Pan-demonio escrita por GreeneMoon


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo a Sea e a Dani. Obrigada pelas recomendações lindas que fizeram para a história! Essa autora aqui ficou completamente apaixonada e louca de felicidade. Meu coração é cheio de carinho por todos os leitores de Pan-demonio ♥



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– Peter Pan 

"Quando nos vimos pela primeira vez, nunca senti nada tão forte
Você era como minha amante e minha melhor amiga
Tudo embrulhado e com um laço
E de repente você foi
Eu não soube como seguir
Com um choque mudei
E agora meu coração está morto
Eu o sinto vazio e oco
E eu nunca me entregarei da maneira que eu me entreguei a você
Você nem reconhece a maneira que você me machuca, não é?
Só com um milagre pra me trazer de volta pra você”
[Rihanna–Rehab]

Estava sentado em uma pedra, na beira do rio de sangue, observando as sereias se movimentarem em volta do grande crocodilo que dormia nas profundezas. Ele conseguia vê-las perfeitamente, com sua beleza extraordinária – capaz de encantar até mesmo um animal feroz –, balançando suas caudas em uma dança singela. Elas sabiam que ele estava lá, como todas as outras noites, estudando todos os aspectos de sua vida.

As sereias eram mulheres misteriosas e perceptivas, donas de uma beleza inigualável, capazes de seduzir todo o tipo de criatura, fossem humanos ou não. Suas vozes eram um tributo aos deuses quando resolviam cantar suas melhores canções para atrair a atenção dos mais bobos. Só quem não conhecia aquelas mulheres de cauda ou tinha a alma fraca demais, deixava-se capturar por aquele charme. Elas eram máquinas de destruição em massa e Peter já as tinha visto em ação algumas milhares de vezes. Qualquer criatura, em um raio de um quilômetro, que se mexesse sem sua autorização, era capturada por aquela rede de beleza e levada para as profundezas do rio. Sua carne era devorada por sua fera e sua alma por suas belas mulheres.  

Não era atoa que elas circundavam seu castelo juntamente com seu grande crocodilo.

Era um grande jogo de xadrez onde o rei sempre derrubava todos os peões.  

Percebeu quando uma das belas mulheres de cauda se aproximou, com metade do rosto fora da água e a outra metade escondida nela. Seus cabelos loiros ondulavam graciosamente enquanto se movia cada vez mais para perto, sem parar de fita-lo com seus olhos extremamente azuis.  Ele sabia que ela sorria traiçoeiramente enquanto pensamentos sobre ele se desenrolavam em sua cabeça. Aquela era uma conhecida de longos anos.  Lume era o oráculo das sereias e, por isso, também a responsável por sua espécie. Era ela quem cuidava de todas as suas irmãs, tomando cuidado para mantê-las seguras e, principalmente, obedecendo às vontades do impiedoso Peter Pan.

A mulher retirou todo o seu rosto da água sangrenta quando se aproximou o suficiente para apoiar seus braços na pedra, um pouco abaixo dos pés de seu senhor. Observou os traços do rosto do homem à sua frente, absorvendo todas as emoções que ele escondia dentro de si, junto com suas mágoas e seu coração partido. Ela sabia o que ele estava fazendo, observando suas irmãs e o crocodilo adormecido. Estava lembrando-se do passado, ponderando o presente, e pensando em novas formas de tornar o futuro ainda mais sombrio.

Aquele era o Peter Pan que habitava o seu interior agora. O famoso menino-perdido que sabia voar era apenas uma vaga lembrança, tão distante quanto as estrelas que há muito não iluminavam mais o céu da Terra do Nunca.

Lume piscou seus grandes cílios, tentando chamar atenção para si, porém, falhou miseravelmente. Peter não tinha paciência para o charme tão ultrapassado das sereias, mesmo que a sereia no caso fosse a mais bela. Tudo que ele buscava indo até a beira daquele rio eram os motivos para continuar na escuridão, e eles boiavam por todos os cantos, com seus olhos e bocas abertas, em uma expressão de horror eterno.  

