Aquele que Perdeu a Memória escrita por Ri Naldo


Capítulo 2
Lait


Notas iniciais do capítulo

Sabe quando eu disse que todos (cof, cof, Maria Fernanda) iriam ganhar um personagem?

Achou que eu estava brincando?



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Eu simplesmente não conseguia parar. Era bom demais.

O toque macio da minha boca na dela me fazia esquecer tudo. Ainda mais quando ela mudava de um beijo calmo e apaixonado para algo selvagem e molhado. E as minhas mãos descendo pelas costas dela até chegar na bunda só intensificavam mais.

Ficamos assim por um bom tempo, até que ela parou para respirar. Aproveitei e tirei as minhas costas da árvore, porque eu só tinha percebido que estava doendo depois que a adrenalina do beijo tinha passado.

Depois de recuperar o fôlego, ela me deu outro beijo breve e se aninhou nos meus braços. Eu acariciei a barriga dela.

Estávamos encostados em uma árvore, a uma distância considerável da fazenda. Só queríamos um tempo sozinhos.

Então eu senti algo molhado em minhas mãos, e, quando olhei, vi o vermelho brilhante pingando no chão. O sangue de By escorria por um ferimento na barriga dela, pintando tudo de rubro. De repente, a boca dela também se encheu com o líquido vermelho, seguida dos olhos, do nariz e das orelhas. O sangue estava saindo por todos os lugares que podia.

Ela começou a ter convulsões e uma parada respiratória. Eu não fazia nada além de observá-la morrer, tremendo, chocado.

Quando o último suspiro saiu pelo seu nariz ensanguentado, eu gritei.

Vi a grama sumir do cenário, assim como a árvore, o horizonte e a By. Então só restaram eu, meu quarto e minha mãe na porta.

— Você está bem, Peter?

Passei a palma da mão suada pelo rosto, me acalmando.

— Sim, mãe. Foi só um pesadelo.

Ela entrou. Estava com as mãos entrelaçadas, demonstrando preocupação.

— Você está tendo muitos ultimamente.

— Mãe, está tudo bem. Não precisa se preocupar. Deve ser só uma fase de insônia ou algo assim, não é a primeira que eu tenho, a senhora sabe.

— Quer um pouco de leite?

— Quero sim.

Quando ela voltou com um copo do líquido branco, eu sorri e agradeci.

— Eu amo você.

Meu sorriso aumentou. Eu queria sair da cama e abraçá-la, mas eu ainda estava tremendo e não queria que ela visse.

— Eu também amo a senhora. Boa noite.

Assim que ela fechou a porta, bebi metade do leite em um gole. Estava morno, do jeito que eu gostava. Encostei a cabeça no travesseiro e apreciei a constelação de Libra na janela até dormir novamente.

Ψ

O começo do meu dia foi uma compilação de tarefas praticamente programadas: acordei, tomei um banho, me vesti, tomei café, me despedi da minha mãe e do meu pai.

— Peter, você deixou metade do leite na cabeceira. Não vai terminar de beber?

Coloquei a mão na barriga.

— Já estou cheio, pai. Quando chegar eu bebo o resto.

Ele me olhou de cara feia, assentiu e voltou a mergulhar no jornal diário.

Saí de casa e peguei o ônibus escolar amarelo que estava esperando no portão. Ao subir a escadinha e olhar para o corredor, vi uma dupla de assentos familiar, onde uma menina guardava o lugar ao lado com a mochila, e espantava qualquer um que tentasse sentar lá. Bom, qualquer um menos eu.

Assim que me aproximei, ela tirou a mochila e me deixou sentar, com um sorriso que fazia os olhos castanho-claros brilharem. Eu beijei o pescoço dela de leve, sentindo os pelos eriçarem com o arrepio que veio depois.

— Bom dia, By.

— Bom dia, Peter.

— Oooooh, olhem se não é o casal mais fofo do mundo — vi uma cabeça aparecer entre nós, impedindo que nos beijássemos de novo, e reconheci os cabelos pretos e cacheados de Mae.

— Bom dia para você também — disse By, empurrando Mae de volta na cadeira e me beijando logo em seguida.

Quando terminou, ela juntou nossas testas, olhando para mim fixamente. Depois, deu um tapa na minha cara que fez minha cabeça doer. Soltei um palavrão, massageando a bochecha. Quase todos no ônibus olharam para nós. Mae soltou risinhos.

Como se já não bastasse a dor, By estava me olhando com raiva.

— O que eu fiz agora?

— Você vai viajar e não me diz nada?

— Ah, isso. Bom, achei que você ia descobrir de qualquer jeito.

— Custava me avisar? Meu Deus, Peter. O que eu vou fazer sem você aqui?

— O que você faz quando não estamos juntos?

