respondeu. "Foi Amboise que me escolheu." Eu franzi as sobrancelhas, não entendendo, então ele continuou. "Eu queria trabalhar na França e um emprego apareceu por aqui. Também não sabia nada da cidade quando vim."

"Você cozinha, né?" Perguntei e ele concordou com a cabeça. "Em algum restaurante?"

"Via Roma. Fica logo atrás do castelo."

"Espera," pedi, levantando as duas mãos no ar. "Um alemão fazendo comida italiana na França?"

Ele riu, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo, e jogou a cabeça para trás, o que me deu vontade de segurá-la e trazê-la para perto de mim.

"Algo assim," ele disse, depois de se recompor um pouco e voltar a me olhar. "Fazer o quê, né?"

Bloqueei todos os pensamentos maliciosos que me atacavam e voltei a mirar meu copo. Eu mesma sorria, contagiada pela risada dele, alta e natural.

"Outro dia eu te levo para comer a melhor comida italiana, francesa e alemã ao mesmo tempo," ele prometeu, se inclinando de volta na mesa na minha direção. "Te garanto que não vai se arrepender."

"Outro dia? Vai ter outro dia?"

Seu sorriso pareceu desaparecer quase por completo, mas não por falta de alegria, mais por ele mesmo querer falar sério. E ele me mirou na mesma intensidade.

"Você ainda está com seu bloqueio?" Perguntou e eu concordei minimamente com a cabeça, quase sem deixar que me entendesse. "Então ainda vai ter outro dia. Aliás, vários outros dias," disse, voltando a sorrir. "Mas, me explica, o que tanto te assombra? Por que não consegue mais escrever?"

Respirei fundo, deixando meu olhar seguir na direção do castelo outra vez. O sol já estava terminando de se pôr e, mesmo com o céu ainda levemente azul, as luzes agora já faziam uma grande diferença. E eu nem tinha percebido quando começou a escurecer.

Voltei a olhar para Johann, quase sem me lembrar do que ele tinha perguntado. "Muita coisa estava acontecendo na minha vida. Muitos planos e eu acabei parando de escrever. Sempre falava para mim mesma que poderia voltar a qualquer segundo, que ainda tinha tempo, que podia focar em outras coisas. E de repente eu simplesmente não sabia mais o caminho de volta."

"O que estava acontecendo na sua vida?"

Nós nos miramos em silêncio por alguns segundos, até eu engolir a seco e mirar meu copo outra vez.

"Eu tinha acabado de terminar um namoro," expliquei. "Noivado, quase," Johann não falou nada, mas eu nem levantei o rosto para olhar outra vez na sua direção. "E minha história estava feliz demais na época. Ainda está, né. Eu não escrevi uma linha desde então. E faz tempo."

"Quanto tempo?" Sua voz grossa perguntou, bem mais séria do que antes.

Eu respirei fundo antes de responder. "Quase seis meses."

Quando ele não falou mais nada, levantei o rosto para olhá-lo. Mas ele parecia inabalado.

"Isso é bastante tempo, se você tem alguma dúvida," expliquei.

"Não sei, escrever não é fácil. Imagino que deva demorar mesmo para conseguir finalizar um livro," por mais insignificante que fosse seu comentário, já era algum conforto. "Mas me diz, o que exatamente você precisa fazer nesse final?"

"Bom, minha personagem principal é caçadora de vampiros. E ela acaba se apaixonando por um, o que cria todo uma briga entre reinos. Sim, tem reinos. Ela não é princesa, nem nada. Mas era quase como adotada pelo rei dos humanos, o que a fez sempre ter em mente que seu sonho era conseguir ganhar de todos os vampiros e exterminá-los-"

"Até ela se apaixonar," não era uma pergunta, era mais uma constatação de Johann, quase vitoriosa.

"Até ela se apaixonar," repeti, deixando nossos olhos se encontrarem e nossos sorrisos se imitarem, como se estivéssemos guardando um segredo em comum. "Mas, então," continuei, torcendo o nariz para mim mesma, "agora está na hora da batalha final. De ela decidir se quer continuar sendo humana ou não. Ou se o que aconteceu com ela já valeu pelo amor que teve. Se ela vai deixá-lo morrer e escolher o seu pai adotivo ou o contrário."

"Uau," ele soltou. "Grandes decisões."

"É. Mas o maior problema ainda é toda a batalha, tudo que vai acontecer, todo o desenvolvimento de pensamento dela, do que vai levá-la a fazer o que, como e porquê. Não sei nem por onde começar," suspirei. "E às vezes eu até penso que-" Eu mesma me cortei, antes que eu falasse alto o que eu não tinha ainda nem admitido para mim mesma. "Deixa."

