Invisíveis como Borboletas Azuis escrita por BeaTSam, tehkookiehosh


Capítulo 6
Verso 05: Look Here


Notas iniciais do capítulo

Sam P.O.V.



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Aqui fora está bem mais frio. Nem sei mais se o moletom vai aguentar. Contudo, apenas a visão das árvores e das plantas já faz com que eu sinta um pouco daquele calor do Brasil. Os pedestres nem reparam muito na gente.

Corrigindo, os pedestres nem reparam muito em mim, porque a cada pessoa que passa sinto uma olhadela, mesmo que discreta, direcionada ao chamativo cabelo de tomate da Stella. Chegamos bem ao centro da praça, apoiadas num chafariz de pedra recém-construído.

– Nós vamos realmente fazer isso? – Stella me olha preocupada.

– Não tem apresentações de rua na Coreia não?

– Sim, mas eles vão ficar olhando...

– Stella, a gente provavelmente só vai encontrar com essas pessoas uma vez na vida! Se a gente fizer algo de errado, ninguém vai ligar! Então por que não? Vamos nos divertir!

– Ok! Mas você canta!

– Entendido. Bora Tempo Perdido, da Legião Urbana?

– Claro. Entra no Cifras no seu celular. Não lembro dos acordes direito.

Enquanto ela tira o violão da capa, ligo meu celular. Após olhar as cifras por alguns segundos, Stella já sabia como tocar a música. Impressionante.

– Quer que eu suba dois tons? – ela pergunta.

– Por favor. E o que a gente faz com isso aqui? – aponto para a capa.

– Deixa aberto aqui na frente. Vai que a gente consegue alguns trocados para uns sorvetes mais tarde. Ou pelo menos uma bala

Tempo perdido. Mais uma das maravilhosas músicas do Legião Urbana. Apenas o dedilhado do início da música já me traz arrepios. Os acordes anunciam o início da letra. É agora.

Não estou mais na praça. Os transeuntes, as árvores secas, as plantas de inverno, o chafariz, tudo se confunde no céu cinza que estou mirando.

“Veja o sol desta manhã tão cinza/ A tempestade que vem tem a cor dos seus olhos/ Castanhos”

O tempo passou. Não dá mais para voltar, consertar.

“Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais o tempo que passou/ Mas tenho muito tempo/ Temos todo tempo do mundo”

À minha frente, meus anseios e ambições. Tudo o que sempre desejei.

“Sempre em frente/ Não temos tempo a perder”

Não preciso ter medo.

“Temos nosso próprio tempo”

Mas eu tenho. E, puta merda, quanto medo eu tenho de seguir em frente.

“Não tenho medo do escuro/ Mas deixe as luzes acesas/ Agora”

A angústia me corrompe. Um lampejo de medo. Fique aqui comigo. Eu estou apavorada. Eu tenho que seguir em frente, mas do caminho escorre sangue. O meu. O de quem eu amo. Segure a minha mão e me guie, por favor.

“Então me abraça forte/ E diz mais uma vez que já estamos distantes/ De tudo”

No entanto, o meu sonho é muito mais importante que todos os espinhos que me cortaram e ainda cortam.

“Nosso suor sagrado/ É bem mais belo que este sangue amargo /E tão sério /E selvagem”

Não se arrependa... O caminho de flores e espinhos atrás de mim é o de mim o que eu sou. Tudo valeu a pena.

“Nem foi tempo perdido”

“Somos tão jovens”

Aplausos me puxam de volta para a realidade. Caramba, essa música realmente mexe comigo. Até sinto uma ligeira vontade de chorar, porém engulo. Uma dúzia de gente parou à nossa frente, observando emocionados a nossa apresentação sem entender uma única palavra. Demoro alguns segundos para que eu perceba o olhar penetrante de Stella posado sobre mim.

– Sam, está tudo bem?

–Ah! Sim! Foi só a música mesmo.

– Cara, você respirou a música! Sua voz estava cheia de raiva, medo, angústia! Até eu fiquei surpresa!

– Obrigada... – Droga, não sou muito boa em lidar com elogios. Sempre fico vermelha demais, acanhada demais. – O seu violão estava perfeito também! Não sei se conseguiria entrar tanto na música se você não tivesse interpretado também.

– Ok, ok! Chega de bajulação! Vamos escolher a próxima música antes que a plateia nos abandone!

– Que tal All-Star, do Nando Reis? Já que nós duas estamos com o nosso Converse High.

– Ok!

Dessa vez a batida animada do violão me leva para um mundo completamente. Relembro o sentimento que outrora senti por alguém. Que saudades de estar apaixonada! Mesmo que sempre dê merda, o enquanto é sempre muito divertido.

