Pan-demonio escrita por GreeneMoon


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas saiu!

Gente, desculpem pelo atraso, mas é que agora estou trabalhando novamente e estou sem tempo nenhum para a escrita. Mas, não pensem que vou abandonar a fic, porque isso não me passou pela cabeça. Sempre que eu puder vou estar atualizando aqui, e espero que vocês estejam pra acompanhar! :) Não me abandonem!

Vou esperar a poeira abaixar para poder determinar os dias exatos para as postagens que virão, e quando isso tiver organizadinho deixarei postado o cronograma no grupo e também aqui!



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Wendy Darling

"Porque dizem que o lar é onde o coração se grava em pedra
É aonde você vai quando está sozinho
É aonde você vai para descansar seus ossos
Não é só onde você encosta sua cabeça
Não é só onde você faz a sua cama
Contanto que estejamos juntos, importa aonde vamos?"
[Gabrielle Aplin - Home]

Ela estava andando em uma corda bamba desde o dia em que saiu ilesa do seu julgamento mau sucedido. Não havia estabilidade em sua situação: em um momento estava trancada na segurança de sua cela, ponderando sobre a vida que tinha deixado para trás, e em outra, estava sendo obrigada a quebrar pedras em quatro partes para a construção de novas masmorras.

Sua rotina não era como a dos outros prisioneiros. Ela não tinha horas certas para comer, não tinha pão e água todos os dias, nem saía para trabalhar no campo junto a eles. Ao contrário disso, Wendy sempre era submetida a uma humilhação diferente, como limpar as pegadas dos nobres¹ enquanto os mesmos faziam questão de andar por todos os lados, limpar os banheiros dos cem quartos que existia no castelo negro, arrumar a cama de Sininho sabendo que quem havia a bagunçado fora Peter, e observar os jantares reais sem poder olhar na direção do homem que amava e controlar o seu estômago que insistia em roncar tão alto que todos podiam ouvir.

Era um castigo infernal que, por muitas vezes, a fez pensar em desistir, mas que, ainda assim, não conseguia ser suficientemente forte para fazê-la levar aquele pensamento adiante. Para o completo desespero e agonia de Peter, em seu interior, ela mantinha sua força flamejando como uma chama sendo abastecida por mais lenha. Uma lenha cortada de árvores que floresciam os frutos da raiva que Wendy Darling sentia de seus carcereiros, de Sininho e da situação em que se encontrava refém. Era por isso que todos os dias que Deus lhe dava, ela usava para tirar do sério todas as criaturas que apareciam em um raio de dez metros em sua visão periférica.

O resultado daquilo era o olho roxo que era obrigada a exibir por todos os cantos.

Não que estivesse arrependida da atitude que lhe deu aquele presente, mas, convenhamos, nenhuma mulher se sente bem depois de levar um soco muito bem dado e com alguma força extra em seu rosto. Ainda assim, por cima de todo o seu orgulho ferido, Wendy carregava uma medalha de ouro juntamente com uma estrela dourada pregada na testa por seus méritos conquistados pelos mais necessitados.

O sorriso malicioso que nasceu em seus lábios quando viu a gárgula em questão passar ao seu lado com o mesmo chicote que ela havia tomado das mãos dele e o surrado, foi impossível de controlar. A equação nos campos de trabalho era simples para a dra. Darling: ela ficava na dela, até o momento em que se irritava com os abusos frequentes contra os mais fracos, e então explodia, atirando-se em cima do primeiro soldadinho de chumbo de Peter. A somatória de tudo aquilo era fácil de ser imaginada.

– Parou de trabalhar por que, Darling?! – gritou a gárgula em sua direção. Wendy nunca soube o nome dele e também nunca fizera questão, tudo que queria saber era como ele se achava no direito de lhe chamar pelo seu sobrenome.

– Me assustei com a sua cara feia. – respondeu de bate-pronto. Sempre eram essas as respostas que levavam Wendy novamente para a sua cela e a deixavam sem comida e sem água por dois dias inteiros, mas, mesmo assim, ela não se dava o trabalho de controlar sua língua afiada.

