Rua do Castelo d'Água escrita por Laura Machado


Capítulo 2
Capítulo 2: Place Michel Debré




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/652394/chapter/2

A mulher colocou minha xícara de café do lado do prato cheio de macarons que eu tinha acabado de comprar e eu lhe fiz um aceno com a cabeça para agradecê-la. Meu francês estava longe de ser bom e, depois de ter passado por alguns momentos desconfortáveis nos últimos dias, eu achava melhor não arriscar começar assunto com ninguém. Não que um 'Obrigada' fosse uma porta para a mulher se sentar na minha frente e me contar de toda a sua vida, esperando conselhos espertos de uma americana estranha. Mas eu já tinha percebido que parecer receptiva demais fazia as pessoas pensarem que podiam me pedir referências e fazer piadinhas para as quais eu só conseguia fingir rir. E aquilo não estava me ajudando em nada.

O povo era amigável, até demais, pelo que eu conhecia de franceses. E aquela cidade era pequena, o que devia lhes conceder a impressão de que eram amigos de todos, que poderiam conhecer a todos. Até os vendedores das lojas mais comuns faziam questão de sorrir para mim quando eu só queria que eles pegassem meu dinheiro o mais rápido possível. E ainda faziam comentários sobre o que eu estava comprando. Eu queria ouvi-los me dizendo que comer muito macarrão pronto não era saudável? Não, definitivamente não precisava daquilo. E tenho certeza de que era o que o cara tinha me falado no supermercado na noite anterior!

Mas eu precisava admitir que a cidade era bonita. Era realmente muito pequena, pude fazer o caminho todo a pé da estação até o hotel, que eu tinha conseguido reservar durante a viagem de trem de Paris até lá. E nem me cansei muito. Mas o que lhe faltava de tamanho, sobrava de beleza. Aquele cara do avião, quem quer que ele fosse, sabia do que estava falando. Assim que eu cheguei perto da ponte principal, já podia avistar o castelo. Até parei de andar, me dando um tempo para contemplá-la.

Parecia quase de mentira, de tão incrível que era. E nem estava levando em conta o sol calmo de primavera que refletia com o movimento que a brisa fresca produzia nas águas do rio Loire. Nem estava me preocupando com o céu azul claro sem uma única nuvem que servia de fundo para tudo aquilo. Não. Meus olhos só conseguiam ver o castelo e cada casinha de paredes brancas e telhado cinza que formavam a vista. Cada passo que eu dei na ponte que atravessa o rio e me deixava praticamente de frente ao castelo foi lento. E andar em câmera lenta foi a única coisa que conseguiu me fazer não tropeçar ou acidentalmente me jogar na frente de um carro que passava.

Meu hotel não ficava longe. Fui andando pelas casas quase medievais com um sorriso enorme no rosto. Era daquilo que eu precisava. De um lugar maravilhoso, um lugar incrível, um lugar diferente de tudo que eu conhecia. E estava pronta para escrever. Só precisaria chegar ao meu hotel e me sentar na frente do computador.

Então me explique porque, quatro dias depois, tudo que eu tinha conseguido fazer era começar o mesmo capítulo milhares de vezes e apagá-lo inteiro depois de cada uma? Era uma cidade linda, já estava até cansada de repetir aquilo para mim mesma, ainda mais só na minha cabeça. Mas não estava me ajudando em nada. Não era como se eu pudesse fazer a minha personagem, Marianne, ir para a França, encontrar vampiros na última morada de Leonardo da Vinci. Eu devia ter pedido para a atendente no aeroporto uma passagem para a Romênia.

Era uma segunda-feira, o que significava que a maioria dos restaurantes estava fechada. Pois é, restaurantes fechados durante o horário de almoço de um dia de semana! Como eles esperavam que eu sobrevivesse? Não queria ter que cozinhar e nem usar o micro-ondas de novo do hotel. Não tinha tempo para isso e nem queria voltar tanto àquele supermercado. O atendente já estava de marcação comigo, regulando minha alimentação. E eu já estava morrendo de saudades daquela liberdade que tinha em Nova York, de poder simplesmente entrar no Google quando tivesse fome e encontrar um restaurante que entregasse, mesmo que às duas da manhã. Quão ridículo era aquilo? Eu tinha viajado para uma cidade aonde eu não conseguia comida indo ao restaurante nem ao meio-dia!

