Invisíveis como Borboletas Azuis escrita por BeaTSam, tehkookiehosh


Capítulo 39
Verso 38: Swagger




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Acordei mais cedo hoje. O sol nem tinha nascido. Minhas pálbebras pesam sobre meus olhos enquanto espero, mas não tem problema. Tudo o que eu fiz mais cedo vai valer a pena assim que ele chegar.

As pétalas do enorme buquê que seguro pendem sobre o tapete. Nada consegue macular o branco destas flores. Deu trabalho consegui-las. Fui de floricultura em floricultura, zanzando pelas ruas de Seul como uma abelha atrás da flôr perfeita. Nem preciso mencionar o quão difícil foi tentar falar crisântemo em coreano.

Espero em frente ao estúdio dele. Yoongi me disse para esperar por aqui assim que mandei a mensagem. Cheguei um pouco cedo demais, talvez ele ainda demore um pouco...

Ou talvez não.

Pouco minutos depois da minha chegada, ele surge no fundo do corredor. Um ponto preto entre as paredes brancas. Conforme ele se aproxima, percebo que seus olhos estão menos inchados. Isso significa que ele provavelmente dormiu a noite toda, que não a passou chorando. Ainda bem.

Ele anda na minha direção como se o terno que veste pinicasse até a sua alma. Não deixa de ser verdade. O problema não é o tecido ou as costuras. Ele só não queria ter que usar aquele terno preto.

Reconhecer o fim. Era isso o que ele não queria.

Ele finalmente se aproxima o suficiente para conversarmos.

— Foi mal te fazer esperar aqui fora. É que só eu tenho a chave daqui. – Ele destranca a porta. – Pronto, pode entrar. É que eu não quero as pessoas perguntando se eu estou bem e fofocando sobre o que eu faço ou deixo de fazer. Isso é a última coisa que eu preciso nesse momento.

— Não precisava se incomodar, é algo bem rápido. Eu não queria te trazer problemas.

— Se eu estou demorando, é porque eu quero. Para de falar essas idiotices. – A expressão dos seus olhos entrega: o que disse soou um pouco mais rude do que o que ele calculou.

Não importa, eu não me senti ofendida. Eu mereci essa por ser tão insensível.

O terno perfeitamente passado, o cabelo perfeitamente arrumado, os sapatos perfeitamente engrachados. Coisas que, suspeitosamente, demoraram demais para se arrumar. São apenas desculpas: ele quer retardar sua ida. Constatar que, a avó tão presente na vida dele, não estará mais esperando por ele em Daegu. Tudo nele grita por socorro e eu não percebi.

— Eu... – Tento buscar as palavras para a minha fala, mas é difícil depois de tudo. – Eu trouxe isso para você levar.

Levanto o buquê para que ele veja. No entranto, a minha inquietação me traí e acabo segurando as flores um pouco perto demais do rosto dele... Talvez até o ponto de encostar...

Com cuidado, ele afasta do rosto as flores, revelando o mais perto que ele consegue chegar nesse momento de um sorriso. Pelo menos, eu o fiz rir (de mim).

— São crisântemos e bocas-de-leão! – Tento explicar, mas minha voz sai alta demais por conta da vergonha que preenchem as minhas bochechas depois do mico que eu paguei. – Eu escolhi essas flores a dedo! Os crisântemos significam beleza na vida e na morte – assim que a palavra morte chega a seus ouvidos, sua expressão se fecha de novo. Droga! – Ah! Mas eu pus bocas-de-leão para que esse buquê não tivesse um significado tão triste! Bocas-de-leão brancas significam paz e proteção! Então que achei que se juntasse...

— Ok, ok. Eu entendi.

Ah, droga. Acho que falei muita merda.

— Obrigado. – Ele completa, observando as flores com mais cuidado. – Elas são muito bonitas, realmente – Yoongi balança a cabeça, concordando, mas sua expressão não suavizou nem um pouco. – Tenho certeza que ela vai gostar.

Ele engole o choro que veio junto a “ela”.

Espero todo tempo que ele precisa para retomar a conversa. Já errei demais por hoje.

