Teus Olhos Meus escrita por Felipe Perdigão


Capítulo 1
PRÓLOGO: CALOURADA DE 2026.


Notas iniciais do capítulo

Bem, o prólogo é em 3ª pessoa e bem curtinho, apenas para vocês se ambientarem com os personagens e tudo mais. A partir do primeiro capítulo será escrito em primeira pessoa, além de cada capítulo ser narrado por um dos personagens. Acho que assim vocês conseguirão ficar mais íntimos dos mesmos e saber o que eles realmente sentem.
Espero que gostem e continuem acompanhando!



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Este ano não seria um ano comum para o Doutor Antônio Scodelario.

No início daquela estação ele fora convidado a lecionar no novo campus da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Abóboras.

O professor havia acabado de chegar ao imenso estacionamento, havia escolhido uma vaga sombreada por uma árvore propositalmente. Ao descer do carro colocara seus óculos wayfarer na face para que ninguém reparasse em suas olheiras causadas por todas aquelas noites em claro, acendera um Marlboro Gold e tomou seu caminho para a sala de professores.

Acostumado com a rotina de início de semestre, ele tentou passar despercebido pelos calouros que balbuciavam alvoroçados pelo campus - como o prédio era novo, não havia muitos veteranos, apenas os que conseguiram transferência -.

Com o pensamento distante, ele se esforçava pra dar um sorriso amarelo para as pessoas que cometiam a gafe de cumprimentá-lo, mas na verdade ele só tentava demonstrar uma simpatia que muitos acreditavam que o rapaz não possuíra.

Após obter sucesso se esquivando das jorradas de tintas que vinham de pistolas de água, dos esguichos de chantilly e outras brincadeiras provenientes do início do trote, ele em fim chegara ao ambiente onde todos os funcionários da UFMG se conheciam melhor trocando informações e risadas em torno de uma mesa antiga de mármore.

O tom verde claro da sala dos professores acalmava Antônio, apesar de toda aqueles assuntos cruzados e risadas forçadas o incomodasse profundamente.

Ele tirou de sua bolsa tiracolo de corino cinza uma enorme caneca branca com o símbolo da Geologia estampado em dourado. Antônio se orgulhava de sua formação em Engenharia de Minas, mas seu PhD em Mineralogia e Petrografia é o que fazia o rapaz ter o ego inflado, além de, é claro, fazer questão de fazer com que todos soubessem disso.

Assim que acabou de encher a caneca com cappuccino da cafeteira que ficava em um dos cantos da sala, ele teve seu sossego roubado.

— Bom dia! — Antônio viu um sorriso largo em sua direção. — Você deve ser o senhor Scodelario.

— Dia. — Respondeu seco. — Eu mesmo, e você quem é?

— Sou a Reitora do curso de Eng. de Minas. — A moça do cabelo platinado estufou o peito. — Saberia se tivesse comparecido as reuniões do conselho.

— Eu estava na África do Sul fazendo uma pesquisa sobre as jazidas de Au que ainda restam no país. Pensei que havia recebido meus e-mails. — Antônio tentou se explicar tentando não demonstrar o constrangimento.

— Espero que o senhor venha ter mais comprometimento com a nossa Universidade a partir de hoje. — A moça ajeitou o cabelo.

O moço deu um gole no cappuccino que já começara a esfriar.

— Mas é claro. — Antônio deu de ombros.

Ele sabia o quão compromissado era com seu emprego e estava disposto a limpar a mancha que as ausências nas reuniões o causaram.

Impaciente, o rapaz encarava o relógio de vidro que a cada hora fazia o som de um pássaro diferente. O horário do seu primeiro período parecia nunca chegar.

Enquanto esperava o tempo passar ele checava sua caixa de e-mail.

Ao perceber um iMessage de sua melhor amiga Alice, que naquele momento estava em Nova York em uma conferencia da ONU, ele abrira um sorriso e não hesitara em ler.

Meu querido Tony, estou me mudando para um bairro mais perto do centro. É uma cobertura linda que da de frente para o Central Park, espero que você venha me visitar o mais rápido possível…”.

