Aquele que Perdeu a Memória escrita por Ri Naldo


Capítulo 4
Soleil


Notas iniciais do capítulo

Sabem aquela velha rivalidade na 2/3 entre Hellen e Anne? Era uma delícia vê-las brigar, não era?



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— Chegaram? Finalmente. Achei que eu teria que ficar aqui a tarde toda — Anne disse, quando Jake passou pela porta, seguido de Mirina.

Estávamos no espaço do bunker reservado para a leitura de projetos. Ficava após uma porta na parede esquerda, e só os líderes tinham permissão de entrar aqui. Na sala só tinha uma mesa com algumas cadeiras dispostas ao redor dela, uma lâmpada fluorescente balançando no teto e desenhos de maquete dos mais diversos tipos de armas nas paredes. Nas cadeiras estavam sentados eu, Edward, Gabriel, Anne, Colin e Palani. Hellen estava em pé, e não tinha dito uma palavra desde que chegou. Com Jake e Mirina, os nove líderes estavam reunidos.

— Certo. Enfim, boa tarde a todos. Eu os convoquei para essa reunião porque tem um assunto que eu gostaria de discutir e saber a opinião de vocês.

A essa altura, todos já haviam se sentado e estavam prestando atenção em Colin, que estava falando.

— Como vocês já sabem, não vamos durar muito tempo aqui. Estamos ficando sem alimento, sem água, e sem paciência. A qualquer momento, até agora, enquanto estamos aqui, pode acontecer uma invasão de monstros. Cada segundo que permanecemos nesse lugar pesará se não tomarmos uma atitude imediatamente. Eu acredito que vocês, como líderes, já tenham ouvido reclamações sobre o assunto e até mesmo elaborado as próprias ideias. Bom, agora é a hora de compartilhá-las. Sairemos daqui hoje em um consenso que decidirá o nosso futuro. Alguém gostaria de começar?

Anne e Edward levantaram a mão ao mesmo tempo.

— Anne — Colin pediu, acenando com a cabeça para ela.

Ela pigarreou e se levantou.

— Eu acho que há algo ou alguém por trás disso tudo. Não é como se os monstros fossem conseguir quebrar as barreiras do Acampamento do nada. E, além disso, Quíron não voltou ainda. Pelo que eu conheço, ele jamais nos abandonaria. Ou seja, a coisa está muito feia. Eu acho que deveríamos procurar a origem de tudo isso. Em tese, tudo voltaria ao normal.

— Você está certa. É muito provável, quase certo, que há alguém brincando conosco. Mas, bem, se passaram alguns milênios desde a existência de semideuses, então por que agora? Controlar todos os monstros e quebrar a barreira do Acampamento deve exigir uma quantidade absurda de energia, ninguém faria isso só por diversão. Então essa pessoa tem um objetivo. Mas esse é o problema: não sabemos quem ela é, não a conhecemos, então não temos como saber o que ela quer fazendo tudo isso.

Edward levantou a mão novamente. Colin acenou afirmativamente com a cabeça para ele.

— Vocês devem conhecer as Portas da Morte, não é? — ele perguntou. Colin assentiu, assim como metade no grupo, inclusive eu. — Para quem não conhece, são as portas que separam o nosso mundo do mundo dos mortos. Teoricamente, todos que morrem passam por elas para chegar ao Mundo Inferior. E se Dylan as abriu ao tentar ressuscitar Louise? Explicaria o fato dos monstros se regenerarem tão rápido. Então a pessoa da qual Anne estava falando se aproveitou e usou as Portas em favor dela.

— Mas então por que só os monstros voltam, e não os semideuses que morreram? — Gabriel perguntou.

— Acho que Mirina pode explicar para nós, certo? — Colin perguntou.

Mirina se levantou e pôs a mão no colar de pretzel. Desde que eu a conheci, antes de ela morrer — vocês não fazem ideia do quão estranho é falar isso — , ela usava aquele colar estranho, e até hoje eu não sabia para que servia ou o que significava.

