A filha de Gaia escrita por Goth-Lady


Capítulo 30
A calmaria vem antes da tempestade


Notas iniciais do capítulo

Vou passar a vender pipoca no começo de cada capítulo de agora em diante. Vamos ver no que vai dar, pois uma coisa puxa outra e quando para e vê, já está um ninho de rato.
Boa leitura.



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Jasmine mal ficou na enfermaria do acampamento. Pela manhã, Angus tinha ido embora e o resto dos seus amigos foram vê-la. Ela só pôde sair porque Parvati tinha levado Niraj para vê-la e Árion, Fiáin e Gaoithe resolveram entrar na enfermaria para conferir os estragos, além da aparição repentina de Sinnen.

Para não deixar que o zoológico perambulasse pela enfermaria e assustasse os outros pacientes e até filhos de Apolo, Will liberou a garota, mas não antes de fazer com que todos prometessem com que ela descansasse e que ficaria sob observação domiciliar. Ele ainda disse que veria como ela estaria mais tarde.

Já na Embaixada, Jasmine acabou indo para o quarto. Era bom estar de volta, embora não pudesse sair do prédio até o aval do médico.

— Não se preocupe, a gente pega comida para você. – Disse Eliot despreocupado.

— Por falar nisso nós ainda não comemos. – Notou Marcos.

— Então vamos ao Pavilhão de Jantar. – Ordenou Raven.

— Vocês podem ir, eu tomo conta da Jasmine.

— Frísio, você não precisa fazer isso. Pode ir com os outros.

— Gentileza sua, mas eu vou ficar.

— Não se preocupe, traremos comida para os dois. – Disse Parvati. – E não adianta insistir.

— Sienna, pode acordar o dorminhoco? Ele vai dormir mais que o Angus.

— Eu não durmo tanto assim, Ray.

O grupo saiu da Embaixada, deixando Jasmine em seu quarto com Frísio e Sienna. A inuit saiu sem dizer uma palavra.

— Não precisava fazer isso.

— A última coisa que eu quero é entrar no Pavilhão de Jantar, ainda mais depois de ontem. Deve estar barulhento.

— Entendi.

— O que acha de eu adiantar suas lições sobre criaturas mágicas?

— Mas já?

— Eu juro que iremos falar de coisas mais agradáveis que minotauros e quimeras. O que acha de fadas?

— Gosto de fadas.

— Então essa será sua lição de hoje.

Sienna tinha ido até o quarto do maori. O quarto de Tyler possuía piso de madeira escura, teto de madeira com vigas à mostra e paredes de madeira clara. Os móveis de madeira lembravam os encontrados na cabine de um navio na época das navegações e detalhes decorativos em azul tanto em alguns móveis menores como o abajur e o lustre. Havia uma âncora em uma das paredes, remos cruzados na parede onde a cama com lençóis brancos e azul-marinho estava encostada. Algumas máscaras maoris se encontravam espalhadas pelo quarto, assim como um totem em um canto do quarto.

Sienna nunca iria entender aqueles desenhos estranhos que os maoris faziam. Estranhos e fascinantes. O dorminhoco estava roncando na cama. A inuit abriu as cortinas azuis para entrar luz foi ao banheiro, pegou um pouco de água da pia, refrigerou quase a ponto de congelar e jogou no maori sem dó.

— Frio!

— Mas o que é isso?!

— Sienna?

Apesar de ter acordado a pouco, o maori entendeu que fora ela quem tinha acordado. Tyler estava de cabelo solto e dormia sem camisa e com apenas um short de algodão. Em todo caso era possível ver que em seu peito esquerdo se encontrava uma tatuagem maori, que se estendia ao ombro de forma que formasse uma alça que podia ser oculta por uma regata. Era uma confusão de formas geométricas, mas formavam nítidos desenhos de uma tartaruga, um tubarão, um peixe, um golfinho e uma baleia, sendo que não eram grandes, pelo contrário.