Antes que Antônio pudesse acabar de ler fora surpreendido por um soar estranho que o fizera fechar o Macbook no mesmo instante.

Ele pegara suas coisas e apertara os passos para o prédio onde ficava as turmas de Ciências da Terra, como Eng. de Minas, Geologia, Eng. Geológica, etc…

Ao se acomodar na sala ele ficara surpreso com a quantidade de alunos na turma.

Desde a descoberta de um novo mineral de um valor e preciosidade exacerbados, os interesses pela área passaram de Evan Peters em Sleepover para Evan Peters em American Horror Story.

O professor conferiu as horas em seu celular e automaticamente começou a se apresentar.

—Bom dia a todos! — Ele deu um sorriso amarelo encarando todos aqueles pares de olhos olhando em sua direção. — Me chamo Antônio Scodelario, anos atrás estava cursando o mesmo curso a que vocês em uma universidade Federal lá no Sul do país, me apaixonei pela profissão e hoje tenho PhD na área. — Antônio fez uma pausa dando um gole de água. — Não tolero racistas, machistas, lesbofobicos, homofóbicos, transofobicos, gordofobicos e qualquer outro tipo de gente que não saiba respeitar as diversidades.

— Ué, desde quando Eng. de Minas é Humanas? — Alguém teve a infelicidade de debochar.

— Não sei, mas que eu acho melhor você me entregar um resumo de no mínimo cinco páginas sobre métodos de lavra subterrânea pra próxima aula, que no caso, é amanhã, eu acho sim. — Antônio disse com a voz solta debochando da cara do aluno.

Houve algumas risadinhas e cochichos trocados entre os alunos.

— No mais, podem contar comigo para tudo que quiserem, até mesmo ajuda com outras matérias. E ah, no final do semestre estarei escolhendo uma equipe de cinco alunos para fazer um estágio na minha mineradora durante o próximo semestre.

Os alunos se entreolharam vibrando.

— Professor? — Uma aluna disse com a voz fina e nada tímida.

— Sim? — Ele franziu o cenho.

— Quantos anos o senhor tem? Não me parece tão velho para já ser um doutor.

— Nasci em 97. Faça as contas.

Enquanto tirava sua camisa xadrez vermelha e preta e amarrava na cintura, Antônio caminhava em direção aos alunos para perguntar os alunos o nome, a idade e o que os motivaram a fazer aquele curso. Afinal, se fossem pra passar seis meses juntos, que pelo menos fosse de uma convivência harmônica.

Quando estava prestes a perguntar o nome da aluna na primeira carteira na fila próxima a janela que mascava um chiclete de menta - Antônio deduziu ser de menta pela cor verde da goma -, o professor fora surpreendido por um bater na porta.

Knock Knock.

Imediatamente o professor caminhou até a porta, e ao se deparar com um rapaz, com o rosto completamente enrubescido e os olhos verde mel vidrados em sua direção ele franziu o cenho sem entender.

— Já entrei em duas salas erradas, por favor, não me diz que essa não é a sala do professor Scodelario. — O rapaz passou a mão no cabelo loiro.

Antônio mordeu os lábios mais forte que pode para não rir.

— Entre e ache um lugar para você se sentar.

Um rapaz baixo, mas com o corpo musculoso acenou em direção do aluno moroso e professor sem entender nada, deu de ombros.

Havia algo de diferente naquele aluno. Antônio conseguia sentir.

— Hmm, bem… — Antônio se referiu ao aluno. — Já que se atrasou, vamos começar a apresentação por você.

O jovem que ainda tinha o rosto vermelho sentira agora sua face queimar cada vez mais.

— Bem, e o que o senhor quer saber? — O moço rezou em silêncio para que sua voz não estivesse trêmula.

— Me diz seu nome, quantos invernos você já viveu, o que faz da vida e porque está nessa sala neste exato momento… E se quiser falar algo mais, sinta-se a vontade, à final, é o primeiro dia… Vocês tem que se enturmar.

— Meu nome é Marcos, já vi 31 verões e bem, trabalho na loja de peças do meu pai. — O rapaz disse sem pressa.

— Interessante, Marcos. — Antônio o encarava, pensativo — E o que te traz aqui?