Bati minha caneta mais algumas vezes no meu bloquinho. Era por isso que eu estava ali, naquele café, me empanturrando de macarons. Não era nada mal, café era meu melhor amigo e macarons já tinham se tornado meu novo vício. E eu estava ali fazia algumas horas. Já era minha terceira xícara e já tinha escrito o nome de Marianne várias vezes no bloquinho. Já a tinha desenhado, de chapéu, de vestido, com o arco e flecha dela. Já até tinha acrescentado um bigode em um dos desenhos, escrevendo 'J'aime la France' em um balãozinho.

Mas esse tinha sido o máximo de palavras que eu tinha escrito. Sentada naquela cadeira de metal levemente desconfortável, eu tinha uma vista muito bonita. Era uma rua antiga, por onde não passava carro. Vários cafés e padarias tinham suas mesas para fora. E, bem no meio, havia uma torre que combinava perfeitamente com o resto da cidade. Paredes brancas, telhados pontudos e detalhes em cinza. A diferença era que as casas costumavam complementar com chaminés de tijolos vermelhos. E eu quase queria abrir os braços e dar de ombros para a torre, como se ela fosse viva. De que adiantava ser tão bonita? De que adiantava eu estar ali? Ela não me diria o que escrever! E eu simplesmente não conseguia pensar em uma única palavra que funcionasse.

A pior parte era que eu sabia que isso acabaria acontecendo. Quando meu livro tinha sido escolhido para publicar, três anos atrás, no começo de tudo, eu sabia que tinha uma ideia boa. Mas ainda não tinha tido a chance de desenvolvê-la. E, conforme ia deixando que ela tomasse seu rumo sozinha, podia jurar que ia acabar chegando em um impasse. Sempre tive essa impressão, mas a ignorei todas as vezes que começava a pensar naquilo.

Só para ela acabar tomando conta da minha vida. E eu não tinha escolha. Não, porque a minha história não estava acabada. E eu não correria com o final só para escrever. Precisava ser bom! Eu devia isso à Marianne! Eu devia isso aos meus leitores, que tinham me acompanhado desde o começo! Que ficavam em casa, torcendo para o próximo livro ser lançado logo. Eu precisava terminar aquela história com chave de ouro. Precisava fazer cada palavra ter valido a pena para eles.

E, para isso, eu só precisava escrever o final, pensei comigo mesma, me aproximando do bloquinho com a caneta em punho. Escreve alguma coisa, Audrey. Qualquer coi-

Meu celular começou a tocar do nada, me fazendo sentar direita outra vez. Ele era uma das mil coisas que eu tinha deixado em cima da mesa e, assim que vi que era Kendra que me ligava, corri para atender.

"Kendra, ótima hora para me ligar!" Falei, levando-o ao ouvido.

Ela riu do outro lado. "Te salvei de algum encontro terrível?" Perguntou, fazendo referência a todas as vezes que eu marcava com ela de me ligar quando saía com um cara novo, só para eu poder ter uma desculpa para ir embora se precisasse.

Em minha defesa, eu faria o mesmo por ela, se ela já não fosse casada quando nos conhecemos.

"Não, nada desse tipo," respondi. "Mas é tão, tão bom poder falar com alguém que fala minha língua!"

Ela riu outra vez. "Tendo problemas com os franceses? Escuta, Audrey. Desculpa não ter retornado sua ligação antes. Sabe como é, eu estava com Tony na casa dos pais dele e com toda a situação da irmã dele, ficou difícil de parar para pensar!"

"Eu entendo," falei, querendo sair daquele assunto o mais rápido possível.

Kendra já tinha me explicado a situação da irmã do seu marido, Tony, milhares de vezes. Mas, por mais que eu tentasse muito, não conseguiria me lembrar do que se tratava!

"Mas, e aí? Você está gostando da cidade?"

