A Seleção da Herdeira escrita por Cupcake de Brigadeiro


Capítulo 70
Epílogo | A Herdeira (final)


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente… enfim chegou o grande momento, depois de quase 9 anos, A Seleção da Herdeira chega ao fim. Esse capítulo está escrito desde o dia 29 de fevereiro de 2024, está completo. Mas eu comecei a escrever ele em maio de 2020.
Na última quinta-feira eu completei 24 anos, dá para acreditar? Comecei essa história aos 15, eu era apenas uma adolescente/criança, querendo adaptar duas das séries preferidas. Então a história tomou suas próprias proporções, características. Tenho muito orgulho disso, e de vocês também. Quero agradecer profundamente a cada um que leu, comentou, favoritou e recomendou nesses anos todos. São muito especiais para mim.

Um agradecimento especial para a Gabriely, que tem comentados em todos últimos capítulos e foi a inspiração que faltava para eu conseguir encerrar essa história. Muito obrigada, Gabi, você é um verdadeiro anjo.

Espero que gostem, uma última vez ♥️



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/647960/chapter/70

Vida longa às barreiras que atravessamos

Todas as luzes do reino brilhavam só para mim e você

Eu estava gritando: Vida longa a toda a magia que fizemos

E tragam todos os impostores

Um dia, seremos lembrados

— Long Live, Taylor Swift 

 

 

Você diz que somos apenas meninos e meninas
Eu digo que podemos mudar o mundo
O futuro está nos meninos e meninas
Os meninos e meninas

— Boys and Girls, Jaden Smith

 

Estou completamente inquieta, não consigo dormir. Sinto vontade de chorar, mas não consigo. Viro para um lado, viro para o outro e nada. Suspiro, cansada. Olho o relógio e já são quinze para as seis da manhã, hoje é um dia muito importante. Darei uma entrevista ao vivo para o mundo contando sobre o anúncio oficial que eu não terei uma Seleção e em um ano assumirei o trono sozinha, aos 21 anos. Ou seja, serei rainha em menos de um ano.

— Jesus, Áster! — Summer resmunga, deitada do meu lado na cama. — Você quer alguma coisa?

Summer é a filha caçula de tia Delly com seu marido, Stefan, a terceira herdeira deles. Eu e ela temos a mesma idade, então quando tia Delly visita sempre dormimos juntas. É uma das minhas melhores amigas.

— Não consigo dormir. Foi mal — sussurro, me virando para a janela. — Vou andar um pouco.

Ela assente, sonolenta, em um bocejo longo e cansado, afetada pelo fuso-horário de onde estava. 

Se eu tivesse me casado com Valentin, nada disso estaria acontecendo. Pensar nele e em tudo o que aconteceu ainda me faz ter dor de barriga. Me sento em um banco, antes de sair para o jardim. Afundo o rosto nas mãos. Respiro fundo. Abro meu Smarter, e olho para as últimas notícias, só se fala nisso pelos últimos dias: Valentin se divorciou uma semana depois de assumir o trono, após ter se casado com uma princesa da Itália por um casamento arranjado. Tio Nicolau ligou para minha mãe, em um tom de frustração, e não revolta. Mas eu me surpreendo que eles ainda são amigos, os melhores de todos que o mundo já viu. Ela o consolou e pediu desculpas por mim. Sei disso porque eu estava no quarto, abraçada ao meu pai, quando soube da notícia por Sasha, o filho mais novo do tio Nico com tia Dakota. 

Tive que ligar para Valentin, e ter uma daquelas conversas que a gente não quer ter. Meu pai me deixou falar palavrão se eu quisesse, e eu falei todos os que eu poderia para colocar a cabeça dele no lugar. Bem, ele continua sendo oficialmente o herdeiro, a coroa real está em sua cabeça, porque o coloquei algum senso. Não vou me casar agora, mesmo que o ame, não é dessa forma. Sei que ele se importa com o povo, e… é literalmente uma das pessoas mais poderosas do mundo hoje. Até parece que o mundo vai se acabar por causa de um divórcio. Como se a monarquia desse século e de todos os outros já não tivesse que lidar com traições, mortes, adultérios e divórcios. Ele já me ligou duas vezes antes do casamento, perguntando sinceramente se eu não voltaria atrás, e senti que em todas essas vezes eu estava quebrando seu coração. Eu também parti o meu em todas essas vezes, porque eu o amo. Como amigo. 

Olho para o anel que ele me deu. Quis devolvê-lo, mas ele não permitiu. Me dói o coração que ele me ame ainda e muito mais do que é recíproco, porque eu só consigo sentir um pouco de pena por tudo, embora o ame, mas é um amor diferente. Lembro de quando ele me deu esse anel, no dia que me pediu em casamento. 

{flashback on} 

Valentin me trouxe para meu lugar favorito na Rússia, me trouxe para o sul, em pleno junho para ver os campos de Lavanda, em Serveski. Beijo sua bochecha, me enrolando nele ainda mais. Venta frio, mesmo que estejamos quase no verão. Ele ri, me abraçando de volta, enquanto caminhamos pelo campo. 