— Eu não sabia que porra fazer da merda da minha vida, estava só trabalhando e trabalhando e vendo o tempo passar e eu sem sair do lugar… Meu primo — o rapaz apontou com o olhar para o jovem ao seu lado de cabelos extremamente negros — me disse que ia tentar fazer o curso e daí me perguntei “por que não?”, então… é por isso que estou aqui agora morrendo de vergonha por estar atrasado.

Antônio ficou surpreso com a fala do rapaz, mas não quis render muito assunto. Outrora o mesmo já fora tímido e introvertido, sabia bem o que é se sentir constrangido no meio da multidão.

E então – finalmente - o Doutor em Mineralogia e Petrografia pôde seguir com as apresentações, e por fim, pudera dar início a introdução de sua grade.

[...]

O professor esperava a sua próxima aula sentado no chão do bosque do terreno do campo fumando mais um cigarro com o pensamento distante. Ele tivera a sorte de achar um lugar onde os alunos não praticavam trote.

Com preguiça de atravessar o campus e ir até o banheiro masculino dos professores, Antônio achara uma árvore e resolvera se aliviar ali mesmo.

Para seu azar, ele fora surpreendido ao ouvir alguém cantarolar.

Lately, I've been, I've been losing sleep… dreaming about the things that we could be.

Antônio concentrou toda sua força na região pélvica para terminar logo, mas fora em vão.

Antes que pudesse fechar seu zíper vira Marcos olhando em sua direção com um sorriso largo ao mesmo tempo em que seu rosto começava a enrubescer, novamente.

— Merda. — Antônio sussurrou.

— Olha, caso não tenha percebido tenho entre as pernas a mesma coisa a que você e estou cansado de ver. Não se envergonhe.

Antônio não conseguiu responder.

Para sua sorte o sinal tocou avisando que o último período daquela manhã começaria.

— Tenho que ir. — Antônio correu as pressas se direcionando para o laboratório.

[...]

Com os típicos óculos escuros no rosto, Antônio atravessava o pátio principal do campus as pressas. Ainda não havia se recuperado do tamanho constrangimento.

Para piorar o dia do professor, ele fora atingido por um jato de tinta verde no peito sujando sua camisa preta escrita “There is a Light that Never Goes Out” em cinza.

Os deuses tiraram o dia para me pregar peças” o rapaz pensou em silêncio enquanto seguia seu caminho até seu carro recém-ganhado em uma premiação cientifica.

Distraído, Antônio pisou no acelerador e aproveitou que o portão estava aberto e saíra sem respeitar a velocidade máxima permitida dentro do estacionamento.

Alguns metros dirigindo sobre a Avenida onde àquele novo campus da UFMG se localizava Antônio, que ainda estava com o pensamento a mil, não teve tempo de pisar no freio e acabara atropelando alguém.

Desnorteado, ele descera do carro xingando em silêncio.

Ele não acreditava no que via.

Marcos estava deitado sobre o asfalto com as mãos na cabeça.

— MAS QUE MERDA MARCOS! — Disse Antônio sem pensar — Não sabe que tens que olhar a rua antes de atravessar?

Marcos não respondeu.

Antônio estava aflito com tantos olhares curiosos que surgiam em sua direção.

— Você está bem? — Perguntou Antônio torcendo para que o rapaz não houvesse fraturado nada.

— Sim… Só me ralei, eu acho.

— Vou chamar uma ambulância! — Antônio tirou o celular do bolso.

— Não! — Ordenou Marcos — Está tudo bem, e olha, tenho que bater cartão daqui a pouco…

Houve um silêncio.

— ÓTIMO! — Gritou Marcos. — Acabei de perder meu ônibus. Que belo primeiro dia.

— Vamos, entre no carro! — Ordenou Antônio com as mãos ainda trémulas. — Eu te levo até casa.

— Eu não posso aceitar. — Antônio tomou Marcos pelos ombros o ajudando a levantar.

Marcos o empurrou com corpo.

— Caí fora! Não preciso disso,

O mais velho dos dois dera um passo para trás surpreso.

— Você tem certeza que está tudo bem?

— Sim. Ficarei ótimo, longe de você.


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