"Não, pode falar," ele tomou outro gole do drink e se apoiou de novo na mesa, como se quisesse escutar o melhor possível cada palavra que eu diria. "Eu quero ouvir."

"É algo terrível," falei, apesar de já sentir dentro de mim a inclinação de contar para ele o que tanto me atormentava. Ele era, para todos efeitos, um estranho. Ele não me conhecia e nem morava perto de mim. Podia estar bem na minha frente, com seus olhos nos meus e sua mão a alguns centímetros da minha. Mas ele ainda era teoricamente um estranho.

"O que quer que seja, tenho certeza de que é compreensível."

Eu mordi meu lábio, me ganhando tempo. Era só falar. Só formar a frase, escolher as palavras e falar. E pronto. Não precisava pensar. As consequências viriam ou não e eu descobriria logo. Se eu simplesmente falasse.

Dei de ombros, olhando para cima. "É só que às vezes eu queria que toda essa história não fosse minha." Pronto. Estava lá, no ar, pairando, minha confissão. A coisa mais ingrata que já tinha saído da minha boca. "Queria que fosse a história de outra pessoa, que outra pessoa tivesse a responsabilidade de terminá-la. Queria me livrar desse fardo."

Fardo! Repeti na minha cabeça. Eu era terrível, era uma pessoa horrível! Depois de tudo que tinha conseguido, do meu sucesso, do meu contrato, de tudo que tinha ganhado só por ser a autora da minha saga, eu ainda tinha a coragem de desejar, pelo pouco que fosse, que tivesse acontecido com outra pessoa!

"Eu entendo," Johann disse, me fazendo voltar a mirá-lo. "Deve mesmo ser um fardo pesado, essa obrigação que você tem de terminar no mesmo nível que os outros."

Eu praticamente arregalei os olhos, me aproximando o máximo possível dele, com a mesa entre nós. "Sim!" Exclamei, sentindo que, pela primeira vez, alguém me entendia. "No começo, era a coisa mais divertida do mundo. Era até meu passatempo!"

"E agora virou um dever seu," ele completou por mim, enquanto eu concordava com a cabeça freneticamente. "Não é de se admirar que você tenha perdido a vontade de continuar."

Tomei um gole enorme do meu drink, como um jeito de respirar. "Não é nem que me falta a vontade. É que eu já desaprendi mesmo! E esse negócio de ser obrigada a continuar não ajuda."

"Sabe o que ajuda?" Ele perguntou, abrindo os braços a apontando para o castelo. "Você não disse que são dois reinos?"

Eu ri sozinha, mas balancei a cabeça. "Não é assim. Acontece no futuro. Nenhum deles mora em um castelo desses. Aliás, construções velhas assim já foram extintas faz tempo."

"Mesmo assim," ele insistiu. "Olha para lá," ele se virou para o castelo, puxando a cadeira a ponto de conseguir apoiar os pés na mureta. "Eu gosto ainda mais do castelo quando está de noite. Parece que é de mentira, uma alucinação ou coisa desse tipo. Mas não é. É de verdade. E várias pessoas já passaram por ali. Vai, olha para lá."

Revirei os olhos, mas de um jeito divertido, e o obedeci, virando minha cadeira também.

"Esquece o futuro e pensa no passado. Imagina que você vivia aqui durante a Idade Média. Bem aqui, desse lado do rio. E logo ali, naquela construção imponente e de bandeiras incansáveis, morava o maior regente do seu país."

"Algum rei da França já morou aqui?" Perguntei, olhando por cima do ombro para ele, que fez um gesto no ar.

"Independente," disse, sorrindo, "imagina que morava sim. Que vestiu sua coroa e está indo agora até a varanda, olhar para os súditos. Tudo que você tem é uma vela que mal te dá a noção da distância entre vocês. Mas, ainda assim, você o vê e sabe, no fundo, que tem uma sorte enorme de estar ali. Ele é seu rei. O escolhido por Deus para reger seu país."

"Nunca acreditei nessas coisas," eu o interrompi.

"Sabe, estou começando a entender o porquê do seu bloqueio!" Falou, fingindo estar irritado. "Concentre-se."

"Em fingir que eu sou da Idade Média?"