— Isso? É minha tatuagem. Não é motivo para alarde.

— Isso não, idiota! Como você dorme assim?!

— Dormindo?

Sienna bufou, mas não antes de fechar os olhos e cobri-los com as mãos. O maori não estava indecente, bem, pelo menos não estava pelado, apenas com o peito nu, o que estranhou. Afinal, maoris andavam em sua maioria com o torso nu.

— Eu não estou pelado ou algo parecido.

— Está quase!

— Não é nada demais olhar.

— Como assim nada de mais?! Você está seminu!

— Você já viu um cara sem camisa alguma vez?

— Quer parar de conversar e por logo uma roupa?!

Sienna se virou para sair apressadamente do quarto, mas Tyler foi mais rápido e a puxou de volta pelos ombros, a girou e a pôs de frente para si.

— Já sei o que foi. Gostou do que viu e agora não consegue falar porque tem medo de que eu veja sua hemorragia nasal.

— Idiota!

Sienna deu um belo e sonoro tapa no maori que deixou marca. Ela o pegou completamente desprevenido. No momento seguinte, os dois estavam no corredor.

— Sienna, qual é! Foi só uma brincadeira!

— Não sei como pode ser uma brincadeira!

— O que está acontecendo? – Perguntou Frísio na porta do quarto, seguido por Jasmine.

— Desde quando você tem essa tatuagem? – Perguntou Jasmine.

— Desde... Você já voltou! Isso é ótimo!

— Vocês não me responderam! O que está havendo?

— Olha para isso!

— O que tem de errado? – Novamente a pergunta partiu da filha de Gaia.

— Viu só, até a Jazz não vê nada de errado.

— Você não tem jeito!

A inuit desceu as escadas correndo e bufando. Tyler voltou para o quarto e no segundo seguinte corria pelo corredor pondo a bermuda jeans e segurando o tênis e a camisa do acampamento. Ele preferiu descer direto pelo corrimão. Lá embaixo, ele decidiu se calçar enquanto corria atrás da menina.

Enquanto isso, o grupo da Embaixada tinha entrado no Pavilhão de Jantar. Eles se dirigiam à mesa destinada a eles.

— Marcos, posso falar com você um instante? – Perguntou Leo com os amigos logo atrás para dar apoio.

— Claro.

Os outros integrantes foram para a mesa, deixando Marcos sozinho com Leo e os gregos. Aquilo fez os olhos dos gregos se arregalarem.

— Com a filha da Gaia, todos fazem questão de estar por perto, mas com você não? – Perguntou Jason.

— Jasmine é inofensiva, o resto de nós não. Acho que Eliot te provou isso.

Se olhar matasse, Jason já teria fuzilado o maia. Leo só o olhou duvidoso, mas deixou para lá.

— Nós vamos fazer o teste.

— Só me diga a hora.

— À tarde, pode ser?

— Por mim não há problema nenhum. Nos encontramos na frente do acampamento lá pelas 14?

— Eu estava pensando em 17.

— Por mim está ótimo. 17 na frente do acampamento.

No instante seguinte, Sienna entrou correndo no Pavilhão. A azulada ofegava um pouco, mas recuperou a dignidade e foi se sentar à mesa.

— O que deu nela?

— Sei lá.

Marcos foi até a mesa da Embaixada se informar o que tinha acontecido. No momento seguinte entrou um cara de bermuda e tênis, mas estava sem camisa e tinha uma tatuagem no peito e uma marca de mão no rosto.

— Finalmente te achei.

— Você ainda está sem camisa!

A inuit quase caiu da cadeira, mas conseguiu se equilibrar e cobrir o rosto. Os outros estavam boquiabertos e de olhos arregalados. A mesa de Afrodite pegava fogo, ainda mais na parte de baixo do quadril. Raven reconheceu a figura, se levantou e pôs as mãos na mesa.

