Aquele que Perdeu a Memória escrita por Ri Naldo


Capítulo 18
Prophétie




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Sentei no banco onde eu e Annabeth estávamos, devastado. Minha mãe sentou ao meu lado e acariciou minha bochecha, preocupada.

— O que foi, querido?

Olhei para Annabeth. Ela não tinha dúvidas, sabia o que estava acontecendo.

— Senhora, qual o seu nome? — ela pôs a mão no ombro da minha mãe.

— Dorothy. Dorothy Campbell. — respondi, com toda a certeza. Meu sobrenome era Campbell.

— Dona Dorothy, precisamos conversar — Annabeth continuou. — Sei que está tudo muito complicado. Eu mesma estou mais confusa a cada segundo, mas vai tudo ser esclarecido se a senhora responder algumas perguntas. Primeiro, lembra do dia em que Mason desapareceu?

— Lembro — ela confirmou, quase chorando. — Eu já trabalhava aqui. Foi há quase três anos. Deixei-o em casa com a babá, e quando eu voltei nenhum dos dois estavam mais lá. Notifiquei a polícia e eles fizeram buscas, mas todas sem resultado. Eu sabia que ele não voltaria.

— Então a senhora sabe por que ele desapareceu?

Minha mãe engoliu em seco.

— A babá de Mason, Pallas, se eu não me engano, me contou que ele era um garoto compulsivo, agitado. Que ele não se daria bem na vida em sociedade. Ele teria que ir para algum tipo de acampamento especial, se recuperar. Eu não queria abrir mão do meu filho, então fingi que não acreditei no que ela falava. Mas a cada dia eu percebia que era verdade — ela olhou para mim. — Você bagunçava tudo, dormia menos de três horas, não conseguia ficar parado. Cuidar de você dava muito trabalho. Ela ficou conosco por quatro anos, então tentou me convencer de outro jeito. Disse que você era filho de algum deus antigo, da mitologia grega. E que estava ficando mais perigoso a cada dia te manter em casa. Foi aí que eu percebi que aquela mulher era louca. Avisei que ela teria dois dias para arrumar as coisas e sair da nossa casa, e fui trabalhar. Quando voltei, os dois tinham ido embora. Foi o pior dia da minha vida, eu passei noites em claro chorando, sem esperança. Recebi uma licença do porto, portanto tive muito tempo para pensar. Depois de refletir tanto, vi que o que Pallas dissera fazia algum sentido. Se seu pai fosse um deus, explicaria por que ele me abandonara quando eu estava grávida, e por que eu senti uma atração tão grande na primeira vez que o vi. Eu não sei explicar. Ele emanava calor.

— Calor? — Annabeth ponderou. — Pode ser Hefesto.

— Não acho que seja — minha mãe negou. — Ele não gostava de máquinas, tampouco era feio.

— Então a senhora sabe dos deuses? Sabe que é verdade?

— No meu último dia de folga, quando eu acordei, ele estava sentado ao meu lado na cama. Disse que me amava, mas seria impossível ficar comigo. Explicou tudo sobre os deuses, semideuses e heróis, confirmou que era tudo verdade, e que ele era um deus. Contou que Mason era um semideus, mas algo mais. Ele disse que meu filho iria salvar o mundo algum dia — ela colocou a mão no meu ombro. — Você é especial, Mason, eu não sei como, mas é. Eu aprendi que você estaria seguro nesse acampamento, e seu pai me prometeu que eu e você nos veríamos mais uma vez, e aqui estamos nós.

Aquela babá. Agora eu lembrava claramente dela.

— Tem mais, mãe.

Annabeth olhou para mim, apreensiva. Eu continuei a contar a cena que não saía da minha cabeça.

— Pallas me levou de casa quando eu estava dormindo. Acordei em uma montanha. Ela tinha trocado de roupa, vestia uma toga grega e um elmo romano. “Você é muito poderoso”, ela disse. “Um dia poderá ser útil para mim, mas se eu deixar você descobrir quem realmente é, arruinará todos os meus planos.” Então tirou uma adaga cinza da toga. Eu entrei em pânico, mas ela tinha me amarrado à uma pedra na montanha. “Sabe, Mason, paciência é a chave para tudo. Não adianta arquitetar um plano, mesmo que seja o melhor, se não tiver a paciência de esperar que as circunstâncias estejam favoráveis. Matar você agora garantiria meu sucesso absoluto, se não fosse o fato de que todos os outros deuses descobririam o meu plano. Então não, eu terei paciência. E quando você lembrar de mim, vai ser tarde demais. Todas as circunstâncias estarão favoráveis. As Portas da Morte estarão abertas, e os Cavaleiros do Apocalipse estarão fora de sincronia. Você já terá perdido há muito tempo. Lembre de tudo que eu disse, Mason, e, principalmente, lembre dessa frase:”. Então os olhos dela ficaram completamente cinzas. A roupa começou a balançar freneticamente, mesmo sem vento. “Eu serei a rainha. Quando lembrar, espalhe aos quatro cantos do mundo. Diga que sou eu”. Depois eu só lembro de matar um ciclope com uma pedra e de encontrar Dylan.

