Étreser escrita por LittlePercy, Rosalie Potter


Capítulo 5
5. Aparentemente, professoras anciãs não tem senso de humor


Notas iniciais do capítulo

~ Percy ~
* renascendo das cinzas da fogueira dos vestibulandos *
AHÁ! Voltei!
Gente, vocês não sabem a alegria que eu tô em postar esse capítulo. No inicio foi bem complicado escrever. Por diversos motivos: escola sugando minha alma, bloqueios criativos, simulados, preguiça ( XD ). Mas aqui está. E olha, eu gostei da desenvoltura que ele tomou. O Tyrion está finalmente tomando a personalidade que eu e Tia Rose estávamos querendo e a história está me prendendo cada vez mais. Sério, eu ando pensando na fic o tempo todo, até sonhando com ela :v . De qualquer modo, deixem seus comentários sobre o capítulo e se estão gostando desse modelo de cenas. Boa leitura :3
~Abraços azuis~



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V                                                                             Tyrion

Talvez a definição de repouso concebida pelos Lordes fosse um pouco diferente da convencional. Logo após recebermos curativos e uma bronca de uma ninfa que trabalhava na enfermaria, deram-nos relógios que alertariam sobre as tarefas do dia por meio de hologramas e alarmes. Todos pareciam distintos entre si, o que se mostrava um meio de identificação. Algo pra manter-nos na linha e, como eles descreveram,“seguros”.

Os dias se repetiram e a rotina era incansavelmente a mesma. Não apenas para mim, mas para todos nós. Em um primeiro momento, Lunna precisava de ser ajudada por Draegon para ir às aulas, o que vinha bem a calhar, porque ele aparentava ser o mais forte do grupo e tinha as mesmas aulas que ela pela parte da manhã e noite. Durante o período da tarde permanecíamos nos dormitórios para o que eles chamam de Práticas de Batalha, nas salas de treinamento abaixo do salão principal. Esse módulo de treinamento, no entanto, se restringia a um jogo de dardo para nós durante a primeira semana, já que metade da equipe tinha sido esculachada por uma cauda voadora qualquer.

 

**********

 

—Eu juro que vou morrer de tédio. —Lunna resmungou, fechando os olhos fortemente.

Eu, que estava por perto lendo um livro, acabei rindo dela. A perna enfaixada dificultava que ela andasse. Talvez o grupo tenha ficado um pouco protetor demais nos primeiros dias. Todas as vezes que ela tentava se levantar sozinha alguém praticamente voava em sua direção para dar apoio.

—Não se mate Lunna, já estou chegando.

Draegon apareceu com uma tigela vermelha com algumas frutas diversificadas e colocou no colo da loira, se sentando ao lado dela logo em seguida.

—Eu posso ir pegar minha própria comida vocês sabiam disso?

—É melhor não arriscar. —A voz veio de Athena que também lia um livro deitada no tapete felpudo. —Se esse machucado abrir e voltar a sangrar você vai ficar ainda mais tempo de molho.

Lunna fez um muxoxo enquanto deitava a cabeça no ombro de Draegon. A loira colocou uma fruta qualquer na boca com uma careta.

—Volto a dizer, eu juro que vou morrer de tédio.

 

**********

 

—Você está sendo dramático.

Revirei os olhos para Alice enquanto eu passava uma espécie de pomada verde lustrosa que havia sido dada a mim para cuidar dos meus ferimentos. E aquilo ardia. Ardia muito. Parecia que meus cortes pegavam fogo. Era impossível suprimir uma careta toda vez que eu passava. Claro, eu sabia que iria ajudar. Mas ainda assim eu quase chorava. Minhas mãos chegavam a tremer em certo momento.

—Não estou sendo dramático! Isso arde!

—Olhe para Athena.

Olhei. A ruiva estava na cama dela, fazendo o mesmo que eu. Ela tinha um números maior de machucados que eu por estar de vestido no dia. Entretanto, enquanto ela passava aquela tortura em forma de pomada, não havia alteração nenhuma nela. Ela não tremia, não fazia careta, não soltava som algum. Parecia estar passando um creme em uma pele saudável. Como? Não sei.