– Você não cansa, não é mesmo, garota?! – o chicote que jazia imóvel nas mãos da gárgula rugiu em vida. Ele o balançou de um lado para o outro, ganhando força a cada movimento e então, de uma só vez, acertou fortemente a carne do braço esquerdo de Wendy, abrindo imediatamente uma ferida. O grito de dor da doutora pode ser ouvido em todos os cantos do castelo, fazendo com que todos os prisioneiros parassem de fazer o seu trabalho para observar mais um ato corajoso da famosa – e fugitiva – senhora Pan.

A mulher, no entanto, estava mais concentrada na dor lancinante que sentia do que se preocupar com os possíveis castigos futuros daquelas pobres almas.

Segurou o braço com força, sentindo a quentura do seu sangue escorrer por entre seus dedos. Sua cabeça rodava com a tontura causada pelos dias sem comida decente, sem água potável e maus tratos, deixando-a fraca como há muito tempo não se sentia. Tudo que desejava naquele momento era seu frasco de comprimidos de ferro, mas nem mesmo ele poderia ter. Ultimamente, ela não estava tendo nada que desejava. Respirou fundo, controlando sua fraqueza e soltou uma risada baixa. Poderia estar no fundo do poço, mas ninguém precisaria saber daquilo. Ela não tinha a fama de ser uma pessoa que aceitava perder tão facilmente.

– Isso é tudo que consegue fazer? – sua voz estava fraca. Não gostou do timbre, porém era tudo que tinha. Gostou do fato de que, mesmo fraco, ele ainda tinha o poder de desestabilizar qualquer marionete de Peter, inclusive o próprio. – Será que devo notificar ao seu rei o quanto ele falhou em escolher seus soldados? Eu acho que ele gostaria de saber. O que você acha?

– Eu acho que vou te matar na primeira oportunidade que tiver. – a ameaça era implícita no tom de voz da criatura. Wendy não desacreditou de nenhuma das palavras cuspidas em sua direção. Sabia em seu interior que eram todas verdadeiras e ameaçavam ser cumpridas a qualquer momento. Bastava um deslize seu, ou de seus filhos, e estaria à mercê de todas as criaturas que tinha irritado durante sua modesta estadia nos aposentos das masmorras.

– Pare de me ameaçar. – bufou em desafio. Não era um bom caminho. – Sabemos que posso te dar uma surra mesmo com um braço a menos.

E poderia. Se não estivesse fraca demais para isso. Então cale essa boca Wendy!, Seu lado racional gritava repetidas vezes em sua mente. E deixar que ele leve a melhor? Nunca!, Gritou de volta para a vozinha que teimava em se fazer presente em todos os momentos em que não era chamada. Se aquela discussão era um fruto de sua imaginação, não saberia dizer. E também não estava nem um pouco preocupada com sua sanidade. Desde quando pulou de sua janela acreditando que poderia voar depois de um garoto bobo ter jogado um pó brilhante como purpurina dourada em sua cabeça, tinha deixado de se preocupar com qualquer coisa relacionada à normalidade de suas decisões.

Ela era completamente impulsiva e sem controle.

E era por isso que estava sendo – novamente – arrastada para sua cela, recebendo a sentença de ficar sem água e sem comida por três dias. Aquilo não seria bom. Ela previa as novas crises de histeria que seu sistema imunológico teria. Seria um horror.

Quando foi jogada para dentro do cubículo sujo e úmido, deixou que seu corpo procurasse apoio na parede mais próxima e suas pernas cedessem com seu peso morto. Seu braço latejava e seu olho roxo lacrimejava como se apenas um lado seu estivesse desistido de lutar contra a tristeza e se permitisse chorar. Talvez fosse aquilo, mas Wendy gostava de pensar que nada tinha a ver o seu lacrimejar com sua depressão reprimida. Não tinha tempo para aquilo, apesar de precisar tê-lo em algum momento. Todo mundo precisa de um tempo para digerir situações ruins. Ainda mais quando te golpeiam uma atrás da outra.

Respirou fundo, tentando afastar a fome e a sede. Ambas se tornavam absurdamente insuportáveis quando seu corpo estava em completo repouso. Um repouso necessário, porém perturbador. Não sabia o que doía mais: seus ossos moídos ou seu estômago irado. Provavelmente as duas coisas tinham a mesma força e era ela que não conseguia distinguir aquilo.

A verdade era que ela não conseguia mais distinguir nada em sua vida. Se bobeasse, não saberia mais quem era daqui alguns dias.

