Invisíveis como Borboletas Azuis escrita por BeaTSam, tehkookiehosh


Capítulo 38
Verso 37: In The Mood For Love


Notas iniciais do capítulo

Vocês pediram e aqui está o capítulo!



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Agora, o edifício se silenciou. Não há mais a inquietação barulhenta de mais cedo, apenas a quietude do medo. Numa empresa tão unida e movimentada, hoje os empregados se fecham em si e em seus olhos enuviados.

Assim que soube do desaparecimento do Jungkook, V se irritou. Se culpou em silêncio por ter dado a ordem errada, assim como todos os outros, que se culparam por tê-la seguido. A maioria deles saiu à procura do maknae assim que souberam da notícia. Alguns empregados da Big Hit também. Tudo tão quieto. Nenhuma notícia até agora.

De todos os dias, hoje sinto mais medo de andar por esses corredores. Estão mais escuros que antes, mais perigosamente tranquilo. Quase consigo encostar na névoa de angústia que colore as paredes de cinza.

Um estrépido irrompe a concha do silêncio, como uma gota atiçando água parada. Algo caiu. Ou melhor, foi derrubado, estilhaçado. Corro na direção do barulho sem nem saber o motivo. Talvez seja só a curiosidade, ou eu queira só me assegurar de que o prédio ainda está vivo, se não foi somente ilusão minha.

Quanto mais penso, mais irreal o barulho se parece. Até que ele ressoa novamente e acelero meus passos. Minhas pernas doem e pesam, mas ainda andam. Eu ainda posso fazer algo.

Finalmente encontro a origem do barulho: uma saleta escondida no fundo do corredor. Pelo jeito que está espremida entre as outras duas salas, assumo que seja algum depósito de limpeza. Espero um segundo antes de abrir a porta. Talvez eu só piore as coisas entrando aí. Tenho que deixar de ser tão enxerida. No entanto, o grito de ira do Yoongi fala mais alto que a minha consciência.

Abro a porta muito mais bruscamente do que eu queria. Dois pares de olhos se desgrudam um do outro para me encararem: os olhos inchados de Yoongi e os preocupados de J-Hope. Algumas garrafas vazias de soju foram abandonadas ao chão junto aos produtos de limpeza espatifados. Algumas partes do piso brilham com tanto líquido derramado, porém as lágrimas no rosto do Yoongi brilham mais. O cheiro de álcool daqui é letalmente nauseante. Só um pensamento me vem à cabeça: eu não deveria estar aqui.

Tento dar um passo para trás, mas meus pés não se mexem. Esparramado num canto, Yoongi apenas vira seu rosto. Tenho certeza que ele não quer que mais pessoas o vejam chorando. J-Hope volta a sua atenção ao amigo, mesmo que não consiga fazer nada para ajuda-lo.

As lágrimas derretem cada vez mais seu rosto de neve, tornando-o cada vez mais vermelho, mais desesperado. Seu queixo treme e toda a sua expressão se distorce para o choro. A dor é tão grande que ele nem se preocupa em eufemiza-la.

Sua mão treme tanto ao tentar apagar o rastro de lágrimas em seu rosto... Seu nariz – muito avermelhado – escorre. Os cantos de sua boca sentem o efeito da gravidade e pesam como nunca para baixo, uma expressão quase caricata. E os pequenos machucados nas mãos que escondem esse rosto. Nunca o vi tão feio quanto agora. Ou tão sincero quanto agora.

Por instinto, minha mão me guia para perto dele, mas, assim que meus pés se movem em sua direção, ele diz, sem nem virar seu olhar para mim:

— Vai embora.

Minha alma gela. Fico imóvel em minha posição.

— NÃO ESCUTOU?! VAI EMBORA! – O silêncio que segue seus gritos me assustam mais que os berros em si.

Encaro J-Hope em busca de respostas, o qual devolve o olhar igualmente assustado/aterrorizado/preocupado. Ele está agachado perto de Yoongi, porém a uma distância segura. Percebo que em seus olhos também começam a se formar lágrimas, no entanto, por motivos diferentes. Em voz solene, porém atenciosa, ele confessa:

— A avó do Yoongi faleceu durante a nossa viagem à Tailândia. Nós só soubemos agora.