— Samantha. – Surpreendo-me com o som do meu próprio nome. Sua voz sempre me prende a ele de uma forma que não consigo explicar. – Desculpa por ontem. Eu... eu... eu... estava errado. Eu fiz muitas coisas erradas. Eu te tratei muito mal. Desculpa.

— Por que você fala essas coisas? Não precisa se desculpar por algo assim, eu entendo.

— Eu não quero que esse tipo de coisa vire rotina. Sabe, fazer coisas para alguém e depois se enconder atrás de uma justificativa em vez de se desculpar. Obrigado por ficar lá apesar de tudo. O que você disse... eu vou guardar cada palavra comigo. Argh! Eu não estou conseguindo dizer tudo o que eu tinha para dizer! Merda!

Na segunda vez que Yoongi engole o choro, meu corpo se move por si só.

Envolvo-o com meus braços, como a uma criança assutada. Pela primeira vez, percebo Yoongi tão desesperado, sem controle da situação nem de si próprio. Depois de tantas vezes consolando os outros, sempre tão maduro, é estranho vê-lo assim. Dessa vez, mais do que qualquer um, ele quem precisa de ajuda.

Assim que me dou conta do estranhamento dele, ameaço me afastar.

— Desculpa. Eu me esqueci completamente que aqui é a Coreia, isso é tão natural no Brasil que ... Foi mal. - Por um segundo, me esqueci da diferença cultural entre nós. Aqui, pessoas com um nível tão baixo de intimidade, como eu e o Yoongi, não fariam algo assim. Não me impressiona que ele tenha reagido assim. Boa, Sam! Fazendo uma desgraça atrás da outra...

Mas ele não deixa que eu me afaste.

— Está sendo muito difícil. Eu não quero parecer um idiota, chorando por qualquer coisa, mas parece que simplesmente não dá. Eu estou cercado de pessoas incríveis. Hoje o Jin hyung me ajudou com o terno e o Namjoon, por mais que disfarçasse, sem estava de olho em mim para ver se estava tudo bem. Isso é só um pouco do que o Bangtan fez para mim hoje. Você também, com esse buquê gigantesco de flores. Eu fico muito grato a tudo isso. O que eu fiz para merecer pessoas tão boas como vocês à minha volta? Mesmo com todo esforço de vocês, eu não consigo parar de chorar. Não é ridículo?  Porém o mais assustador é que eu vou ter que ir para lá sozinho. Eu não quero me separar de vocês. Enfrentar tudo isso sozinho é... aterrorizante. Eu não posso preocupar mais meus pais, eles já se preocupam comigo o suficiente. Mas eu não estou pronto para isso. Eu não vou conseguir manter apostura por muito tempo quanto eu estiver de fato lá. Sam, eu estou muito assustado.

Eu... eu não consigo responder. Não consigo pensar em algo minimamente consolador para dizer, então apenas o abraço ainda mais forte, forte o suficiente para sentir seu coração bater contra o meu.

Antes de nos separarmos, busco meu olhar mais confiante para que este talvez contageie Yoongi. Apesar de suas palavras, ele não chorou durante todo nosso abraço. Toda essa dor que ele está sentindo... não há palavras que consolem. Não importa o que eu diga, morte não pode ser remediada. Por experiência própria, melhor consolo é um abraço. O resto é com ele.

— Eu vou para Daegu hoje e vou passar alguns dias lá. Uns três, eu acho.

“Boa viagem” parece um pouco insensível demais para falar agora. Então apenas concordo com a cabeça.

— Até, Sam. Tenho que ir agora. Não posso demorar mais.

— Seja feliz – surpreendo-o com as minhas palavras. – De dentro para fora. Apenas chore se quiser chorar, grite se quiser gritar, não guarde essas coisas para você.

Antes de desaparecer da minha visão ele disse, com a voz mais suave e sincera que antes:

— Obrigado.

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As horas passam se arrastadas. Jimin me mandou uma mensagem mais cedo. Ontem à noite descobriram que Jungkook foi para a casa da família dele, mas, mesmo assim, não conseguem fazer contato. Ninguém atende.

A única boa notícia é que Jungkook não desapareceu.