Era aquele o plano de Peter, não era?! Fazê-la esquecer de quem era e o quanto podia ser capaz de fazer, para que então, virasse pó.

Das cinzas para as cinzas, pensou. Do pó ao pó, findou, adormecendo logo em seguida.

»✤«

Quando acordou, suas roupas estavam ensopadas de sangue. Seu braço estava com um corte profundo e inflamado, fazendo com que toda a sua carne ardesse. Também sentia calafrios e espasmos chacoalhando todo o seu corpo. Um frio descomunal se alastrava pela sua cela, tremendo sua alma.

Checando rapidamente a sua mente, teve a certeza de que era a única parte de seu corpo que não fora violada e continuava intacta. Fechou os olhos novamente, sentindo sua cabeça latejar com suas engrenagens. Até pensar doía.

Permaneceu na mesma posição, listando todos os danos sofridos e chegando a uma conclusão rápida que só uma médica formada e sem vida social poderia ter em tão poucos minutos: estava com uma febre grave causada por uma infecção. Provavelmente morreria em poucas horas se não fosse bem cuidada. Já tinha problemas sérios de saúde, somados com uma infecção que ameaçava se tornar generalizada, era a somatória perfeita para a morte. Ela estaria saltitante.

Tentou respirar fundo, trazendo novamente à tona seus exercícios respiratórios, mas o ar parecia rarefeito. O que era um péssimo sinal. Ela estava em um caminho sem volta e não queria seguir por aquela estrada. Parecia perigosa demais naquele momento. Deveria ser pacifica, no entanto, nem mesmo a luz parecia querer iluminar os caminhos para Wendy. Nada estava sendo muito gentil com ela. O que lhe levava ao princípio de tudo: ela merecia aquilo.

Foi pensando naquele motivo pela milésima vez que a doutora Darling simplesmente deixou seu corpo imóvel e se entregou para a escuridão. Não gritaria, nem irritaria mais ninguém. Estar naquela situação não era uma bonificação. O castigo estava dado, e ela tinha que aguentar a barra sozinha. Não podia e nem queria depender de ninguém para segurar sua cruz.

Um movimento baixo e quase imperceptível chamou a atenção da loira, fazendo-a abrir os olhos. De onde estava, pode notar que seu corpo estava mergulhado na escuridão e que ninguém de fora poderia ver onde ela estava daquele ângulo. Usou aquilo a seu favor, ficando atenta ao que despertara sua curiosidade. Aguçou seus ouvidos e esperou pacientemente por outro movimento.

Logo em seguida, um farfalhar baixo lhe trouxe a certeza de que não estava só. Havia alguém lhe observando, e, ao considerar o modo como seus pelos eriçaram-se, ela poderia jurar que sabia de quem aquela alma pertencia.

– Sei que você está ai. – sussurrou fracamente. Não estava com o reservatório de palavras bem abastecido, portanto, se contentou com o que lhe sobrara.

Depois de um momento em duvida sobre ter falado com ele ou com apenas o vazio da noite, a figura de Peter deslizou para o espaço onde a iluminação fraca de um candelabro jazia. Mesmo depois de tudo e de seu corpo impossibilitado, Wendy sentiu seu coração bater mais forte com a visão dele a sua frente. Era tão lindo quanto se lembrava. Seus cabelos dourados caindo suavemente acima dos olhos azuis como pedaços das profundezas do oceano, sua boca rosada tão bem desenhada e seu rosto quadrado, de pele tão bem cuidada, nunca lhe deixariam em paz.

– Você parece fraca, Wendy, não anda se alimentando bem? – a ironia em sua voz era o ponto alto da noite da doutora Darling. Ele parecia estar se deliciando cruelmente com sua situação e isso lhe apertava o coração de uma forma enlouquecedora. Pensar em Peter se divertindo com sua dor era o suficiente para chutar sua sanidade para os ares.

– Engano seu, Peter. O serviço por aqui é cinco estrelas. – resolveu entrar no jogo dele. Se era para morrer naquele momento, que fosse enfrentando seu demônio de frente. Foi pensando assim que ela obrigou suas pernas doloridas a erguerem seu peso, ignorando o fato de toda a sua massa muscular parecer dez vezes mais pesada que o normal. Inspirou uma lufada de ar para controlar a tonteira que lhe assolava, depois de feito, caminhou para a luz como tinha feito seu amado.