Observou todas as cabeças que jaziam naquele túmulo aquático, contando cada uma, como sempre fizera. Aquela era a única parte das vítimas que se mantinham intactas. Era uma lembrança que Peter precisava que existisse. Mais do que um lembrete de quem ele era, aquelas cabeças era o gás para que ele seguisse em frente com seus planos.  

Fechou os olhos, deixando que o pensamento obsessivo de algum dia ter a cabeça de James boiando em seu rio, tomasse conta de sua mente. Aquele era o objetivo de Peter desde o dia tempestuoso que passou no convés do Jolly Roge¹, sem comida, água ou tratamentos dignos da pessoa que ele deveria ter sido. As memórias daquele dia despertavam dentro dele uma ira tão feroz quanto às próprias criaturas que nasceram do seu ódio, e aquilo era a solução perfeita para a pequena luz insistente dentro de si. Ela nunca tomaria conta de seu coração novamente enquanto ele ainda cultivasse todo aquele sentimento que envenenava sua alma.

Ele estaria sempre seguro em sua zona sombria se permanecesse assim.  Era por isso que aquele rio existia, reafirmou em sua cabeça. E era por isso que ele também se mantinha seguro atrás do tic-tac do estômago da grande fera adormecida e longe do pó das fadas. Ele não poderia se render a tentação.  Nunca. Jamais, repetiu para si mesmo.  

A exclamação de pavor que escutou foi o que lhe tirou dos seus pensamentos, e ele quase agradeceu por isso, mas então olhou na direção da sereia encolhida, com os olhos desfocados, agarrando fortemente a rocha com as unhas. Aquela expressão perdida no rosto da mulher era bem conhecida por Peter, mas, nunca tinha visto Lume tão apavorada com alguma de suas visões. Aquilo despertou a curiosidade imediata do homem, que lhe fez a pergunta:

– O que você viu?

A mulher assustou-se ainda mais com a voz de seu senhor. Os olhos azuis focaram-se novamente, enquanto sua respiração tornava-se descontrolada. Ela estava à beira de um surto quando escutou a pergunta ser repetida. Aquilo não era bom, já que Pan não admitia que alguém não lhe respondesse na hora.

– Não vai querer saber. – a voz de Lume estava trêmula, apesar dos seus esforços para controlar seu pânico. As feições de Peter contorceram-se imediatamente em uma carranca.  

– Se eu estou perguntando, é porque quero saber, Lume. – estava irritado com a falta de percepção da sereia. Ele não perguntaria algo se não quisesse a resposta. Se a visão era sobre algum problema futuro, então que ela jogasse em sua mesa para que ele lidasse logo com aquilo. Era assim que funcionava sempre que Peter tinha aquele tipo de vantagem. – É sobre Gancho?

– Não. – a mulher respondeu prontamente.

– Sobre Sininho? – continuou, recebendo a mesma resposta. – Sobre Lily?

– Não, meu senhor.

– São os meus filhos? – aquela pergunta fez o coração adormecido de Peter bater um pouco mais rápido. Ele poderia ter mudado muito, mas seus filhos eram as únicas coisas que importavam para ele. A sereia, no entanto, repetiu a mesma resposta. – Pare de ser estúpida e me diga logo sobre o que é. Estou perdendo a paciência.

A loira pareceu pensar por alguns minutos, debatendo consigo mesma se deveria falar a verdade sobre sua visão ou não. Analisou o rosto de Peter, e a expressão que continha ali foi o suficiente para ela perceber que não teria para onde correr. Se inventasse uma desculpa, ele saberia que ela estava mentindo e suas irmãs seriam castigadas. Não poderia deixar que aquilo acontecesse.  

– É sobre aquela que não devemos citar. – logo que deu sua resposta, Lume afastou-se consideravelmente da borda. Seus olhos estavam fixos na reação do seu senhor, esperando qualquer indício de que precisaria mergulhar para as profundezas o mais rápido que pudesse.

