–Di Angelo! - Nico ouviu o grito de Thalia e correu em direção à voz dela.

Ela parecia irritada, Marie vinha atrás dela, comendo cookies e alheia aos dois adultos discutindo.

–Por que deixou a garota sozinha? Você é retardado?

–Pensei que você ia ficar de olho nela, não é pra isso que veio?

–Eu? Você estava com ela! Ela poderia ter se machucado – a filha de Zeus gritou.

Nico suspirou, poderiam continuar naquela discussão o dia todo, eram ambos experientes demais em encontrar argumentos. Thalia estava ali a menos de seis horas e eles já tinham brigado pelo menos metade disso.

–Tudo bem - ele cedeu - me desculpe. Não vou te deixar sozinha nem por um minuto - ele sorriu para Marie.

Simpática, Marie enfiou um pedaço de cookie na boca e foi até o centro da sala, onde a caixa de brinquedos estava.

Thalia bufou, ela provavelmente gostaria mais de continuar discutindo.

Nico a ignorou e pegou o controle da televisão, a ligou e se jogou no sofá. Ele passou as páginas de séries, esperando encontrar a que procurava, tentou se lembrar em que episódio tinha parado mas foi interrompido por alguém pigarreando.

Ele virou a cabeça lentamente, Thalia estava de braços cruzados, encarando-o.

–Que foi?

–O que pensa que está fazendo? - ela perguntou puxando o controle da mão dele.

–Assistindo Supernatural? - ele pegou o controle de volta.

–Não está - ela tomou o objeto. - Não quando vou ver Arrow.

–Eu cheguei primeiro - ele gritou.

–Eu teria chegado primeiro se você não fosse tão irresponsável.

Ambos seguravam o controle agora, cada um puxando para o seu lado. Thalia colocou toda a sua força num último puxão, e foi aí que se desequilibrou e caiu no sofá, levando Nico consigo.

Thalia soltou um palavrão.

–Você não ouviu isso, M. Di Angelo, quer fazer o favor de sair de cima de mim? - ela gritou.

–Claro, e com prazer. Assim que soltar o meu controle - ele berrou de volta.

–O controle não é seu!

A porta se abriu com tudo e eles se calaram. Com exceção de Marie, que riu daquilo. Parada do lado de fora estava Reyna, com duas malas e um cachecol.

–Talvez e eu tenha chegado em uma má hora...?

Nico só conseguiu corar, tentando formar uma frase completa que explicasse aquela situação.

–Okay, - Thalia suspirou - foi você quem pediu.

Vamos apenas dizer que Thalia chutou um lugar que não deveria. Enquanto Nico tentava não gritar no canto, tinha uma leve consciência da sobrinha deitada no chão rindo e Thalia sorrindo vitoriosa, cumprimentando a recém-chegada e usando o controle para mudar a série.

Ele se recuperou e viu as duas sentadas no sofá, discutindo qual era o melhor vilão.

–Oi pra você também – ele andou até o sofá e abraçou Reyna.

–Não é minha culpa se você acha que consegue competir com a irmã mais velha de Jason Grace. Como está?

–Até hoje de manhã estava tudo ótimo – ele elevou a voz.

–Sai da frente, estou tentando assistir.

Nico e Reyna foram até a cozinha. Ela se sentou numa das cadeiras e ele pegou a única coisa que ele não precisaria cozinhar, uma lata de refrigerante.

–E então, cara pretora, o que a traz a NY?

Reyna enrolou um pouco pra responder, Nico acho estranho.

–Saudades? Novos ares? – disse por fim.

Ela levou a lata a boca e ele percebeu que ela não daria mais detalhes. Ele adicionou “descobrir o real motivo de Reyna estar aqui” na lista mental de tarefas, logo abaixo de “se livrar da filha de Zeus”.

–E o seu namorado?

Pergunta errada, pergunta muito errada. Ela apertou os olhos e encarou a mesa, a expressão ficou impaciente, então triste, ela sorriu e ele sabia que deveria correr. Em vinte e cinco anos de experiência – tecnicamente bem mais que isso, mas preferia não contar os anos fazendo tudo que Bianca dizia como mais de um – quando uma mulher parece irritada e depois sorri, se você não corre... bom, deveria ter corrido.