—Eu não sei como ela faz isso. Não é justo.

—Você está sendo dramático! —Scott gritou da cama dele atraindo todas as atenções do quarto para mim. Quase enfiei minha cabeça no travesseiro. Tinha me esquecido por alguns instantes do problema de falta de privacidade.

—Tyrion? Dramático? Conta uma novidade. —Draegon falou enquanto ajudava Lunna a trocar a faixa da perna.

—Eu não sou dramático!

Minha defesa pareceu não importar para eles. Para todos os efeitos, eu era a rainha do drama do grupo.

 

**********

 

—Consegui!

A exclamação de Lunna chamou atenção de todos os presentes e então um sorriso foi inevitável quando passou pelo meu rosto. Ela estava de pé, sozinha e parecia não sentir mais dor alguma com isso. A pomada verde parecia realmente ter efeitos rápidos. Justo já que era tão dolorosa.

—Oh! —Alice abriu um sorriso também enquanto se levantava e ia até a outra loira. —Isso significa que agora todos estamos bem para fazer isso.

E, sem que ninguém esperasse, ela acertou uma almofada de leve em Scott. Foi bem no rosto e ele levou um susto tão grande que pulou fazendo que uma gargalhada esganiçada saísse pela minha garganta. Não durou muito porque foi interrompida por uma almofada atingindo minha face. Daí foi a vez de Scott rir como um pato morrendo. Athena riu gostosamente e jogou uma almofada em Draegon que jogou em Lunna.

Em alguns segundos tinha almofadas por todas as partes. Nem adiantava procurar quem jogou em você, estava tudo uma bagunça e nem dava para

 

**********   

 

Sério, talvez poucas coisas em Étreser fossem piores que assistir a um período de aula com a professora Dolores.  No final da primeira semana, os Lordes diziam ter a impressão de que nosso grupo tornou-se ocioso de mais por causa das lesões. Aparentemente eles não consideraram o esforço jogos de cartas e esferas de luz  suficiente, então nos escalaram para uma aula extra com a criatura ancestral, digo, docente magistral, fato que, obviamente, sofreu enfáticas desaprovações por todos nós.

As reações não foram as melhores quando Pomey começou a fazer seus estalidos de despertador no sábado às seis horas. Ele dizia que eram ótimos para começar um novo dia.

Certo. Não vou mentir.

Quase encobri o sequestro de nosso espírito de fogo? Talvez.

Entretanto o consenso foi total de que possivelmente eles nos dariam mais uma ou duas horas de punição por tentar procrastinar, então o grupo se arrumou o mais rápido que cinco adolescentes capengas poderiam fazer.

— Anda, Scott! — disse Draegon jogando uma cueca no rosto do garoto. — Desse jeito vão mandar outras ninfas virem nos buscar e, repito, eu não vou mais mergulhar naquele lago.

Scott preparava mais um de seus faniquitos, porém logo mudou de ideia e resolveu guardá-lo para si. No fundo, ele realmente concordava que o fato de ser “conduzido” pelas ninfas à Academia não era uma coisa agradável. Quer dizer, não se você não tem afinidade por dar vinte voltas no lago apenas com roupa íntima sendo perseguido por uma toupeira aquática de meia idade guinchando algo como “vai!”, “mais rápido!”

— Não faça terrorismo com o menino, Drae. — retrucou Lunna —Só porque alguém faltou as últimas aulas de Metafísica da Dominação não significa que elas sempre virão. — O olhar, antes doce, fitou Draegon com um brilho peculiar. Ela, apesar da reprovação moral, titubeou, provavelmente não acreditava na última parte de sua frase.

— Hey! — soltou um muxoxo — Eu estava te acompanhando até a Biblioteca!

— Todos os dias? — Athena desconfiou

— Talvez sim, talvez não. — O jovem se encolheu parcialmente em seus lençóis. — Não me culpem, o professor mudava o assunto da aula o tempo todo. Ele começou a falar de torresmo no meio da explicação sobre Physis.

Todos balançaram a cabeça, assentindo desajeitadamente.