— Nós não ficamos na mesma parte que os monstros — ela pegou um giz em cima da mesa e começou a desenhar. Fez um círculo grande, outro círculo dentro deste e um quadrado dentro do segundo círculo. — Aqui, no quadrado, é o castelo de Hades. É como se fosse um tipo de propriedade privada, só anda lá quem tem permissão. É, maior frescura. O espaço entre o primeiro círculo e o segundo é onde estão os monstros, gigantes, titãs, essas coisas. O povo do mal, a grosso modo. Embaixo disso está o Tártaro, acho que não preciso explicar o que é. E aqui, entre o segundo círculo e o quadrado, é onde nós, semideuses, ficamos. Claro, também tem outras espécies. As ninfas, os sátiros e os centauros “do bem” ficam lá conosco. É basicamente como se fosse o céu e o inferno, só que os dois são um inferno. As portas estão em algum lugar por aqui — ela fez uma linha na extremidade do primeiro círculo. — Então seria muito difícil, talvez impossível, para alguém atravessar os dois círculos e voltar ao mundo dos vivos. Quando Dylan me trouxe de volta, ele fez isso, e acredito que tenha sofrido bastante fisicamente. Mas com a Louise foi diferente. Ela tinha ido para o quadrado, e, ainda por cima, tinha escolhido renascer. Eu não faço ideia de como ele conseguiu pegar a alma dela de volta, mas ele conseguiu, e atravessou as três divisões do Mundo Inferior para isso. A energia usada foi tão grande que abalou as estruturas do castelo. Eu não acho que alguém um dia conseguirá explicar como, mas ele desordenou a linha da Vida e da Morte, com V e M maiúsculos. O mínimo que poderia acontecer é essas Portas entrarem em colapso.

— Certo, então as teorias de Edward e de Anne combinam. Mas, como Colin disse, não sabemos quem é, então não podemos pensar nisso agora — Gabriel completou.

Eu levantei a mão. Colin passou a vez para mim.

— Pode falar, Anastasius.

— Segundo Anne, Luna foi a “bruxa” que guiou Dylan em todo esse caminho. Ela só se mostrou no final, sabendo que ele não poderia voltar atrás. A irmã dela, Talassa, foi quem nos mantinha presos — mexi o dedo entre Edward e Gabriel — em Ohio. Além disso, foi ela quem forçou Mirina a se matar, alguns anos atrás. Talvez ela esteja ligada a isso. É bem improvável que ela seja a mandachuva, porque isso exigiria um poder inestimável, e, convenhamos, ela não passa de uma filha de Hécate barata. Mas mesmo assim, se quisermos descobrir algo sobre tudo isso, acho que deveríamos procurá-la.

Palani levantou a mão.

— Ela usou Dylan para ressuscitar a Talassa, certo? A irmã que ela mesma matou há alguns anos. Isso me parece ser consciência pesada, até porque ela não forçou Dylan a nada, simplesmente ofereceu a ele uma chance de trazer a Louise de volta. Eu acho que ela não tem nada a ver com isso. Ela pode ser só mais uma peça de quem quer que esteja por trás de tudo isso, como nós.

— Palani tem razão — Anne disse, sem levantar a mão. — Luna provavelmente só queria trazer a irmã nojenta dela de volta. Ela deve estar chorando agora vendo tudo que causou. Bem típico.

Jake levantou a esquerda, porque a direita estava segurando uma flanela no nariz.

— Pessoal, estamos perdendo o contexto. Não estamos aqui para tentar adivinhar quem é o super vilão. Essa reunião é para decidir o nosso futuro, ou pelo menos foi o que Colin disse.

— Ele está certo — Colin confirmou. — Hellen, você não falou ainda. Quer compartilhar as suas ideias?

Ela pôs a mão fechada na boca, pigarreou e se levantou, ajeitando a camisa.

— Bom, eu acho que, antes de tudo, deveríamos pensar no nosso bem-estar. Não vamos conseguir lutar contra os monstros se não tivermos energia, não vamos conseguir descobrir nada sobre essa tal “vilã” da qual Anne está falando se não conseguirmos pensar, ou, pior, se estivermos mortos. Na minha opinião, deveríamos pensar em um jeito de nos estabelecermos, para, depois, cogitar sair por aí tentando descobrir as coisas.

— Pessoal, ela está certa. Não adianta vocês planejarem mil coisas agora. Nós simplesmente não temos suprimentos suficientes para uma missão fora daqui, e que até pode durar meses — Jake completou. Hellen assentiu em agradecimento.

— Então o que você sugere, Hellen? — eu perguntei.