— QUEM TE DEU PERMISSÃO PARA SAIR ESPALHANDO ISSO?! – Ele reage tão rápido que quase corta J-Hope.

O som de sua voz esbravejando nos faz pular para trás.

“Por causa disso, eu realmente sinto como se tivesse três mães.”

“Três?”

“É! A minha mãe biológica, as armys e a minha vovó. Ela é muito especial para mim. Quando eu tinha acabado de nascer, minha mãe teve que ficar no hospital por um tempo por causa de complicações causadas pelo meu nascimento. Nesse momento, foi ela quem cuidou de mim. Até hoje ela é muito importante para mim.”

Ah.

.

.

.

Aproximo-me mecanicamente, sem nem mesmo avaliar o porquê.

— VAI EMBORA! Por favor, vai embora! Me deixa sozinho! Por favor... Eu não estou bem, não quero descontar ainda mais em você, por favor...

Não me retraio. Continuo indo em sua direção, por mais que ele se encolha, tentando se esquivar de mim. Quando estou perto o suficiente para ele não poder mais fugir, abraço-o o mais forte que consigo.

— Vai embora – ele soluça. – Eu quero ficar sozinho.

— Isso não faz sentido. Se você queria ficar sozinho, por que veio logo para a empresa? – Afasto-me um pouco para poder olhá-lo nos olhos.

— Porque... Porque eu NÃO quero ficar sozinho.

Antes que eu possa fazer qualquer coisa, ele mesmo enterra o rosto no meu ombro para que não o veja chorando ainda mais. No entanto, com os altos soluços bem ao pé do meus ouvido, não é muito imaginar o que está acontecendo.

Demoram alguns minutos para que algumas palavras comecem a se formar em sua boca. Apenas consigo compreender seu significado quando ele repete pela terceira vez, com sua voz embolada pelo nó em sua garganta:

— Não... não vale a pena.

— Hyung! – J-Hope grita de trás de mim. – Não diga essas coisas!

— Você sabe que estou falando a verdade. Eu deveria ter ouvido o Jungkook antes... Se eu tivesse, talvez eu... Ele ainda está certo. Todo esse trabalho não vale a pena... Não... – O pesar em sua voz aumenta pouco a pouco, junto a seus soluços. – Eu a amava muito... ainda amo. Ela sempre foi tão especial para mim... Quando eu era pequeno e a minha mãe ficou no hospital por causa de complicações no parto, foi ela quem ficou comigo... Ela cuidou de mim com seu sorriso carinhoso, com suas rugas aconchegantes, e, acima de tudo, ela acreditou em mim. Até quando eu mesmo não acreditava, ela estava lá. Eu... eu queria muito comprar uma casinha melhor para ela...

Sinto suas lágrimas rolarem gélidas pelo seu rosto e choverem no meu ombro.

— Eu já estava juntando a um tempo, sabe, só para devolver um pouquinho de tudo o que ela já me fez. Mas... não deu tempo. De que adiantou isso tudo? De que adianta seguir os meus sonhos tão egoístas se não pude nem visitá-la no hospital antes de morrer?! Me diz, por quê?! Eu só queria estar lá, segurando sua mão enrugada... – seu ataque de choro volta. – QUAL É O SENTIDO DISSO? Isso é realmente viver? Ficar longe da minha família? Ficar longe de quem eu amo? Se isso é o meu sonho, por que não estou feliz? HEIN, POR QUE NÃO ESTOU FELIZ?!

Sinto sua dor no ritmo que seu coração bate contra o meu. Logo, ele contrasta com uma voz sussurrada seus gritos anteriores:

— Desculpe, Hoseok, mas eu não aguento mais. Todos nós já sabemos que o Jungkook vai sair...

— Não diga isso... – J-Hope o corta.

— ... Não vai fazer diferença se eu sair também. Ele que é o cara popular do grupo. Estou falando sério. Não aguento mais isso. Meu sonho se tornou um pesadelo.

Não aguento mais ouvir isso. Tiro o meu celular do bolso e procuro uma música como se a minha vida dependesse disso. Assim que a encontro, ponho um fone no seu ouvido e um no meu. Assim que a música ecoa em sua cabeça, ele me encara perplexo:

— Essa é...

