– Senhorita Harper, poderia fazer o favor de ajustar essa coluna? Acho que conseguiria pendurar um lustre em você dessa maneira. – a voz de Julienne ecoou pelo Grande Salão, fazendo com que a selecionada se assustasse e derrubasse uma série de livros no chão – Faça de novo.

– É-é claro, Julienne. – Harper gaguejou, tentando voltar a equilibrar os livros sobre a cabeça. Stille fazia o possível para passar despercebido enquanto segurava alguns com os dentes.

Já fazia uma hora desde aquela aula começara. No começo, se parecia mais com uma palestra sobre caminhar do que qualquer coisa, mas a selecionada de Paloma basicamente entrou em pânico quando a responsável colocou livros sobre sua cabeça. Desde então mal conseguia ficar alguns segundos de pé.

Felizmente, não era a única com dificuldade. Com a exceção de Audrey, Katniss e Juniper, a maior parte das selecionadas estava tendo sérios problemas para ficar de pé por mais do que alguns segundos, que dirá andar. Katherine já quase torcera o tornozelo pelo menos duas vezes.

– Isso é realmente necessário? – murmurou Isabella assim que passou pela amiga. A garota estava um pouco melhor do que a grande maioria, mas ainda não conseguia dar mais do que alguns passos antes de ter de parar para ajeitar os livros sobre a cabeça – Quer dizer, tudo bem trabalharmos a postura, mas realmente precisamos desses livros?

– Espero que não. – Kate respondeu, suspirando – Acho que se dependesse do meu equilíbrio eu já estaria fora antes que o príncipe sequer tivesse falado comigo.

Isabella riu de leve, recebendo um olhar de repreensão de Julienne.

Harper somente respirou fundo e tentou erguer o queixo. Era um pouco desgastante ver que todas pareciam ter feito pelo menos uma amizade e ela ter de ficar só olhando. É claro, havia Alice, mas as duas na maior parte das vezes só conversavam durante as refeições, já que a selecionada de Paloma preferia ficar sozinha no Salão das Mulheres.

Depois de arrumar os livros sobre a cabeça do melhor jeito que pôde, Harper tentou dar alguns passos lentos. Aquilo não deveria ser novidade. A garota fora criada em um hotel de luxo, nunca tivera muitos amigos – se é que já teve algum – e sempre preferia ficar afastada. Ás vezes a selecionada pensava que se dava melhor com objetos inanimados do que com pessoas. Pelo menos eles não a julgavam ou a faziam de sonsa.

Nem colocavam uma pistola entre seus olhos.

A lembrança a atingiu em cheio, fazendo com que derrubasse três dos quatro livros no chão e tivesse de se abaixar para pegá-los.

Desde aquele infeliz incidente na padaria, suas saídas de casa haviam diminuído consideravelmente. Sair sozinha? Nem pensar. Principalmente quando Gregory estava por perto. Pelo menos Harley e Debbie eram menos rígidas. Gregory sempre parecia querer mantê-la numa bolha de plástico.

– Harper? Você está bem? – a voz de Alice interrompeu os pensamentos da garota. Depois de hesitar por alguns segundos, assentiu.

– Estou sim. Só um p-pouco avoada. – Harper abriu um sorriso fino enquanto tentava arrumar os livros acima da cabeça sem que caíssem novamente.

– Ei, coloca eles assim, ó. – Alice apontou para a própria cabeça, onde os livros haviam sido arrumados em ângulos diferentes – Ajuda a manter o equilíbrio.

– Obrigada. – Harper agradeceu, fazendo o que a amiga sugerira. Imediatamente o peso pareceu mais firme.

– Não há de quê. – a outra riu – Minha mãe me ajudou a treinar postura quando comecei a me apresentar. Ainda não sou das melhores, mas aprendi um truque os dois para evitar que os livros caíssem.

– Se apresentar? – Harper parou por um segundo, um pouco confusa.

– Ah é, eu não falei. – Alice não pareceu muito incomodada – Sou Cinco. Ou era. Depende do ponto de vista. Costumava me apresentar tocando piano, violino... Esse tipo de coisa. Também atuo um pouco.

– Que legal! – Harper sorriu, imaginando como seria estar numa situação daquelas – Nunca aprendi a tocar um instrumento. Minha irmã, Harley, toca flauta doce. Ela já tentou me ensinar, mas não deu muito certo...