— Tyler?!

— Por que a surpresa?

— Cara, você sem o rabo de cavalo é muito diferente! – Exclamou Eliot.

— Tyler, faça o favor de por a camisa do acampamento antes que eu te frite! Você está assustando a Sienna!

O maori pôs a camisa e foi se sentar. Os curiosos estavam de plantão para ver o que ia acontecer, mas havia algo na dureza dos olhares de Raven e Helena que fez os outros recuarem. A egípcia se voltou para o maori com um olhar ameaçador.

— Tyler, você tem noção do que fez?

— Ela que me acordou e depois ficou assim, eu ia me desculpar, mas ela correu!

— Ela é filha de Sedna. Sedna é reclusa e seus filhos também. Raramente outras mitologias veem um filho de Sedna e inuites não andam sem roupa. Ela nunca viu um rapaz seminu.

— Eu não sabia.

— Seu pai nunca contou nada sobre a minha mãe?!

— Meu pai sempre falou bem da sua mãe, mas nunca a classificou como reclusa ou antissocial. Isso foram meus tios Tawiri e Tumatauenga que disseram, mas nunca acreditei neles, pelo contrário, sempre acreditei que era uma mulher forte e de posição firme, como o meu pai dizia.

Tyler respirou profundamente e segurou as mãos da azulada entre as suas, arregalando os olhos da mesma.

— Me desculpe por isso, eu sinto muito mesmo. Se eu soubesse, não teria feito aquela brincadeira.

— Seu pai é gentil por falar isso da minha mãe.

— Me desculpa?

— Não faça isso de novo. – Ordenou em seu humor habitual.

— Te prometo que não. Alguém tem um elástico de cabelo? Não me sinto eu mesmo com essa juba solta.

— Mas fica gato assim. – Provocou Angus.

— Ainda está me devendo aquela luta.

— Ah, fala sério!

Os ânimos voltaram ao normal e Marcos, Eliot, Angus e Tyler voltaram a rir como hienas. Raven retirou um elástico do bolso e entregou ao maori, que prendeu o cabelo no costumeiro rabo de cavalo curto.

— Sua é tatuagem legal. – Comentou Eliot.

— Obrigado.

— Eu queria fazer uma, mas meu pai iria me esfolar vivo. Meu tio Anúbis quase arrancou o couro do Angus quando ele fez a dele.

— Angus tem uma tatuagem?

— Tenho sim. Só que a minha é nas costas.

— E como é?

— É um ankh com gigantescas asas negras dobradas toda em 3D.

— Que foda! Posso ver?

— Claro.

Para o desespero dos tutores e de quem estivesse na mesa, Angus levantou a regata preta que vestia e mostrou as costas. Toda a tatuagem era em 3D tanto que as enormes asas negras pareciam que iam saltar das costas do egípcio. Elas estavam dobradas devido ao tamanho e cada pena era bem trabalhada que dava para ver a textura. O ankh se encontrava no meio, tão imponente quanto.

Metade da mesa de Afrodite tinha sangue escorrendo pelo nariz e o pessoal da Embaixada olhava admirado, com exceção de Sienna, que novamente tapara os olhos. Angus só abaixou a regata após Raven ordenar. O Senhor D e Quíron só não disseram nada, pois aprenderam naquele tempo de convivência com os estrangeiros, eles sabiam regular uns aos outros e era o que estavam fazendo dede que Tyler entrara sem camisa no Pavilhão.

— Afinal, o que era a sua? – Perguntou o egípcio quando terminou de ajeitar a regata.

— Um monte de animais marinhos em um fundo.

— Aquele monte de rabiscos? – Perguntou Marcos.

— Tipo as artes que os antigos mexicanos faziam? Não, somos mais organizados nos nossos rabiscos.

— Como é que o seu pai reagiu? – Retornou a perguntar o loiro.