— Obrigada por me trazer aqui, eu amo esse cheiro, você sabe — assente, revirando os olhos, como se fosse óbvio. Acho graça e charmoso de sua parte. 

É difícil não achar ele charmoso em qualquer coisa que faça. É de longe a pessoa mais bonita que eu conheço, embora não seja fácil ter que pontuar ele e seu pai como mais bonitos que o meu pai e o meu irmão, mas as coisas acontecem. Valentin tem os cabelos castanhos lisos e herdou os olhos enigmáticos de seu pai, embora seja um azul mais profundo, mas o resto se parece com sua mãe, com sardas e traços muito bonitos e específicos de quem tem descendência unicamente da realeza russa e alemã. Todos traços nele são harmônicos, até seus dentes alinhados — diferente dos meus, mas felizmente me livrei do aparelho há um ano —. Muitas pessoas se sentiriam intimidadas namorando alguém como ele, ainda mais com meus genes. Me pareço com a irmã do meu pai, com cabelo cacheado, pele marrom claro e tenho os olhos azuis. Reconheço em mim o sorriso da minha mãe e as covinhas do meu pai, mas gosto da minha aparência. Além disso, minha família faz questão de me regar de elogios e aumentar minha autoestima.

Namorar alguém como Valentin, que me ama, também ajuda, sinceramente. Dou uma risada alegre com esse pensamento, e ele beija meu pescoço, descoberto por causa do calor, prendi meu cabelo em uma coroa de tranças. 

— Pedi para que fechassem o campo para nós essa tarde — ele diz, e tira uma pequena caixa de som do bolso. — O que acha de me conceder uma dança, lavanda?  

Gosto tanto da flor, que é como ele me chama, me deu o apelido de Lavanda. Acho bonito, e minha mãe também acha fofo. Ela sempre me incentivou com ele, por ser tão amiga de Nicolau. Meu pai diz preferir não comentar sobre o assunto, e de fato, não comenta muito a respeito, mas escuta atentamente tudo o que eu digo. Sei que ele gosta do Valentin também, porque Tin me respeita. 

— Se você escolher a música certa, pode ser — respondo, dando dois passos para trás, sorrindo com uma flor de lavanda na mão, depois de botar em meu cabelo e tirarmos fotos. Ele sorri para mim, é como se o mundo estivesse iluminado.  

Toca exatamente a música que tocou quando nós dançamos no dia em que ele me beijou. Sorrio, porque ele sabe o que tocar. Nem sempre fala muito, é discreto, mas todos o notam pela sua aparência e por ser quem ele é. O beijo demoradamente, até quase ficar ofegante. 

— Você é sempre a mais linda de todas as flores — diz, baixo, me trazendo para perto de si. Sorrio, sentindo minhas bochechas corarem e meu coração acelerado, como todas vezes que estamos juntos. — Eu amo você, Áster. Amo de todo meu coração. 

Ele conheceu a Margaret em uma cobertura, ela estava vestindo branco
E ele estava tipo: Eu posso estar encrencado
Ele teve memórias da boa vida, ele estava tipo
Será que eu deveria pular deste prédio agora ou fazer sem nem pensar?

 

Porque, amor, se o seu amor está com problemas
Amor, se o seu amor está com problemas…

Suspiro, dançando valsa com ele em meio minhas flores favoritas, com nossa música tocando. Ele me beija de novo.

When you're good, it's gold… 'cause when you know, you know — ele canta no meu ouvido, com a voz mais linda de todas. — Casa comigo, Áster?

Sorrio, porque achei que ele estava brincando. A música continua, eu também, mas ele para. Se afasta. Meu sorriso some. Ele se ajoelha. Eu penso em um palavrão.

Ele está mesmo abrindo uma caixa azul marinho, com um anel… Vou desmaiar ou vomitar. Por um instante, sinto que vou vomitar e então desmaiar. Estou chorando, e a música toca, parece um crime de tão lindo e absurdo.

— Estamos juntos há um pouco mais de um ano, mas nos conhecemos toda nossa vida. Áster, você é a mulher dos meus sonhos, eu amo você de todo o coração. Aceita se casar comigo?

— Tine… eu… — ele sorri, esperançoso. — Eu só tenho 19 anos.

Nunca conversamos sobre isso, embora sempre tenha sido um elefante branco na sala. Quando fiz 18, todos comentaram muito sobre o assunto, porque nas vésperas do aniversário da minha mãe, sua Seleção fora anunciada. O pai dele se casou quando tinha 19, um ano a menos da idade que ele tem hoje, me fazendo o pedido. Valentin não precisa de ajuda para se colocar de pé, em um suspiro. Seu aniversário de 21 anos é em pouco tempo, e é essa a razão para eu estar na Rússia.

Não sei o que ele está sentindo nesse momento. E eu nem sei se quero saber. Eu sei que eu estou em choque, angustiada, embora não esteja chateada com ele.