Big Hit perdeu sua maior fonte de energia, agora só sobram nossas sombras, consumindo cada corredor. Nem Sungdeuk escapou. No treino de dança de hoje, nada de seu sarcasmo, apenas silêncio. Nunca achei que me incomodaria com isso.

O fantasma da madrugada ainda me persegue, enuviando minha visão com o sono. Agora, na hora do almoço, tomo uma decisão que sei que vou me arrepender, mas não tenho escolha. Antes que possa reivindicar minha comida, o sono me toma e me despejo sobre a mesa.

— Sam?

Jimin recosta sua cabeça na mesa também ao me olhar nos olhos.

— Bom dia, Jimin.

— Você deveria pelo menos comer antes de dormir.

— Se eu comer, não vou ter tempo para dormir.

— Mesmo assim!

A profundidade do ébano dos olhos dele é tão intensa que os meus se sentem intimidados, sempre a tentar fugir. No entanto, o brilho em meio à escuridão de seu olhar me prende tão firmemente que não consigo parar de admirar esses olhos. Como ele consegue ser tão fofo?

Sempre me imaginei como seria apertar a bochcha do Jimin. Ele parece... um esquilo, eu acho, com esses olhos enormes e as bochechas salientes. Sinto sob meus dedos a pele macia de suas bochechas, realmente, ídolos têm uma pele perfeita. E vejo a intensidade de seu olhar se dissipar ao ser tomar por uma inquietação.

A este ponto, já tenho certeza que voltei a dormir, misturando a realidade e um sonho numa combinação ficcional. Tudo parece bonito demais, ou até brilhante demais, não é aquela Big Hit cinza. Sim, isso só pode ser um sonho. O verdadeiro Jimin já teria se assegurado de manter distância.

Mesmo assim, continuo apertando sua bochecha. É como se visse um filhote de cachorrinho transformado em pessoa bem na minha frente. É muito fofo. É tão diferente dos palcos, da tv, dos shows, tão distante daquela imagem ousada, atrevida. Estou apenas brincando com um filhote indefeso de cachorro.

Mas tem algo de errado em seu olhar. Indefeso. A palavra gruda na minha mente.

— Você é muito fofo.

Ele se assusta com as minhas palavras, mas não recua. Brinco com suas bochechas de modo a simular um sorriso.

— Mas você é o mais bonito quando sorri.

Largo finalmente seu rosto e deixo minha mão repousar sobre a mesa.

— Eu quero trazer o sorriso de vocês de volta. Eu estou realmente me esforçando, eu juro! Mas é muito mais difícil do que parece.

— Eu sei. – Ele sorri para mim.

— Não precisa se forçar a sorrir só porque eu estou falando. Não é sobre esse tipo de sorriso que eu estava falando.

— Não é isso. Eu só me sinto especial por saber que você se importa tanto comigo.

Só agora percebo a vermelhidão no rosto do Jimin. Ele está corando? Não, não. Isso nem faz sentido! Fui só eu que apertei a bochecha dele com força demais.

Um estrondo atrás de mim me faz acordar.

— Oi, Sam! Tudo bem com você? – Jin põe (um monte de) comida na mesa. – Parece que você não cumpriu a promessa.

— Hã?

— Antes da vigaem, você me prometeu que iria se alimentar bem! Isso aí – ele aponta para a minha cara de sono – não é o que eu chamo de alimentar bem. Ai, ai... E você, Jimin-ah? Você está aqui só para atormentar ou vai fazer algo de útil?

— Ah... – ele ri constrangido, com o rosto vermelho de orelha a orelha. – Eu vim aqui para falar para ela comer algo também! Mas...

Ah, não! Não me diga que eu fiz aquilo de verdade. Em um piscar de olhos, sinto minhas bochechas queimarem como o asfalto do Rio de Janeiro.

— Ah, desculpa, Jimin! Desculpa mesmo! Eu não me lembro de quase nada, eu juro! Eu pensei que estivesse dormido, é sério! Me desculpa mesmo! Eu tenho propensão à sonambulismo! Desculpa! Desculpa! Desculpa!

A cada palavra que sai da minha boca, ele se encolhe mais em sua cadeira, cada vez mais vermelho. Acho que só estou piorando tudo.

Jin pigarreia.

