Acho que o pior de tudo nem foi ter de fazer a sobrancelha com uma velhinha simpática e mais trinta e cinco garotos, que procurei não puxar assunto. Acho que o pior de tudo mesmo foi ter que usar suspensório.

–Desculpe, Astrid, certo? – chamo-a, ao sair do banheiro do meu novo quarto. – Então, eu tenho mesmo que usar isso?

Ela me encarou de cima a baixo antes de rir, alto. Logo pôs a mão na boca e abafou a risada, envergonhada.

–Eu não deveria rir! Desculpe-me Senhor Jackson, eu sou nova aqui.

Seu cabelo, loiro, estava amarrado em um rabo-de-cavalo desleixado, achei incrível o fato de ela não se irritar com sua franja caindo direto em seu olho direito. Suas feições eram finas e havia sardas pelas suas bochechas.

–Pode me chamar de Jack. – sorrio.

–Jack. – ela confirma. – Desculpe. Então, é meio que obrigatório você se vestir assim e... – Volta a rir, uma risada engraçada. – Você vestiu errado.

–Ah, claro, saber disso melhora completamente o meu dia. – eu rio, entrando novamente no banheiro que, na verdade, era do tamanho da minha casa inteira no Seis. – Então, A. – grito, lá de dentro. – Se eu quiser quebrar essa regra...

–Não, não. – ela me corta. – O Sen... Você, não vai querer se queimar com a princesa logo no primeiro dia. Fora de cogitação.

–Por que eu me queimaria?

–Uma das ordens dela é que vocês fiquem bem-vestidos na cerimônia de boas-vindas. – ela diz no momento em que eu saio do banheiro, ainda de suspensório, porém do jeito certo dessa vez.

–Ah. – falo um pouco decepcionado. – Não tem problema, eu faço esse sacrifício.

Ela sorri. Posso perceber seus cílios grandes demais em comparação ao da minha irmã, ou da minha mãe. Ou de qualquer outra pessoa.

–Me chame se precisar de mais alguma coisa, Jack.

–Tudo bem. – afirmo com a cabeça.

Ela fecha a porta, dando um último sorriso. E eu tiro toda a minha roupa.

***

O castelo é enorme. Daria para pelo menos metade do nosso reino ter onde morar. Bom, essa é a impressão que eu tenho ao sair pelo corredor, usando a roupa com a qual eu vim para cá. Eu não tenho vergonha de ser do Seis, eu tenho vergonha de passar fome.

E eu estou passando fome nesse exato momento.

A ideia era seguir os caras até o salão, comer, voltar para o quarto, se arrumar e ir para a cerimônia, que é daqui a exatamente uma hora.

Porém, onde diabos está todo mundo?

Está tudo muito frio, minhas mãos estão tão geladas que chegam a tremer. Arendelle é o tipo de lugar onde as estações são extremamente bem marcadas. No verão: faz calor. No outono: todas as folhas vão caindo das árvores. Na primavera: as flores nascem novamente. No inverno: Neva.

Eu sempre amei o inverno. Minha mãe não. Ela tinha medo que pegássemos uma hipotermia com a falta de pano em nossas poucas roupas, ou a falta de lenha para nos aquecer.

Ela se preocupava demais quando eu saía para brincar na neve com Emma.

Espero que elas estejam bem, espero sair logo daqui, voltar para ajudá-las. São só algumas semanas.

Eu não quero ganhar, eu quero ficar por pelo menos um tempo para que minha família receba algum dinheiro.

Sinto, sem querer, como se eu estivesse me vendendo.

Eu não valho nada de qualquer jeito. Sorrio, atravessando o corredor vazio e, para o meu azar, uma fileira de garotos bem vestidos encontravam-se no salão principal.

Todos me encaram, pasmos, assim que meus pés descalços pisam no tapete vermelho.