— É claro que eu quero me casar! — respondo, já antes que ele fale alguma coisa e me deixe mais culpada e péssima pela forma que as coisas estão. — E é claro que eu amo você, Tine! Você é muito importante para mim, eu amo você. Mas eu não posso fazer isso agora. Isso não é idade para eu ser uma noiva! E eu sou a próxima rainha de Panem, como poderíamos nos casar agora?

Desvio nossos olhares, porque é difícil olhar em seus olhos assim. Ele é uma parte enorme da minha vida. Mas o que eu posso dizer? Céus, o que fazer, que decisão tomar. Que tipo de pergunta é essa? Ele se levanta, em um suspiro.

— Se eu não me casar terei que anunciar uma Seleção para mim ou me casar com alguma pessoa que arranjarem, Áster. Mas se você me desse a esperança de me casar com quem eu amo, poderíamos prolongar por anos, até quando você se sentisse pronta para subirmos no altar.

Abro e fecho a boca algumas vezes, mas não consigo dizer nada. Então eu digo, e ele me olha como se eu tivesse o condenado para uma vida horrível. Porque certamente eu tenha.

— Sinto muito, Valentin. Eu não… não acho que eu vá conseguir casar nesse tempo. Acho que não tão cedo. Espero que um dia você me perdoe.

— Pelo menos… fique com isso. Você é quem eu amo — ele deixa a caixa em minhas mãos, e fecho os olhos por um instante, sentindo seus dedos macios deslizarem pelos meus. 

Quando me dou as costas, sem conseguir dizer mais nada, eu estou chorando. Ele também está. E a música ainda está tocando… 

 

Porque quando você sabe, você sabe
Quando você envelhece, vira um clássico
Como Hollywood e eu
Aquele diamante em seu anel

 

E como eu me perguntei em meu coração se realmente era isso tudo para valer, acredito que o melhor que eu fiz foi dizer não.

{flashback off}

Minha mãe me disse que o homem sempre tem que amar mais do que a mulher. Mas o motivo que rompi com Valentin foi apenas porque eu era — e ainda sou — muito nova. Completei 20 anos fazem exatamente quatro meses, o pedido aconteceu faz um ano. Ano que vem ainda faço 21, como poderia pensar em me casar?

Meus pais tinham apenas 18 quando se casaram e são felizes mais de vinte anos depois. Só que não é o que eu quero agora. Essa decisão que tomei deu uma dor de cabeça enorme aos meus pais, já que minha mãe assumiu o trono teoricamente solteira, mas já estava noiva, tendo se casado três meses depois. 

Eu estou totalmente engajada com meu país, dou tudo de mim em tudo o que faço. Mas não quero me casar nesse exato momento. Mais tarde encararei uma entrevista ao vivo, e estou morrendo de medo que muitas pessoas me perguntem coisas horríveis.

Sei que se eu pegar nas plantas agora, não vai dar certo, então rumo para a cozinha do palácio. Os criados atualmente são pagos de forma justa, meu pai fez questão de resolver isso. 

— Bom dia, Alteza — Jannie cumprimenta assim que me vê, dando um sorriso. — Hoje é um grande dia!

Bufo, negando, me desviando das pessoas, para sair pegando os ingredientes que preciso para fazer uma massa de cookies recheados. Não vou comer nem a metade da receita, mas me ajuda fazer uma comida de conforto para me desestressar. Meu pai ama meus cookies.

— Calma, você vai se sair bem, querida — Jannie é uma senhora, e é comum me ver por aqui. Meu pai vem ao menos uma vez na semana tomar café aqui embaixo, minha mãe o acompanha às vezes, então sou próxima dos funcionários. — Arthur quem seria uma preocupação.

Rio sinceramente, porque meu irmão é uma matraca. Ele gosta de se surpreender tanto quanto as outras pessoas com as coisas que ele fala, sem pensar em praticamente nada. Meus pais o tiveram três anos depois de mim. Outro dia minha mãe estava exausta, se jogou em minha cama enquanto eu estava lendo, e disse:

— Graças a Deus você veio primeiro.

Arthur é ótimo. Ele é delicado, educado e inteligente. Mas simplesmente não sabe ficar quieto por nada. Não foi uma surpresa o diagnóstico de hiperatividade logo nos primeiros anos da infância. Eu tive uma mentora apenas aos seis anos, mas ele tem desde os dois, porque não para. Aos 12 anos, descobrimos que ele também tem TDAH. Graças toda sua energia, sabe tocar cinco instrumentos diferentes, está na lista em primeiro lugar de príncipes cobiçados ao redor do mundo, na frente até de Sasha – irmão mais novo de Valentin, segundo filho de Nicolau e Dakota –, além de ser embaixador de muitas coisas.

Resumindo, Arthur é idêntico ao nosso pai. Até de aparência, exceto pelos olhos cinzas da nossa mãe. Uma conversa com Arthur e Peeta? É simplesmente um entretenimento que não se acha em qualquer lugar. São ofensas e trocas de admiração ao mesmo tempo. Vó Effie diz que é karma.

— Deixe assando, tem uma torta de morango pronta, alteza — Kurt diz. É um jovem criado, que está fazendo estágio de gastronomia na cozinha do palácio. — E bolo de chocolate. Pode deixar que continuo sua receita.

