Aquele que Perdeu a Memória escrita por Ri Naldo


Capítulo 25
Conte de fée




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/649766/chapter/25

Fomos levados até a Principia, onde Adam e Claire nos mostraram a sala de reuniões do Acampamento Romano.

Era uma sala fechada, bem iluminada, com quadros brancos em todas as paredes, gizes, apagadores e uma mesa de mogno rodeada de cadeiras de couro que continha um mapa de todos os Estados Unidos em cima.

Além de Adam e Claire, estavam na sala Peter, Mariah, Luíza, Beatrice, Francine, Melanie, os líderes do nosso Acampamento, Dylan, Lucas e eu. Anne mantinha uma distância considerável de Dylan, mas eu percebi que os dois se olhavam constantemente.

— Vocês chegaram há uma hora e já temos mais de cinquenta baixas — Adam iniciou a conversa.

— Vocês todos morreriam se os gregos não tivessem chegado aqui, acreditem — Peter fez ouvir sua voz.

— E por quê? Você acha que não conseguimos nos defender sozinhos? — Claire falou. Sua voz era penetrante e forte. Ela nunca sorria.

— Não contra uma deusa. E vocês sabem disso — interveio Melanie.

— E que diferença eles vão fazer nisso?

— Quando Lucas nos achou — Peter fez um gesto amplo para englobar Mariah, Luíza e Beatrice — eu não sabia da existência de deuses gregos. Eu estava vivendo um dia normal de escola com a minha namorada quando nosso ônibus virou e uma quimera nos atacou. Lucas nos salvou. Agora eu entendo que ele teve um motivo para isso. Beatrice e eu tivemos uma briga e eu fui embora. Não queria mais o treinamento de Lucas. Voltei para casa só para encontrá-la cheia de sangue e com um monstro horrível me esperando. Foi quando conheci Francine e a mãe dela, Melanie. Elas cuidaram de mim, e eu saí para encontrar meus pais em Columbus, Ohio.

— Columbus? — perguntou Mirina. — Nós já fomos para Columbus. Eu morri lá, inclusive.

— É verdade. Era onde Talassa mantinha Edward, Gabriel e Anastasius — Colin completou. Dylan, você… Ah, esquece.

— Eu estava lá? Desculpe, eu não lembro de nada — Dylan, ao meu lado, parecia confuso.

— Quem é Talassa? — perguntou Adam.

— É uma filha de Hécate, mas não é do nosso Acampamento — respondeu Anastasius. Ele também falava muito pouco — Ela vivia independente com a irmã dela, Luna. Na batalha de Los Angeles ela foi assassinada pela própria irmã. Mas, quando Dylan ressuscitou Louise e Mirina, Luna exigiu que ele a ressuscitasse também. Ao que tudo indica, Talassa está novamente com a irmã, Luna. O esconderijo delas era na prisão abandonada de Columbus, mas não sabemos onde elas estão agora, nem se estão do nosso lado.

— De fato, eu e Francine achamos a mansão dos três.

— Você achou a nossa mansão? — perguntou Gabriel. — Como? E por quê?

— Meu pai deixou um bilhete em casa com as coordenadas de lá. Eu só as segui. A porta estava aberta, mas não havia ninguém na casa. Então escutamos uma gritaria vindo do sótão, e descemos. Foi quando encontramos os meus pais, e os pais de Mae, Luy, By e Nal. Eles são semideuses. Bom, a maioria deles.

— O quê?! — exclamou Beatrice. — Semideuses?

Mariah e Luíza estavam perplexas. Todo mundo na sala estava.

— Semideuses adultos? — comentou Colin.

— Até mesmo aqui, em Nova Roma, é muito raro que passemos dos trinta e cinco anos — disse Claire. — Como eles conseguiram se esconder?

— Nós vivíamos na área rural. Fazendas tem um cheiro muito característico de cocô de vaca e mato.

— Muito inteligentes. Mas, se seus pais são semideuses, isso faz de vocês…

— Heróis, sim.

— Talvez os únicos no mundo — disse Palani.

— Você sabia disso desde o começo, Lucas? Foi por isso que você os salvou? — questionou Anne.

Lucas era o único que estava sentado em uma cadeira, também ao meu lado. Ele segurava a atadura que fizeram em seu ombro com a mão.

