Aos olhos de alguém escrita por Loressa G M


Capítulo 6
As vezes precisamos de alguns demônios para combater outros maiores




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– Não – a criança se limitou a dizer

Nesse momento ouço novamente barulho de passos, mais alguém, tento entrar na cabeça e desse consigo facilmente, tem a mesma idade dos namorados mortos, 16 anos, seu nome é Tony, em sua mente vou direto a parte de visão, ouvindo apenas o que ela grita, o nome, a idade e uma imensa solidão, finalmente vejo pelos seus olhos, volto a perceber o tempo como um mortal e vejo que gastei um segundo para chegar a seus olhos pela mente, havia três anos que não demorava tanto. Vejo Benjamim, é um menino de sete anos, de cabelos pretos e olhos castanhos, como qualquer um, exceto por um pequeno detalhe, ele realmente tem asas, como as de anjos que se vê em pinturas e filmes, extremamente brancas, elas saem de suas costas, a parte superior ultrapassa a altura da cabeça e desce até seus pés, Tony o pega em seus braços e eu consigo senti-lo como se fosse o garoto de 16 anos, como se eu o carregasse, sinto suas asas macias muito parecidas com a de um pássaro bem cuidado, é como segurar plumas pesadas que se mexem, mas ouço algo e não é um som externo, são gritos da mente de Tony, “Um de meus irmãos tem asas e o outro é louco, eu sou sozinho no mundo”, “ Se já tinham eu porque meus pais tiveram mais dois?”, “A culpa é minha por meu pai ter morrido?” “Minha mãe não me ama como ama essas aberrações!”, “A culpa foi de Max, ele matou nosso pai!”, “Não, foi de Sofi”, “Foi de Benjamim que não descobriu o que podia fazer antes”, “A culpa foi minha e de minha solidão que ainda há de me matar”. É muito barulho, a mente de Tony é depressiva e grita por ajuda, porém ele não aparenta, age comportadamente como se não tivesse nenhum problema, se isola um pouco e está quase sempre em silêncio, mas nunca chora em público, para os amigos e a mãe ele é normal, se normal tiver mesmo uma definição.

Algo me chamou a atenção, lembro de ouvi-lo dizer sobre a morte do pai, decido ver a fundo isso. Entro nas memórias, vejo uma mulher, uma paixão platônica, foi a um ano ele com 15 e ela 29 anos, todo dia ele a espionava pela janela de seu quarto no segundo andar, ela alta, de lisos cabelos louros, revestida das mais caras roupas de grifes, joias verdadeiras e sempre com os mais belos sapatos salto 15, o luxo em pessoa, apesar disso, ele só a via pois toda semana ela estava lá, no único bairro totalmente pobre da cidade observando de longe uma casa, sabia que o rosto dela e o nome Sofi me era familiar, porém agora tenho certeza, a casinha que ela via, era a minha, minha dela de nossos pais e dos nossos 8 irmãos, me lembro que éramos uma das únicas famílias naquele estado de pobreza, ao lado no bairro normal Benjamim, nunca prestei atenção naquela casa, daquele tempo só me lembro das mortes, de sermos amaldiçoados pelo DNA de kirian, dez irmãos, cinco morreram e os outros se espalharam pelo mundo, sou apenas um deles, um que teve destino feliz, mas e Sofi? O que ela tem a ver com a morte do pai de Benjamim?

Meus devaneios de perguntas são interrompidos pela voz de Tony

– Qual o nome de sua amiguinha Ben?

– Davina – respondo

– Então Davina, me desculpa interromper a brincadeirinha, mas eu tenho que levar meu irmão para casa – Tony fala comigo como se eu fosse uma criancinha normal, que não entende o que os mais velhos falam.

Humanos a medida em crescem vão aprendendo copiando o que os adultos fazem, por isso a maioria os educa longe de coisas impróprias ou mais complexas, porém eu sou um Kirian, entro na mente de todos eles, minha mentalidade evolui muito mais rápido que a de um humano e de “brinde” ainda descubro tudo que quero nas mentes deles.

– Nós não estávamos brincando Tony – ele pergunta ao irmão, se falou a mim o nome dele, Ben responde que não, continuo – e a propósito sou irmã da Sofi, sei que não contou isso ao Benjamim, mas não se assuste – mostro a ele um sorriso macabro que nem sabia ter e subo as escadas rindo, a expressão de medo de Tony por estar na mansão dos “falecidos” Deathless e se deparar com uma menininha que sabe sobre ele, eu não poderia perder, então me viro e finalmente desapareço como um fantasma, não sei se mencionei, sou um Kirian estágio dois, posso entrar na cabeça das pessoas faze-las acreditar em algo e tornar isso realidade, como desaparecer enquanto subo as escadas da antiga mansão, realmente foi divertido, mas espero que pelo menos o Benjamim volte, sei que irá voltar.