— É melhor sairmos. — disse Alice, olhando para janela e jurando que viu uma criatura de água com um humor bem afetado marchando para o prédio do nosso dormitório — Acho que senhora Wyr percebeu nosso atraso. — completou com uma careta.

Um guincho escapou e, pelo que tudo parecia, era a externalização de um sentimento comum. Os garotos corriam de um lado para o outro procurando peças de roupa perdidas, enquanto que Lunna e Athena forçavam escovas em seus cabelos.

No final, o grupo estava um pouco abaixo do apresentável, com túnicas trocadas, relógios apitando e uma expressão de desespero nos rostos. Excelente para a aula.

A corrida até a Academia foi o que eu caracterizaria como aos tropeços. Talvez um ou outro felino fora prejudicado na caminhada, mas não saberia ao certo descrever. Quando Alice pisou em sua cauda, houve um grunhido não menos que sanguinário. A partir daí a velocidade dos nossos passos quase duplicou, então chegamos no Salão de Aulas em menos de cinco minutos.

Sentada em sua cadeira de mármore, lá estava nossa companhia pelas próximas duas horas em uma aventura pela Sistemática das Rochas. A idosa arrumou seus óculos e nos fitou:

— Pestes! — grunhiu a mulher — Vocês estavam fugindo de mim? — Um pedaço de rocha soltou-se do corpo de Dolores e ameaçou encontrar nossas cabeças, o que, felizmente, era só uma impressão.

Nós, encolhidos, sentamos nas cadeiras no meio do anfiteatro e nos preparamos para o início da opressão. Não, eu não estou exagerando. Quero dizer, os métodos da nossa educadora eram um tanto quanto… arcaicos? Cruéis? O que definir tornar-se um alvo para os pedregulhos flutuantes da professora ao errar uma questão sobre diferença entre obsidiana qloker e encantada.

Lunna sentou-se ao meu lado, Draegon abaixo e Scott e Alice acima. Aparentemente, fazer uma rede de bilhetinhos enquanto a instrutora estava virada tornou-se a salvação para o tédio instaurado. As mensagens eram tão aleatórias quanto os grunhidos de Dolores quando não repetíamos a sua frase, todavia algumas específicas faziam caricatura do vestido florido ou do bigode proeminente da idosa.

Talvez a última não fosse tão inadequada, dado os risos que surgiram em uma intensidade não muito discreta.

Não demorou muito para que ela virasse para nós e bradasse quase chacoalhando toda a estrutura:

— Vocês zombam de mim, pirralhos? — Atirou alguns detritos em nós com um rugido. Sorte que Dolores tinha uma péssima visão. — Querem me desafiar?

— Qualquer coisa que me tire dessa tortura. — cochichou Draegon para Lunna com um sorriso no canto da boca.

Certo. Talvez o menino nunca estivesse tão perto da morte quanto nesse momento.

Dolores piscou e seus olhos tornaram-se verdes. Nesse momento cinco estalagmites surgiram do seu assento  e prenderam o jovem no ar pelo pescoço.

— Wyr! — bradou a professora e, no mesmo instante, uma forma trêmula e tempestuosa surgiu ao seu lado.

— Chamou, senhora? curvou-se a chefe da disciplina para nossa docente ancestral.

— Retire-os da minha frente, castigue-os, exile-os, qualquer coisa que seja uma punição decente.

— Seja o que for, é melhor que isso. — sussurrou Draegon sendo sufocado pelos pedaços de pedra que ameaçavam decapitá-lo.

— SAIAM! — Dolores estremeceu e seu ódio materializou-se em fissuras no salão. A mulher fez uma meia lua com seu pé direito e o chão sob nós começou a desabar. Ela nos mandou um último olhar de desaprovação enquanto o piso cedeu e despencamos do anfiteatro.

 

**********

 

Recobrei a consciência com o menino infrator sobre mim. Logo, um desespero com toque de rubor  me invadiu.

— O. Que. Você. Fez? — disse gesticulando incrédulo.

—  Eu… — o garoto parou com um sorriso malvado no rosto. — Descubra.

— Você… quase nos matou! — Lunna gritou.

— Qual é! — O garoto entrecortou o gemido de raiva da menina com um afago agitado em seus cabelos. —Foi engraçado.

