Aquele que Perdeu a Memória escrita por Ri Naldo


Capítulo 17
Flamme


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez, contamos com as imensuráveis habilidades do Mestre Clodoaldo para performar este capítulo.



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— Pulem! — foi o que Lucas disse quando eu derrubei o dragão.

Usei magia do cajado. Todo o meu braço fraquejou, e eu caí de joelhos. Agora eu sabia como Lucas se sentia quando usava magia muito forte.

O dragão se arrebentou no chão, destruindo um lixeiro e explodindo um carro. Todos nós fomos afetados pela explosão. Lucas se levantou junto com Anne.

— Você está bem? — ele perguntou.

— Estou — respondeu Anne.

— E você, By, está bem?

— Estou — respondi, levantando-me com dificuldade. — E acho que ele também…

Apontei para o dragão. Ele se contorcia e parecia que a queda havia quebrado sua asa esquerda. Ele era cor de prata, reluzia quase toda a luz do sol, e por causa disso era um tanto difícil olhar para ele. Todos sacamos nossas armas, mas a criatura soltou um rugido estridente seguido de uma rajada de fogo que queimou o braço esquerdo de uma garota magra. Ela caiu no chão, gritando de dor. Lucas a pegou nos braços e sugeriu que nos afastássemos para um beco estreito e se pôs na frente para que ficássemos seguros.

— O que vamos fazer? — gritou Anne.

Todos estávamos com medo. Menos Lucas e as pessoas que encontramos na praia. Semideuses, como Lucas. Anne e Hellen — a que estava queimada —, eram corajosas e estavam olhando o monstro friamente.

— Temos que pensar racionalmente…

Hellen foi interrompida quando a cauda do dragão acertou Lucas e ele foi projetado para o fundo do beco. Hellen jogou uma espada, mas bateu na pele dura do monstro, fez um barulho metálico e ricocheteou para o chão. A escamas dele eram impenetráveis.

Lucas gemeu. Hellen tirou o que parecia ser uma barra de cereal do bolso e deu uma mordida. Em alguns segundos, a queimadura sumiu. Arregalei os olhos, surpresa. Ela e Anne correram para ajudá-lo. Os outros semideuses ficaram na saída, tentando impedir que o dragão matasse alguém, mas ele parecia prestes a colocar todo o beco em chamas a qualquer momento.

Lucas se levantou. O dragão rugia do lado de fora do beco. Se contorcia e rodava no próprio eixo, querendo pegar ou parar com a dor da asa quebrada.

Lucas tirou a poeira do ombro.

— Temos que pensar muito bem… — começou Hellen.

Lucas falou algo que eu não o veria falar.

— Cala a porra da boca — Hellen se calou imediatamente. Anne sorriu. — Essa besta é minha.

E tirou uma adaga da cintura.

Ψ

Subi as paredes do beco até chegar no topo do que restava do muro. Eu estava com uma adaga na boca. O dragão provavelmente estava se preparando para soltar uma rajada de fogo neles. Mas aquele merda ia se ver comigo. Ninguém mexe com a minha camisa nova.

Gritei de cima do muro, antes que ele cuspisse fogo nos outros.

— Ei, lagartixa!

Desenhei um símbolo na lâmina da adaga, e, quando eu a joguei no olho do dragão, ela flamejou. Foi o suficiente para que ele percebesse que eu estava lá. Pulei de cima do muro bem em cima das costas dele. A besta correu pela rua em destroços e eu me agarrei na asa quebrada. Ele soltou um rugido de dor e correu para a frente de um prédio. Eu já sabia o que ele iria fazer. Todos saíram do beco e foram para a rua, ver a cena.

“Isso vai ser divertido”, pensei.

O dragão cravou as patas dianteiras na parede do prédio e começou a escalar. Ficou difícil para que me equilibrasse, então pulei no ombro dele, ficando à mostra. Ele tentou me morder, mas eu pulei na parede acima da cabeça dele. Ele seguiu escalando e eu me apressei, subindo o mais rápido que pude. Para ele era mais fácil, já que era um réptil e podia derrubar o prédio na porrada. Mas sua asa estava quebrada, e isso o atrasava. Ele viu que não iria me alcançar e jorrou fogo de sua garganta ardente.

— Fogo? Seu covarde! — falei.