— De boa. Nós maoris gostamos de tatuagens. Na verdade ele e meus tios que fizeram da forma tradicional. Doeu pra caralho.

— Parvy, os hindus também fazem tatuagem, não? – Perguntou o maia.

— Fazem de henna, mas apenas na noiva para o casamento. E depois, ela tem que evitar fazer qualquer serviço doméstico até que saia.

— Henna não tem graça. – Desdenhou o egípcio moreno.

— Não sabia? As noivas tatuam as iniciais do noivo bem escondidas no corpo para que ele procure na noite de núpcias.

— Espere, em que lugar?

— Qualquer lugar especial, basta procurar bem.

— E você vai fazer isso com o seu noivo?

— É claro.

— Parvy, você quer vir comigo quando for fazer o teste? – Perguntou Marcos de repente e encerrando o assunto da henna indiana escondida em lugares nada decentes.

— Claro, eu iria de qualquer forma.

—Iria?

— Sim ou você acha que eu te ajudei e me meti nessa para te deixar sozinho agora?

— Valeu, Parvy, você é a melhor.

— E vai ter que me ensinar aquelas danças indianas amanhã. – Sentenciou Raven.

— Claro.

— Danças indianas?! – Perguntou Eliot surpreso. – Mas você dança bem, Ray!

— Mas não como a Parvy e aquelas danças são tão incríveis.

— E sensuais. – Disse Angus antes de receber um olhar frio de Helena e Eliot atirar cereal nele. – Hei!

— Você só fala besteira.

— Eu sou seu primo, lembra?

— Você não presta.

Os dois riram como se fosse uma piada interna. Os quatro rapazes continuaram a rir, conversar e provocar. Raven e Parvati conversavam animadamente e às vezes interagiam com os rapazes enquanto Sienna tinha se recuperado totalmente e permanecia em silêncio, assim como Helena.

Enquanto isso, Thrud, Macária, Seshat e Brigid estavam em frente a uma caverna. A loira trazia um machado em mãos e uma espada na cintura.

— Estava certa, Seshat. Tem alguma coisa acontecendo aqui. Uller confirmou isso ontem à noite.

— Só nos resta descobrir o que.

— Mas se algo que não iremos dar conta, vamos embora. – Disse Brigid ajustando o arco.

— E perder toda a diversão?

— Estou falando sério, Thrud. Eu não quero ter que dar más notícias às suas mães.

De todas as quatro, Brigid era a única que efetivamente teve filhos cujos nomes estavam gravados na mitologia. Eram quatro: Rúadan, Brian, Iuchar e Iurbarba, sendo Rúadan o mais famoso.

 Brigid era uma Dananiana, uma Tuatha Dé Danann, e se casara com um rei Formoriano chamado Bress para formar aliança entre os dois povos. Bress não queria que seus filhos fossem fracos e queria tirar toda e qualquer mácula por serem mestiços, tanto que separou-os da mãe para que não tivessem contato com ela ou qualquer parente do lado materno, com exceção de Rúadan, que era fraco e franzino, por isso cresceu com a mãe e a linha materna, mas foi separado deles na adolescência e foi conviver com os parentes paternos.

Não demorou para que Bress se tornasse um tirano, favorecendo mais os Formorianos e pouco se importando com o bem estar dos Dananianos. Pouco tempo depois a guerra eclodiu e as mortes foram inevitáveis, mas a única pela qual os dois lados lamentaram foi a de Rúadan. Brigid traduziu em prosa e verso toda a sua dor, que não só tinha se tornado a mais bela poesia já escrita como era capaz de fazer o mais insensível dos seres chorar e se comover.

Por essa razão, Brigid se sentia na obrigação de cuidar das meninas. Era aquela amiga que mais parecia mãe do grupo. Extremamente responsável e acolhedora, conselheira e jovial, romântica e madura, poeta e ferreira, era o que ela era de fato.