Suspirei fundo, olhando à minha volta. "Acho impossível alguém vir para cá e não gostar. A cidade é muito bonita," admiti.

"Mas?" Ela me conhecia bem.

Eu bufei uma risada. "Mas é tão pequena, Kendra! É minúscula! Acredita que tive que vasculhar para conseguir encontrar um ponto de ônibus? Só para depois descobrir que o único ônibus que passa ali leva para outras cidades!"

"Você tem que fazer tudo a pé?" Ela perguntou e eu murmurei que sim. "Ah, veja pelo lado bom! Você vai voltar no verão toda torneada!" Eu quis rir, mas aquilo nem me importava. "Conseguiu escrever pelo menos?"

Apoiei com o cotovelo na mesa e esfreguei a testa. "Adivinha," falei.

Ela suspirou do outro lado. "Nada ainda, Audrey?" Ela parecia quase mais desanimada do que eu. "Sabe, eu estava lendo um negócio na internet esses dias," ótimo, pensei. Outra teoria inovadora dela que não duraria dois dias. "Se você está com um bloqueio, precisa escrever sobre outras coisas."

"Tipo o quê?"

"Bom, você disse que a cidade é linda, não? Por que não tira algumas fotos por aí e escreve um pouco sobre cada uma? Você ainda tem a Polaroid, não?"

"A que o Esteban me deu?" Bufei uma risada sem humor.

"Eu sei que ele é um canalha e que você está melhor sem ele," ela continuou. "Mas não tem porque desprezar presentes bons! A culpa dele ter te traído não é da pobre da câmera! Vai dizer que você não a levou?"

"Não, ela está aqui, do meu lado," a olhei, apoiada confortavelmente dentro da minha bolsa na outra cadeira daquela mesa.

"Então! Tira algumas fotos aí e escreve atrás delas! Por que você não faz como sua personagem? Escreve como se fosse ela!" Kendra estava tão animada do outro lado da linha, que eu já podia imaginá-la abrindo os braços e com olhos brilhando, enquanto eu estava afundando minha cabeça cada vez mais, quase a ponto de deitá-la na mesa.

"Até que não é uma má ideia," falei, apesar de já ter a impressão de que não ia funcionar. Se estar naquela cidade não estava ajudando, por que tirar fotos seria melhor?

"Escuta, eu preciso ir agora, tenho um almoço com os sócios. Mas a gente se fala mais tarde?"

"Pode deixar."

"E aproveita para conhecer algum francês incrível aí!"

Eu ri. "An-hãm, claro. Beijo, Kendra."

"Beijo, amo você! Se cuida! E toma champanhe por mim!"

Depois de esvaziar minha terceira xícara e comprar mais alguns macarons para levar para o hotel, eu deixei o café para trás. Comecei meu caminho em direção à torre, passando por baixo dela e acabando do outro lado, na rua principal da cidade. Além de uma chocolateria famosa que ficava na esquina, ali era aonde todos os restaurantes se encontravam. Estava estranhamente vazia hoje, só uma sorveteria ainda tinha suas mesas para fora. E, do outro lado, estavam as costas do castelo.

Dali, tudo que eu vi era o muro, mas, se olhasse para cima, podia avistar a pequena capela aonde Leonardo da Vinci estava enterrado. Eu sabia disso, pois já tinha visitado o castelo duas vezes desde que tinha chegado. Mesmo assim, não conseguia pensar em mais lugar algum para tirar fotos que não me fizesse ter que andar muito.

E, honestamente, eu só estava levando aquilo adiante por duas razões. Primeiro, porque eu não tinha muito o que perder. Não era como se eu fosse aumentar meu bloqueio levando a sério a ideia de Kendra. E segundo, porque eu sabia que ela ficaria no meu pé se eu, pelo menos, não tentasse. Precisaria ter pelo menos algumas boas dez fotos escritas em cada centímetro que dava para que ela nunca mais usasse aquilo contra mim. Senão, da próxima vez que eu reclamasse com ela que não conseguia escrever mais um capítulo, ela ficaria repetindo que era porque eu não queria, que, se quisesse, tinha aceitado sua sugestão.