— Penso em você.

— Pense em mim.

De repente, ela me abraçou. A dor foi embora.

— Você é meio bipolar. Tem certeza que não precisa de um psiquiatra?

Ela soltou uma risada meio triste.

— Quanto tempo?

— Três semanas, no máximo.

— Três semanas.

— Passa rapidinho, você vai ver. Eu queria muito ficar com você, mas preciso ir, ou os meus pais me matam.

Ela apertou as minhas costas com mais força. Eu lembrei do sonho e retribuí o aperto.

— Bleh. Parem com isso ou eu vou vomitar — Luy estava no banco da frente, de mal humor e com os braços cruzados como sempre.

— Bom dia para você também, Luíza — eu disse, quando a By me largou.

Se a intenção dela era quebrar o clima, conseguiu, pois ficamos o resto da viagem até a escola calados. Exceto pelos risinhos que Mae dava ao ver minha cara de desgosto.

Ψ

— E então, dióxido de cloro reage com a água formando ácido hipoclorídrico. Essa é a função dos óxidos ácidos, formar substâncias com PH elevado. Já os óxidos básicos…

— Meu Deus, ninguém merece isso.

Naturalmente, Luy só reclamava de toda e qualquer aula que tínhamos.

By levantou a mão.

— Professor, o que aconteceria caso um óxido neutro entrasse em contato com uma base?

Luy deu tapas na própria cara, e eu enterrei a palma da mão na bochecha, com sono. Quando o professor abriu a boca, o sinal tocou. Foi como o sino dos anjos libertando o povo.

— Na próxima aula, Beatrice. Por agora, vocês estão liberados.

Como eu sentava na cadeira imediatamente atrás da porta, fui o primeiro a sair. Encostei no lado de fora da parede da sala de aula e esperei a By sair.

— Você vai ficar lá em casa hoje, não é? — perguntei.

— É, mas esqueci de avisar aos meus pais.

— Não tem problema. A gente liga para eles quando chegarmos.

Ela colocou a mão na barriga.

— Que fome.

— Tem razão. Venha.

Eu a puxei até o refeitório, onde Mariah, Luíza e Ronald estavam nos esperando, na mesa em que sempre ficávamos.

— Nal? Você não estava na aula hoje. Como está aqui? — perguntei, me sentando.

— Ah, eu tinha um compromisso com o time de futebol. Fomos jogar em outra cidade, sabe? Acabamos de chegar, aliás.

— Deixa eu adivinhar… Perderam.

— É. Mas a culpa foi do juiz! Filho da…

— Calma, pelo menos você não precisou assistir à aula de química.

By me deu um tapa no ombro e me olhou feio.

— O que foi? É chato mesmo.

— Você que é muito burro para entender.

Luy fingiu que estava vomitando.

— Então, Mae, como vai a vida?

Ela olhou para mim, confusa.

— Você não fez essa pergunta ontem?

— Muitas coisas poderiam ter acontecido de ontem para hoje.

— E desde quando você se importa? — ela semicerrou os olhos.

— Desde que eu preciso de um favor — eu forcei um sorriso.

— Sabia. O que você quer agora?

— Seu caderno.

— O quê? Peter, você não vai copiar todas as respostas de novo.

— Qual é, Mariah. Alguém — apontei nada discretamente para a By, que estava apreciando um hambúrguer em silêncio — vai tomar toda a minha tarde hoje. Por favor.

Ela abriu a bolsa e tirou o caderno, oferecendo-o a mim. Eu peguei, mas ela não o soltou.

— Nunca mais, entendeu?

Eu assenti. Quando ela soltou, eu o coloquei na minha bolsa e fiz um coração com as duas mãos na direção dela. By se levantou e jogou o plástico que acompanhava o hambúrguer no lixo, junto com um guardanapo e a lata de refrigerante vazia.

Eu levantei e envolvi a cintura dela com um braço.

— Vocês vêm também? — ela perguntou, para os que ainda estavam na mesa.

— Não — Nal respondeu. — Tem uma palestra sobre jogos online daqui a pouco. Eu pensei que vocês vinham.

— Jogos online? Desde quando você e a Luy gostam disso, Mae?

— Ronald conseguiu a enorme proeza de nos deixar interessadas.

By olhou para elas com uma cara de espanto.

— O que foi? Eu não tenho nada para fazer mesmo — Luy deu de ombros.

— Deveria arrumar um namorado — eu disse, rindo.

— E você deveria se ferrar.

Eu peguei na mão da By e fiz uma saudação de soldado para os três. Nal fez o mesmo, Luy deu um aceno forçado e Mae murmurou algo sobre o caderno. Depois, nós dois saímos do refeitório e seguimos até a entrada da escola, onde o mesmo ônibus escolar amarelo estava prestes a sair.