Scott abria um tímido riso pelo canto da boca:

— Ela parecia prestes a explodir em um milhão de mini meteoritos. — comentou o garoto.

— Convenhamos, aquele foi o ponto alto da aula. Se eu ouvisse mais alguma coisa sobre a importância das rochas para a História dos Reinos eu derreteria. — Athena resmungou e todos assentiram com uma risada torta.

— De qualquer modo — continuou — temos que arranjar um jeito de sair daqui. — sua expressão pareceu mais grave que o comum — Tenho certeza que Wyr não nos deixará em paz.

Olhei para frente na esperança de encontrar alguma réstia de luz. Infelizmente, a escuridão a frente parecia densa, até palpável, o que induzia a uma aversão a continuar naqueles túneis.

— Não podemos tentar escalar os escombros. — Lunna estava com um olhar cabisbaixo — Dolores nos mataria a primeira vista.

O sentimento era unânime: ninguém, em condições normais, ousaria seguir em frente; entretanto, nada superaria a possibilidade de ser esmagado por sua professora de milhares de anos de idade.

— Alguém precisa ir na frente — Alice se ofereceu, dando os primeiros passos em direção ao vazio.

Ninguém contestou, não houve nobreza, apenas concordamos e seguimos a menina.

A partir de um ponto da caminhada, não era possível distinguir onde estávamos ou que direção havíamos tomado. Era impossível sequer ver um metro a frente.

Diante disso, fizemos uma fila e, de tempos em tempos,  encostávamos na pessoa adiante para garantir que ninguém havia se perdido.

Por um momento, evitei ao máximo encostar nas paredes dos túneis. Elas, por algum motivo, rangiam periodicamente. Os sons eram de tons distintos, alguns até pareciam sibilos. No entanto, a sensação de estar perdido me forçou a deslizar os dedos pela gélida estrutura de pedra.

Ok. Talvez não fora a ideia mais genial.

No mesmo instante, um corredor de luzes cálidas avançou por nós, dissipando a tensão instaurada pelas trevas. Em seu lugar, um sentimento de “o que eu estou diabos acabou de acontecer” cresceu no grupo, todos fitando a mim.

— O que você fez!? — Athena grunhiu com um olhar de desaprovação.

— N-n-nada — respondi um tanto quanto confuso.

Não havia sinais de alavancas, botões ou mesmo sensores. Nada. Quer dizer, por que a culpa seria minha?

— Suas mãos, Tyrion… — Scott apontou para os meus membros, que apresentavam espirais envolvendo os dedos e a palma da mão.

— Eu… — minha fala fora interrompida pelo que pareceu o segundo ato da iluminação.

A superfície rochosa começou a descascar, abrindo vista para uma série de mosaicos de vidro. A princípio era difícil reconhecer as imagens, as quais estavam recobertas por profundas camadas de pó. Todavia, a medida que avançamos, os vitrais foram ficando mais e mais nítidos, até conseguirmos ver a figura de cinco pessoas, digamos assim, não muito contentes.

Os quatro lordes apareciam em contraste a um homem com vestes prateadas adornadas com pigmentos púrpuras. Eles pareciam disputar algo, pareciam estar lutando entre si, em uma cena de dor e sofrimento generalizados.

Cenas dos quatro reinos foram sendo destacadas, esses, porém, estavam em frangalhos, com prédios em ruínas e desastres naturais ocorrendo.

Os lordes, em sequência,  emergiam cada um em seu respectivo domínio, todos com uma feição arrasada. Suas posturas , normalmente gloriosas, estavam encurvadas e laceradas.

Arya, que mais me chamou atenção, estava de joelhos diante da Cúpula de Mistion, sendo rodeada por criaturas semelhantes àquela que havia nos atacado na cerimônia de abertura.

Exércitos do Reino da Água tentavam combater os invasores, salvar a capital, no entanto, pareciam ser massacrados pelas forças inimigas. Era quase possível escutar os rugidos dos canhões, os comandantes gritando ordens de retirada, dobradores e criaturas tentando criar barreiras e fortalezas de gelo.