Fora com a visão de Wendy pálida, machucada e ensanguentada que Peter Pan parou por um segundo no tempo, enquanto seu coração revirava-se dentro de sua caixa torácica. A indignação que ele sentia era tanta que uma fúria arrebatadora tomou conta de seu ser. A certeza de que ele era o culpado por todos os machucados que cobriam a pele de Wendy lhe assombrou como um fantasma de um antepassado.

– O que aconteceu com você? – perguntou, sem tirar os olhos do corpo da mulher. Ele fitava com loucura o grande corte profundo no braço esquerdo dela.

– Digamos que eu irritei algumas pessoas. Você sabe, eu sou boa nisso. – um pequeno sorriso brincou nos lábios da loira, trazendo Peter de volta para a realidade. Um tremor em seus lábios lhe avisou de que ele queria sorrir daquela frase idiota. Mas, não o faria. Ele não sorria daquela forma há muito tempo, nem ao menos sabia como voltar a fazê-lo.

– Sim, você é. – respondeu a ela, esperando que sua voz permanecesse impassível. Mas, sabia que nada dentro dele continuaria em seu estado neutro diante daquela mulher. Ela tinha a capacidade de desestabilizar todos os seus sentimentos e desregular as funcionalidades do seu sistema nervoso. Peter tornava-se impulsivo e puramente instintivo quando Wendy estava por perto.

Um silêncio profundo caiu sobre as duas figuras paradas frente a frente. Ambas analisavam o peso dos fatos, procurando respostas no olhar um do outro, mas sem sucesso. Todas as soluções para seus problemas pareciam confusas demais naquela pequena troca muda. Nenhum dos dois era conhecido por sua transparência, apesar do passado em conjunto dizer ao contrário. Naquela situação, onde uma grade de ferro maciço dividia as duas realidades, o passado, juntamente com os momentos bons vividos juntos, parecia muito longe de suas mãos.

No entanto, apesar de toda a turbulência que acontecia dentro de suas mentes, eles ainda conseguiam sentir em seus corações o quanto o amor se fazia presente. Era possível que duas pessoas pudessem se amar tanto e ao mesmo tempo se odiarem na mesma proporção? Como poderiam conviver com aquilo quando a disputa pela razão havia ultrapassado os limites das brincadeiras de criança? O que se fazia quando se tornavam adultos e precisam lidar com suas inseguranças, medos e dúvidas? O que se fazia com um mar inteiro de assuntos não resolvidos e o desejo avassalador que movia as ondas daquela grande poça profunda de água salgada até que elas estivessem suficientemente fortes para afogar alguém?

O que se fazia com todas as perguntas não ditas e as repostas nada simbólicas?

A resposta era simples: não se fazia nada, se nenhum dos dois tomasse uma atitude. Foi por isso que Wendy Darling irrompeu o silêncio com toda a coragem que tinha em seu interior:

– O que faz aqui, Peter? – seus olhos azuis fixaram-se nos olhos azuis à frente. Peter a olhava com tanta intensidade que Wendy pensou que ele estivesse analisando sua alma, invés do seu corpo.

Não respondeu de imediato, apenas ficou ali a encarando, analisando-a como se estivessem em um reconhecimento de criminosos na delegacia. Só depois de um bom tempo, sua boca fez menção de abrir-se novamente com a resposta que a mulher tanto desejava:

– Eu realmente não sei. – finalmente falou. – Apenas estava caminhando, pensando em como toda essa merda está fora do lugar desde quando você chegou e então, quando dei por mim, estava aqui olhando para sua cela. – a confissão parecia tão sincera que Wendy sentiu um aperto em seu coração. As lágrimas ameaçaram chegar, mas ela as conteve mais um pouco. Não podia desmoronar agora que Peter se deu o trabalho de vir vê-la, de conversar com ela. Juntou tudo que lhe restava de sanidade e força, e forçou seus ouvidos a continuarem atentos a tudo que ele despejava. O pouco que ele deixava que ela tivesse acesso. – Mas, a questão que ronda toda essa situação não é essa. Por que você está aqui Wendy?