— Não liga para isso, Sam. Eu sei que o Jimin não se importa com isso. Ele é tão rodado que nem faz diferença.

— Ei, hyung!

— Essa é a minha vingança por todas as vezes que você me zuou, pirralho. Sinta a ira do cara-mais-bonito-porém-malvado, Jin.

— Ei, Sam, não acredita nele! É mentira! Eu mal tenho tempo para mim mesmo, imagine para outras pessoas! Não, espera! Eu não me importo de perder tempo com você! Não! Não é isso! Eu não perco tempo com você é divertido conversar com você, é só que eu tenho que treinar bastante aí, ehrm... Argh! Eu, eu preciso ir ao banheiro.

O Jimin saiu da mesa vermelho como um pimentão e se escondeu atrás da primeira pilastra. Até parece que a gente não vê que ele está ali. Antes que ele volte, Jin puxou o meu braço de leve, e sussurou bem baixinho:

— É mentira. O Jimin não é o tipo de pessoa que pega todas. Para falar a verdade, foram bem poucas as garotas com quem eu já vi ele se relacionando. Eu só falei isso porque achei que seria engraçada a reação dele, concorda?

De certo modo, Jin faz com que os cantos da minha boca se levantem num tímido sorriso.

— Para falar a verdade, esse garoto virou a noite procurando o Jungkook – Jin continua. – E mesmo quando descobrimos onde ele estava, Jimin ainda não descansou. Quando eu acordei hoje cedo, ele ainda não tinha ido dormir. Acho que ele ficou com medo a noite toda. Todos nós estamos, mas o Jimin e o V em especial estão muito abalados pela fuga do Jungkook. Eu não posso fazer nada, mas me dói vê-los assim, ver todo o Bangtan assim. Eles são a minha família, sabe? Sem eles, não vale a pena. Não é apenas uma briguinha entre amigos em que dá para simplesmente se separar e cada um seguir sua vida. Nós estamos juntos todos os dias há anos. Por mais que a gente brigue, eles ainda são algumas das pessoas que eu mais amo. Nós compartilhamos risadas, tristezas, dores e até o mesmo sonho. Eu não quero que isso tudo acabe assim. Por isso eu fiz essa piada com o Jimin. Aquele olhar envergonhado dele é muito melhor que aquele triste que ele vinha nutrindo desde ontem.

Os olhos de Jin pedem por socorro, mas estou tão longe para estender-lhe a mão, mesmo que esteja perto o suficiente para ouvir seus sussurros.

— Desculpa, Sam. Eu não queria te preocupar mais ainda. Esse é um problema meu, eu não deveria te envolver.

— Eu não vou desistir.

— Hã?

— Eu não vou desistir do Bangtan. Eu já fiz esse tipo de coisa antes, não é? Ficar enchendo o saco de você até que vocês voltassem a sorrir. E eu vou fazer isso de novo e denovo, quantas vezes forem necessárias. Então confie em mim. Eu vou pensar em algo.

— Não precisava se preocupar, Sam. Mas é muito bom ouvir isso. Obrigado.

A expressão de Jin se suaviza, na tentativa de acreditar em minhas palavras – as quais nem mesmo eu acredito. Isso tudo bem a tempo do Jimin voltar.

— Jimin-ah! – Jin o chama. – Afinal, por que você veio para cá? Para ficar encarando a gente conversar? Ou só para ficar vermelho como um pimentão? Que garoto estranho... – ele sussurra para mim alto o suficiente para o Jimin ouvir.

— Hyung! Se você parasse de me interromper, eu poderia falar o que eu tinha para falar!

— Sam, você está vendo isso? – Jin finje surpresa. – Esse pirralho está colocando a culpa em MIM! É possível isso?

— Hyung!

— Viu? Eu dei tempo para ele falar, ele que só quis ficar reclamando!

— Isso não é justo... – Jimin choraminga.

— A vida não é justa, criança. Então como o Jimin comprovadamente não tem nada para falar e só vai ficar encarando a gente como um esquisitão, - ouço uns choramingos baixinhos vindos do Jimin – eu vou falar o que eu tinha para falar.

— Mas...