– Sério? – Alice ficou surpresa por alguns segundos com o entusiasmo da loira – Bem, se quiser, posso te ensinar alguma coisa. Não sou lá muito boa em dar aulas, mas já que se eu sair vou ser Três...

– É melhor ir treinando! – Harper riu, mas depois corou de leve ao notar que seu tom de voz saiu um pouco diferente do que planejara – Quer dizer, não que eu ache que você vá sair, eu só...

– Não se preocupe. – Alice deu de ombros, fazendo com que seus livros balançassem de leve – Não me ofendeu. Mas até que é verdade. Olha só, acho que a dica ajudou!

Harper piscou por alguns segundos sem entender até se lembrar dos livros sobre a própria cabeça. Foi uma pena, já que quando ela se deu conta, já erguera o rosto demais e eles caíram no chão.

Bem, não exatamente no chão.

***

Amelia nunca tomara um susto maior em toda sua vida. Ela estava andando pelo Grande Salão tentando, em vão, se manter afastada das outras vinte e cinco garotas, quando sentiu uma pontada de dor atrás dos olhos que a fez recuar. Mavi ganiu de desconforto, sacudindo o focinho enquanto tentava entender de onde aqueles livros haviam caído.

– Ai meu Deus! Me desculpa! E-eu não queria! Foi sem querer! – uma selecionada loira começou a gritar, o rosto cheio de preocupação misturada com vergonha – Desculpa! Desculpa! Desculpa!

– Ai... – Amelia murmurou, massageando o espaço entre os olhos. Ela tinha consciência que a dor era bem mais mental do que física, mas mesmo assim ficou um pouco tonta – Eu... Não precisa se desculpar.

– Não, é sério! Você se machucou? Quer dizer, seu dimon? Quer dizer... Você está bem??? – a selecionada parecia quase histérica enquanto pegava todos os livros que haviam caído – tanto os dela quanto os de Amelia – e tentava equilibra-los nos braços. Amelia nunca pensou que alguém pudesse colocar tantos pontos de interrogação em uma pergunta falada.

– Eu estou bem. – a selecionada de Waverly respondeu, a voz soando um pouco mais autoritária do que deveria – Não foi nada.

– Posso te levar a enfermaria se quiser. Eu não sei aonde fica mas posso...

– Eu estou bem.

– ...perguntar pelo caminho. Os guardas devem saber onde...

– Eu estou BEM.

– ...fica e eu posso te levar e talvez você devesse...

– EU JÁ DISSE QUE ESTOU BEM! – Amelia exclamou, irritada. Já estava chamando mais atenção do que queria com aquela falação toda. Apesar disso, se sentiu mal por ver a expressão que a loira fez. Parecia quase despedaçada.

– Uhmm... Tudo bem então.

E se afastou, voltando a se juntar a morena com quem estivera conversando. Que ótimo. Agora havia sido grossa com uma das selecionadas e recebera um bando de livros na cara (indiretamente, mas ainda havia doído). Tinha como aquilo piorar?

– Algum problema por aqui? – Amelia respirou fundo ao ouvir a voz de Julienne bem ao seu lado – Ou será que você só adquiriu o estranho hábito de gritar com o vento?

A selecionada não respondeu, um pouco abalada pela súbita falta de paciência. Foi quando uma ideia pipocou em sua cabeça.

– Acho que preciso de um pouco de ar puro. – Amelia estufou o peito, fingindo orgulho, enquanto se afastava em direção às portas. – Com licença.

– Aonde pensa que vai? – ouviu Julienne perguntar, a surpresa impressa no tom de voz.

– Ao jardim. Estou cheia de ficar zanzando por aí como uma pata presa num espartilho.

E foi embora, sem sequer olhar para trás. Talvez fosse só invenção de sua cabeça, mas podia jurar que ouviu a responsável bufar assim que fechou as portas atrás de si.

Só esperava que aquilo não fosse uma reação tão ruim quanto parecia.

***

Elliot dispensou uma ideia de encontro pela terceira vez naquele dia. Depois de duas horas tentando bolar alguma coisa, já estava quase desesperado.