— Então a vilã foi quem tirou a sua memória. Pelos deuses. Você sabe quem é? — Annabeth perguntou.

Abaixei a cabeça, triste.

— Ela disse que eu saberia.

— E sabe?

Olhei para Annabeth, com pesar no rosto.

— Você não vê? Pallas é como os romanos chamavam Minerva.

Ela deu um passo para trás, com os olhos arregalados. Annabeth soltou um grito que eu nunca pensei que a veria soltar.

— Atena.

Ψ

Um menino estava vomitando sangue em um beco.

Umas dez pessoas olhavam para mim e para Jack como se fôssemos uma exposição de arte.

— Beatrice, quem são esses? — perguntou uma garota de cabelos pretos como a da suposta Beatrice, mas curtos.

— Eu não sei, são sobreviventes do prédio.

— Ótimo, parabéns, leve-os para a ambulância, temos mais o que fazer.

Ela parecia desinteressada em nós.

— Eles viram o dragão, Anne.

A garota arregalou os olhos, surpresa. Depois, se aproximou de mim.

— Eles podem ver através da Névoa também? O que é isso, festa?

— Do que vocês estão falando? — perguntou Jack, nervoso. — Por que diabos tinha um dragão no prédio da Infantaria? Um dragão! Meu Deus.

— É, um dragão. Acostume-se, mais coisas estranhas virão pela frente. Ei, isso é uma atadura? — Anne pegou a minha mão para verificar o pano coberto de sangue da cratera que fora aberta na palma da minha mão.

— Não toque nela — Jack tinha sacado a arma, e apontava diretamente para a cabeça de Anne.

As outras pessoas deram um passo para a frente, com a mão nas espadas e arcos, mas a garota levantou um dedo e elas pararam.

— Eu não sou sua inimiga, estou tentando ajudar. Sei que é confuso, mas vamos explicar tudo. Se acalme, tudo bem?

— Nem mais um passo, ou eu atiro.

Ela deu um passo. Ele atirou.

Todos recuaram ao ouvir o som do gatilho, mas a arma estava descarregada, felizmente.

Anne deu um chute na mão do meu namorado, e a arma saiu voando para longe. Eu fiquei em choque, estava tudo acontecendo muito rápido. Jackson recuou horrorizado e pegou a primeira coisa que estava a seu alcance: a caneta com a qual ele tirara a pedra da minha mão.

— Por favor, cara, uma caneta? — ela esticou o braço para indicar o objeto na mão dele. — Pare com isso. Sua namorada parece confiar em nós. Por que você não faz o mesmo? — ela olhou para mim com uma cara azeda como se estivesse lidando com um bebê mimado. Eu senti vergonha por Jack. Ele não costumava perder o controle assim. Como esperava entrar no exército sem autocontrole?

— Se afaste de nós! — ele gritou. Eu e todos os outros observávamos a cena atônitos. O garoto que estava vomitando voltou e se juntou a nós, mas não falou nada. Na verdade, parecia estar se divertindo.

Jack apertou a caneta para que a ponta aparecesse, mas não foi bem isso que aconteceu. Ao invés de mostrar a ponta de escrever, a caneta se transformou em uma espada azul e muito afiada. Tão afiada que decepou a mão de Anne assim que cresceu.

Ela olhou para o chão, onde estava a mão decepada. Gritou de horror e olhou com ódio para Jackson.

— Ai, filho da puta!

As outras pessoas avançaram para proteger Anne, e um garoto atirou uma flecha no ombro de Jack, que caiu, gritando de dor. Eu fui socorrê-lo. O menino que estava vomitando segurou Anne, que iria cair no chão.

— Ela vai crescer de novo?

— Não sei, Lucas. Cala a boca, tá doendo.

Anne segurava o toco que incrivelmente não sangrava. Não entendi o que Lucas quis dizer com “crescer de novo”, mas os outros pareceram achar normal.

Olhei para o ombro de Jack. O ferimento estava horrível.

— Isso vai doer — sussurrei no ouvido dele. Então segurei o máximo que podia da flecha e puxei com toda a minha força. O grito que ele soltou me deu vontade de chorar.

Tirei a jaqueta camuflada dele e usei para estancar o sangramento. Meu cérebro não tinha conseguido assimilar oitenta porcento do que havia acontecido nos últimos dez segundos, então algo mais absurdo ainda aconteceu.

A mão decepada de Anne transformou-se em brilho amarelo, que entrou na boca dela.

Ela desmaiou e voltou à consciência em menos de cinco segundos.

— Já estava com saudades — Lucas disse quando Anne abriu os olhos, mas não parecia a garota. Estava com um sorriso despreocupado no rosto e uma expressão divertida, mas sábia.

— Lucas! Quanto tempo! Quem é essa gente toda? Bem, não importa. Olhe só! — ela pegou a espada que antes estivera na mão de Jackson. — Uma Anaklusmos! Uma das últimas existentes em toda a terra.