Subi a rampa até a entrada do castelo quase arrastando os pés. Minha bolsa estava pesada, pendurava no meu ombro direito. Mas tinha algumas coisas que eu não confiaria deixar no hotel. Tentava nem pensar em reclamar, já que eu mesma tinha decidido aceitar o peso, mas era difícil quando começava a me machucar.

Paguei outra entrada, evitando os olhares estranhos do cara que me vendeu. Ele já devia estar percebendo que eu ia sempre ali e que nunca parecia muito animada. Mesmo assim, me sorriu e entregou um folheto sobre o castelo. Guia da visita, era o que estava escrito, logo abaixo de uma flor de lis francesa e o nome do castelo. Nada muito original, só castelo real de Amboise.

Eu já tinha dois daquele sendo colecionados em casa. Um em inglês e outro em francês, da primeira vez, quando o cara ainda não sabia que eu mal conseguia pedir um café na sua língua. Mesmo assim, eu o abri, como se nunca o tivesse visto antes. Eu seguia logo atrás de um grupo de turistas que já tinha visto pela cidade. Eram pessoas mais velhas, mas pareciam bem mais familiar ao conceito de férias do que eu. E também pareciam ter bem mais dinheiro.

Eu fui andando atrás deles, passando os olhos pelo folheto. Era entranho ficar vendo as fotos do castelo ali, quando ele estava bem na minha frente. O grupo de turistas continuou o caminho lógico de ir visitar a capela para ver o túmulo de Leonardo da Vinci, mas eu parei no meio, olhando para a construção na minha frente.

O castelo era em formato de L e não muito grande. Segundo um desenho que estava em algum lugar dentro dele, ele costumava ser bem maior. A capela já tinha feito parte, como só um detalhe um pouco mais alto, levemente mais pontudo que o resto. Mas agora estava a alguns bons metros de distância, quase como uma casinha no final do quintal.

Fui andando até ele, respirando fundo. Não era como se aquilo me entediasse. Ainda era um castelo na minha frente, o tipo de coisa que eu nunca conseguiria encontrar nos Estados Unidos. Não que Nova York deixasse a desejar em questão de história, mas só aquele castelo e aquela cidade tinham sido construídos séculos antes que descobrissem a América. E aquilo não era de se jogar fora.

Mas ainda não me ajudava em nada. Não tinha nada a ver com a minha história e eu estava começando a considerar simplesmente voltar para casa. Ou até tentar outro lugar, se meu cartão de crédito não tiver estourado completamente.

Antes que desistisse de vez, peguei a câmera que Esteban tinha me dado da minha bolsa. Minha intenção era só mirá-la na direção do castelo e tirar a primeira foto. Mas foi impossível não notar o descascado na base dela, o que me levou direto ao dia em que ele me deu. Nós tínhamos finalmente tirado férias e viajado para Los Angeles para comemorar meu aniversário. E ele tinha esperado nós escalarmos até o letreiro de Hollywood para me dar meu presente. Mal tinha a tirado da caixa e eu já derrubava a máquina, que saiu rolando morro abaixo. Esteban só riu, depois segurou meu rosto com as duas mãos e disse que não seria minha se não tivesse algum defeito. E que aquela era uma das razões para ele amar.

Eu bem que poderia simplesmente tirar as fotos com meu celular. Bem menos memórias ali. Mas não conseguiria imprimi-las naquela cidade e já tinha decidido que as mandaria para Kendra pelo correio, como uma prova de que meu bloqueio era maior do que qualquer coisa que ela tivesse lido na internet.

Sem contar que, por menos que eu quisesse admitir, eu era apaixonada por aquela câmera. Pelas fotos com luz estranha e o efeito tosco que ficava. Achava ótimo viver em um ano em que nós não tínhamos que lidar só com câmeras daquela (falta de) qualidade. Mas também gostava de me dar ao luxo de escolher alguns momentos para usá-la.

Nem entrei no castelo. Segurando-a com as duas mãos, eu dei a volta nele, passando por um caminho rápido de paredes feitas de arbustos ali mesmo no jardim e cheguei a um dos canteiros de que eles mais tinham orgulho. Era feito de arbustos redondos, como bolas, e não tinha nem uma flor. Mas combinava estranhamente com o resto da paisagem.