Ψ

Eu estava olhando pela janela, observando as grandes plantações que se estendiam para além do horizonte. Era um tanto reconfortante saber que eu passaria o resto do dia em um lugar calmo, provavelmente embaixo de uma árvore, abraçado com a Beatrice. Nada mais importava agora, só ela. Eu nem sabia que era possível sentir algo tão grande assim.

Então, senti a cabeça dela encostar no meu ombro. Eu passei um braço pelas suas costas para poder acariciar a mão dela.

Aproximei minha boca do ouvido livre dela.

— Eu te amo. — sussurrei, baixinho, preparado para aproveitar o arrepio que viria logo em seguida.

Ela levantou a cabeça, com um sorriso infantil no rosto. Os lábios dela estavam vermelhos, assim como as bochechas. Eu a beijei.

Um buraco no meio da estrada fez o ônibus pular, e o meu dente perfurar o lábio inferior dela. Senti o gosto de sangue na boca e me afastei. Ela pôs um dedo na ferida, tentando estancar o sangramento.

— Desculpe, eu…

Ela me interrompeu.

— Não foi culpa sua.

Outro buraco fez a minha bolsa cair da prateleira no teto, e mais outro fez um menino derrubar o refrigerante que estava bebendo no cara do lado.

— Eu não lembro dessa estrada ser assim — By comentou.

— Nem eu, deve ser por causa da…

Eu vi a paisagem da janela virar noventa graus para a direita. Por uma fração de segundo, antes do ônibus virar e de todas as janelas estourarem, eu vi a cara de espanto de todas as pessoas que estavam lá, principalmente a da By.

Segurar no banco da frente era inútil, fui jogado para o lado com força total do mesmo jeito. Senti meu braço bater na parte de ferro do assento, causando uma dor infernal. Segurei o grito que veio junto com ela.

Perdi a conta de quantas vezes o ônibus capotou, só sei que quando parou, a porta estava no lugar do teto. Automaticamente procurei pela Beatrice. Ela estava viva, mas com a perna completamente ensanguentada. Afinal, havia sangue por todo o lugar.

— Abra a porta de segurança — ela disse, gemendo de dor.

Eu localizei a alavanca vermelha e a puxei, soltando os mecanismos que prendiam a janela, cujo vidro estava completamente quebrado. Assim que consegui chutar a parte de ferro para fora, os que ainda estavam conscientes se amontoaram para sair.

— Calma! — eu gritei. — Sem pânico, por favor! Todos vão sair, eu prometo, mas só se tiverem calma.

Então, um por um, todos os sobreviventes foram saindo do ônibus destruído.

— Alguém que conseguir linha, por favor, chame os bombeiros. Eles conseguirão tirar os inconscientes que ainda estão lá dentro — pedi.

By estava olhando pelas janelas, procurando alguém acordado. Eu vi uma fumaça preta sair do capô, e demorei alguns segundos para entender o que significava. Quase não foi o suficiente.

Corri o mais rápido que eu pude, agarrei a By e me joguei no chão, protegendo-a com o meu corpo. Atrás de mim, o ônibus explodiu. Senti o fogo queimar boa parte das minhas costas, mas permaneci lá, sabendo que eu estava mantendo-a segura.

Agora não tinha mais inconscientes para os bombeiros salvarem. Apesar dos gritos e socos que ela dava em mim, só a soltei quando o fogo abaixou. Deitei no chão, deixando a dor me dominar por inteiro. Beatrice me abraçou, chorando.

— Seu idiota! — ela meio rosnou, meio gritou. — Você poderia ter morrido.

— Você iria morrer — respondi, soltando arquejos de dor logo depois.

Os gritos e choros dos sobreviventes enchiam o ar com um grande pandemônio, alimentado pela fumaça extremamente preta que saía do ônibus, inteiramente torrado.

Mas, de repente, todo o barulho parou quando uma figura preta apareceu no topo da colina onde estávamos.

No começo, pensei que era um lobo muito grande. Mas, com um tempo, percebi que não existem lobos de três cabeças. E principalmente quando era uma cabeça de leão, outra de dragão e outra de bode.

A cabeça de leão soltou um rugido, e as outras duas soltaram fogo pelas narinas. A cauda, que era uma serpente, levantou-se tão alto que tapou o sol do meio-dia. Eu só não fiz xixi nas calças porque já tinha feito quando o ônibus capotou.

Beatrice me levantou, e eu olhei nos olhos dela.

Havia uma centelha de pânico que estava crescendo em uma velocidade absurda. Ela deveria estar vendo a mesma coisa nos meus olhos. Antes do monstro dar um pulo e correr atrás de nós, só houve tempo para uma palavra.

— Corra.

~Ψ~


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