O corpo de Peter ficou tenso instantaneamente. Sentiu seu sangue formigar em suas veias, correndo com pressa do seu rosto. Ele poderia jurar que estava pálido naquele momento, enquanto sentia suas mãos tremerem e, o mesmo pânico de Lume, tomar conta do seu organismo. Deixou seus olhos seguirem o curso até a sereia apavorada no centro do rio, exigindo uma resposta para aquilo.

– Fale. – foi apenas o que conseguiu dizer. O choque tinha atingido tão duro as suas entranhas que sua capacidade de processar estava travada.

– Tudo que eu vejo é ela observando a floresta negra, sentada a beira de uma montanha. Está triste e chorando, porém, alguém lhe conforta. – a sereia respirou profundamente antes de continuar: - Eu sempre estou certa do que digo meu senhor.

– Quem lhe da conforto? – foi à única coisa que quis saber.

– Tigrinha é quem lhe ajuda senhor.

 Tudo que Peter conseguia enxergar naquele momento era o vermelho vivo crescendo em seus olhos e correndo por suas veias. A descrença tomou conta do seu sistema, enquanto suas pernas criavam vida erguendo-o e levando-o de volta para o interior do castelo.  Não era possível,  recitava para si mesmo seguindo o caminho até o hall de entrada. Ela não teria conseguido o pó das fadas para viajar para o mundo exterior, aquele era um artigo completamente eliminado da Terra do Nunca. Ele mesmo tinha cuidado dessa parte. Não poderia ter falhado. Ele nunca falhava.  

Respirou fundo uma centena de vezes, enquanto, no meio de cada lufada, gritava pelos Northis² espalhados pelo castelo. Precisava da confirmação de que nada daquilo era real, que a visão de Lume foi apenas um flash que os malditos pensamentos dele atraíram. Não era verdade. Não poderia ser. Ela não poderia estar de volta para a sua vida daquela maneira.  

Seus pés travaram seus passos quando atingiu a sala do trono. Seus olhos não conseguiam focar-se em nada, sua mente estava perdida em suas especulações. Ele estava completamente perdido diante daquela situação. Nem uma luz no fim do túnel, nem uma ideia do que fazer. Não sabia como agir, não sabia como pensar. Estava no escuro. No seu velho e conhecido escuro.  

– Majestade? – o som grotesco da criatura veio à suas costas, porém Peter não o respondeu de imediato. Era uma atitude estranha vinda do rei, mas ninguém seria louco o suficiente para chamar sua atenção por isso.

Os segundos se passaram enquanto Peter decidia o que fazer. Ele estava completamente confuso, perdido em milhões de pensamentos e lembranças que insistiam em se esgueirar pelas frestas de suas barreiras. Ele não queria lembrar-se de nada, não queria sentir nada. O sentimento era a sua maior fraqueza e há tempos ele não era mais fraco. Tinha mudado, tinha se tornado um homem, crescido, conhecido novas coisas e vivido novas experiências. Ele era um rei, por direito. Tinha conquistado aquele título com muito suor, sangue e decisões difíceis. Ele tinha conseguido esquecer todo o passado e todos os protagonistas dele. Não poderia baixar sua guarda agora, não tinha direito àquele luxo. Ele não queria aquele luxo. Não mais. Nunca mais, pensou novamente, recitando as mesmas frases para si mesmo. Ele não se deixaria levar por aquilo. Ela não tinha mais aquele poder. Ele não era mais um moleque.

Foi pensando daquela maneira, tentando se convencer de que não se sentiria nem um mísero segundo abalado, que ele se virou para a gárgula e perguntou:

– Temos alguma notícia sobre o acampamento dos refugiados ter mudado de local? – sua voz soava fria e polida como sempre. Sua máscara estava em seu devido lugar. Nem um centímetro torta. Intacta. Inatingível. Exatamente como ele deveria continuar sendo por dentro.