As minhas bochechas enrubescem. Aquele All-Star azul que me traz a felicidade.

“Estranho é gostar tanto do seu All-Star azul”

Aquelas gírias mais poéticas que qualquer poema de Vinicius.

“O som que eu ouço são as gírias do seu vocabulário.”

Aqueles olhos, meu cais, meu porto seguro.

“Colombo procurou as Índias mas a terra avistou em você”

Aquela perfeição chamada você.

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você”

Você completa esta garota estranha.

“Seu All-Star azul combina com o meu preto de cano alto”

Até mesmo as minhas mais tristes canções viram criança em seus lábios.

“O tom que eu canto as minhas músicas para tua voz parece exato.”

E bate aquela saudade! Ai! Os segundos sem ti me torturam! Preciso ver-te!

“Satisfeito sorrir quando chego ali e entro no elevador”

E, eu, uma tola apaixonada, faço o mesmo de sempre. Contente no meu amor contínuo. Uma rotina deleitável.

“Aperto doze que é o seu andar/ Não vejo a hora de te encontrar/ E continuar aquela conversa/ Que não terminamos ontem/ Ficou pra hoje”

E os aplausos se sucedem! Dessa vez, Stella está mais animada:

– Mais uma? – ela sorri.

– É claro! Flores, dos Titãs. Pode ser?

– Ok! – ela grita enquanto toca os primeiros acordes

– Você canta a parte da Marisa Monte, ok?

– Espera aí! É o que?

Mas agora já é tarde demais. A música já começou, ela não tem escolha a não ser cantar. Começo uma batida com o meu próprio corpo e a plateia acompanha. A animação tanto nossa quanto do público, que já passa de trinta pessoas, é palpável!

Dessa vez, a alegria do momento me afasta do significado da letra. Sinto a melodia me preenchendo, fazendo festa, explodindo dentro de mim.

“Olhei até ficar cansado de ver os meus olhos no espelho”

E então a voz angelical de Stella entra:

“Chorei por ter despedaçado as flores que estão no canteiro”

Seguimos a música, ora cantando uma para a outra, ora cantando para as pessoas à nossa frente. No refrão, faz a voz de cima sem me avisar, criando uma harmonia linda que algo ensaiado não poderia copiar. A única ênfase que damos no significado das palavras é na imortal frase que exige determinação ao ser pronunciada:

“As flores de plástico não morrem”

Somos ovacionadas! Quem diria que coreanos gostariam tanto de música brasileira? Espio dentro da capa de violão. É, dá para comprar sorvete. Uns vinte no mínimo. Se bem que está frio demais para isso. Stella me cutuca, seu rosto vermelho como pimenta, ao apontar para algum lugar longínquo na plateia. Estreito os olhos e, mesmo com todos os casacos, máscaras, óculos escuros e bonés, reconheço três figuras: Rap Monster, Suga e J-Hope.

Ai. Meu. Deus. No momento eu estou realmente considerando me jogar no chafariz e fingir que sou uma estátua. Talvez eles não percebam que sou eu e passem reto. Pode funcionar!

A plateia se dispersa enquanto Stella agradece e eu traço a melhor rota de fuga, só para garantir. Ai caramba, eles estão vindo nessa direção. Resisto à tentação de sair correndo de vergonha. Institivamente, ergo os ombros. Sou quase uma tartaruga, tirando a parte que eu não posso esconder minha cabeça no casco

– Cool! – Rap Monster diz.

– Por que vocês estão aqui? – pergunta, ligeiramente rosada.

– Disseram que vocês saíram para cá. Como a gente tinha que encontrar a Samantha para compor a música, resolvemos procurar por vocês.

– Uau! – J-Hope exclama, com os dedões para cima. – Estava muito bom!

– São todas músicas brasileiras? – Suga indaga.

– Sim. – Stella responde. Acho que as minhas cordas vocais foram parar no fundo daquele chafariz.

– Nossa, eu queria muito saber a tradução. – Parece que o Rap Monster gostou das músicas... – Eu sinto como se elas quisessem dizer alguma coisa.

– Sam! – Stella me adverte. – Não vai falar nada?

Abro a boca algumas vezes, em vão. As palavras não saem. A rapper line me encara como a um animal arredio, selecionando suas próximas palavras para que eu me sinta mais confortável. Levando em conta o esforço posto pelos três para que eu não me sinta excluída, falo a primeira coisa que vem na minha cabeça:

– Vamos comprar comida com esse dinheiro?

Isso foi o melhor que eu consegui.


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