Vi uma janela acima e me joguei, quebrando o vidro e tudo mais que estava na minha frente — acho que destruí um aquecedor! Era um prédio executivo. As pessoas se levantaram atônitas quando eu entrei e surtaram quando o dragão quebrou a parede. Corri rapidamente e o dragão me seguiu, rugindo, e, provavelmente, tirando as pessoas do seu caminho na base da mordida. Digo isso pois não olhei para trás, só ouvi os gritos das pessoas e o barulho úmido de suas carnes serem esmagadas. O que será que elas veem? Uma motosserra gigante matando tudo pela frente?

Normal. Terça-feira.

Eu me joguei na próxima janela e me agarrei numa corda que segurava um andaime de limpeza de janelas, onde dois trabalhadores estavam apagando uma pichação. Ao me verem, eles tiveram um susto e deixaram a tinta cair no chão, uns cem metros abaixo. Tive uma ideia imediatamente. Mas o dragão precisava soltar fogo.

Estabilizei o elevador que estava balançando e me virei para a janela. Ele parou ao me ver, sendo arrastado alguns metros pelo impulso em que vinha. Quebrou a parede e ficou como um urso, as duas patas traseiras no chão, erguendo as patas da frente. Sua cauda tentou procurar um ponto de apoio, mas achou o corpo dos infelizes pintores, que caíram, gritando. Bufei de raiva. Ele abriu a boca para me vaporizar com o fogo, mas eu fui mais rápido.

A pele dele era impenetrável, então joguei uma bombinha de pó de bronze celestial na boca dele. Ele mordeu o ar e engoliu todo o pó dourado. A explosão pulverizou não só o monstro, mas todo o andar em que estávamos e também as cordas de aço do andaime.

Caí junto ao elevador.

Ϟ

Lucas e o dragão caíram, eu vi.

Corremos em direção ao prédio, mas uma neblina de poeira cobria o local.

— Você acha que ele sobreviveu, Anne? — perguntou Hellen.

— Se refere a Lucas ou ao dragão? – devolvi.

Ela franziu o cenho e nós continuamos em direção aos dois.

Lucas estava de joelhos, respirando pesadamente e muito ferido. Estava na frente de um uma pilha de poeira dourada.

Tentei me aproximar, mas ele me parou com um gesto. Fez uma concha com as mãos, pôs na frente da boca e gritou.

— Ánemos!

Um vento forte levou a poeira do dragão e a poeira do concreto destruído.

— Isso foi divertido — ele disse, antes de cuspir uma poça de sangue.

Ψ

Ficamos parados, abraçados, ouvindo o barulho de vidro e concreto sendo esmagados.

O dragão prateado tinha ido embora por um tempo, mas logo voltara, destruindo tudo pelo caminho. Pela brecha da porta, pensei ter visto um garoto correndo pelo átrio na frente do monstro.

Ao meu lado, Millena tirava o sutiã, exibindo seus seios fartos.

— O que você está fazendo? — perguntei, confuso.

— Não vamos fazer sexo uma última vez antes de morrer? — ela olhava para mim como se aquilo fosse natural.

Peguei o sutiã no chão e entreguei de volta a ela.

— Não vamos morrer. Olhe.

Forcei a porta do armário, e ela se abriu um pouco, liberando uma pequena brecha que nos separava do salão. Isso significava que o bloco de concreto que a estava bloqueando se movera só um pouco. Mas era o suficiente.

— Vem cá, ninfomaníaca.

— Ninfomaníaca é a sua mãe.

— Sempre gentil. Vem logo.

Ela se aproximou de mim e eu peguei o braço dela. A brecha era estreita demais para que o meu braço passasse, mas o dela entrava e saía com facilidade. Tirei minha arma do bolso traseiro da calça e entreguei a ela.

— E você acha que um tiro vai quebrar todo o bloco? Sabe calcular o centro de massa sem nem olhar para ele?

— Você deveria parar de ser tão ranzinza, ou vou acabar tapando sua boca com fita adesiva. De novo.

Ela me lançou um sorriso que realmente era de uma ninfomaníaca. Eu me arrepiei.

— Estou ficando com medo de você. Me dê sua arma.

Ela tirou o revólver Taurus do bolso do casaco e me entregou. Eu abri o tambor e retirei de lá os cinco cartuchos de bala. Rompi-os e tirei toda a pólvora, colocando-a na mão de Millena.

— Ah — ela disse. Eu fiz uma careta.