— Morrer foi difícil pra mim também. Eu estava acostumado com a onisciência. Perdê-la foi como perder um braço. Levou algum tempo até que eu pudesse me acostumar a viver sem ela. Juramentados do Pacto de Sangue não podem matar um ao outro, então quando a adaga que joguei tocou em Luna, era como se fosse ela me matando, então o que aconteceu foi o pacto se quebrando. Eu desapareci do Mundo Inferior e voltei ao local onde fizemos o pacto, então fugi para a Califórnia. Eu sabia de coisas importantes, eu podia sentir a ausência delas em minha mente, e eu tentei de tudo para tomar aquele conhecimento de volta, mas não consegui. Aos poucos eu fui lembrando de algumas coisas. Mesmo que a ideia parecesse absurda para mim, eu tive um vislumbre de memória onde Atena/Minerva estava planejando algo para destronar Zeus. Luna também sabia que era ela. Eu não entendo por que ela não tentou avisar os semideuses, ou por que ela não me deixou fazê-lo. Eu lembrei também que havia cinco heróis na Califórnia, e que meu trabalho era procurá-los, treiná-los e entregá-los em segurança ao Acampamento Romano. As coisas ainda são muito confusas na minha mente. Eu não sei o motivo, só sabia que tinha que fazer isso, e fiz. Mas o Ronald… Eu não pude protegê-lo. Sinto muito por isso.

— Espera aí. Você era onisciente? Como assim? — perguntou Adam.

— Sim, era. E eu tenho uns 80 anos. É uma longa história.

— Vocês gregos são estranhos pra caralho.

Lucas não pareceu se importar com aquilo. Na verdade, ele pareceu se divertir.

— E por que só a Anne lembra do Lucas? — perguntou Palani. — É como se ele tivesse sumido das nossas memórias.

— De novo, é uma longa história — respondeu Lucas. — Quando meu pacto com Luna foi quebrado, eu renasci. Meu eu passado foi apagado, junto com minha onisciência e as memórias de mim na mente das outras pessoas. Anne deve lembrar de mim porque ela estava lá quando morri.

— Dylan também lembra de você — ponderou Melanie.

— Mas não é por isso que ele lembra de mim, é, Melanie?

A mulher pareceu surpresa.

— Você sabe meu nome?

— Ah, eu sei de muitas coisas — e sorriu.

Todos ficaram em silêncio por algum tempo, olhando para ele.

— É brincadeira. Eu já vim no Acampamento romano antes. Éramos bons amigos, Melanie. Dávamos informações úteis um ao outro.

— Por que trocávamos informações se você era onisciente?

— Onisciência muitas vezes é confundida com vidência. Atena/Minerva, por exemplo, sabe cada detalhe nas nossas vidas. Ela sabe quando demos nosso primeiro passo ou quando sofremos por amor pela primeira vez. Mas ela não sabe que estamos tendo essa conversa agora. Nem sabe o que vamos fazer amanhã. Por isso ela precisava de um informante dentro do Acampamento, um filho de Atena.

— Hellen — afirmou Colin, cabisbaixo. Lucas assentiu.

— É apenas um jogo de probabilidades. E Atena sabe que as probabilidades estão monstruosamente a favor dela.

— Eu estava lá quando o pacto foi quebrado — disse Dylan, ao meu lado. — Então por que não é por isso que eu lembro de você?

— Porque vocês estão conectados — Peter voltou a falar. — Luna não deixaria você contar sobre Atena, Lucas, mas ela não estipulou nada sobre os Cavaleiros do Apocalipse. E você contou para os nossos pais enquanto eles ainda estavam no Acampamento.

— Olha, eu realmente não gostaria de estar envolvido em tudo que acontece — disse Lucas. Ele parecia estar falando sinceramente.

— Cavaleiros do Apocalipse? — disse Claire. — Eu já li sobre isso em algum lugar.

