Aos olhos de alguém escrita por Loressa G M


Capítulo 25
Jovem Natacha




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  Me sinto como se tivesse minha cabeça martelada várias vezes, estava a alguns segundos na mente de minha irmã vendo Genevive ao chão e agora quem está ao chão sou eu, só que em uma ilha deserta... não... aqui não é uma ilha deserta, é onde eu vivo, só que a séculos atrás, estou em uma lembrança.

  A beira do mar a água gélida encosta em minha pele, decido então levantar. O sol parece queimar meu rosto, porém sinto frio, ventos rápidos e frios vão e voltam ao meu arredor, palmeiras e coqueiros balançam de um lado para o outro, entre eles e o mar a areia é esbranquiçada, limpa e pura como tudo por esse lugar.

  Um trecho da mata entre os coqueiros parece se movimentar de forma diferente, uma mulher de cabelos castanhos levemente enrolados e olhos azuis escuros como o céu noturno abre caminho até a areia clara, ela abre os braços, olha para o céu e suspira sorrindo, é Natacha, ou na época “Iknpa”, ela parece feliz e nem um pouco com a louca que conheço, ela segue em direção ao mar, sem me ver, não faço parte da lembrança. Ela coloca um dos pés na água, treme levemente levando as mãos aos braços, aquecendo-os.

  – Gun lu Kellori – diz ela olhando para o Sol quase se pondo

  Me assusto com a voz de Natacha de hoje, vinda de lugar algum da lembrança para traduzir a mim as próprias palavras

  Gun é dia e Lu é frio, pequena joaninha, ela está dizendo ao seu deus que o dia está muito frio. – A voz atual de Natacha parece mais carregada, como se o tempo lhe tivesse arrancado sua ingenuidade e sua sanidade – para de me chamar de louca e presta atenção no que vai acontecer – diz ela quase rindo, melhor eu ficar quieta em minha mente.

  Natacha do passado, Iknpa, retira o véu branco, enrolado de um braço ao outro e contornando seu pescoço, o tecido se esconde na areia de mesma cor e ela entra ao mar. Seu longo vestido, de mesmo tecido estranho e mais leve que seda, começa a flutuar na agua ao invés de agarrar ao corpo de Iknpa, a medida em que se afasta do litoral o tecido vai ficando cada vez mais transparente, como se dissolvesse.

  A poucos metros da areia, ela decide boiar, admirando o céu que começa a escurecer, a garota fecha os olhos e faz um pedido.

  – Trnj ello Kellori, eghn woln pa beç venqTraga companheiros Kellori, estou sozinha a muito tempo, traduz Natacha.

  Naquela época Joaninha, a tradição da ilha era que cada pessoa morasse com mais três outras nas casinhas de barro e folhas de coqueiro, assim cada casa abrigava dois homens e duas mulheres, os quatro passavam por um ritual, o casamento de nossa religião, apenas os líderes que moravam entre apenas uma mulher e um homem, esses tinham o dever de organizar as tarefas de cada dia e nomear as crianças nascidas.

  Iknpa adormece em plena água, é arrastada pela corrente e afunda, ao acordar já estava no fundo do mar e sem respirar, mas não se desesperou, eles não viam a morte como algo ruim, não sabiam o que era desespero, ela apenas olhou para o céu no que pensou ser a última vez e fechou os olhos novamente. Algo no fundo do mar saiu de entre as rochas, algo de aparência humana, exceto pela grande cauda vermelha-vinho no lugar das pernas.

  O tritão, ao olhar para aquela linda garota de quinze anos encostada na areia do mar, a pegou pelos braços e levou a superfície, lá ela abriu os olhos novamente e sem entender o que se passava voltou a respirar em meio a tosses.

  – ¿Estás bien?— perguntou o tritão, vindo da Europa espanhola

  Iknpa olhava-o, nunca ouvira alguém falar tão estranhamente, não entendia nenhuma palavra do que ele dizia, mas ela podia ler mente e sem querer leu a dele, desde sua mãe lhe ensinando o idioma espanhol até ele aplicando-o em mulheres terrestres durante noventa e dois anos, seduzindo-as, as engravidando e voltando ao mar.