O castelo já estava longe, mas eu me escondi atrás de uma árvore para ficar ainda mais difícil de vê-lo. Não queria que minha foto saísse como se fosse de qualquer um. E então eu a tirei, balançando-a no ar para secar depois.

Estava com meus olhos ainda vidrados nela, quando alguém pigarreou do meu lado.

"Excusez," um cara moreno olhava para mim, suas mãos nas costas. "Je n'avais pas-"

"Deixe-me pará-lo bem aí," falei, na minha própria língua. "Não sei se você consegue me entender, mas eu definitivamente não entendo você."

Para a minha surpresa, ele abriu um sorriso. "Eu consigo te entender," disse. "Americana?"

"Se eu falar que sim, irá me odiar?" Perguntei. Ele franziu as sobrancelhas, sem entender. "Dizem que franceses odeiam americanos."

Ele sorriu outra vez, concordando com a cabeça. "Por sorte, eu não sou francês."

Aquela conversa podia acabar ali para mim. Ainda não tinha ideia do que ele queria indo falar comigo e não era das melhores pessoas conversando com estranhos. Mas ele era bonito, bem bonito, com o maxilar quadrado e olhos azuis. Qualquer que fosse sua intenção, não me importaria de passar alguns minutos olhando para ele para depois sair correndo para contar para Kendra.

"Você é de onde?" Perguntei.

"Hamburg."

"Alemanha?" Mordi meu lábio, esperando não ter errado. Mas ele concordou com a cabeça. "O que um alemão faz no meio do nada na França?"

"Cozinho," ele disse, divertido. "Mas eu vim mesmo aqui para saber de você. Já te vi pela cidade, você não parece só mais uma turista."

Bufei uma risada. "Não vim aqui exatamente para ser turista. Apesar de que devo ir embora logo também."

"Vai ficar mais quanto tempo?

"Se eu não der a louca," respirei fundo. "E se tudo começar a dar certo, mais umas duas semanas."

Seu sorriso pareceu crescer, se é que era possível. Ele não desviava o olhar de mim por nem um segundo, apesar de eu já ter praticamente analisado todo o terreno ali, enquanto tentava não ficar encabulada demais com a sua atenção.

"Saia comigo."

"Como é?" Voltei meus olhos para ele.

"Gostaria que saísse comigo."

"Como um encontro?"

"Exatamente como um encontro," ele deu um mínimo passo para mais perto de mim, me obrigando a levantar bem o rosto para o olhar.

Tinha a leve impressão de que ele já tivesse certeza que eu aceitaria. Era impossível olhá-lo sem dar essa impressão, ele realmente era bonito demais. E sorria como se não tivesse um único milímetro de insegurança em seu corpo todo, o que era muito atraente.

Mas eu ainda precisava ser realista.

"Eu nem sei seu nome," falei, ameaçando fazê-lo perder seu sorriso.

Mas ele resistiu, o entortando de lado. "Johann Braun," disse, me oferecendo sua mão.

"Audrey Scott," eu a aceitei e apertei, apesar de ainda apreensiva.

"Eu gostaria muito que você saísse comigo, Audrey Scott. E que me desse a chance de te conhecer."

Eu balancei a cabeça. "Você parece muito legal, Johann. Na verdade, parece perfeito," assim que eu falei isso, ele levantou uma sobrancelha, só ficando ainda mais bonito. "Mas estaria perdendo seu tempo. Eu sou uma péssima companhia normalmente, ainda mais agora."

"O que está acontecendo agora?"

Eu esfreguei minha testa. Aquilo era estranho. Era muito estranho ele simplesmente ter me abordado daquele jeito, ter me visto pela cidade antes, estar ali, falando aquilo para mim!

Mas acabei dando de ombros.