— Intro: In The Mood For Love – respondo, segura do que estou fazendo. – Essa é a música que você compôs para a intro do HYYH pt.1

Ele continua confuso com as minhas respotas. Percebo no fundo de seus olhos que ele realmente tenta entender aonde quero chegar, mas não compreende. Seus olhos estão brilhantes demais por causa o choro e olham diretamente para mim, por isso não consigo retribuir seu olhar por mais de alguns segundos. Fitando o chão, começo a explicar.

— Essa é a minha música favorita. Não só do BTS, de todas. Ela é o meu tesouro mais precioso. Por isso mesmo, não a escuto sempre. Como uma palavra que é repetida muitas vezes e perde seu sentido, não quero que essa música perca seu significado. O que você ouve?

Mesmo que eu tenha perguntado, já não esperava uma resposta.

— Mesmo sem entender a letra, eu já podia compreender o que você estava falando só pela melodia. O ritmo com bolas de basquete, a emoção que você pôs em cada palavra, até a sua respiração. Eu não escuto uma música, eu escuto uma pessoa. E, se isso não pode ser chamado de genial, não sei o que pode ser.

Ouço o barulho de seu choro voltar, mesmo assim não paro.

— Você lembra do significado dessa letra? Eu lembro. Decorei toda a tradução.

Assim que ouço as palavras em meu ouvido, recito a tradução. Como batida, apenas os soluços do Yoongi

“Mas eu apenas berro em voz alta para o mundo que tudo vai ficar bem

Mas o mundo me assusta, então apenas paro

Pensamentos preenchem a minha cabeça e, em vez da bola, arremesso meu futuro

Por causa dos preceitos dos outros de sucesso

Minhas preocupações se espalham como câncer”

 

“GOD DAMN IT”

 

“Junto à bola arremessada, a risada começa a se espalhar

[...]

Os dribles ficam mais rápidos, meu coração se alegra

Esse momento perece que irá durar para sempre, mas o sol está se pondo

Quando a noite vem de novo, a realidade é destruída

Quando eu for arrancado disso, serei apenas um idiota assustado de novo

Eu continuo ficando assutado pelo senso de realidade iminente

Os outros estão correndo na frente, por que ainda estou aqui?”

 

Respire ou sonhe

[...]

Se você está preso no julgamento raso dos outros

Então o sol se porá na sua vida como em uma quadra”

 

“What am I doin’ with my life

Esse momento nunca irá voltar

Estou me perguntando de novo, eu estou feliz agora?

A resposta já está lá, eu sou feliz

 

A música acaba e o pequeno depósito de limpeza congela.

— Foi essa música que fez com que eu me apaixonasse por todas as outras. Foi essa música que fez com que eu me esforçasse para escrever letras melhores. É essa música que me inspira todos os dias. Respire ou sonhe, você diz? Eu prefiro sonhar.

Mesmo J-Hope agora tem seus olhos atentos em mim. Está tão silencioso que consigo ouvir passos no outro corredor. Apesar das condições adversas, continuo:

— E isso não acontece só comigo. Essas letras inspiram milhares de pessoas mundo a fora. Por isso, espero que elas inspirem você também. Você se esforçou para isso, você conseguiu. Você é um gênio. Vale a pena desistir de tudo por um dia ruim? Era isso o que a sua avó apoiava? Esse é o seu sonho, não é? Você poderia viver sem isso? Sabendo que não vai mais inspirar todas essas pessoas? Sabendo que você não fará mais diferença para o mundo? Você poderia dizer “eu sou feliz” sem a música? ISSO FAZ ALGUM SENTIDO PARA VOCÊ?

E, quase sussurrando, ele responde:

— Não. Eu amo a música.

Não consigo responder. Apesar de tão baixas e breves, seu tom foi de uma sinceridade que nunca havia ouvido antes. Ele realmente ama a música. Mesmo com textos enormes, tratados ou livros, não há como declarar tão profundamente seu amor pela música quanto ele fez com essa frase.