— Na Bíblia, provavelmente. Mas a verdade é que a Bíblia baseou-se nessa história. É mais antiga que qualquer pessoa que vocês já ouviram falar — Peter deu um passo à frente, e começou:

“Há muito tempo, quando os mundos dos homens e dos deuses não eram separados, quando não existia monstros, e quando os semideuses viviam em paz entre os humanos, houve uma rebelião. Um deus maior, arrogante e ambicioso, virou-se contra os seus iguais e decidiu tomar o poder para si. Desceu então aos homens e convenceu parte deles a juntar-se à sua causa, prometendo riquezas e glória até então inalcançáveis para um mortal. Eles viajaram o mundo todo, juntando seguidores e ficando cada vez mais fortes. O deus usou de seus poderes para transformar os mortais em um exército poderoso, capaz até de derrotar o mais forte dos deuses. Ele estava pronto para usurpar o poder. Os deuses, então, sentindo-se ameaçados e traídos, usaram da estratégia do deus contra ele mesmo. Escolheram um dentre os semideuses e o nomearam Peste. Deram-lhe um cavalo branco, um arco, uma coroa e uma máscara. Ele cavalgou leste até encontrar o exército rebelde, e usou de sua máscara de falsa inocência e paz disfarçada para ganhar a confiança dos inimigos, mas tão logo foi aceito, instalou a peste sobre o exército com seu arco. A moléstia era horrível: causava desfigurações, dor e terror. Um terço do exército ficou louco e caiu no abismo do Tártaro. Essas criaturas desfiguradas deram origem aos monstros. O primeiro cavaleiro havia cumprido seu papel; retornou. Sem demora, os deuses selecionaram mais um semideus e o nomearam Fome. Ele tinha um cavalo negro e uma balança. Marchou até o monte onde o restante do exército se recuperava da Peste. De lá, sua balança pendeu para um lado, e os campos ao redor morreram. A comida que o deus provia para seus seguidores apodrecia, de modo que mais um terço do exército morreu de fome. Então, a desigualdade foi instalada no mundo. A Terra agora era dividida entre ricos e pobres; fartos e famintos. O cavaleiro então sorriu satisfeito com seu trabalho; retornou. Só restava mais um terço dos inimigos, logo os deuses resolveram nomear o terceiro semideus Guerra. Deram-lhe um cavalo vermelho e uma espada que continha em seu interior todo o sangue já derramado no campo de batalha. Quando chegou ao monte, o cavaleiro trouxe a guerra para o restante do exército. Milhares de corpos jaziam inertes no chão, e de pé só restava o deus, furioso e vulnerável. Então, a paz foi retirada dos homens. Qualquer conflito era motivo de assassinato, e as nações convergiam em guerras intermináveis. A Morte montou em seu cavalo e partiu, mas sua presença foi logo substituída por um quarto cavaleiro. Tinha o corpo coberto por mantos em decomposição, deixando exposta apenas sua cabeça esquelética. Foi-lhe dado uma égua esquálida de cor amarela, a cor da podridão. Em suas mãos, portava uma foice que emanava doenças. Era cercado por uma aura avermelhada e quente: parecia que o próprio Inferno o seguia. O cavaleiro desmontou de sua égua e afrontou o deus. Eles lutaram por dias a fio, sem descanso, até que, por fim, o deus caiu. Sabendo que a batalha estava perdida, ajoelhou-se e pediu perdão a seus irmãos. A Morte então curvou-se e sussurrou no ouvido do deus. Logo após, levantou sua foice e, com um único golpe, decepou o deus, extinguindo-o permanentemente da existência. Os deuses convocaram um banquete de sete dias para comemorar a vitória, mas nenhum mortal compareceu: não havia o que comemorar. O mundo agora era caos. Poder e riqueza prevaleciam sobre honestidade e bondade. A morte agora os seguia de perto. A peste estava em todo lugar. A fome assombrava as casas. E a guerra separava as famílias. Os deuses, envergonhados dos seus feitos, criaram a Névoa, e separaram para sempre o mundo divino do plano mortal.”

Quando a história acabou, ninguém disse uma palavra. Ficamos todos em silêncio, ponderando sobre o que acabamos de ouvir.

— Então eu, Dylan e Lucas somos os três Cavaleiros? — perguntei.

— Ao que tudo indica, sim, Mason. O espírito da Peste, Fome e Guerra estão em vocês. Só não sabemos qual é qual.

Engoli em seco. Há alguns dias atrás, eu não sabia quem eu era. Então, de repente, eu reencontrei minha mãe e acusei uma deusa de traição. Agora eu era o encarregado de destruí-la, e provavelmente morreria no processo.

— Mas não são só três cavaleiros — afirmou Mirina. — O que levanta uma questão.

Todos os olhares estavam em nós, como se pudéssemos magicamente adivinhar a resposta.

Quem é a Morte?

Ψ


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Aquele que Perdeu a Memória" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.