"Eu só estou aqui para conseguir escrever o final do meu livro. É, eu sou escritora. E estou com um terrível caso de bloqueio criativo. Não sou bem humorada normalmente, mas agora eu estou praticamente à beira de cometer um assassinato e beber o sangue, se isso for me ajudar a escrever." Ele arregalou os olhos, assustado. "Meu livro é sobre uma caçadora de vampiros!" Corri para explicar. Mesmo que não tivesse esperado aquela abordagem de nenhum cara, ainda mais um tão bonito quanto ele, não queria que ele saísse correndo, achando que eu era mesmo uma psicopata. "E eu estava exagerando, não precisa ir na polícia."

"Não irei," me garantiu, parecendo aliviado. "Mas devo admitir que você só me deu mais vontade de te conhecer melhor."

"Eu disse, não sou boa-"

"Eu entendi," ele deu outro passo na minha direção, praticamente me encurralando, apesar de não ter nada atrás de mim. "Mas se o seu problema é um bloqueio, posso te oferecer um acordo."

"Que tipo de acordo?"

"Te garanto que consigo desfazê-lo a tempo de você terminar seu livro," ele respondeu, me fazendo bufar, incrédula. "Antes que você vá embora, em duas semanas, seu bloqueio terá desaparecido."

Fiquei esperando que continuasse, mas ele só me mirou.

Revirei os olhos, apesar de que sorria. "Em troca de quê?"

"Oras!" Ele abriu os braços no ar. "Um encontro comigo. Ou melhor, vários. Até que vá embora, me dê a chance de poder te mostrar o que traz um alemão para esse fim de mundo na França. Mas pode parar quando quiser. Se em algum momento você não estiver confortável, ou simplesmente não quiser mais sair comigo, é sua escolha. Seu bloqueio, em compensação, continuará com você."

Eu balancei a cabeça outra vez. "Como posso saber que você não é um psicopata?"

Ele riu. "Quem devia estar preocupado com isso sou eu. Mas não, eu não sou um psicopata. E te garanto que não vai se arrepender."

"Você é bem convencido para alguém que nem sabe quem eu sou."

Ele deu com um ombro só. "Talvez," falou. "Mas eu quero mesmo te conhecer. E sei que posso te ajudar."

Desviei o olhar, pensando naquilo. Por um lado, eu realmente queria também conhecê-lo. Ele sabia que eu ia embora em duas semanas. Alguns dias de uma distração como aquela seria incrível e eu estava mais do que precisando daquilo.

Mas e se eu me distraísse demais? E se acabasse me esquecendo do meu prazo e não escrevesse nada?

"Você garante que vai acabar com meu bloqueio?" Perguntei.

"Irei exterminá-lo," ele prometeu, com ar já triunfantes. Eu torci o nariz, tentando não rir demais, com nosso olhar se encontrando. "Isso é um sim?"

Dei de ombros. "É um sim," falei, lhe oferecendo minha mão para apertar. "Mas eu vou cobrar sua promessa."

"Eu não esperaria nada menos," ele disse, a aceitando e apertando.

Depois de trocarmos nossos números e eu falar em qual hotel estava ficando, o deixei para trás. Só tinha uma única foto, que já devia estar amassada dentro da minha bolsa, mas sabia que Kendra não ia se importar. Pelo contrário, já podia vê-la dando pulos de alegria quando eu dissesse que estava com um encontro marcado com um alemão. Ela ficaria muito feliz de saber que eu tinha aceitado não uma, mas duas de suas sugestões.

Quando cheguei na frente do hotel, parei, peguei minha Polaroid e a mirei na direção da minha janela, tirando uma foto. E então continuei meu caminho até a porta, que só era depois do restaurante e do bar do hotel, o que tinha me confundido bem no dia em que eu tinha chegado.

Estava subindo os poucos degraus da entrada quando senti meu celular vibrar. A primeira pessoa que veio à minha cabeça era o próprio Johann, já querendo marcar o encontro. Mas depois me mandei parar de ser louca. Ele não teria me ligado logo depois de eu ter me despedido dele. Devia mesmo era ser Kendra! E até peguei o celular mais rápido, ansiosa por explicar para ela tudo que tinha acontecido.

Mas quando finalmente o tinha à mão e vi o identificador de chamadas, parei aonde estava, bloqueando o caminho dos outros hóspedes para a escada.

Era Esteban.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rua do Castelo d'Água" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.