Agradeço e me sento na mesa enorme, com outros criados, se aprontando para o próximo turno. Converso com todos, e consigo esquecer dos problemas. Rio bastante, porque meus quadros depressivos são todos temporários, e me esqueço da noite mal dormida que eu tive.

Estou subindo para o meu quarto, cantarolando alguma coisa quando vejo minha mãe. Corro até ela, que está com calças elegantes de alfaiataria marrom e uma blusa delicada rosa. Seus cabelos estão soltos, com os cachos muito bem feitos.

— Não acredito! Que olheiras são essas, Áster! Por Deus, eu mandei você me avisar se não conseguisse dormir e eu providenciaria um remédio! — Ela exclama assim que me percebe, e eu reviro os olhos. — Não revire os olhos para mim.

— Ok, ok… — bufo, e reviro de novo, em uma risada e ela acaba rindo também, me dando um empurrão de leve no ombro. 

— Isso é bolo? Não adianta. Você e Arthur são mesmo filhos do pai de vocês, eu desisto — declara, tirando bolo do canto da minha boca, então segura meu rosto em suas mãos finas e delicadas. — Vem, vamos, você vai dormir, nem que eu mande seu irmão quebrar um violão na sua cabeça.

— Traição! Eu só estou nervosa. E eu nem vou casar. Teria me cagado inteira se fosse anunciar uma seleção.

Ela me dá um olhar feio pelo meu linguajar. Assovio, olhando para os lados, em tom de brincadeira. Todas vezes que fico com Summer, meu pai e Arthur por muito tempo acabo usando gírias. Mas nem tem razão para tanto drama, sinceramente. Arthur quem em plena transmissão do Jornal de Panem, em horário nobre, depois de uma reportagem sobre algo trágico — mas que tinha sido resolvido — falou, exatamente:

— Que cacete, nem consigo imaginar uma merda dessa acontecendo comigo. Ainda bem que foi resolvido e todos ficaram bem.

Meu pai cobriu e abaixou o rosto, rindo. Eu não tive essa educação, ri alto na cara de pau, enquanto minha mãe ficou simplesmente de boca aberta, em choque. Isso repercutiu em todo o planeta. Muitos riram da situação junto, outros criticaram, já que devemos ser um tipo de exemplo. Somos meme há meses. Não acho engraçado usar o próprio meme, mas esse é inevitável.

— Mããeee, não preciso dormir! Estou ótima! — digo, entrelaçando meu braço com o dela. — Estou bem!

Ela sorri, entrelaçando nossas mãos também. Eu amo tanto minha mãe, eu a admiro tanto. Tudo o que sei sobre minha avó materna é o que me contam, no caso, meu avô e minha tia Primrose. Sinceramente, não parece real o que aconteceu. Minha mãe é incrível. Sei que ela faz o melhor que pode, e ela é boa nisso.

— Mal são sete da manhã, você tem tempo. Amanhã tem a festa também. Você precisa descansar. 

Acabo concordando, porque eu sou assim. Tenho picos de energia e logo depois acabo me arrependendo. Me deito em sua cama, e ela se senta na escrivaninha. Meu pai entra no quarto, recém-saído do banho, com uma roupa social, e balança o cabelo loiro em cima dela, molhando tudo. Ela dá um gritinho, dando um chute no ar, me fazendo rir sinceramente da cena. 

— Querida! Você não estava aí antes — ele me nota, vindo até a beira da cama com um sorriso. — Como você está?

Dou de ombros.

— Triste por Valentin… e pensando como seria diferente se tivéssemos nos casado… — ele faz uma expressão preocupada, mas logo o tranquilizo. — Não estou arrependida.

Meu pai sorri, apertando meu pé com carinho. Tenho a sensação que ele ficou foi aliviado que eu cancelei a Seleção, mas ele não gosta de interferir nas minhas opiniões. Ele é ótimo.

Eu quase perdi a virgindade com Valentin, no aniversário de dezenove anos dele, mas fomos interrompidos por uma emergência, eu acabei comentando com ele por ter sido o primeiro que eu vi — porque eu estava transtornada, não sei se por algo bom ou ruim, eu tinha apenas 18, e me senti muito sobrecarregada depois que a vontade passou —, mas geralmente eu comento mais com a minha mãe. 

Bem, mas não significa que eu e Valentin não tenhamos sido criativos de outras formas. Descobrimos, de fato, muitas formas de usar a boca e as mãos.

Quando fiquei com Callum, alguns meses atrás, por ser mais velho, mantive as coisas apenas em beijos. Mas no aniversário da minha mãe, em agosto, eu não recusei a chance de ficar com Dominic, filho do tio Calvin, eu queria fazia tempos e contei para o meu pai. As coisas que ele fez com a boca me deixaram em algum outro lugar entre esse mundo e o outro. Ele é muito bom para esquecer de problemas quando seu rosto não está na altura do meu. 