De repente, porém devagar, ele me abraça de novo, no entanto, bem mais forte que da última vez, quase empurrando todo ar dos meus pulmões para fora de mim. O cheiro de álcool volta a incomodar o meu nariz, mas finjo indiferença. Já apoiado em meu ombro, ele diz:

— Desculpa. Por favor, só hoje, me deixe ficar aqui. Por favor. Só hoje, eu quero ficar triste, eu quero chorar. Por favor.

Como resposta, retribuo seu abraço, trazendo-o mais para perto. Ele entende e aos poucos chora cada vez mais alto até estar incontrolável. J-Hope se aproxima e afaga as costas do Yoongi, tentando acalmá-lo. Faço o mesmo. Ele berra, soluça, derrama cada vez mais lágrimas, volta para o estado que o encontrei. Contudo, sinto a força de seus braços se afrouxar e seu choro diminuir, até que percebo que ele caiu no sono.

Desfaço o abraço com cuidado, porém ainda o apoio em mim. Eu e J-Hope nos entreolhamos. Antes de sair, ele avisa:

— Já volto. Vou pegar a minha mochila. Acabei deixando tudo na sala de dança nessa confusão.

Agora, só há um Yoongi adormecido no depósito além de mim. É tão estranho ver ser rosto de tão perto... Daqui consigo ver todas as suas imperfeições, aquelas que sempre são mascaradas pela distância, como marcas na pele, nariz avermelhado, inseguranças, crises de raiva. No entanto, agora sua respiração se estabilizou. Amanhã ele provavelmente não vai se aguentar de dor de cabeça.

Afasto de seu rosto as lágrimas que ainda não secaram. Tomo um susto quando franze seu cenho e se move um pouquinho, como uma ladra pega no ato. Mas ele continua a dormir, só estava se ajeitando. Apesar de essa proximidade ser estranha, fico feliz pela tranquilidade de seu sono.

J-Hope não demora a voltar.  Assim que ele chega, tentamos acordar Suga, mas não funciona. Então passamos seus braços sobre nossos ombros e o carregamos escada abaixo. Yoongi é muito, muito leve, mais do que aparenta.

J-Hope esteve muito quieto esse tempo. Já havia percebido seus olhos trites e sem vida, mas não comentei. Apenas quando saímos da empresa que percebo:

— J-Hope? Você está chorando?

— Ah, desculpe – ele funga. – Eu não gosto de chorar tanto na frente dos outros, mas não faço isso porque quero. Eu estou muito preocupado com toda essa situação e com o Jungkook. Durante a viagem, ele estava assim o tempo todo, falando que queria desistir. Não levei muito a sério porque vez ou outra alguém tem esses ataques, é normal.  Ele melhorou no final da viagem, mas hoje... Hoje ele realmente assustou. Dessa vez eu acho que é sério. Acho não, tenho certeza.

Mesmo chorando, ele continua caminhando para seu apartamento carregando o Yoongi nas costas.

— Eu... eu não quero que acabe assim. Não falo apenas do meu sonho, mas de toda a nossa amizade, de tudo que o BTS representa. Não sei para os outros, mas não consigo ver isso como apenas um trabalho. Eles são como uma família para mim... Ver tudo ruindo desse jeito dói demais. Todo mundo está cada vez mais fora de si. A tensão entre nós está nítida e eu não posso fazer nada. Nem sei quanto tempo eu vou resistir, quem dirá consolar os outros. Eu me sinto tão impotente. Não quero que tudo acabe assim... Eles são tudo para mim.

Não consigo consola-lo em nada. Seguimos todo resto do caminho em silêncio, tudo culpa da minha inabilidade em fazer alguma coisa, qualquer coisa.

Vamos por onde nunca fui antes. Suga mentiu quando disse que era no mesmo caminho para o hotel, é exatamente na direção oposta.

Assim que chegamos à portaria do apartamento, deixo Yoongi com J-Hope e me despeço. Dói ficar mais tempo, sabendo que não consigo fazer nada. O caminho de volta para casa está ainda mais escuro que antes, mas não me assusto, a pulseira no meu pulso brilha timidamente. O que me aterroriza mesmo é a pergunta que assombra as profundezas da minha mente:

“O Bangtan vai acabar?” 


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