Aquilo tudo me instigava. Eu conseguia sentir o calor da batalha, ouvir as respirações aceleradas e os batimentos compassados.

Era tudo…

O calor do ambiente foi retirado por um instante. Minhas mãos passaram a queimar nas partes marcadas, com uma ardência que me extraiu guinchos de dor. Não pude evitar caminhar em direção à imagem. Meus membros eram atraídos pelo mosaico que, de perto, parecia se movimentar lentamente. Talvez me arrependesse depois, mas, movido pela intensa sensação imagética, toquei a peça de vidro.

No mesmo instante todos pararam de se mover e o tempo retrocedeu velozmente. O ambiente tornou-se turvo e, por um momento, senti que estava em lugar algum e em todos ao mesmo tempo. O ar passou a ser gélido e meus pés estavam sobre uma superfície fofa e alva. Os sons da batalha vieram à tona.

Era tudo… real!

 

**********

 

Alguns disparos zumbiram por trás de mim. Os soldados tentavam controlar as criaturas que investiam contra lady Arya, lançando algumas tentativas de congelá-los. As bestas, no entanto, eram muito velozes, desviando de quase todos os instrumentos mágicos que eram atirados.

A senhora de Mistion, antes ajoelhada, agora tinha cedido à fraqueza e encontrava-se totalmente no chão. Sua forma ainda permanecia em modo de batalha, demonstrando que a mulher ainda lutava para manter-se viva. A armadura prateada, apesar disso, mostravam-se partida, sua imponente lança estava a metros de distância e o cristal em sua coroa brilhava singelamente.

Eu queria gritar para que parassem, gritar para que tudo deixasse-a em paz. Todavia minha voz aparentava ter sumido, mesmo forçando-a a plenos pulmões.

Os esquadrões que protegiam a senhora das águas minguavam-se a cada momento. Os soldados,  das aparências mais variadas possíveis, indo desde minúsculas raposas da neve, a pessoas e colossais golens de gelo, eram massacrados pelos neflins.

Em um torpor desmedido, empunhei uma espada e bradei contra um dos inimigos que ameaçava um garoto talvez um pouco mais velho que eu.

O que veio a seguir arrepiou-me da planta dos pés à cabeça.

A espada transpôs o monstro sem sequer arranhá-lo.

Em uma segunda tentativa, pulei para tomar a altura correta e desferi um golpe contra seu pescoço. O mesmo aconteceu.

Desesperado, pus-me entre os dois, com os braços abertos e tentando sinalizar para que o garoto corresse. O neflin, no entanto, ergueu sua longa e cintilante garra, já carmesim pela batalha, e mandou-a contra o menino.

Isso tirou-me completamente o fôlego, atordoando-me e fazendo tudo girar. A pata da criatura atravessou-me e cravou as garras no peito do jovem, arrancando dele um último e sôfrego gemido.

Naquele instante foi inevitável o correr das lágrimas. Eu soluçava ininterruptamente diante daquela cena. O que diabos estava acontecendo? O que era tudo aquilo?

O solo, antes coberto por uma espessa camada de neve límpida, encontrava-se rubro. A batalha ia se conduzindo mais e mais para o seu desfecho. E o meu coração se acelerava, retumbando nos meus ouvidos para saber o que aconteceria. Mentiria se dissesse que não estava assustado porque estava e só desejava que acabasse logo.

Como se fosse uma resposta ao meu pedido mudo, lady Arya se levantou. Seu semblante demonstrava todo o cansaço e parecia que o peso do mundo estava em suas costas. Nunca pensei que a veria tão frágil. Entretanto, seus olhos brilhavam de uma determinação que me estremecia.

No tempo necessário para que eu piscasse, as mãos dela se juntaram. E então uma luz me cegou por alguns instantes. Meus olhos doeram e se fecharam com força como instinto à tamanha luminosidade. Mas não era simplesmente luz. O que ela tinha acabado de fazer, embora eu não soubesse exatamente o que era, estava carregado de tanto poder que fazia com que meus ossos tremessem.