— O Acampamento Romano.

Anne sentou-se na cadeira, tossindo propositalmente. Palani e Jake lançaram um olhar de descrença para ela. Eu, Edward e Gabriel ficamos sem reação, afinal estávamos a relativamente pouco tempo no Acampamento, e não conhecíamos muito bem essa rivalidade entre os gregos e os romanos. Colin parecia estar analisando a situação.

— Por favor, Colin, diga que não concorda com essa baboseira — grunhiu Anne.

— Anne, pare para pensar. Deixe as diferenças de lado. Eu entendo que nós todos deveríamos achar essa ideia completamente estúpida e equivocada, mas estamos sem condições de negar algo assim.

— O nosso Acampamento está completamente destruído. Essa não é a melhor hora para deixar o orgulho nos dominar. Lá poderíamos nos restabelecer, juntar forças com os romanos e descobrir o que diabos é tudo isso. Mas se vocês — Hellen apontou para Jake e Palani também — continuarem com isso, vamos morrer aqui.

— E você acha que somos só nós? Experimente divulgar que vamos ao Acampamento Júpiter para o povo lá fora. Você vai ser linchada e apedrejada.

— Eu seria se estivéssemos em condições normais, mas acredite, ninguém aqui e agora vai negar a oferta de uma boa cama, comida e água. Nem você. Só não queres aceitar isso.

— Certo, mas e se os romanos não nos aceitarem, e aí?

— Está brincando? — disse Palani. — Aquele povo adora uma luta. E, além do mais, eles são curiosos e egocêntricos. Quando verem que estamos em condições pútridas, eles vão nos abrigar só para passar na nossa cara que são melhores que nós. Pior raça.

— E sabe qual é o ponto disso tudo? — perguntou Hellen. — Se eles chegassem aqui completamente acabados, nós os abrigaríamos. Nós faríamos o mesmo por eles, e não porque queremos ser melhores, mas porque, apesar da rivalidade, eles continuam sendo nossos irmãos. É a nossa única chance, vocês sabem disso, não é?

Todos ficaram calados, alternando olhares para Hellen e para Colin.

Finalmente, ele suspirou profundamente e levantou-se. Todos que estavam sentados se levantaram com ele.

— Quem está a favor de irmos ao Acampamento Romano levante a mão.

Hellen. Edward. Gabriel. Palani. Mirina.

— Quem está contra, levante a mão.

Eu. Anne. Jake.

— Então a decisão está tomada.

Anne bufou.

— Certo, espertinha, mas como você pretende chegar lá? Se todo mundo der um passo para fora desse bunker o país inteiro enche de monstros.

— Olhe ao seu redor, Anne. Estamos em um bunker de Hefesto. Há centenas de possibilidades.

Mirina olhou ao redor para observar os projetos pregados na parede em cartolina. Ela se interessou por um em particular, arrancou o prego e o pôs na mesa para que todos pudessem vê-lo. Era o esquema de um barco.

— Quanto tempo você acha que levaríamos para construir isso? Até lá nós morreríamos de fome.

— Nós somos semideuses — disse Mirina. — As leis da Física não se aplicam a nós. Podemos fazer isso em um piscar de olhos se todos agirem em conjunto.

Todos ficaram em silêncio novamente, esperando o veredicto.

— Essa é a ideia mais louca, súbita e perigosa que eu já ouvi, e eu estou sendo louco, equivocado e colocando todos em perigo em aceitá-la, mas sim. Por votação dos líderes, vamos ao Acampamento Júpiter, e, para isso, vamos requirir o trabalho dos semideuses para a construção de um navio. Como o norte é dominado por outros deuses e não temos poderes lá, nós vamos pelo sul, atravessar o Estreito do Panamá e chegar à costa oeste através do Pacífico. Lá, vamos dar um jeito de nos enturmarmos e conseguir resolver tudo isso para então voltar e reconstruir o nosso Acampamento. Hellen, anuncie isso para todos. Aqueles que estiverem contra podem ficar aqui no bunker. O conselho está encerrado.

Anne enterrou a cabeça nos braços cruzados, com a orelha vermelha de raiva. Ao sair pela porta, ela bateu na Hellen de propósito, só para ter a chance de dizer.

— Você é nojenta.

Hellen sorriu.

~Ψ~


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