São meros detalhes… que eu não falei ao meu pai, apenas que eu consegui o que queria e ele riu, sem me perguntar nada além se eu estava bem com isso. Para minha mãe apenas contei que ficamos, mas que não fomos até o final. Comentei com Summer os detalhes, já que ela conta das suas ficantes para mim. É divertido contar para amigas algumas coisas e compartilharmos histórias assim.

Meu pai se deita na horizontal na cama, aos meus pés, enquanto lê alguma coisa e minha mãe fica na escrivaninha. Pouco tempo depois eu caio no sono.

(…)

— Alteza, podemos começar a transmissão ao vivo? — A moça que estava por trás das câmeras perguntou, com um sorriso. Assenti, pondo uma mecha trançada atrás da orelha. — Três, dois, um, ao vivo.

— Então, senhorita Grace, como foi a decisão de optar não ter uma Seleção? — Theodore, meu entrevistador, perguntou. Eu não poderia ter permitido outra pessoa a me entrevistar que não fosse ele. Mas agora estou em dúvida, ele está me olhando bem nos olhos e isso me deixa arrepiada. 

 

— Para o alívio dos meus pais — dou um sorriso sincero, me lembrando da expressão do meu pai — não foi uma decisão tomada do dia para a noite. Sempre cogitei a ideia de não me casar aos vinte e poucos. Não descarto a possibilidade, porque completei 20 anos fazem apenas quatro meses. Mas me vejo muito nova para tomar tal iniciativa. Apenas por esse motivo, não me vejo com tamanha responsabilidade tão jovem.

 

Ele assentiu, profissionalmente, mas eu sabia que me questionaria depois que a entrevista acabasse. Conheço ele bem o bastante para reconhecer alguns de seus trejeitos. De algum modo, isso me deixa um pouco agitada. Olho rápido para o lado e vejo Summer dar um sorriso enorme, erguendo os dois dedos polegares para cima. Ao lado dela, tia Delly esta batendo palmas silenciosas, e eu quase ri, tive que me controlar.

 

— Futuramente, pensa em ter a sua própria Seleção, como sua mãe, a rainha Katniss Mellark?

 

Sorrio sincera.

 

— Eu não me vejo reagindo bem à vontade com trinta e cinco homens passeando pela minha casa e concorrendo pela minha mão.

 

— Vossa alteza tem seus pais, que são considerados como os melhores monarcas da história de Panem, e talvez mesmo de toda a geração regente pelo mundo. Como planeja prosseguir, ao herdar o trono formalmente daqui um ano?

 

Dou um suspiro.

 

— Desde que sei do meu destino eu reflito nessa questão. Meus pais são incríveis, e abriram todo o caminho para mim e as futuras gerações. Pretendo extender ainda mais, e cuidar para que nada do esforço deles e dos nossos antecessores tenha sido em vão. Vou continuar e melhorar cada projeto que eles colocaram em ação além de dar luz para outros que são próximos do meu coração.

 

— Como tem lidado com algumas críticas, sobre não assumir diretamente se você se casará ou não?

 

— Considero questionamentos de teor machista. E também há muita desinformação, sinceramente — respondo, ficando mais tranquila. — Isso não afeta a forma da qual planejo seguir meu futuro reinado, e tampouco cancelei as minhas possibilidades de relacionamento, muito pelo contrário. Se eu não me casar, ainda posso garantir uma linha de sucessão legítima através da adoção.

 

Theo sorri. Tento disfarçar o quanto isso está me afetando, então mexo no meu cabelo, com cuidado para não deixar minha coroa cair. Fez outras perguntas, que os cidadãos faziam ao vivo, perguntas construtivas. Parte do motivo que eu o escolhi foi porque eu sei que Theodore é o melhor aluno na sua classe da universidade de jornalismo. Não pude pensar em outra pessoa que pudesse cumprir o papel de hoje tão bem como ele.

 

Ele tem uma aparência simples, mas doce. Olhos castanhos escuros, como o cabelo ondulado, pele corada. Não se parece fielmente com um dos seus pais, e ainda sim tem os melhores traços de cada um. Seus traços deram uma amadurecida no tempo que esteve fora.

 

A entrevista dura uma hora, e quando termina, eu grito em alto e bom som:

 

— Hora do lanche!

 

Todo mundo ri, mas concorda comigo. Estou desde cedo tirando fotos, respondendo perguntas para as revistas, recebendo ligações. Estou cansada e com fome.

 

— Espera, cabeçuda, deixa eu te ajudar a tirar o microfone — Theo pediu, rindo, me sentando de novo na poltrona. Arfei, mas deixei, enquanto tia Delly ajudava a tirar minha maquiagem. — Mãe, como eu fui?

Tia Dells revirou os olhos âmbar, com um sorriso. Ela é linda, e parece ficar intacta com o passar do tempo, fico impressionada. Desde que meu pai contou que ele e ela tiveram um relacionamento, eu a olhei de uma forma diferente. Fiquei com um pouco de ciúmes pela minha mãe, mas o jeito que Peeta Mellark olha para Katniss Everdeen faz qualquer dúvida desaparecer.