Testei abrir os olhos e devagar as pestanas foram se abrindo para encontrar uma lady Arya completamente diferente. Não diferente em aparência, mas em vitalidade. Todo o cansaço parecia ter sumido e o que eu via em seu semblante não era mais cansaço. Era a certeza da vitória.

A mão dela se ergueu de uma vez, sem hesitação alguma. Sua palma aberta e os dígitos unidos apontando para todo aquele exército feroz de criaturas. E, para minha completa e intensa surpresa, os neflins pararam. Pararam seus movimentos subitamente. Precisei de alguns segundos para perceber uma cor nova tomando as criaturas, começando pelas suas patas e subindo pelos membros inferiores até os superiores. Era azul. Azul claro, quase transparente, azul como…

Gelo.

Um engasgo tomou minha garganta a perceber que eles estavam se transformando em gelo ali, na minha frente com apenas um gesto de mão da senhora das águas. Completas estátuas de pura água congelada, quase translúcida. Todo um exército que até minutos atrás investiam com todo o furor contra ela estava congelado.

A mão dela continuava na mesma posição. Vi seus dígitos se curvarem e a mão se fechar em punho. O barulho seguinte foi ensurdecedor. Pois todo o gelo que ela havia transformado as criaturas foi estilhaçado em quase pó, caindo no chão.

Por alguns segundos depois da explosão o silêncio mais absoluto reinou. Ninguém ousava sequer respirar de maneira brusca. Nem mesmo eu, ainda que não estivesse sendo visto.

Ainda estava absorvendo aquela intensa demonstração de poder quando vi a lady cair de joelhos em um baque surdo. Suas pernas voltaram a me parecer frágeis, assim como toda ela. Seu corpo tremia. Tremia de maneira tão sofrida que eu quis ir até ela, fazer qualquer coisa para confortá-la. Meus olhos corriam em busca de alguém que pudesse ajudá-la quando percebi que havia algo de muito errado.

As mãos dela começaram a ficar transparentes conforme seu corpo tombava deitado. Foi subindo pelo braço enquanto ela simplesmente… Desaparecia aos poucos, desintegrava entre arfares de dor. Avancei correndo para o lado dela, mesmo sabendo que era inútil, sabendo que eu nada poderia fazer.

Quando a transparência chegava ao seu busto, trovões cortaram o céu em barulhos retumbantes que aceleraram o meu coração de forma que ele parecia querer sair do peito. O barulho era profundo, rouco, ensurdecedor, cruel.

Por fim, a rainha de Mistion havia desaparecido completamente. Em seu lugar, jazia um pequena pedra reluzente.

E foi só aí, só olhando para aquela rocha, que eu percebi que não eram trovões.

Risadas.

Eram risadas.

 

**********

 

Foi inevitável o soar dos gritos. Estridentes, desesperados, acompanhados de lágrimas e suor frio.

Minhas mãos estavam tão trêmulas que eu sequer conseguia limpar o choro corretamente. O coração estava acelerado, a respiração inconstante, ruidosa. Os músculos tensos como metal.

Escorei-me na superfície mais próxima, rochosa e áspera, o que me proporcionou algumas escoriações no braço esquerdo e alguns guinchos.

Coloquei a cabeça entre as pernas e tentava me balançar para diminuir o pânico, murmurando algo como “não é real”, “Arya está bem, vimos ela alguns dias atrás”, claramente uma manobra infrutífera.

De relance, consigo observar uma intensidade de luz diferente daquela que inundava a cena no Reino da Água. Tentei levantar os olhos para melhorar a acurácia da visão, piscando algumas vezes por causa dos olhos embaçados.

O que veio a seguir arrepiou-me dos pés ao pescoço.

Eu estava no mesmo túnel de antes, com cinco adolescentes olhando perplexos para meu rosto.

— O que aconteceu, Ty? — Lunna agachou em minha direção, afagando-me os cabelos delicadamente e tentando secar minha face úmida.

— A-A-Arya — gaguejei. — Arya morreu! — mais soluços vieram — O Reino da Água está em ruínas, minha casa foi destruída. — murmurei com pesar.

— De onde você tirou isso, Tyrion? — Alice também se aconchegou ao meu lado. — Tudo está bem, Arya está melhor do que nunca. — tentou argumentar — Bem até demais, dando ordens para todos os cantos. — sussurrou a última parte.