– Não, majestade, eles permanecem no mesmo lugar. – o general dos Northis lhe respondeu prontamente. Aquela criatura era eficiente como um cão, e Peter gostava daquilo.

– Ótimo. – respondeu, encaminhando-se para o trono de pedra negra que jazia no centro da sala. Precisava estar sentado para a próxima ordem que daria. A raiva que queimava seu interior gritava a frase que mudaria tudo, mas seus lábios pareciam não querer pronunciá-la. O órgão que morava no lado esquerdo de seu peito lutava bravamente contra os seus extintos.

– Devo tomar alguma providencia meu senhor? – a gárgula perguntou, atiçando ainda mais a guerra em seu interior.

Peter então respirou fundo e assentiu em concordância. Não era fraco. Não era um moleque. Ele não queria aquela mulher em sua vida, pensou, enquanto deixava que as memórias de seu abandono repentino tomassem conta de sua cabeça. O dia fatídico em que ela disse que nunca mais voltaria para ele, que precisava crescer e se tornar uma mulher. Ela não queria ser uma criança para sempre, tinha mais maturidade para almejar aquele tipo de sonho. Ela fechou as suas janelas, não o deixou mais entrar. Fora cruel e fria. Não se preocupou com o que ele sentiria quando percebesse o que ela tentava lhe dizer. Não deixou nem ao menos um recado dizendo-lhe adeus, apenas se foi.

Desde o dia em que Wendy Darling lhe tomou seu coração, Peter Pan não soube mais o que era a luz. Ela lhe deixou em um escuro sem fim, onde as emoções eram escassas e a dor era a única coisa que lhe restava apreciar. Não havia mais histórias, nem aventuras. Não havia mais Wendy. Apenas Pan.

E depois, Peter.

E então... Nada.

Ele havia perdido tudo. Ela tinha lhe tirado tudo. Ele não sabia mais quem era.

Sentiu a escuridão engoli-lo por inteiro, enquanto observava a gárgula encolher-se em medo. Os olhos de Pan estavam mudando do azul sólido para um negro repleto de maldade e solidão. A sombra que havia lhe restado aproximou-se o suficiente para lhe tocar a alma e envenenar todo o seu sistema. Wendy é um problema que você tem que resolver, Peter, ela é uma ameaça, a voz tão parecida com a sua, sussurrou em seu ouvido. Descubra se ela está na Terra do Nunca e destrua tudo e todos que estiverem ao redor, só então, acabe com ela.

Sim. Ele acabaria.

– Destrua o acampamento dos refugiados e traga todos como prisioneiros. – sua voz soava tão maligna quanto nunca estivera antes. Um sorriso de escárnio brincou nos lábios do menino-perdido, que parecia ainda mais perdido naquele momento. – Se Lily quer entrar nesse jogo, então eu vou lhe mostrar como é que se joga de verdade.

Sentou-se em seu trono, sentindo-se tão poderoso como nunca. No entanto, seu coração abafado gritava desesperadamente pela vida da mulher que ele amava.

Tigrinha

Eram tempos e tempos, pensava Lily, enquanto observava os membros de sua tribo carregarem cestas de palha com a colheita do mês. Aquele tempo em específico estava fraco demais para o amontoado de bocas para alimentar – uma preocupação que a princesa tinha desde quando tomou a decisão de abrir as portas do seu acampamento para os refugiados da guerra. Tinha sido uma decisão precipitada e completamente desesperada, porém, pensando pela milionésima vez naquele assunto, Lily sentia em seu coração que não teria feito nada diferente, mesmo agora, com o equilíbrio de sua tribo estando tão frágil.

Ela se responsabilizava pelos problemas do seu povo, não só por ser princesa, mas por ser parte deles. Sentia como se tivesse que estar o tempo todo fazendo alguma coisa para amenizar o sofrimento daqueles que precisavam e trazer conforto para as famílias prejudicadas. Mais do que pessoas perdidas, existiam corações feridos naquele acampamento. A morena conseguia vê-los implorando por remendas que ainda lhe faltavam toda semana. E ela não podia fazer nada além de ter esperança e fé.