 

— Vocês dois foram ótimos — sorrio, sentindo ela cuidadosamente tirar meu batom. — Aster, você tem um brilho natural. Parece com a Amanda, mas de olhos azuis.

 

Quando eu nasci, até lembrava minha mãe. Porém não demorou para a minha cor de pele e traços serem muito mais como da minha tia Mandy, irmã do papai. Eu acho ela muito bonita, e se nos parecemos, é porque devo estar bem na fita mesmo.

 

— Theo, você parece gente usando terno. Deveria tentar mais vezes — alfinetei. Ele geralmente usa calça jeans, blusões e chinelos, assim como constantemente usa bonés, mesmo tendo cabelos tão bonitos. Tem vezes que parece um louco, de tão mal que se veste. E eu não entendo o motivo, una vez que a irmã de seu pai, tia Layla, é uma das estilistas mais renomadas do mundo hoje em dia. Acho que ele só tem mal-gosto mesmo.

 

— Você deveria usar saia mais vezes. Parece um garoto com sua coleção de bermudas e blusas enormes.

 

Achei muita graça na sua falha tentativa de me ofender, rindo sinceramente. Ele sabe que nunca me ofenderia com isso. Eu amo usar tênis, shorts e bermudas mesmo, principalmente porque meu hobby favorito é ajudar meu pai na jardinagem e andar de skate. Desde cedo, muitos questionavam sobre a minha orientação sexual pelo meu jeito, o que eu sempre me aborreci. Não por pensarem que eu gosto de meninas, mas pelas questões de gênero. Andar de skate é algo tão neutro como cuidar do jardim.

 

Eu sempre gostei de meninos. Namorei Valentin, o Callum, filho da princesa Clove, afiliado do tio Cato. Fiquei de joelhos por Dominic em plena festa de aniversário no palácio. Às vezes penso em aumentar a lista, mas tenho um pouco de preguiça. Não me sinto menos menina por causa dos meus costumes, e nem menos romântica por isso.

 

— Vocês dois se veste bem parecido. Talvez pudessem tentar um relacionamento qualquer dia desses — tia Delly alfinetou, depois que Theo terminou de tirar o equipamento de mim e dele, entregando para alguém do estúdio.

 

Nenhum de nós dois diz algo, e eu me sinto ficar corada. Me levanto em um pulo, depois de agradecer a equipe de gravação, quando vejo meu irmão.

 

— Artie, achei que não fosse chegar à tempo! — exclamei, com a boca cheia de pão de queijo, indo correndo na direção do meu irmão mais novo, que riu, vindo me abraçar também. — Você tem que parar com sua amizade com o tio Stuart.

 

— Dessa vez foi a tia Prim que me convenceu a passar mais uma semana em Londres. Ela me bajulou com o ingresso para a corrida de fórmula 1, acredita?

 

— Eu vi as fotos na revista! — ele sorriu, pegando um dos pães da minha mão, colocando na boca. — Ladrão.

 

Deu de ombros, como quem não sabe o que é, indo cumprimentar tia Delly.

 

— O pai está chamando para a gente lanchar. Para de comer, morta de fome — diz, me dando um peteleco na testa. Theo ri, passando um dos braços pelos meus ombros.

 

Ele faz isso e eu sinto meu estômago ser preenchido por várias borboletas. A última vez que me senti assim, quase casei. Não sei se vou resistir. Theo é o meio termo entre Valentin, romântico incurável e um safado que me deixaria satisfeita por vinte minutos em um esconderijo que decorei com a palma da minha mão, como Dominic.

 

— Mas eu vou comer com a mãezinha, ela está triste que eu voltei cedo, então encherei o saco dela por ter pedido para tia Prim me deixar mais um dia lá — eu e Theo rimos de verdade, vendo meu irmão sair correndo na direção oposta.

 

Theo não me solta, e eu não comento sobre isso.

 

— Você cresceu no tempo que esteve na faculdade? — pergunto, de um jeito idiota. Sei me comportar ao lado de quem quero beijar, mas é difícil estar ao lado de Theo dessa vez. Sinto um arrepio na espinha.

 

— Talvez. Você disse que iria me visitar e não foi. Perdeu a chance de me ver até de barba, garotinha.

 

Sorrio, mas sinto meu coração acelerado com seu comentário. 

 

(…)

 

Theo sempre me chamou de Grape. Já que tia Delly é próxima do meu pai, que me chama de Grace e não de Áster — exceto quando vem alguma bronca muito grande —, ele achou de bom tom botar esse apelido. Confesso que é um dos que eu mais gosto.

 

— Grapes, você vem para a festa? — Olívia pergunta, fazendo um coque em seus cabelos loiros até a cintura. É idêntica à sua mãe. Theodore revira os olhos, mexendo no prato em sua frente. Eles tem uma diferença de idade tão pouca quanto eu e Arthur, mas ainda se detestam, embora se amem. Acho que só quem tem irmão consegue entender.