***

Quando percebo que eles foram embora vou até a janela quebrada, um cachorro late na rua, perfeito, um animal, não acredito muito que são irracionais, aprendem copiando o que vêm e as vezes agem por impulso como qualquer humano, podem até serem um pouco menos intelectualmente desenvolvidos, mas posso entrar na cabeça deles. Forço aquele cachorro a enxergar a janela da maneira em que estava antes de Benjamim cair sobre ela, torno então realidade. Com a janela consertada e nenhuma prova de que algo significante aconteceu em mais um dia de minha eternidade, sento no sofá da grande sala e ligo a TV pelo botão nela quase a derrubando, não enxergo nada, tateio o controle remoto e acho o botão que Ramon aperta para mudar de canal, coloco em um canal de música, pelo menos ouvir eu consigo sozinha.

A porta se abre, é Ramon, finalmente posso enxergar, vejo pelos olhos dele eu sentada no sofá, então comando o meu corpo a dirigir-se a ele, como em um jogo em que você se vê por um ângulo que não é o de seus olhos, pode parecer bizarro, mas ainda é melhor do que nada ver. Abraço-o e assistimos juntos TV. Minutos depois chega Victory com uma garrafa de Whisky e um cara, alto, moreno e sarado, ela bebe o sangue dele.

– Quem é esse? – pergunta o irmão dela

– Você acredita que esqueci de perguntar o nome, é o nosso novo empregado, ele e a amiga que está um pouco atrasada

– O que aconteceu com os últimos seis empregados que tivemos esse ano?

– Três eu cansei, apaguei a memória e os liberei, dois eu sem querer talvez tenha sugado sangue demais e o outro eu não lembro – ela riu – a culpa é dessas garrafas ou sua

– Minha? Filha vai para o seu quarto, daqui a pouco você desse para jantar.

Entro no meu quarto e espiono a sala por Victory, a porta se abre, a tal amiga entra, Vic a hipnotiza para sentar-se no sofá entre ela e o irmão

– O criatura sarada, vai fazer a janta – Vic diz ao homem logo após hipnotiza-lo para fazer tudo o que ela querer

– O que deseja madame? – responde ele se curvando

– Gosto assim mesmo, quero o que você souber melhor fazer, de comida.

– Posso perguntar o porquê de ter uma humana no sofá? Sabe que nunca matarei ninguém – fala Ramon

– E também sei que continuará a se alimentar deles, então beba criatura

Ramon e Victory morderam o pescoço da mulher, enquanto o homem cozinhava alguma comida que sentia o maravilhoso cheiro do meu quarto. Após a janta vou dormir, viro e me reviro na cama, algo me perturba bruscamente, sons, sussurros, sigo em direção a eles, mas não meu corpo, nem minha alma, é como se estivesse tentando entrar na mente de alguém e ficasse presa no caminho, como se vagasse em uma enorme vastidão de vazios, até que inexplicavelmente acabo na cabeça de Ramon, mas é diferente, não tenho acesso livre, nem escolho a parte do cérebro, outro ser está controlando, sei que não é ele, quando percebo estou em uma lembrança. Ramon e Maya dançam valsa sobre os pisos de madeira da divisão entre a mansão e o jardim, a música vem do toca-discos, nunca tinha visto um casal tão apaixonado, no começo ela dança meio sem jeito, porém ele a ensina e depois de um tempo Maya parece voar sobre o chão, não literalmente, mas ela dança tão suavemente e ele a comanda tão bem que as estrelas parecem estar à suas cabeças apenas para ilumina-los. Tudo fica branco, o cenário muda, agora não é mais uma lembrança, não faço a mínima ideia do que seja, pela primeira vez na vida eu posso enxergar com meus olhos, porém do que adianta se nada há? Uma mulher aparece em minha frente, cabelos castanhos semienrolados e olhos azuis, juro ver o universo ao fundo, sua vestimenta é um vestido vermelho de muitos panos extremamente finos e longos, parecendo com roupa grega, um par de pulseiras de ouro conecta um pano de mesma cor e finura à roupa, a mulher corre até mim, ela parece louca, e age como o chapeleiro maluco de “Alice no país das maravilhas”.

– Que saudades sinto do Ramon, pena que retiraram eu da cabeça dele – ela olha para baixo, triste, mas depois sobe a cabeça rapidamente e sorri – você finalmente conheceu o Benjamim! Agora vou poder espionar o único ser vivo da Terra que não consigo entrar na mente e você ao mesmo tempo.

– O que tem eu – falo como uma inocente criança de sete anos

– Davina! – ela parece brava comigo, me chacoalha e ri como quem sabe de toda a verdade do que seja – você é uma Kirian minha pequena! É obvio, nem precisava entrar em tua kinr para saber que já não tem mais a mentalidade de uma criança... NÃO SOU LOUCA, PARA DE PENSAR ISSO – ela surta e do nada volta ao normal – você não sabe a língua natal de sua espécie, né. Eu sei, sou daquele tempo “kinr” significa mente. Qualquer dia te ensino – ela fala mais estranho do que eu – Gosta de lendas minha pequena? Quer ouvir uma?


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