Ele riu. "Tá, vamos mudar um pouco. Não precisa imaginar que vive na Idade Média. Não precisa imaginar nada. Você é você. E está aqui agora, com um cara lindo e incrível," me virei para ele e revirei os olhos. Ele já esperava essa minha reação, rindo logo depois. "Sim, incrível. Pode admitir. E você não tem preocupação nenhuma. Não precisa se lembrar do seu livro e de nada que tenha deixado para trás. Na verdade, não precisa nem se lembrar de nada que tem aqui. Esvazie sua mente e só olhe para o castelo. Não existe mais nada em volta. Só ele, você e o rio entre os dois." Olhei para a frente, como ele mandava, tentando absorver tudo que ele dizia, mas minha mente continuava a mil e acabei me virando outra vez para olhá-lo. "E agora só inspire," ele disse, se obedecendo e expirando logo em seguida, enquanto outro sorriso tomava conta de seu rosto.

Mas eu já não conseguia olhar de volta para o castelo. Não. Eu olhava para ele, que abraçava seus joelhos como um garotinho e não tirava os olhos do que eu devia também estar mirando.

"Fale a verdade," ele disse, tão hipnotizado pelo que estava à sua frente, que não percebia que eu já não obedecia há muito tempo, "você já viu alguma coisa mais bonita no mundo todo?"

Aquela era uma pergunta estranha quando eu estava olhando para ele. Abri a boca para responder, mas não saiu nada. Então só fiquei olhando para ele, deixando que a brisa passasse de leve por nós. Podia ouvir o som das conversas à nossa volta e do rio que não parava de correr, mas era como se todo o barulho ficasse cada vez mais abafado. Eu estava estranhamente ciente de cada vez que ele respirava, do movimento que isso causava ao seu peito, de como ele parecia quase flutuar em seu próprio lugar. Ele estava ali, sentado do meu lado, mas eu podia jurar que também estava longe, que também estava no castelo, sentindo tudo aquilo que eu não conseguia nem imaginar.

Johann tinha razão. A noite o fazia parecer de mentira, como uma alucinação que eu estava tendo. Não o castelo, ele mesmo. Ainda mais que, quanto mais eu focava em seu rosto, mais as luzes à nossa volta ficavam embaçadas e eu ia perdendo a noção de realidade. Estava pronta para acordar, já nem sentia o resto do meu corpo, quando ele se virou para mim e sorriu.

Eu lhe devolvi o sorriso, acordando todos os meus outros sentidos. Era um jeito de voltar os pés no chão, de me lembrar que aquilo estava mesmo acontecendo. E era ainda melhor saber que eu não precisava sonhar para poder vê-lo na minha frente.

O resto da noite foi completamente diferente do começo. Eu já não conseguia conversar com ele como se fosse qualquer pessoa, qualquer cara bonito com quem eu tivesse trombado. Cada palavra que ele dizia sobre si mesmo me fazia pensar se aquilo era bom ou ruim para mim. E mesmo quando ele me falou que gostava de uma música terrível que eu odiava, ainda fiz questão de classificar aquilo bom. Não iria criar ideias absurdas na minha cabeça, tinha a impressão de que o que quer que acontecesse entre nós acabaria ali. Mas era impossível não colecionar dentro da minha cabeça razões para eu gostar dele.

E não conseguia só ouvir sua voz ou ficar tentando fazê-lo sorrir e me olhar como ele olhava para a vista. Também precisava ficar notando como seu rosto era quadrado e o mínimo de covinha que aparecia em seu queixo quando ele ria. E a mania que seu cabelo tinha de cair uma única mecha na cara e ele o afastar para trás como se não fosse nada. E o jeito que ele levantava a sobrancelha para tudo de esquisito que eu falava de mim, mas logo depois declarava que ele gostava daquilo.

Quando me levantei da mesa, o céu agora já completamente escuro, ele colocou uma mão na minha cintura, e eu senti como se fosse o único convite de que precisava para me enterrar em seu peito. E o teria aceitado, mas Johann só estava me indicando o caminho, e ficou para trás quando eu dei alguns passos para longe da mesa. Olhei por cima do ombro, onde ele deixava o dinheiro e agradecia em francês ao garçom, que sorria abertamente.

Sozinha a alguns metros da mesa, eu me sentia como se fosse o primeiro encontro da minha vida. Tudo parecia estar à beira de ficar esquisito e eu tinha passado o tempo todo torcendo para não criar expectativa demais e acabar desapontada. Mas ali, depois de horas conversando, no único momento em que ele estava ocupado com outra pessoa, eu me sentia incrivelmente leve.

E bonita, o que me fazia me odiar. Precisava me sentir como uma garotinha assim? Como se fosse a primeira vez que um cara olhava para mim?

Mas era assim que eu me sentia. Importante. Querida. E bonita. Mesmo sozinha, mesmo sem ouvir o que eles falavam. Eu estava saindo de um encontro com um cara que parecia bem interessado em mim e tinha muita gente ali de testemunha. Era impossível não me sentir eufórica com aquilo.