— Eu vi! — bradei. — Vi ela desaparecendo, o reino tinha sofrido uma invasão. Milhares de pessoas morreram. Havia sangue por toda parte!

— Ele deve ter batido a cabeça muito forte na queda… — Draegon começou, com um aspecto tão triste que parecia estar fora de si — Precisamos levá-lo pra enfermaria e… — interrompi-o.

— Não é mentira! — gritei a plenos pulmões. — Nas paredes! — arregalei os olhos. —Está tudo nos vitrais! — apontei para as laterais.

Outro choque veio.

As paredes estavam intocadas. Tão antigas como o próprio local.

As rochas amareladas pareciam zombar de mim, pude até escutar os sibilos mais intensos.

— Por trás da parede! — tentei argumentar. — Por trás da parede existe um mosaico!

Seus olhos antes perplexos se tornaram ainda mais preocupados.

— Não existe nada por trás das paredes, Ty. — Scott tentou manter o tom de voz doce, mas sua tensão demonstrava que sentia um pouco de med . — Essas passagens sequer deveriam existir, estamos muito abaixo da superfície.

Athena aproximou-se fitando-me com os cinzentos olhos tempestuosos. Sua feição estava meio apática, os punhos cerrados e mesmo os acobreados cachos pendiam sem vida e brilho.

A garota parecia estar prestes a esbravejar, condenar-me pela loucura, na iminência de descarregar toda sua tensão.

Ao contrário.

Ela prosseguiu e abraçou-me com força, envolvendo seus braços na minha cintura e colando a cabeça no meu peito com os olhos fechados e a boca comprimida.

Ela conseguia ouvir os batimentos acelerados e sentir os músculos contraídos pela adrenalina. Em resposta, tentava sussurrar alguma coisa inaudível na tentativa de me acalmar.

Há uma semana, eu acharia isso impossível. Entretanto, a menina realmente parecia se importar com a minha pessoa.

Lentamente, a pulsação baixou e o corpo pareceu relaxar. Ainda fazia murmúrios por causa da crise, mas o conforto do grupo me aconchegava.

Por um momento, senti-me acolhido e, por um momento, senti paz.

Pena que foi tão pouco.

A uns dez metros a frente, ouvimos um estrondo muito forte e o túnel todo balançou, o que forçou o término daquele momento e chamou a atenção de todos. Naturalmente, um estado de tensão voltou a encobrir-nos.

Por um mar de poeira, três figuras bruxuleavam com passos eram firmes e lentos. Aquelas que ocupavam as laterais eram grandes e fortes, com destaques típicos de uma armadura completa. Empunhavam duas formas alongadas, as quais acompanhavam a marcha soando ruidosamente, grunhindo de tempos em tempos.

A forma central, entretanto, parecia flutuar sobre o solo, com a silhueta variável e uma certa tensão.

Assim, Wyr pôs-se em nossa frente com dois guardas, um com forma de crocodilo, o qual, impacientemente, arrastava sua cauda de um lado para o outro, e o segundo com  o aspecto de um urso polar, que, para um guarda parrudo, tinha uma aparência nada ameaçadora.

Sua feição era macabra, com um olhar odioso e as mãos cerradas. O corpo aquoso da chefe da guarda agora tornava-se mais tempestuoso, com pequenas ondulações e simulações de tufões nas vestes.

— Por ordem do Conselho dos Lordes... — iniciou com um brado.

A mulher rodopiou as mãos e um vórtice de água partiu de seu corpo e se envolveu nas nossas mãos e pés.

— Vocês estão em detenção! — Ela estalou os dedos e as algemas se solidificaram, prendendo-nos.

Em seguida, disparou um sorriso de desprezo pelo canto da boca e fez um sinal aos guardas, que se colocaram por trás de nós e faziam-nos prosseguir com rugidos e algumas espetadas.

— Esperem o castigo que lhes aguarda.— A chefe da segurança mantinha a cabeça baixa com uma postura debochada. Tinha certeza que prender adolescentes e torturá-los era seu hobby favorito.


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