O que não vinha dando muito certo nos últimos meses.

A verdade era que aqueles dois sentimentos, apesar da magnitude, não tornavam o solo fértil e não colocavam comida na mesa. Tampouco tornava a água do rio potável e a carne dos peixes limpa. Eles a mantinham em pé, mas ela ainda tinha que lutar para garantir a sobrevivência dos que estavam sob sua proteção. Aquela era a rotina incansável de Tigrinha desde que tudo começou.

Observou o céu assolado pela escuridão, tentando lembrar quando fora a última vez que viu o sol, a imensidão azulada, as nuvens brancas... Quase não se lembrava mais da sensação de ter o seu rosto banhado pelo calor do verão, de deitar na grama verde dos pastos, adivinhar formas de bichos nas nuvens e admirar o que o sol poderia fazer com as plantas. Estava vivendo por tanto tempo naquela madrugada eterna que todo o espaço vago em sua mente era assolado por lembranças daquela visão. Não havia nada feliz ali, apenas vazio.

– Eu nunca sei que horas são nesse lugar. – o resmungo insolente e, ao mesmo tempo, tão doce soou ao seu lado. Tigrinha despregou seus olhos do céu e fitou a figura amassada de Wendy Darling. Ela estava com os cabelos tingidos presos em uma trança frouxa, os olhos inchados do sono e as roupas desgrenhadas. Uma típica garota da cidade.

– Estamos no começo da manhã. – respondeu pacientemente. A loira assentiu em concordância, mas sua atenção estava toda presa no grupo que transportava a colheita para a cabana das cozinheiras.

– Vocês têm outros meios de conseguir comida além desse? – fez a pergunta de um milhão de dólares. Bem aonde Tigrinha queria chegar. Ela sabia que quanto mais Wendy se solidarizasse com a causa de sua tribo, mais havia chances dela cooperar com todo o plano.

– Não. – a morena respondeu sem delongas. A mentira nunca foi seu forte e, naquele momento, precisava ser honesta.

– Isso não é uma boa colheita. – a loira afirmou o que a princesa já via.

– Sim, não é, porém, é tudo que temos por agora. – a princesa deixou seus olhos despregarem-se do movimento de sua tribo e voltar-se para Wendy. Os olhos incrivelmente azuis da mulher pareciam tristes diante da cena.

– Eu ainda não consigo acreditar que este lugar se tornou isso... – o sussurro dela foi tão dolorido quanto os de Tigrinha durante aqueles anos. A morena entendia o que Wendy estava sentindo naquele momento. Mais do que ninguém, Lily compreendia tudo pelo que Wendy tinha passado em sua vida e todos os sacrifícios que teve que fazer em prol da mesma. Era difícil pra ela voltar pra o único lugar que se manteve intacto em sua mente e encontra-lo daquela forma.

Lily só queria saber como Wendy reagiria quando encontrasse Peter.

Desejava de todo o coração que ela não fraquejasse diante da cena e se mantivesse firme para tudo correr como o planejado. Caso contrário, estavam todos perdidos.

– Não importa. – foi à loira quem quebrou o silêncio. – Estou pronta pra colocar a mão na massa. – com aquilo, ela caminhou a passos firmes para a fila de refugiados carregando cestas de legumes, assustando todos eles enquanto se aproximava. Agachou em frente a uma das cestas que esperava para ser transportada e a pegou, imitando o processo dos habitantes.

Lily soltou uma leve gargalhada enquanto observava Wendy impor toda a sua determinação no ambiente. Aquele era um momento onde a princesa entendia que não tinha feito a coisa errada em trazer a sua velha amiga de volta. Aquela mulher era a única que poderia enfrentar Peter Pan e sair ilesa.

Suspirou com esperança, movendo-se em sincronia com o resto de sua tribo para carregar todos os mantimentos para o lugar certo antes que a tarde caísse. Não poderiam demorar muito para abrigar os alimentos, já que tudo que permanecia por muito tempo no solo da Terra do Nunca, apodrecia.