 

Não somos muito amigas, mas somos amigas. Sou muito amiga de Theo e Summer, então qualquer outra amizade não parece tão próxima assim. Sorrio para ela, e tiro um croissant de chocolate do prato de seu irmão, que me dá um tapa mediano. Eu devolvo com uma garfada em sua mão, e realmente o fura. Todos ficam em choque, inclusive eu. Abro a boca e a deixo aberta, paralisada em horror. 

 

— Grace, se você não resolver isso agora, eu juro, garota, eu vou acertar um tapa em você — meu pai diz, com uma mão na testa. É de família não ser calvo, além disso, nós temos todos tratamentos do mundo dispostos. Não me surpreenderia se ele já tenha feito alguma vez, porque eu confesso que às vezes dou estresses para ele e a minha mãe em proporções horríveis. Eu sei que minha mãe tem pintado os cabelos de castanho a cada três meses pelos fios brancos. Meu pai tem uma quantidade de cabelo ótima e nenhuma entrada, talvez seja algum feitiço. Ou de fato uma forma do destino de não fazer ele se matar de nervoso. Rio com o meu próprio pensamento.

 

— Céus, por qual motivo eu continuo fazendo isso. Eu mereço mesmo esse sofrimento — ele reclama, em um suspiro fundo, partindo seu bolo no meio.

 

Murmuro um “desculpa” sincero, puxando o garfo. Theodore então começa a rir, recolhendo a mão sangrando. Olivia ri também, e eu tento me segurar.

 

— Se eu fui 10% tão irritante quanto vocês quando era adolescente, eu vou me matar, tipo, literalmente — meu pai diz, em um suspiro. — Meu Deus, é impossível fazer qualquer coisas com vocês perto. Não sei como eu insisto nisso. Palhaços. São piores do que meus irmãos enquanto a gente crescia.

 

Aí eu começo a rir de verdade, e todo mundo ri junto. Meu pai nos ama, ao ponto que pelo menos duas vezes no mês faz questão que meus amigos venham e comam conosco no jardim. Se eu tirasse uma foto toda vez que ele me chama para acompanhá-lo em alguma coisa, já não teria mais espaço no armazenamento. Minha entrevista foi bem sucedida, pelo menos até o momento, e bateu recordes de audiência, de acordo com informativos que estamos recebendo em tempo real. Temos um bom motivo para registrar, como tem jornalistas e fotógrafos pelo palácio, sei que já cuidaram disso, porém não resisto e tiro fotos nossas. Meu pai sorri por me ver feliz e eu fico tranquila.

 

Meu pai ajuda Theo a cobrir o machucado, Olivia jura manter sigilo. Se ela contar não vai fazer muita diferença, eu e ele já literalmente quebramos o braço juntos, quando resolvemos dar uma festa com seus amigos da faculdade na cachoeira do palácio, no ano passado. Meu aniversário é uma semana depois do aniversário dele, então geralmente celebramos juntos. Nesse ano eu fiz sem muita empolgação, pois fiquei um pouco mal pelo meu término. E o que veio em seguida: o casamento arranjado de Valentin com uma princesa italiana.

 

— Pai, posso terminar de plantar a muda de mirtilos? — ele assente, e dá um sorriso. — Você me ama, não ama? Diga que me ama. Pai, eu amo tanto você. Diga que me ama. Agora.

 

Ele dá de ombros, me fazendo rir. Ele ficou no pé da minha cama, enquanto minha mãe me abraçou, me consolando por dois dias ininterruptos de choro depois que eu decidi terminar com Valentin. Minha mãe chorou comigo, por não poder resolver isso por mim, mas me dizia que iria passar, eu enfrentaria e sairia mais forte. Depois, meu pai contou sobre tia Delly, e foi muito importante para mim. Nesses momentos eu me sinto amada, e realizada por ter uma família assim.

 

Quero muito ter isso um dia, o que eles tem. É único, especial, ao mesmo tempo que fazem parecer ser tão comum.

 

— Vamos, eu ajudo você a plantar — Theo se propõe, enquanto Olivia o lança um olhar de choque. — Cale a boca.

 

— Eu não disse nada! — Olivia reclama.

 

— Mas você pensou. Não queira se fazer de sonsa — Summer diz. Ela é apenas seis meses mais nova que eu. Minha mãe disse que tia Delly e tia Clove – da França – são fábricas de fazer filhos, pois todas tiveram um atrás do outro. Tia Annie e tio Finnick também, no total eles tem quatro garotos e uma menina.

 

— Eu trabalho bem com a terra quando eu quero! — meu pai e eu trocamos olhares como se quebrássemos a quarta parede juntos e rimos. Theo é péssimo. Meu pai chorou muito de raiva há uns anos quando Theo mexeu em uma tulipa que levou meses para dar flores bonitas e ela morreu. Ele ficou proibido de visitar a estufa por seis meses inteiros, minha mãe ficou arrasada por meu pai. O clima ficou pesado por três dias no palácio.

 

— Pai, me ajuda com a mamãe com alguns exercícios da escola? — Arthur pede, mostrando alguma coisa em seu caderno, enquanto morde a tampa da caneta. — Já que a entrevista da Tete deu certo, vocês podem parar de agir como se tivessem apenas um filho.