— Sem “mas”! – É engraçada a mudança de tom do Jin ao falar comigo e ao falar com o Jimin – Continuando, Sam, por causa de... você sabe... o que aconteceu ontem, acabou que tudo ficou meio confuso. – Percebo que ele tenta não entrar em detalhes. Acho que todos na mesa entendem o porquê. – Enfim, eu comprei algumas coisas para você lá na Thailândia e eu esqueci de te entregar!

— O quê?! – Jimin retorna à conversa. – Quando eu perguntei, você disse que não tinha comprado nada!

— Quieto. Só pessoas bonitas falam nessa mesa.

— Eu desisto.

— Então, Sam, onde estávamos antes de sermos brutalmente interrompidos? Ah, é. Eu comprei isso aqui para você. – Ele tirou uma sacola de papel enorme e pôs em cima da mesa. – Eu percebi que você não cuida muito da sua pele, então resolvi comprar essas coisas para você: esse é um creme para olheiras, uma máscara facial para revitalizar a pele, creme para acne, esse aqui é maravilhoso! Ele deixa a sua pele com um aspecto macio sem deixa-la oleosa!

“Eu percebi que você não cuida muito da sua pele”, espero que isso seja só uma preocupação dele. Não é como se a minha pele fosse ruim... não é? É uma quantidade tão exorbitante de produtos que tenho certeza que não vou conseguir usar todos. Não falo isso para ele, mas ultimamente eu mal tenho tempo para dormir, imagina usar esses trecos todos? Então, ao ver o brilho nos olhos do Jin a utilidade de cada um dos cosméticos, tomo uma ação importante: apenas sorrio e aceno (com a cabeça).

— Obrigada, Jin! Fico feliz que você tenha pensado em cada detalhe! – Isso é verdade, só não sei se vou aguentar essa rotina. Mas é claro que não digo isso a ele.

— Ah, que bom que você gostou! Eu fiquei escolhendo cada um deles à dedo!

Desculpa, Jin, mas não sei se sou tão dedicada quanto você...

Mesmo assim, apenas em pensar no fato de que Jin pensou tanto em mim, escolhendo cada um deles com esmero e pagando por tudo isso, me sinto tão querida aqui. É um sentimento novo que só conheço aqui na Coreia. Por mais que eu saiba que não vou conseguir decorar para quê serve cada um ou como usar, vou guarda-los como tesouros.

— Ah, agora é a minha vez! – Jimin exclama. – Eu só queria perguntar o que você achou do usinho de pelúcia. – Ele evita olhar nos meus olhos, tímido.

— Eu não desgrudo dele um minuto sequer. Ele está na minha mochila agora. Muito obrigada mesmo!

— Ah, que bom! Eu achei que você passa muito tempo sozinha, nós estamos sempre ocupados e nem sempre você vai estar aqui, então eu queria que você soubesse que nós sempre estamos com você. Nunca se sinta sozinha, ok?

— Obrigada!

O almoço segue tranquilo, porém não dura muito. Toda a tarde se passa como um suspiro, pesarosa, lenta enquanto dura. Finalmente arrumei um tempo para fugir um pouco. Eu só preciso respirar um pouco de ar freco. Porém, hoje, resolvo subir ao invés de descer. Quero descobrir ares novos: o terraço.

Por trás do vento gelado que aquela porta surrupia, há um lugar que nunca vi. Dá para o lado de fora dessa empresa, porém não o chão. Este é o céu. Por curiosidade, testo para ver se está trancada. Sei que não deveria estar aqui... mas a porta abre...

O céu se abre sobre a minha cabeça, a brisa fresca beija meu rosto. Mesmo que seja uma sensação deliciosa, não deixo de me encolher de frio. Um pouco mais à frente, uma silhueta contrasta com a claridade desse terraço.

Chamo seu nome, mas ele parece imerso demais nesses fones de ouvido ou nesse céu ou nessas nuvens ou nesses sonhos ou nessas responsabilidades. Rap Monster sempre foi assim, um sonhador. Acima disso, um líder.

Ele apenas percebe minha presença quando estou perto. Nem precisava. Perto desse céu que cobre da Coreia ao Brasil, dessa cidade de apartamentos de casas de pessoas que vivem sua vida, cada vida com seu mundo, vários mundos conflitando. Quem sou eu perto de toda essa imensidão?