Caminhou juntamente com os outros, respeitando a fila bem organizada que criaram para cada um cumprir seu papel e as cozinheiras não se embaralharem na arrumação. Tudo tinha que estar perfeitamente no lugar, longe do solo contaminado e bem protegido contra outros envenenamentos. Aquela era toda a comida que tinham para o mês e nada poderia ser perdido. Nem uma cenoura, nem uma batata. Tudo teria que se manter intacto para que os tempos ruins fossem amenizados.

– Maldita seja essa lenda na qual me tornei. – a loira resmungou, pisando duro na grama seca. Ela acabara de entregar uma das últimas cestas na cozinha. – Não posso nem ajudar sem matar alguém do coração.

– Alguém já te disse o quanto você é resmungona? – Tigrinha brincou, na tentativa de amenizar a situação. Ela sabia o quanto deveria ser ruim ser Wendy naquele momento. Só o nome da pobre mulher causava calafrios nas espinhas dos habitantes do acampamento.

– Eu vou te mostrar quem é a resmung... – a loira estava com a resposta insolente na ponta da língua quando foi interrompida por gritos desesperados. Tigrinha voltou-se para onde vinha o apelo e correu na direção de um de seus garotos. Procurou mentalmente a função que havia designado para ele e descobriu que era o responsável pela vigília da trilha na floresta. O pânico no rosto do menino foi o suficiente para a princesa saber que eles estariam em maus lençóis muito em breve.

– Princesa! – o garoto ofegava em desespero. Seus olhos estavam esbugalhados e todos os seus ossos tremiam. – Eles estão vindo... Os Northis... Estão vindo. – o aviso foi dado em meio a respiração entrecortada. Ele, provavelmente, tinha corrido muito para chegar até o acampamento a tempo, e isso se via claramente pelos seus joelhos e pés ralados.

– Quem está vindo? – Wendy perguntou, rapidamente segurando o menino de pernas bambas. Mas, Tigrinha não parecia estar disposta a lhe responder aquela pergunta, pois já estava correndo para as primeiras cabanas e arrancando todas as pessoas de dentro delas.

– Todo mundo caminhando diretamente para a trilha de fuga na floresta negra, agora! – a voz da morena se tornou tão potente quanto poderia ser. Tudo que se passava por sua cabeça era que os Northis estavam vindo e ela precisava salvar o seu povo. A ira de Peter era responsabilidade dela e de mais ninguém. – Peguem seus pertences mais valiosos e caminhem o mais rápido possível.

– Você não vai me contar o que está acontecendo? – lá estava a loira novamente em seu encalço. Por mais caótica que a situação poderia parecer para aquela mulher, ela não desistiria de saber os fundamentos daquilo. Tigrinha então soltou todo o ar que continha em seus pulmões, caminhando por todas as cabanas, avisando o máximo possível de pessoas para tomarem seus rumos.

– Peter descobriu que você está na Terra do Nunca e, provavelmente, seu exército de criaturas está vindo para destruir todos nós. – o olhar culpado que a princesa lançou na direção da loira a fez compreender tudo. Wendy e Lily estavam prestes a entrar na batalha, definitivamente. – Me desculpe, Wendy. Eu espero que tudo isso acabe bem algum dia.

Wendy não lhe respondeu, tampouco, apenas seguiu em frente a passos rápidos, gritando para todo ser humano para sair de suas casas e indicando o caminho certo a ser seguido. Tigrinha agradeceu mentalmente a presença de sua amiga naquele momento. Apesar dos apesares, e de Peter estar vindo com toda a sua fúria por causa dela, Lily não conseguia se arrepender de nada. Enquanto Wendy se mostrasse digna da sua luta, ela estaria lá como sua fiel soldada.

– Quanto tempo? – o ancião, o qual a princesa ajudava a caminhar em direção a rota de fuga, perguntou-lhe.