A pergunta de um milhão de dólares. Sabia que ela viria dele em algum momento, mas não estava esperando que fosse naquele exato segundo. Não que não tivesse a resposta na ponta da língua, pois tinha, mas não sabia ao certo se ele gostaria do que ela tinha para lhe dar. Peter parecia ter muito medo dela para compreender o real motivo de ter voltado para ele.

– Porque essa é a hora do acerto de contas, Peter. – em um impulso de coragem, disse. Olhou firmemente para a imagem dele a sua frente, absorvendo todas as reações camufladas em seu rosto impassível. – Essa é a nossa hora.

Uma avalanche de silêncio mútuo caiu sobre eles novamente. Peter, obviamente, não estava esperando essa resposta, como Wendy tinha previsto. Ele, provavelmente, esperava que ela respondesse que foi obrigada a voltar para a Terra do Nunca por Lily, e que seu maior desejo era sair dali o mais rápido possível. Ele esperava que ela gritasse, implorasse e se humilhasse para conseguir uma saída que a levasse diretamente para a sua vida antiga. No entanto, Peter estava muito enganado sobre tudo aquilo o tempo inteiro. Wendy não queria ir embora, não queria deixa-lo novamente. Ela queria ficar e acertar as contas que tinham deixado em hiatos no passado.

Ela queria estar ali, queria passar por tudo aquilo e desejava, tanto quanto ele, respostas para tudo que tinha acontecido entre eles.

– Não estou pronto para essa hora. Não quero ter essa hora. – a raiva aflorou dentro de Pan como um fósforo riscado em meio ao feno. Sua sombra obscura e sem amor, aquela que odiava Wendy Darling com todas as suas forças, cresceu dentro dele, tomando conta de tudo que tinha pela frente. Peter deixou que ela tomasse controle de seu sistema nervoso aos poucos para se proteger do olhar suplicante que sua mulher lhe enviava. Não queria ser enganado de novo. Não seria enganado de novo! – Eu não quero nada que venha de você, Wendy. Tudo que quero é o seu sofrimento.

A risada fraca que ecoou pelo outro lado da grade de ferro maciço foi o suficiente para a alma negra de Peter vacilar por um segundo. Como sempre, Wendy estava o desafiando com todas as suas forças. Ela era tão osso duro de roer quanto ele era. Os dois sempre foram considerados perfeitos em campo, pois tinham a mesma necessidade de provar para todos o quanto eram bons. O quanto – juntos – se tornavam uma dupla perfeita. Porém, separados, se tornavam tão destrutivos quanto o apocalipse.

– Isso é você ou sua sombra idiota falando?! – aquilo não era uma pergunta. Wendy ergueu os olhos, encarando-o por todo o tempo em que continuou a falar: - Pare de se esconder atrás dessa nova personalidade que anda tomando conta do seu ser, Peter, e me encare como o homem que é. Diga para mim, diga na minha cara, grite comigo, entre aqui e coloque suas mãos em mim, no meu pescoço, aperte, me deixe sem ar, me odeie, me ame... Mas, pare de se esconder. – cada palavra que Wendy pronunciava, Peter encolhia-se internamente. Fazia anos que ninguém o desafiava daquela maneira. Anos que ele não ouvia verdades sobre sua dupla personalidade, sobre suas escolhas. Tê-la ali sendo capaz de falar tudo aquilo em sua cara, era quase insuportável. – Eu não quero seus olhos negros me olhando como se eu fosse uma completa estranha. Quero seus olhos azuis como gelo me petrificando, me deixando gelada com sua raiva, mas, seus olhos. Sua alma. Seu corpo. Seu coração. Eu quero você me julgando, ninguém mais.

Wendy calou-se depois de seu discurso. Estava fraca, debilitada e precisava tanto de um pouco de ferro no sangue que, muito provavelmente, ajoelhar-se-ia em frente a ele e imploraria um pouco de comida e água. Seu orgulho estava começando a fraquejar e Peter tinha consciência disso. O que ela queria saber era se ele usaria aquilo para feri-la ainda mais ou estenderia a mão em sua direção para lhe dar um pouco de conforto? Olhando em seu rosto, decifrando suas feições e mergulhando em seus olhos opacos, ela não sabia dizer que rumo ele iria tomar. Mas, também, não lhe importava o que aconteceria a seguir. Ela só queria morrer em paz, com a certeza de que diria a ele o quanto ele sempre esteve com ela, em todos os momentos, e o quanto ele sempre foi o único em sua vida.