— Se algo der errado ou formos sucedidas, vamos ter que chamar nossos pais de qualquer maneira. – Comentou Seshat. – Mas não antes de eu analisar tudo.

As quatro entraram na caverna. Estava escuro, mas Brigid acendeu uma chama que permitia ver e não as denunciasse, mas logo se tornou dispensável. Tochas podiam ser vistas em alguns pontos na parede e logo Macária se viu obrigada a usar as sombras para ocultá-las, principalmente suas sombras.

Muitas vezes, precisavam se escorar na parede e deixar os seres horrendos passarem, sempre com Macária as ocultando. Nessa hora, Thrud tinha que usar todo o seu autocontrole e sua cortesia, pois se não usasse, já teria cortado cada uma daquelas criaturas em vários pedaços.

Chegara à câmara em que se encontravam várias delas. Nagas, ciclopes, minotauros, felizmente nenhum jotun.

— O que é aquilo que estão escavando? – Perguntou Macária.

— Não faço ideia, mas seja o que for, não é boa coisa. – Respondeu Seshat.

— Posso quebrar o pau agora?

— Espere um pouco mais.

— Mas eu quero bater em alguém.

— Talvez esteja ligada com a escavação que Cerridwen investigou. – Disse Brigid.

— Que escavação?

— Não contaram a vocês?

— Você me conta depois, quando estivermos em minha casa.

— Posso bater neles agora?

— Pode. Vou ter que me aproximar de qualquer jeito para descobrir o que é isso.

Thrud em fim sorriu. A loira saltou de seu esconderijo com o machado e saiu matando várias criaturas. Thrud era bem enérgica e boa de luta, tanto que Brigid puxou a corda do arco apenas três vezes. Quando Thrud terminou o serviço, as outras três se aproximaram do sítio. Seshat começou a trabalhar.

— O que temos aí? – Perguntou a loira recostada a uma pedra e apoiando o machado no chão.

— Só me deixe terminar de traduzir isso.

— Traduza depois. Uller já deve estar uma arara de tanta demora.

— Ele sabia que você vinha aqui?

— Ele está substituindo meu avô enquanto repousa. Eu pedi para que verificasse o lugar antes e aposto que está preocupado.

— Nesse caso, é melhor mudar os planos.

Seshat pegou o Godcel e começou a tirar inúmeras fotos do local. Tirou foto de tudo várias vezes.

— É melhor ligarmos para os nossos pais? – Perguntou Macária.

— Podemos fazer isso. – Disse Brigid.

— Ô drogada dos livros, termina logo aí.

— Já estou acabando.

Elas pegaram os Godcels e iniciaram a ligação.

De volta ao Acampamento, todos tinham retornado às suas atividades normais. Sienna tinha retornado ao seu quarto, já que nunca participava das atividades do acampamento. Seu quarto era azul esverdeado, possuía uma cama de casal feita em forma de concha como a que tinha em casa, móveis de madeira que lembrava os móveis de um navio da época das navegações, um lustre de pérolas e cortinas de tecido leve que quando balançavam ao vento pareciam ondas.

Ouviu a batida na porta e quando foi atender, se surpreendeu ao ver o maori ali. Era estranho, pois o mesmo nunca baita à sua porta.

— O que quer?

— Conversar contigo.

— Sobre?

— Eu vim me desculpar.

— Você já fez isso.

— Mas você ainda não me desculpou. Eu não quero que isso se torne motivo de desavença entre nós.

— O que o faz pensar assim?

— Você ficou tão chateada que eu pensei que me odiasse.

— Ódio é uma palavra forte.

— Não para os inuites.

— O que sabe sobre nós?

— Viu, eu mal posso fazer um comentário que você já se chateia! Eu me sinto conversando com um molusco dentro da concha. Me deixe te ajudar.

— Não preciso de ajuda.

— Sabe, alguns deuses não conhecem camisa e os maoris são alguns deles, assim como os maias. Se um dia você vir a conhecer os nossos deuses, vai passar vergonha.