— Ah, Sam. – Ele me oferece um de seus fones. – Quer ouvir?

Sem dizer nada, aceito. A música que soa em meus ouvidos é Tempo Perdido, umas das que traduzi para ele uma semana atrás.

Não pertubamos a harmonia do espaço. Quietos, observamos do parapeito o movimento das ruas e o movimento dos céus. O vento dá um acompanhamento a mais à voz de Renato Russo.

“Veja o sol dessa manhã tão cinza / A tempestade que chega é da cor dos teus olhos / Castanhos”

Diante deste anil que pinta o horizonte, seria uma loucura afirmar isso. Contudo, a letra se encaixa. O cinza está em sua visão e a tempestade, em sua mente.

— “O que eu deveria fazer?” – Penso alto. – É isso o que você está se perguntando, mas não quer dizer.

Consigo capturar sua atenção, porém a conversa não flui.

— Sabe, não vou contar para os outros se estiver inseguro ou não souber o que fazer. Pode falar.

— Foi mal. Por mais que eles já saibam que nem eu tenho essa situação sobre controle, ter uma prova concreta dessa desordem vai pesar mais ainda em suas preocupações. Você já soube de tudo?

— Não tenho certeza.

— Como você já sabe, Jungkook se trancou em casa sem falar com ninguém; Taehyung ficou muito irritado quando descobriu isso e gritou com todo mundo que encontrava; Yoongi quase entrou na mesma que o Jungkook porque a avó dele morreu durante a viagem, hoje foi visitá-la; por fim, Hoseok passou mal de estresse e está descansando no hospital. Ele nunca foi muito bom em aguentar pressão.

— Sério?! O J-Hope está bem? É só estresse mesmo?

— Sim, não é a primeira vez que algo assim acontece. Assim que chegou, Jin o levou até o hospital em segredo. Pelo que o Jimin me disse, Hoseok já estava meio doente desde aquelas mensagens no Twitter. Essa confusão só piorou. Ele vai melhorar, é só descansar um pouco.

— Mas e você? Está bem?

— Uh? Eu estou.

— Não estou falando sobre saúde.

Ele demora a responder. Assim como antes, ele pensa bem antes de fazê-lo.

— Eu... Eu tenho que fazer alguma coisa. Afinal, sou o líder deles, não? Se alguém tem que manter a calma em momentos assim, esse sou eu. Por mais que esteja explodindo por dentro.

— Você já tem alguma ideia do que fazer?

— Não, não, não... não. Mas tenho que parecer que sim, né? – A serenidade na voz de Rap Monster é tão inquieta. – Como se não fosse o meu sonho, pelo qual luto há anos, pelo qual passava dias sozinho esperando aqui na Big Hit, como se não fosse ele que estivesse desmoronando. Eu tenho muita raiva do Jungkook agora, mas isso não vai levar em nada. Se eu quiser meu sonho de volta mais uma vez tenho que ser compreensivo e pensar. Não posso sair por aí batendo portas ou levantando a voz.

Mais uma pausa para pensar. A música acabou, mas os fones permanecem como o elo que nos une.

— Geralmente, o Yoongi me ajuda a pensar nessas situações, mas não estou em posição de exigir nada dele nesse momento. Ele já faz muito mais do que o necessário. – Rap monster continua. – Sabe? Eles são garotos maravilhosos. A gente briga de vez em quando, mas nada muito fora do comum. O que está acontecentenco é realmente anormal. Eles não são assim. Desculpa por mostrar apenas os nossos lados ruins.

— Eu sei que vocês são maravilhosos. É só a situação. Vocês são humanos afinal.

— Talvez só humanos não seja o bastante. Eu, com a minha limitada mente humana, não consigo pensar em como juntar todos de novo. Mas, vou conseguir pensar em algo. Sempre consegui, por que dessa vez vai ser diferente? Pode confiar am mim. O BTS não vai acabar.

Ele bagunça a minha franja antes de sair. São palavras lindas, exatamente as que eu queria ouvir. Pena que nem mesmo ele acredita nelas.


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