Mesmo que eu reprimisse qualquer vontade que tinha de rir alto e sair rodopiando pelas ruas de pedras.

Pelo contrário, mal sorria quando o senti colocar sua mão outra vez nas minhas costas, me indicando que estava do meu lado e podíamos sair de lá.

"E então," ele começou, enquanto andávamos pela ponte, "acha que valeu a pena?"

"O quê?" Já sabia do que ele falava, mas queria ouvi-lo elaborando sobre si mesmo.

Ele sorriu ao meu lado, me forçando a levantar o rosto para ver e o imitar. "Valeu a pena perder uma noite de escrita para sair comigo?"

Balancei a cabeça, apesar de não conseguir parar de pensar na mão dele posicionada na minha cintura. "Não vai tentando se safar, você ainda tem sua parte do acordo para cumprir."

Ele riu, olhando para o lado e voltando rapidamente a me mirar. "Não se preocupe, não me esqueci," disse.

Nós chegamos à estrada que seguia a direção do rio e levava ao meu hotel. Ele já sabia aonde ficava e nem precisamos trocar nenhuma palavra sobre aquilo de novo, mesmo que eu ainda ficasse torcendo para que ele me levasse até a porta e não me deixasse no meio do caminho. E tinha outra coisa que eu queria saber.

"Quanto tempo você vai ficar por aqui?" Perguntei, puxando as mangas da minha blusa mais para baixo, tentando fugir da brisa gelada.

"Bom, eu cheguei faz alguns meses já," ele disse. "Planejava ficar pelo menos um ano. Mas talvez tenha subestimado meu amor por essa cidade."

"Vai entender."

Ele riu. "Sorte sua que todo mundo já está dormindo, senão você seria linchada em praça pública," ele disse, quando estávamos chegando à esquina do meu hotel.

Depois de trocarmos um olhar rápido, nós dois viramos de volta para a frente, o avistando. Era quase como uma linha de chegada, mesmo que nós dois parecêssemos não querer terminar aquela corrida.

Ou pelo menos eu me sentia assim.

"Você mora por aqui?" Perguntei, voltando meus olhos mais para o chão do que qualquer outro lugar.

"Moro praticamente na última rua de Amboise," ele disse, com um sorriso largo que trouxe de volta sua covinha no queixo.

"Então, cinco minutos daqui?"

Seu sorriso se transformou em risada e ele me abraçou um pouco mais forte pela cintura, quase como se usasse sua risada para disfarçar a proximidade que tinha entre nós.

Eu mesma só me deixei sorrir para o chão, lutando contra aquela sensação de euforia que ameaçava tomar conta de mim.

E, antes que eu pudesse descobrir outro jeito de enrolar, percebi que estávamos na frente do hotel. Da esquina até chegarmos na porta, nós não falamos mais nada. Eu fiquei batalhando na minha cabeça as mil palavras que podiam sair da minha boca, mas sentia que todas elas estragariam a noite. E queria que fosse o final perfeito de um encontro perfeito.

Quando finalmente chegamos a porta, eu senti sua mão deslizando pelas minhas costas e me deixando. Subi o único degrau da entrada e me virei para ele.

Johann sorria, satisfeito. "Então," disse.

"Então," repeti, engolindo a seco.

Podia sentir minha respiração pulsando junto com meu coração na base da minha garganta. Não queria que a noite acabasse ali e nem sabia direito o que falar para conseguir mais alguns minutos, algumas horas com ele. Mas já tinha a impressão de que estava abusando da minha sorte só por ter saído com ele, não queria arriscar algo mais e terminar a noite rejeitada.

Eu só precisava conseguir mandar algum sinal, alguma coisa que demonstrasse que eu queria que ele me beijasse.

Arrumei meu cabelo e dei de ombros de leve, mas ele só continuou me olhando.

É, estava sendo ambiciosa demais. Já tinha saído com ele, a noite já tinha sido ótima. Era melhor terminar enquanto estava ganhando.

"A gente se fala?" Perguntei, olhando para baixo, onde minhas mãos se encontraram na alça da minha bolsa.

Esperava que ele só respondesse que sim, como qualquer cara faria, mesmo se não tivesse a menor intenção de me ver outra vez. Mas ele ficou em silêncio e, como eu mesma estava mirando o chão como se falasse sozinha, não pude ver se ele tinha concordado com a cabeça ou algo desse tipo.