Ela tinha o deixado por opção própria, porque desejou viver, ao invés de morrer. Desejou ver sua família por mais alguns anos, desejou contar mais algumas histórias para crianças sonhadoras, desejou tê-lo em seus pensamentos, desejou cuidar de seus filhos e voltar para sua casa, onde poderia enfrentar James P. Hook ao lado de seus fiéis meninos-perdidos.

Wendy desejou a vida, pois em sua mente Peter também desejaria aquilo, se soubesse. Ela desejou não deixa-lo para sempre, mas, sim, por alguns momentos. Ela desejou poder estar aqui para o reencontro, invés de ter ficado por mais tempo e nunca mais vê-lo novamente.

Lágrimas invadiram seus olhos enquanto seus pés caminhavam tropegamente para mais perto das grades que os separavam. A loira entrelaçou os dedos no ferro úmido e encarou os olhos azuis a sua frente com toda a intensidade que tinha guardada em seu ser. Ali, naquela posição, deixou que a dor que não suportava mais guardar dentro de si, escorresse pelos seus olhos incessantemente.

– Estou cansada, Peter. – sussurrou em meio às lágrimas. – Estou cansada já faz um bom tempo. Sei que você não entende o porquê o deixei, mas eu quero poder explicar isso para você com todas as palavras. Eu quero poder te dizer que a minha escolha não foi a pior opção que eu tinha, mas, sim, a melhor. Eu tive que deixa-lo. Precisava disso. – continuou, apesar de ver o corpo de Peter se retraindo com suas palavras. – Eu não podia ficar mais. Você não podia mais me proteger do que me afligia. Eu tinha que viver, e para isso, eu precisei crescer.

Ele a observou por um tempo, intercalando seus olhares entre seus dedos entrelaçados nas grades e seus olhos transbordando dor. As narinas do seu menino-perdido dilataram-se em raiva, e ela sabia que ele estava pronto para despejar o que estava sentindo agora. Era ali que ela sempre quis chegar desde quando colocou os pés na Terra do Nunca. No fundo da alma de Peter.

– Como eu não poderia te proteger Wendy? – gritou em plenos pulmões. O chão sob seus pés tremeu com a mesma fúria de seu dono. – Eu poderia ter te protegido de tudo! Eu estava disposto a isso! – seus dedos avançaram para os dela, apertando-os com força o suficiente para que Wendy deixasse mais lágrimas escaparem por seus olhos, mas agora, a dor era tão física quanto emocional. – Eu teria arrancado o meu coração e dado ao Gancho para que você me escolhesse! Eu teria feito tudo para que você ficasse ao meu lado, para nunca te perder! – seu rosto avançou para o dela, e quando Wendy pensou que ele cuspiria em sua cara, Peter a surpreendeu, encostando a testa suavemente na dela. – Eu teria feito tudo por você. Eu me perdi quando você se foi. Nada mais me segurava no ar. Eu me tornei incapaz de voar, pois você levou tudo que era bom de dentro de mim. – seus olhos estavam fechados com tanta força que Wendy não suportou encará-los, fechando os seus logo em seguida. Sua respiração estava tão agitada quanto à dele, e seus olhos não paravam de transbordar lágrimas. Sua garganta se fechou, impedindo que ela falasse algo para amenizar a dor de seu amado. – Você era todos os meus pensamentos felizes, e então você se foi e não me sobrou nada.

– Sei que não. – sussurrou para ele. A distância que havia entre os dois não suportava nem um centímetro. Eles estavam tão próximos quanto podiam. Não eram necessários gritos e nem palavras berradas. Nem o silêncio se metia mais entre eles. Só o que estava era a sinceridade que estavam compartilhando. – Também não me sobrou nada de bom quando te deixei Peter. Acredite nisso quando eu falo.

– Como posso acreditar nisso quando você me desafia tanto? – perguntou, seus dedos afrouxando o aperto, mas não deixando os dela. – Como posso acreditar nisso quando você mesma disse que me deixou por escolha própria?