–Ele está viajando. Estava muito sozinha com a casa toda pra mim.

–Sei. Como foi o voo? – ele continuou fazendo perguntas assim por um tempo.

Nico não conseguiu descobrir o que tinha acontecido. Reyna disse que ia ver TV com Thalia, mas ele tinha a impressão de que ela só queria fugir do interrogatório. O filho de Hades revirou os olhos e foi pegar a carteira no quarto.

–Marie, quer ir passear com o tio Nico? – ele perguntou.

A menina fez que não com a cabeça e trocou duas bonecas de lugar.

–Obrigada pelo convite, mas acho que vou ficar aqui – Thalia murmurou.

–Te compro um doce. Bem grande – ele ofereceu.

Na palavra doce a menininha se levantou e correu sorrindo para ele.

–Acabei de chegar e vai me deixar aqui? – Reyna encarou o amigo.

–Hum... sim. Divirtam-se com... essa série aí – ele pegou a mão de Marie e saiu.

–Você nunca será Oliver Queen! – ele ouviu uma das duas gritar.

* * *

A padaria que ele escolheu tinha várias mesas brancas espalhadas no canto. A luz do sol iluminava o local, um grupo de amigos conversava alto numa das mesas, em outra dois homens e duas mulheres, próximo ao balcão mais algumas pessoas, fora isso o lugar estava calmo.

Ele segurou Marie no colo para ela escolher os doces do balcão. Ele queria dizer que ela iria explodir se continuasse comendo assim, mas ele escolheu ainda mais que ela.

–Marie, por que garotas são tão complicadas?

–Porque sim – ela respondeu sabiamente e mordeu seu donut.

–Promete que não vai ser complicada?

–Uhum.

–Quer dizer – Nico continuou, batendo os dedos na mesa – por quê tem quer ser sempre do jeito delas? Por que eu não posso escolher? Por que...

–Tio Ico?

–Hum?

–Fica quieto – Marie pegou uma trufa dele e mordeu.

Ele sorriu para ela e começou a comer.

Nico pediu para embrulharem alguns doces para levar. Além de ser um ótimo anfitrião, do tipo que deixa o convidado sozinho depois de meia hora conversando, ainda era legal o suficiente para comprar doces.

Obviamente Marie não conseguiu comer um quinto do que tinha pedido, mas não fazia mal, mais pra ele.

Ele cogitou os possíveis lugares para onde podia ir para não ter que voltar ao apartamento. Talvez uma praça, a sorveteria nem pensar. Como se lendo seus pensamentos, Marie espirrou.

Ele limpou o rosto dela e jogou o lenço de papel no lixo.

Faltavam quarenta minutos até a hora do próximo remédio de Marie, Nico achou melhor irem andando. Pagou, pegou a sacola com as pequenas compras e a mão da menina e saiu. O sol da tarde brilhava, deixando tudo mais quente, se pudesse, Nico iria gritar para que Apolo sossegasse e dirigisse a droga do carro do Sol mais alto.

No meio do caminho eles passaram na frente de um mercado, com um freezer bem na frente, com desenhos de vários tipos de sorvete

–Tio Ico, sorvete – ela pulou.

–Nem pensar, você está doente.

E entupi-la de doce com certeza vai ajudar, ele pôde ouvir claramente a voz de Deméter em sua cabeça. E também a imaginou jogando cereal neles.

Eles andaram mais alguns passos em silêncio, Marie fez bico, soltou a mão dele e cruzou os bracinhos.

–Eu quelo sorvete – ela gritou.

Nico suspirou, era o campeão na arte do drama, sabia que ela não iria desistir. Ela voltou a gritar, ele tentou pegar a mão dela de volta. Marie recuou e ele agarrou o ar.

–Marie, vamos pra casa, podemos assistir desenhos – ele disse, desesperado.

Ele ouviu a som seco e em seguida um tilintar, não entendeu de onde vinha até olhar para o chão e ver pequenas pedrinhas preciosas aos pés da garotinha. Ele apanhou tudo rápido e colocou no bolso.