– Querido, talvez você devesse escolher algo simples. Uma refeição por exemplo. – a rainha Adelaide sugeriu enquanto observava uma de suas criadas lixar suas unhas – Vocês poderão conversar com mais naturalidade.

O príncipe tentou levar a ideia em consideração. Não era nada má, para falar a verdade, mas continuava sendo um pouco incomoda a perspectiva de ter de conversar com uma garota a sós por pelo menos uma hora. Cinco minutos era fácil, tinham muito para falar, mas uma hora? Não seria nada divertido se o assunto se esgotasse.

– Qualquer coisa é só fazer uma daquelas perguntas de sempre. – Stella opinou, sorrindo – Tipo, perguntar a cor favorita e essas coisas... Não é como se fosse seu primeiro encontro da vida, certo?

Elliot encarou a irmã por alguns segundos. Tudo bem, ele não era um completo novato no quesito encontros, mas mesmo assim...

– Não é a mesma coisa.

– Verdade, não acho que você e a Miina fossem do tipo que conversavam muito... – Stella abriu um sorriso malicioso, o que fez com que o irmão se irritasse.

– Esse é realmente o melhor momento para falar disso?

– E qual seria o melhor momento?

– Quando não houvesse vinte e seis possíveis noivas na sala ao lado, por exemplo?

A princesa revirou os olhos, voltando a prestar atenção na revista que lia. Aquele era um dos breves momentos onde os três monarcas estavam juntos, todos sentados confortavelmente em uma das inúmeras salas de estar do palácio. Como o rei estava em reunião com alguns prefeitos, era o único que estava ausente.

Elliot se perguntava por que não havia sido incluído. Faltava um pouco mais do que seis meses para ser coroado rei, não era do feitio do pai exclui-lo das reuniões.

–Mas então... – a voz enérgica da rainha quebrou o silêncio – O que está achando por enquanto, querido?

– Achando?

– Da Seleção, quero dizer. Ainda me lembro de quando era uma daquelas meninas. – a rainha riu consigo mesma.

Era sempre assim, a rainha dizia algo e todo o ambiente se elevava. Elliot admirava a mãe por isso. Mesmo sendo pequena e sempre elétrica, todos prestavam atenção em suas expressões pouco usadas e palavras alegres. Poucas vezes havia visto seu pai rir quando não se estava na presença dela.

– É um pouco estranho...

– ...e assustador... – adicionou Stella, sem erguer os olhos.

– ...mas acho que pode dar certo. – o príncipe revirou os olhos para a irmã e se virou para a mãe, que somente assentiu com a cabeça, pensativa.

– Alguma te chamou a atenção até agora?

Elliot parou por um momento, tentando relembrar a lista mental que havia feito dias atrás.

– Algumas.

A rainha se divertiu com a resposta do filho, o dimon-arminho se enrolando em seu pescoço como um cachecol.

– Não entre me pânico. Temos tempo o suficiente.

– Você acha? – Elliot perguntou, mas por curiosidade do que por dúvida.

– Demorei três meses para me apaixonar por seu pai. A Seleção acabou mais ou menos um mês depois. Você tem tempo de sobra.

O sorriso da rainha pareceu acalmar os ânimos do príncipe. Quatro meses. Era o que a Seleção de seus pais havia durado.

– Nunca se esqueça que estamos falando de amor por aqui. – Adelaide ergueu o rosto do filho – Ele leva tempo, não é planejado e pode surpreender. Não deixe um bando de conselheiros sem nada o que fazer direcionar suas escolhas. Você que vai se casar, não eles.

– Você fala como se não fizesse diferença com quem vou me casar.

– Se você estiver feliz, eu vou estar também.

Se inclinando um pouco para frente, a rainha beijou a testa do filho.

– Obrigado, mãe.

– Não agradeça. – a mulher se levantou, ainda com um sorriso calmo nos lábios – Agora tenho que ir. Seu pai já deve ter saído da reunião. Gostaria de saber do que se tratava.

Elliot ainda permaneceu na sala por mais algum tempo depois. Foi somente quando Stella chutou suas costelas (“Acorda, preguiçoso!”) e lhe tirou de um cochilo que não durara quase nada que ele decidiu se recolher. Já passava das onze da noite e ele teria um encontro no dia seguinte. Precisava estar no mínimo apresentável.