– Por que da mesma forma que fui sincera dizendo que lhe deixei porque eu quis, estou sendo sincera quando te digo que eu te amo, e que estou aqui para consertar as coisas. – finalmente, depois de reunir coragem o suficiente, Wendy abriu os olhos e o encarou, esperando que ele fizesse o mesmo. Quando o fez, a conexão que surgiu novamente entre eles, deixou o mundo inteiro em completo estado de letargia. – Não posso morrer agora sabendo que não deixei você a par dos meus sentimentos. Se esse tempo aqui foi o que eu precisei pagar por renegar o amor, eu estou feliz por ter começado a diminuir o meu débito.

E, mesmo que lhe doesse até a alma, Wendy desvencilhou seus dedos dos de Peter, deixando que a conexão que outrora estivera tão acesa, apagasse um pouco, e caminhou novamente para a escuridão de sua cela. Os olhos azuis dele abriram-se para ela, observando seus últimos movimentos, até que ela desabasse no chão como uma massa mole.

Ele não compreendia bem o que ela queria dizer com morrer, mas, precisou apenas de uma rápida inspeção em seu estado para saber que sua saúde ia de mal a pior. Sua respiração travou na garganta quando ouviu Wendy soluçar, procurando por ar e não o encontrando. Ela estava morrendo e ele era o culpado daquilo.

Um estalo ecoou dentro de sua cabeça, varrendo firmemente sua sombra obscura para algum canto onde ele nunca pensara existir antes daquele momento. Ele nunca fora suficientemente forte para espantá-la daquela maneira até Wendy aparecer em sua vida novamente. Ela era a solução para tudo? Sim, sempre fora. Ele queria que ela morresse bem diante de seus olhos apenas por vingança? Sim, uma parte dele queria. Mas, ao vê-la ali procurando por um ar que não conseguia encontrar, soube que nunca poderia aceitar aquilo. Viver sabendo que Wendy estava em algum canto do mundo, viva e respirando, era suportável. Mas, viver e saber que Wendy nunca mais abriria seus olhos azuis para o mundo e não agraciaria os ouvidos mais próximos com sua voz doce, era insuportável.

Sua alma sabia que ele não podia viver em um mundo onde ela não existisse, mas, seu orgulho estava aprendendo isso agora. Naquele maldito momento inoportuno.

– Guardas! – gritou em plenos pulmões. – Abram a cela, agora!

Não precisou de uma segunda ordem para que a as grades que lhe separavam de Wendy fossem abertas. Ele caminhou para dentro, envolvendo seus braços no corpo frágil dela, e a ergueu, lhe tirando do lugar imundo a qual havia a condenado. Sentiu sob seus pés o quanto aquele solo estava infectado e o quanto havia transmitido toda a sua doença para a sua mulher. Ela estava sendo bombardeada por todos os lados durante aquele tempo e ele mal teve coragem de vir vê-la. Seu ódio o cegou de tal forma que ele se esquecera de ouvir a razão e o coração.

Ele se esquecera de ouvir a voz de Wendy.

Mas, fazia tempo que ele não a ouvia e isso tinha incapacitado tudo em sua vida. No entanto, depois de ouvi-la dizer que ainda o amava e que precisavam acertar suas contas, algo dentro dele acordou e gritava em seu interior o quanto ele precisava daquilo. O quanto precisava dela.

– Senhor, podemos ajudá-lo em alguma coisa? – a gárgula que Peter havia nomeado como chefe dos carcereiros lhe perguntou. Ele se mantinha em sua pose ereta e formal, do jeito que ele gostava que seus soldados sempre estivessem.

Peter deixou que seus olhos caíssem sobre a grande ferida no braço esquerdo de Wendy e sobre o olho roxo que pintava sua delicada pele, então se virou para a gárgula lhe fazendo uma única pergunta:

– Quem a agrediu dessa maneira? – não deixou que seus olhos transparecessem nada. Queria que quem quer que tivesse feito aquilo com Wendy, pensasse que havia lhe feito um favor. Um favor para o rei.

O silêncio pairou sobre o recinto, enquanto Peter esperava a resposta que desejava. Conhecendo bem o seu rei, a gárgula no comando respondeu com firmeza:

– Fui eu, meu senhor. A prisioneira se mostrou resistente às regras impostas. – Peter podia sentir a respiração da gárgula se tornar irregular, mesmo que imperceptivelmente. – O senhor foi bem claro quando nos disse para botá-la em seu devido lugar quando fosse necessário.