Encostei meu rosto no chão para localizar onde a pedra estava agora. Mille passou a mão cheia de pólvora para fora do armário. Quando ficou exatamente em cima do bloco de concreto, eu avisei. Ela virou a mão e o monte de pó explosivo caiu em cima do bloco. Então ela pegou a arma e deu um tiro com mira perfeita. A pedra explodiu.

Ela gritou, e nós dois caímos em cima da porta, que se desprendeu da fechadura e caiu com um baque surdo no chão. Um fragmento de concreto tinha se cravado na palma da mão dela.

Levantei-me e fui até a mesa onde outro bloco de concreto proveniente do teto tinha caído logo em cima da cabeça do General, decapitando-o e esmagando seu crânio. Acreditem, não era uma cena muito boa de se ver. A sala toda não era uma cena muito boa de se ver. Havia poeira, pedras e vidro quebrado em todo lugar, e as lâmpadas no teto estavam estilhaçadas, soltando faíscas rápidas que causariam uma tremenda explosão se algum tanque de gás estivesse vazando. Ou seja, tínhamos que sair dali o mais rápido possível. Mas não antes de ajudar a minha namorada.

Abri uma gaveta e procurei uma caneta. Achei uma esferográfica azul da marca Anaklusmos. Um nome estranho, mas isso não importava.

Mille estava no chão, gemendo de dor. Eu sentei ao lado dela e fiz um pouco de carinho nos seus cabelos castanhos.

— Preparada para mais um pouco de dor?

A voz dela estava fraca.

— É, quem nunca?

Peguei a mão dela com delicadeza e posicionei a caneta na extremidade da pedra, fazendo só um pouco de pressão contra a pele, mas foi suficiente para que ela se retraísse.

Suspirei. Sim, iria doer muito.

Ela me devolveu a mão e segurou minha perna com a outra. Posicionei novamente a caneta e, com um único movimento, apertei com toda a força para baixo, movi para debaixo da pedra e a retirei. O concreto teria feito um barulho alto contra o vidro no chão se não estivesse abaixado pelo grito de Millena. Todo o prédio deve ter ouvido aquele grito. Ela apertou minha perna com tanta força que eu gritei também.

Quando os gritos pararam, ela me abraçou. Passei os dedos suavemente pela sua nuca, dizendo que estava tudo bem. Então ela começou a rir, tão alto e com tanta vontade que eu ri também.

— Você é o melhor namorado do mundo.

— Não sou eu quem explode pedras por aqui. Vamos, antes que todo esse lugar exploda.

Rasguei uma manga da minha camisa camuflada do exército e enrolei a palma da mão de Millena com ela. Nos levantamos e seguimos caminho em direção ao corredor destruído, onde duas portas amassadas revelavam o vão que antes fora um elevador.

— Que cheiro é esse? — Mille perguntou, com uma careta.

Eu sabia antes mesmo de senti-lo. Gás.

Tudo ficou em câmera lenta. Olhei para o teto, onde havia uma lâmpada quebrada. Uma pequena faísca se desprendeu dos fios, gerando uma reação de combustão em cadeia. Agarrei minha namorada pela cintura e me joguei no vão do elevador um segundo antes que as chamas nos atingissem.

— Nós vamos morrer! — ela gritou.

— Nós íamos morrer de qualquer jeito!

— Eu disse que deveríamos ter transado!

Tentei me agarrar ao cabo do elevador, mas o atrito era tão grande que cortou toda a minha mão. Abracei Millena o mais forte que podia, esperando o final do poço. Mas, de repente, uma voz ecoou pelo túnel, e paramos no ar. A torrente de chamas logo acima de nós também parou, como se houvesse uma barreira impedindo-a.

— Ánemos! — foi o que ecoou.

Lentamente começamos a descer o poço, até que chegamos em segurança na base, onde uma garota pálida e de cabelos pretos estava nos esperando.

— Vocês se machucaram? — ela perguntou. Mas eu tinha dezenas de perguntas diferentes para fazer.

— O que aconteceu? Por que não morremos? O que foi aquilo? Por que tinha um dragão nas janelas?

Ela arregalou os olhos, confusa.

— Vocês viram um dragão?

— Como assim, se vimos um dragão? É claro que vimos o dragão! Estava bem na nossa frente.

Troquei olhares com Millena. Ela parecia tão confusa quanto eu.

— Desculpem — disse a menina. — Mas vocês vão ter que vir comigo.

Ψ


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