  – ¿No hablas mi idioma? – ele fica admirado ao ver os ingênuos olhos da kirian tentando entender onde estavam suas pernas.

  – ¿No tienes piernas? ¿Donde estan? – disse Natacha jovem, testando seu novo idioma

  O quase homem de cabelos longos castanhos escuros e olhos claros esverdeados sorri maliciosamente, Iknpa nunca havia visto aquilo em um rosto.

  – Ellas están en la arena, ¿quieres ver? – o tritão, que aparentava uns 26 anos observava a garota como nenhum homem fazia na ilha, assustada, Iknpa balançou a cabeça como que sim, sem abrir a boca.

  O tritão a levou para a areia, se sentaram nela, a cauda do tritão começou a se transformar em pernas, sem nada as cobrindo. Ela encontrou seu “cachecol” e o colocou como estava, sem se preocupar que quase todo o vestido já havia se dissolvido. 

  – ¿Cual es tu nombre? – pergunta a garota

  – És Ramon ¿Y el suyo?

  – Iknpa

  – ¿Donde aprendió español?

  A jovem Natacha entra na mente do tritão Ramon, nela a primeira cena com que se depara é um pensamento, nele Iknpa e o tritão se agarram como faziam os casados e o que mais ele faz é encostar seus lábios contra os dela. A garota sente vontade de entender como é, então sem responder a pergunta de Ramon ela o beija, sem saber como fazer ele a ensina, até que um grito se é ouvido por eles, vindo da mata. Uma criança linda de cabelos negros molhados e olhos mais azuis do que os de Natacha a chama 

  – Nhj mqç eghn kins

  “Nossa mãe está chamando”, esse era meu irmão Alinpç.

  A garota se solta do tritão e vai correndo até Rafagh criança, eles seguem para a casa apostando uma corrida, quando chegam, ele pergunta a vencedora

  – Hyd ello— “conseguiu companheiro?”

  — Azx Mi – “Acho (que) sim”

  O sol se põe, depois disso as lembranças começam a se passar rapidamente, o sol sobe e se põe, dia após dia se passa um mês, ela se encontra com ele à beira da praia todos os dias, algo estranho a eles até então desperta, Iknpa e Ramon se apaixonam.

  Um dia, ela leva até a beira da praia pedaços grandes de tecido roxo e o ensina como se vestir, enrolando-os pelo corpo e então um deles nos braços contornando o pescoço, de modo que não aperte e nem incomode. Ela o leva para dentro da ilha e o apresenta aos quatro pais, os quais vão para o “grande pátio”, o círculo enorme que se formava entre as casinhas de uma mesma tribo da ilha, lá eles gritam chamando a atenção de todos para dizer que a filha arranjou um companheiro, dois grupos de pais se aproximam com um casal a frente, Mayara e Jok. Um dos pais de Natacha pergunta o porquê de o grupo só terem sete além do casal, uma das mulheres, com um bebê nos braços aponta para ele, dizendo que um novo kirian tinha nascido.

  Ao nascer e se pôr de três luas o casamento acontece, Iknpa se casa com tecidos vermelhos translúcidos e o véu de casamento, um longo véu vindos dos braços ao chão no lugar do “cachecol” – como na primeira vez que vi Natacha, quando achei que estava louca, ela usava essa roupa.

  Ramon aceita todas as tradições que aconteciam e as que ela o explicava, um aprendera tudo do outro, até o passar de noventa luas, o tempo limite para se deitar com um dos outros companheiros, o tritão não aceitava isso. Por seu amor a ela, ele se afastou do mar, foi contra o próprio instinto e família, aceitou todas as estranhas tradições daquela ilha, mas dividi-la com outra pessoa já era demais, ter que se deitar com outra também. Ramon disse tudo a ela, contou de seus sentimentos, do amor que sentia e como era um relacionamento para ele e muitos do mundo externo, disse também que tinha que ir.