Mas o que eu vi foi quando Johann se abaixou até nossos rostos estarem da mesma altura e fez seus lábios encontrarem os meus. Se antes eu estava quase entorpecida pela noite e meu medo de tudo dar errado logo no final, agora ele tinha feito questão de acordar todos meus sentidos de uma vez, liberando uma eletricidade pelo meu corpo que chegou até as pontas dos meus dedos.

Não deixei que se afastasse quando ele subiu o degrau aonde eu estava e voltou a ficar mais alto que eu, mesmo que tivesse que me esticar para não deixar que um centímetro interrompesse nosso beijo. Ele enrolou os braços em volta da minha cintura, me puxando para ele com o abraço mais forte que já tinha recebido. Praticamente me levantava, enquanto eu abraçava seu pescoço e o puxava para mim, como se fosse possível que nós ficássemos ainda mais perto. Sentia em meu peito que, a cada segundo de beijo, menos ar eu tinha. E de menos ar eu precisava.

Quando ele finalmente se afastou um pouco de mim, eu o segurei pela nuca, mantendo seu rosto a alguns centímetros do meu e me deixando sentir sua respiração levemente ofegante na minha pele.

Me inclinei mais um pouco para ele, forçando ficar ainda mais na ponta do pé, só para poder sentir sua bochecha com a minha, enquanto buscava de volta o caminho para sua boca. Ele não relutou, pelo contrário, me abraçou ainda mais forte, praticamente me levantando no ar, voltando a me beijar.

Da próxima vez que nos afastamos, eu que tinha decidido que queria olhar para ele. E tinha outra coisa que eu queria.

"Johann," chamei, fazendo-o abrir os olhos e me mirar de volta. "Não quer me acompanhar até meu quarto?"

Ele sorriu, voltando a fechar os olhos por mais alguns segundos. Depois os abriu e me beijou, dessa vez rápido e ainda mais intenso. Eu já voltava a enrolar meus braços no seu pescoço com ainda mais vontade, aceitando aquilo como um sim. Mas ele acabou se afastando logo, se inclinando para trás e me impedindo de conseguir alcançá-lo.

"Não tem pressa," ele disse, seu sorriso largo ainda no lugar.

Era um não. Ele não queria ir comigo até meu quarto.

Respirei fundo, voltando a mirar o chão e deixar minhas mãos escorregarem do seu pescoço.

Minha ideia era até dar um passo atrás, mas ele as percebeu e as segurou com as suas, me mantendo apoiada em seu peito.

"Audrey?" Chamou, e eu até olhei de volta nos seus olhos, apesar de relutante. "Quer ir em uma degustação de vinho comigo amanhã?"

Foi minha vez de sorrir. Estava começando a achar que eu tinha imaginado tudo aquilo, que ele já não queria mais me ver na sua frente. Mas, com uma só pergunta, ele já tinha voltado a me fazer sentir como a garota mais bonita do mundo.

"Quero," falei, apesar de todas as outras coisas que apareciam na minha cabeça.

Porque eu queria, de verdade. Mesmo sabendo que ia embora dali em alguns dias, mesmo tendo a sensação de que não importava o que acontecesse entre nós, acabaria bem aonde tinha começado. Era mesmo um sonho, por mais real que fosse. Eu estava ciente demais daquilo para negar que acabaria. Mas suficientemente intoxicada pelo jeito dele para aceitar tudo de bom que teria enquanto isso. E eu queria, sim, continuar sonhando enquanto pudesse.

Ele se inclinou de volta para mim, mas dessa vez beijou minha bochecha. "Boa noite, Audrey," disse, quando se afastou.

"Boa noite, Johann," respondi, sentindo suas mãos me deixarem e o frio da noite tomar conta de cada centímetro meu aonde ele tinha estado logo antes.

Ele deu alguns passos para longe de costas, mantendo seus olhos nos meus. Mas depois se virou e continuou seu caminho pela rua deserta. Eu o observei no começo, praticamente abraçando o batente da porta do hotel. E mesmo depois, quando resolvi ir de vez para o meu quarto, ainda andava como se pisasse em nuvens. Não me deixava sorrir direito, reprimia sempre à vontade, transformando cada tentativa de sorriso em torção do nariz, mas o frio na minha barriga era inegável.

Estava para colocar a chave na porta, quando senti meu celular vibrar dentro da bolsa. Podia jurar que era Esteban, ou Kendra, ansiosa demais para saber do encontro para me esperar ligar para ela.

Mas não. Era uma mensagem de Johann.

Parei aonde estava e nem tentei mais me impedir de rir quando a abri e li.

"Tem algum problema em andar de moto?"


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rua do Castelo d'Água" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.