– Sim, eu disse. – pensou em suas palavras e em quando as pronunciou. Ele estava com ódio e aquilo o cegou para as possíveis consequências para Wendy. Agora ela jazia sem forças e quase sem vida em seus braços. O desespero acumulou-se em seu coração redescoberto e sem pensar em mais nada, olhou para a gárgula ao lado do seu comandante e lhe fez um pedido: - Me dê sua espada.

– Meu senhor? – o misto de confusão que passou pelos olhos de cobra da gárgula deixou Peter ainda mais raivoso.

Em um ímpeto, pousou as pernas de Wendy no chão, esperando que ela mante-se o equilíbrio e puxou a espada da baioneta da gárgula a quem havia pedido o mesmo favor. Olhou fundo nos olhos do comandante e lhe deu sua sentença:

– Não vou lhe matar, pois isso seria culpa-lo por seguir minhas ordens, mas, isso... – enfiou-lhe a espada com força, decepando o braço que a gárgula mantinha apoiado na bainha de seu chicote. O uivo de dor da criatura foi ouvido por todos os seus subordinados e por todos os prisioneiros, causando uma comoção em todos. Canecas de água eram batidas sobre as grades de ferro em sinal de aprovação. Os prisioneiros tiveram sua vingança por meio de Wendy Darling. – É por encostar na minha mulher.

Soltou a espada no chão ao lado da criatura que debatia-se em dor, e voltou a ocupar seus braços com o corpo de Wendy. Enquanto andava para fora da escuridão das masmorras, podia sentir Wendy sorrindo satisfeita por suas costas.

Balançou a cabeça, evitando que seu orgulho o fizesse dar meia volta e deixa-la para morrer dentro de sua cela. Não podia fazer isso agora. Não quando tinha deixado claro para tudo e todos que estava acertando suas contas com ela. Mas, não podia deixar de lado o fato que ela lhe dava nos nervos, e que seria uma longa jornada até que eles pudessem estar em paz um com o outro.

Wendy pensava a mesma coisa. Ainda tinha muita água para rolar de baixo daquela ponte, mas ela não estava preocupada com aquilo agora. Se não morresse, então estaria firme para poder recomeçar de onde tinha parado com Peter, e, finalmente, colocar nos eixos o mundo que ela havia deixado para trás.

No entanto, naquele momento, tudo que ela fizera antes de apagar nos braços do seu menino-perdido, fora levantar seu braço esquerdo machucado, com muito esforço, e erguer seu dedo do meio para a gárgula que lhe encarava com dor e ódio, enquanto segurava a carne do braço decepado com a mão que lhe restara.

Um sorriso de escárnio lhe saiu pela boca, sendo absorvido segundos depois pelo olhar raivoso do comandante que outrora havia lhe surrado com o chicote. Wendy pensou nas palavras que havia dito a ele antes de tudo aquilo acontecer, e sabia que ele também estava pensando nelas. “Sabemos que eu posso lhe dar uma surra mesmo com um braço a menos”, e bom, ela havia lhe dado mesmo outra surra, e dessa vez, nem precisou erguer um dedo sequer.

Voltou seu olhar para o rosto firme de Peter, deixando a inconsciência lhe levar de uma vez por todas. Seu último pensamento fora que se conseguisse sair daquela viva, teria que se acostumar com seus inimigos recém-adquiridos e com um Peter completamente modificado. Teria que voltar ao começo.

Será que lhe oferecia um dedal ou um beijo?

Ela teria que acordar para saber.

»✤«

『¹Nobres é o nome da corte de Peter. As criaturas mágicas que foram aceitas pelo seu reino e que, hoje, vivem dentro do castelo sob a proteção da coroa.』


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Notas finais do capítulo

Se gostaram do capítulo deixem seus comentários aqui para eu saber o que vocês estão achando do enredo, ok?! :D

Eu, particularmente, amei escrever esse porque retrata bem o sofrimento de Peter e Wendy, fora a sinceridade que a Wendy utiliza com ele!

Temos um grupo no facebook, é só entrar lá para receberem alguns spoilers extras hahaha: https://www.facebook.com/groups/1663278313918672/?fref=ts

Muito obrigada a minha amiga My Dark Side por postar o capítulo por mim! Sem ela ele não teria saído