Sienna se irritou e o fuzilou com o olhar, mas aquilo não era novidade para Tyler. Infelizmente ele estava certo.

— Seja breve.

O garoto sorriu, entrou no quarto, fechando a porta em seguida. No momento seguinte, tinha retirado a camisa.

— O que pensa que está fazendo?!

— Você disse para eu ser breve.

— Não era para ter tirado a camisa!

— Desculpe, mas não tem forma mais sutil. Se você se acostumar a olhar, não vai ter problemas depois.

— Só falta querer ficar nu também.

— Não é má ideia.

— Não ouse!

O maori começou a rir. Mesmo aquilo sendo uma ordem raivosa, a expressão envergonhada da inuit era cômica. Esperava que ninguém mais visse aquilo ou estariam em sérios apuros.

— Viu só, já nem corre mais. Logo vai achar normal, como todos desse prédio. A não ser que queira ser que nem as garotas das outras mesas que nunca viram um cara sem camisa antes.

— Não me compare com elas.

— Ainda falta muito para alguma delas ser comparada a você.

— Seria o contrário.

Era estranho dizer aquilo, ainda mais para alguém que não conhecia nem há um mês. Sienna sempre era fechada, pouco falava, não tinha amigos nem na escola em Nuuk, não era alguém extrovertida ou que fazia amizades facilmente. Preferia ficar em casa do que ir a qualquer lugar. Diferente dos outros campistas, ela preferia ficar trancada no quarto ou usar a piscina do andar de baixo, mas sair da Embaixada, só se fosse para comer.

— Está se subestimando.

— Não estou, eu sou assim.

— Não é, só não descobriu isso ainda. Você vem de uma das mitologias mais sinistras e interessantes que existem, ninguém aqui aguentaria o que você aguenta.

— Só está me dizendo isso para parecer que minha existência tem um sentido.

— Todos têm seu papel neste mundo, sejam animais ou plantas, vivos ou mortos, em um ciclo sem fim. Não é isso que os inutes acreditam?

— Tyler...

O maori não a puxou, ele foi até a inuit e a abraçou.

— O que pensa que está fazendo?

— Te mostrando que pode contar comigo.

— Você é estranho.

— É o que os amigos fazem.

— Me considera uma amiga?

— Achei que isso estava na cara.

— Minha mãe disse para nunca confiar em um homem.

— Só nos errados. Não se preocupe, não irei afogá-la ou cortar seus dedos.

— Você e suas piadas.

Sienna saiu do abraço, não sendo impedida pelo maori em momento algum, e caminhou até o banheiro.

— E faça o favor de se vestir. Se alguém o encontrar assim no meu quarto, irá rever sua prima mais cedo do que pensa.

Tyler sorriu de canto. Ele voltou a vestir a camisa e deixou o quarto.

Não demorou muito e lá estavam Hades, Maat, Sif e Dagda no local da escavação. Dagda era um homem de cabelos grisalhos, era velho, mas trancudo e forte e geralmente andava com sua harpa, mas também podia ser visto com sua clava ou um caldeirão de sangue. Os deuses assumiriam os afazeres, mandando as meninas para casa, mas o que não sabiam era que elas tinham ido para a casa de Seshat. Dagda e Maat tentavam descobrir o que era enquanto Hades e Sif faziam a guarda.

— Isso está ficando cada vez mais estranho. – Comentou Sif.

— Devo concordar. Não é a primeira escavação.

— Pode deixar, eu consigo sozinho, Maat.

— Então devo alertar aos responsáveis.

— Que responsáveis? – Perguntou Hades.

— A jurisdição daqui não é de nenhum de nós e não sei se os competentes sabem. Irei pedir para que encontrem conosco aqui.

Enquanto Maat escrevia a mensagem marcando o encontro, Hades e os outros receberam ligações e mensagens de suas filhas dizendo que iriam dormir na casa de Seshat.