— Uma das últimas? Pensei que a de Percy era a única — ponderou alguém do grupo.

— É, todos pensam que são especiais. Vocês vão entender em breve. Ah, essa guerra é tão excitante. Acho que não vou ter tanta ação assim em mais algumas centenas de anos.

Jack soltou alguns gemidos de dor. A Anne Estranha se aproximou dele, e pôs a mão na ferida.

— Ele que me libertou? Bem, tecnicamente não libertou, mas vocês devem um grande favor a ele.

O mesmo brilho dourado saiu da mão da garota, e a ferida dele se fechou. Jack desmaiou quase imediatamente.

— Essa é a Anne, Lucas? — perguntou uma garota.

— Não. É a Mina. Ela é a mão da Anne, mais ou menos — respondeu outra garota. Pálida e de cabelos pretos longos. Usava um óculos que parecia de grau bem forte. — Longa história, mas ela praticamente salvou a missão. E acabou de salvar o namorado da novata aqui.

— E a novata aqui não está entendendo nada — reclamei.

— Alguém vai te explicar. Calma. Esse humanos não têm paciência nenhuma. O tempo é infinito, o que custa esperar alguns minutos? Talvez horas, mas tudo bem. E além do mais, mesmo depois de te explicarem, você não vai entender nada — Mina deu de ombros. — É sempre assim. Mas enfim, vocês estão perdendo tempo. Venham cá, vou lhes contar um segredo.

Ninguém se mexeu.

— Sério, venham cá.

Todos se juntaram perto de Mina, que pôs as mãos na boca como se fosse cochichar, então falou:

— Tilemetaforá.

E todos nós aparecemos em um salão gigante, rodeado em todos os lados por tábuas de madeira. O lugar era decorado com tapetes laranjas e candelabros de bronze. Um palco na parte frontal abrigava três pessoas. Um garoto ruivo estava falando em um microfone, e estava ao lado de uma garota loira e um menino também loiro. Pareciam ser irmãos.

Ψ

Quando eu terminei de contar a história de Pallas, um tumulto começou. Todos estavam tão horrorizados e agitados que ninguém percebeu o grupinho de pessoas que apareceu de repente no canto do salão.

— Como assim Atena é a vilã?

— Que porra é essa?

— É mentira! Ele está mentindo.

— Gostaria de estar — respondi, envergonhado. Colin pôs as duas mãos no rosto ao meu lado. Quase ouvi a mente dele dizer “Era só o que me faltava”.

Annabeth assumiu o microfone.

— Irmãos, sei que é difícil de aceitar. Nem eu aceitei ainda. Aliás, deve ser difícil para todos aqui…

Mais gritos da multidão a interromperam, e ela desistiu.

Ψ

Atena se revelou.

Então chegou a hora.

Ah, mãe.

Antes tarde do que nunca.

Olhei para a cara de desespero dos campistas ao meu lado. De Lucas. De todo o salão.

Apertei meu colar de coruja, ajeitei meu óculos e sorri.

Então uma fumaça verde surgiu no meio do aglomerado de pessoas, e todos se afastaram quando Rachel Elizabeth Dare caiu no chão, pálida.

Alguém corria trazendo um banquinho acima da cabeça, e o pôs de tal modo que outra pessoa pudesse pegar a garota pelos ombros e acomodá-la nele.

Então Rachel abriu os olhos completamente verdes e recitou em uma voz antiga, voz de cobra:

Aquele que veio do mar

Aquele que venceu a morte

Aquele que perdeu a memória

Os três juntos irão formar

O ser nunca conhecido, o mais forte

E poderão atingir a glória

 

O que pode ser a salvação

Não afundou em perdição

Enquanto não esvazia a ampulheta

Ele está no maior planeta

Esperando, para ficar completo

A pele branca, o cabelo preto

 

A essência da guerra na luz

O corpo morto que com vida reluz

Meia vida, meia alma

Uma morre, a outra acalma

 

Um silêncio sepulcral percorreu o salão por vários minutos, e eu passei esse tempo estudando os versos do meio, já que os outros não faziam sentido para mim.

“O que pode ser a salvação não afundou em perdição”. Alguém em quem todos confiam para salvar tudo, mas que parece estar perdido.

“Enquanto não esvazia a ampulheta, ele está no maior planeta”. Júpiter.

“Esperando, para ficar completo, a pele branca, o cabelo preto”. Quem teria a pele mais branca e o cabelo mais preto que que Louise? Quem mais completaria esse alguém?

Ora, ora. De repente tudo tinha ficado mais divertido.

Muito mais divertido.

Ψ

Ele estava tremendo, esperneando, e gritando.

Eu tentava fazê-lo tomar um chá para se acalmar, mas o garoto continuava agitado.

A voz de Atena soava novamente em minha mente. “Melanie, Melanie, Melanie”. E uma risada.

Algo estava acontecendo, algo muito ruim.

Ele olhou com seus olhos verdes para mim, e eu acariciei sua testa.

— Vai ficar tudo bem, Dylan.

~Ψ~


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