– Eu não sei. Provavelmente estarão aqui em poucos minutos. Aquelas coisas tem asas.

– Lily... – o tom cauteloso do senhor que conhecia desde quando nascera, lhe fez parar em meio ao trajeto de volta ao acampamento. – Tenha cuidado, menina. Não faça mais nada estúpido.

– Eu sei o que estou fazendo, Dong. Fique despreocupado. – Lily usou o seu costumeiro sorriso tranquilo, mas o ancião tinha experiência demais na vida para cair em um truque daqueles.

Ele olhou no fundo dos seus olhos, absorvendo todo o medo que a morena tinha guardado dentro de si. A mão enrugada do senhor pegou a da mulher, embalando-a com carinho, e só então falou:

– Tudo que ele quer é ela. Nada pode ficar no caminho do destino deles, nem mesmo você, pequena Tigrinha.

Com isso, ele virou-se na direção da trilha escondida e caminhou junto com seu povo, deixando uma Lily completamente desnorteada.

No entanto, o momento de confusão não durou muito, pois Wendy corria para ela como um raio, carregando um bebê indígena em um dos braços enquanto mantinha a mão de uma criança firmemente agarrada no outro. Ao seu lado, os pais assustados corriam na mesma velocidade.

– Corram pra trilha e permaneçam juntos. – as ordens da loira eram muito claras enquanto ela devolvia as crianças para os seus pais. – Não saiam do caminho!

– Obrigada. – os dois proferiam seus agradecimentos um atrás do outro, sumindo pelas árvores para alcançar a tribo. Só depois que perderam todos de vista que as duas mulheres voltaram a se encarar.

– Me diga o que me espera quando eu o encontrar. – a voz de Wendy era firme, mas Lily podia ver o seu desespero por trás delas.

– Ele colocou na cabeça que te odeia, que você não significa nada além de um passado manchado... – a morena começou com seus olhos mergulhados nos da loira. – Provavelmente nos matará, a menos que você o faça se lembrar.

O silêncio pairou no ambiente, porém os tambores podiam ser ouvidos. A tropa dos Northis estava pronta para adentrar o acampamento e elas precisavam sair dali, mas a expressão no rosto de Wendy Darling não deixou que Lily Tiger movesse nenhum músculo. Perdida, magoada, desacreditada e incrivelmente frágil era tudo que a loira transparecia naquele momento.

– Sinto muito por tudo isso, Wendy. – a morena desculpou-se mais uma vez. Ela nunca se cansaria de proferir aquelas palavras depois de ter tirado a mulher de sua casa e seu mundo só para trazê-la para o inferno.

A garota pareceu sair de seu transe com suas palavras, vestindo novamente aquela determinação de antes. Como Wendy mudava tanto em poucos segundos, Lily nunca descobriria, mas aquilo ainda viria a calhar muitas vezes, ela tinha certeza.

– Vamos acabar com isso.

Aquelas foram as últimas quatro palavras que sua velha amiga proferiu antes de voltarem para o acampamento e ficarem cercadas de Northis por todos os cantos.

No entanto, os olhos de Lily nunca presenciaram tanta garra como naquele começo de tarde, onde Wendy Darling se ergueu tão feroz e imbatível, que foi capaz de derrubar várias das criaturas de Peter Pan antes de ser acertada com força na cabeça e desmaiar.

»✤«

『¹Jolly Roge é o nome do barco do Capitão Gancho.
²Northis são criaturas nascidas do ódio de Peter Pan. Elas são responsáveis por todo o trabalho sujo que precisa ser feito fora dos muros do castelo. 』


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado desse capítulo e das emoções que ele reservou hahahaha Os próximos seguirão essa linha, explorando um pouco como o Peter governa a Terra do Nunca e suas maldades.

Deixem nos comentários o que acharam, a opinião de vocês importa MUITO!
Temos um grupo no facebook para quem quiser saber mais da fanfic: https://www.facebook.com/groups/1663278313918672/?fref=ts

Um super beijo e até a próxima!



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