Quando levantou o rosto ela chorava - ou fazia birra, já que não tinha lágrima nenhuma - aos berros. As pessoas começavam a olhar, isso porque não viram que mãos dela começavam a criar pelos de uma pata de gato, assim como os olhos se transformavam, as pupilas mudando a forma, de humana para felina.

Por um milésimo de segundo Nico ficou encantado, só até perceber que estavam no meio da rua, aí ele a pegou no colo e andou rapidamente, ignorando os arranhões nas costas.

–Se não voltar ao normal agora, não vai ganhar doces nunca mais - ele disse.

Ela parou de chorar imediatamente. Ele ficou orgulhoso de si mesmo, afinal não era tão ruim com crianças. Talvez até abrisse uma empresa de babás. Sua certeza foi abalada junto com seus instintos de meio-sangue ao ouvir um sibilo.

A poucos metros uma dracaena os observava, seguindo lentamente, como se não tivesse pressa.

Nico olhou os prédios, casas e lojas ao redor. Não teria tempo para chegar a um lugar seguro, tampouco teria condições de fugir ou lutar com a menina no colo. Ele a segurou na sua frente de modo pudesse vê-la.

–É sério que não prestou atenção no que eu disse?

Ela balançou a cabeça e ele apressou o passo.

–Vou deixar você ali naquele canto - ele sussurrou no ouvido dela. - Não olhe pra trás e não saia dali, entendeu?

Eles estavam num beco, o lugar que ele indicara era um vão entre uma pilha de caixas velhas e um móvel aos pedaços. Não era proteção suficiente. Ele fechou os olhos e se concentrou, ainda andando, cada vez mais rápido. Deixou-a onde dissera e sentiu a presença do guerreiro morto.

–Mantenha a garota segura, custe o que custar - a voz de líder das tropas do Mundo Inferior assumiu o controle. Ocupara esse cargo por uns dois meses, antes de brigar com o pai de novo.

O guerreiro tirou a própria costela e ficou a postos. Viu de relance Marie se virar para analisar um desenho na parede, já na forma humana completa.

Ele se virou para o monstro, mas agora não era só uma, e sim quatro. Convocar mais guerreiros o deixaria exausto e eles eram difíceis de controlar, teria que lutar sozinho e confiar que Marie ficaria bem.

Com esse pensamento avançou. A primeira foi fácil de matar, a segunda lhe deu um corte no braço. Teve que desviar das duas restantes, que pareciam bem irritadas e diziam coisas românticas como "você vai ser nosso novo mascote quando te matarmos" e "vou arrancar sua perna devagar, prometo". Nico se jogou pra trás, sentiu as costas queimarem um pouco antes de cravar a espada no pescoço da terceira.

Ele desviou de um último golpe e se preparou para cortar o pescoço da última dracaena. Mas cortou o ar.

Nico vasculhou o beco e a viu se aproximando de Marie, que se virou e abriu a boca. Ele não iria conseguir chegar até lá. O monstro se abaixou rapidamente, ao mesmo tempo em que ele lançou a espada em linha reta com toda a força que conseguiu.

A dracaena, ajoelhada, caiu para trás e ele correu, com medo de olhar, um nó no peito apertando. O monstro se desintegrou em areia dourada. Onde Marie estava, apenas uma gatinha branca filhote e a sacola de doces.

–Correspondência! – disse Jimmy ao avistar Nico entrando com a sobrinha no colo.

Ele segurava um envelope, Nico o pegou e passou rapidamente por ele, antes que visse as roupas rasgadas. Marie tinha voltado a sua forma de criança assustada assim que vira o tio, correndo para abraçá-lo, enquanto o mesmo ficara paralisado.

No elevador uma mulher de vestido florido o olhou estranho mas não teve coragem de perguntar nada considerando sua expressão irritada. Ele abriu o envelope e tirou um papel colorido dele, abriu a porta do apartamento com uma das mãos e colocou Marie no chão.

–Fomos convidados pra uma festa – ele disse.

–O que aconteceu com você? – Reyna correu até ele.

–Trouxe doces! – Thalia correu para pegar Marie.