— Mas o quem essa menina pensa que é?!

— Deixa a menina, Hades. – Sif revirou os olhos. – Ela está na idade de sair com as amigas.

— Ela tem centenas de anos!

— Minha Thrud e meu Uller também, mas ainda são jovens e jovens não deixam de ser jovens.

— Seu Uller é tão velho quanto Forseti!

— Vocês poderiam parar de brigar? Perciso me concentrar. – Disse o lider celta.

— Não se incomoda da sua Brigid dormir na casa de alguém que mal conheceu?

— Brigid já foi mãe, ela sabe o que faz. Deixe as meninas serem meninas, será apenas uma noite entre garotas.

— E Thoth estará lá. – Comentou Maat. – Não estarão sozinhas, eu garanto. Agora, precisamos revisar os acontecimentos para dizer aos Três Grandes responsáveis por esta jurisdição. Quanto mais cedo treminarmos com isso e mais rápido for a notificação, mais cedo eu voltarei para casa e poderei olhar suas filhas.

Maat estava certa, precisavam terminar aquilo rápido e Maat era responsável. Não que Thoth não fosse também, mas Maat era mais rígida e a que resolvia conflitos, sempre dando a última palavra.

Muito a contragosto, Hades e Sif tiveram que revisar os eventos para que Maat os pusesse em ordem cronológica. Quanto mais Maat organizava, mais tinham certeza de que algo muito suspeito estava acontecendo bem debaixo de seus narizes. E talvez aquilo fosse só o começo.


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Notas finais do capítulo

As tatuagens maoris podem formar rostos, mesmo quando têm a forma de um animal. Os homens que possuem mais status tatuam o rosto, já as mulheres tatuam só o queixo.
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Devido ao clima, inuites não andam com o torso nu, a não ser que queiram morrer de hipotermia.
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Os maias, assim como os astecas, ficavam na região onde hoje é o México, assim como os incas ficavam no peru e os hindus na Índia.
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Os indianos fazem tatuagens de henna, mas apenas na noiva um dia antes do casamento. Depois que a cerimônia se concretizar ela fica isenta de qualquer serviço doméstico até que saia.
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Henna ou Hena é um corante extraído de uma planta de mesmo nome. Possui cor castanho-avermelhada, mas dá para escurecer ou clarear. Ela serve para pintar o cabelo e fazer tatuagens.
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Ainda sobre tatuagens indianas: as noivas tatuam as iniciais do marido em algum lugar do corpo para que ele procure na noite de núpcias, como uma caça ao tesouro.
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Ainda sobre cultura indiana, não podemos nos esquecer das danças, que fazem parte até dos filmes de Bollywood (não, vocês não leram errado).
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Tuatha Dé Danann quer dizer O Povo de Danann ou Danu. A mitologia celta irlandesa está associada à história da Irlanda e aos seus povos que por vezes guerreavam. Por isso é normal encontrar nomes como Formorianos.
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Diferente das outras mitologias, os celtas começaram como humanos e só depois que viraram deuses.
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Rúadan é o filho mais lembrado de Brigid. Ele morreu tentando matar outro, mas sua morte foi a única lamentada pelos dois lados quando a nova guerra entre ambos os povos eclodiu. Brigid escreveu uma poesia que traduzia toda sua dor, sendo conhecida como a mais bela poesia já escrita, e a mais triste também, pois não importa a época ou a nacionalidade, a dor de uma mãe ao perder um filho sempre será algo inimaginável.
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Dagda, o bom, é quem lidera os celtas. Ele é o deus da música e da magia e vários outros atributos, pois os celtas nunca são uma coisa só. Geralmente carrega uma clava, uma harpa e um caldeirão de sangue. Sua harpa se tornou um dos símbolos da Irlanda.
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E é isso. No próximo nós veremos esse povo no programa do Ratinho. Não esqueçam a pipoca.



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