  No entanto, foi no momento em que ele pensava em se virar, dar as costas para ela e seguir rumo ao mar, que Iknpa colocou sua mão sobre a barriga, estava grávida de uma pequena “peixinha”. Apesar dele ter deixado muitas outras na mesma situação por instinto e modo de ser de um tritão, essa, a jovem garota de cabelos castanhos e olhos da cor do céu estrelado, ele não conseguiu deixar, fechou os punhos e olhos, pensando mais de uma vez no que iria fazer, abandonar tudo por uma kirian, abandonar tudo por alguém que ele acabou por amar, algo que se tratando de um tritão poderia nunca ter acontecido, ele decidiu ficar e aceitar as tradições.

***

— Fomos muito felizes – diz Natacha enquanto tudo se desfaz em manchas brancas – depois aquele maldito barco atracou na ilha – ela suspira no que parece um arrependimento – Ramon já havia se tornado rotina e Ernesto era... encantador. Assim que começou os assassinatos na ilha, Ramon fugiu para o mar com minha filha, ele disse que eu estava enlouquecendo, para toda a ilha o boato era que ele tinha se afogado no mar enquanto brincava com minha filha e a corrente havia os levado, ninguém sabia que ele era um tritão, ninguém sabia nem que existiam sereias, tritões, vampiros, demônios, lobisomens, ou qualquer monstro, naquela pequena ilha antes do barco não existia dor, doença, assassinato ou sofrimento, eles os trouxeram, eu fui só mais uma vítima – Natacha, que até então estava de cabeça baixa, me encara de olhos lacrimejantes, tristes – só quem sabia a verdade sobre Ramon era meu irmão Alinpç, inclusive sobre o verdadeiro motivo para o qual meu companheiro não estava mais na ilha. Porém depois do massacre foi ele, meu próprio irmão que junto a mim era um dos poucos sobreviventes, ele me enterrou em um caixão e junto ao meu amor platônico, me amaldiçoaram a não lembrar de minha filha e poder entrar na mente de qualquer pessoa do mundo, menos ela, menos quem estiver perto – ela pendeu a cabeça para o lado, depois voltou-a ao normal – e hoje em dia, por motivos desconhecidos de Benjamim também.

  – Natacha, você não se lembra de como era o rosto de sua filha, não é? – ela balança a cabeça como que sim, me olhando deprimida, observo calmamente aquele rosto, associo a história aos poderes de... é como se uma lâmpada tivesse acendido em minha – Yasmim é sua neta.

  – A única coisa que soube de minha filha é que ela se envolveu com um indígena nas Américas, não conseguiu mata-lo, se apaixonou como seu pai por mim, ela acabou engravidando de Yasmim, mas foi morta por um vampiro na frente da filha ainda bem pequena, por esse motivo minha neta e o pai viraram caçadores.

  – Mas então Yasmim é uma sereia, uma aberração como ela mesmo diz

  – Sim, ela não sabe, mas o controle que tem sobre os homens, o mesmo que ela usou para deixar Silon imóvel enquanto matava Gabriel, é fruto de ser uma sereia. – A kirian se aproxima de mim e me olha como uma galinha protegendo os filhotes – Nem ouse contar sobre o que ouviu na mente de Sofi, NUNCA diga nada que possa prejudicar minha neta, mesmo que seja para salvar alguém que ame, pois se não nem precisa esperar que ela o mate, eu mesma o faço e com cinco vezes mais pessoas.

  Natacha some, me deixando sozinha em minha mente com meus pensamentos, se eu não posso dizer nada aos meus pais, só resta Sôfi, mas porque ela não disse nada nem a Konor, preciso descobrir...

 

  E de repente, o mundo esfria. Um vento gélido passa por minha pele, a janela de meu quarto está aberta, ouço alguém dizer palavras a meu corpo, porém fora dele, não as entendo, preciso voltar e rápido. 


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