 

Meu pai o encara sério, e eu rio com vontade. Arthur é a pessoa mais carente desse mundo, não à toa que pelo menos duas vezes no mês ele dorme abraçado com nossa mãe, apenas por gostar disso. Tenho a impressão que meu pai me prefere do que ele. A minha mãe nunca confessaria isso, mas tenho a impressão que ela também. A gente sempre sabe essas coisas. Não sou mais amada, mas meus pais certamente me preferem de companhia. 

 

— Por que você não estuda sozinho? Você simplesmente decidiu ficar na Inglaterra sem avisar. Pede para o seu tio. Cada uma, se manca, cara — meu pai lacra para cima de Art, que dá de ombros, como se não se importasse, porque sabe que assim que subir ele vai ter ajuda. — Theodore, se você avacalhar a minha muda de mirtilos, eu vou acabar com você. Dessa vez não vou aceitar ligação da sua mãe pedindo desculpas pelos seus dedos podres no meu jardim.

 

Meu amigo ergue as mãos e as sobrancelhas, como se tivesse sido pego pela guarda. Summer diz que podemos considerar que perdemos a árvore e Olívia concorda.

 

O assunto muda rápido para Arthur comentando algo que acabou de acontecer na Formula 1, e a forma como ele fala sobre o assunto é legal de se ver. Não ligo muito, mas gosto de assistir e termos coisas para conversar. Eu me esforço para ser uma boa irmã.

 

Infelizmente, surge uma reunião para eu e meu pai comparecermos. Antes de descer para lancharmos, depois da entrevista, coloquei um macacão jeans, o que é pouco favorável para algo sério.

 

— Você se saiu muito bem na entrevista, Cece. Está tudo bem. É para esse tipo de coisa que servem os pais — ele diz, me dando um beijo no alto da cabeça. — Deixa comigo. Você foi incrível, mas você sempre é. Aproveita o resto do dia. Theo, estou de olho em você e na minha muda de mirtilos. Tchau, crianças! 

 

Assim ele sai, me dando mais um beijo na cabeça e um abraço de lado carinhoso, me fazendo sorrir. Minhas amigas — que são praticamente primas — decidem procurar minha mãe, enquanto Arthur diz que quer tocar uma música na guitarra. Fico sozinha com Theo na mesa e os criados começam a vir para tirar a bagunça, mas eu e ele vamos ajeitando primeiro.

 

— Não consigo me acostumar com isso. Tio Peeta sempre deixa as coisas arrumadas, mas minhas irmãs são folgadas. Parece que vai cair a mão se colocar de volta na bandeja — sorrio, agradecida por sua ajuda.

 

— A gente aqui já está acostumado em dar menos trabalho possível. Obrigada, Silas — agradeço um dos criados, que assente, com um pequeno sorriso. — Mas está tudo bem. Fazemos isso para termos um pouco de controle sobre algumas coisas na nossa vida. Deixe suas irmãs aproveitarem.

 

— Você é gentil, grape — ele diz, em um tom neutro, colocando a última tigela na bandeja. Levam embora e nos levantamos. — Pode ir na frente, eu vou me trocar.

 

(…)

 

Theo está ao meu lado enquanto planto a pequena árvore. Ele fica encarando, e sei que está querendo dizer alguma coisa.

 

— Seu silêncio está me incomodando profundamente — digo, em uma arfada cansada. Eu nem deveria estar fazendo isso de noite, mas já que ele quis me acompanhar depois do lanche, eu vim. Ele literalmente só veio para acompanhar, pois não me ajudou com nada. Bem, ele me passou duas ferramentas, mas só.

 

— Por qual razão você realmente não se casou com Valentin, Áster?

 

O tom de voz que faz a pergunta é uma dúvida sincera. Paro por um momento e olho para ele, em uma calça jeans escura e um moletom grosso cinza. O cabelo ainda tem um pouco de gel que usou para me entrevistar mais cedo, da mesma forma que ainda tem no meu, porque tivemos pouco tempo depois da entrevista. Todos estávamos com fome.

 

— Me chamou de Áster? Quem é você? A minha mãe? — Tento desconversar, em um tom brincalhão mas ele não sorri. Ele pisca devagar, com as mãos no bolso do moletom, me olhando. Sinto minhas bochechas ficarem vermelhas. — Por que você quer saber?

 

— Eu sou muito discreto, sabia? Essa foi a terceira pergunta mais feita, porém não fiz em rede nacional. Não caio nesse papo que você é muito nova. Eu e Summer dividimos o quarto e eu quase sempre acordo quando ela está tagarelando com você, sei que ficou com o Callum e o Dominic por um tempo logo depois que terminou com o Tin, mesmo depois de juras de amor entre vocês, que pareciam se gostar pra valer. Por quê?

 

Apenas meu pai me fez essa pergunta. Ninguém nunca questionou minha decisão depois da minha justificativa — que sou muito nova. Olho para o anel em meu dedo, e fico deslizando em minha mão, até deixar onde estava, no meu dedo médio, e retorno a plantar a árvore. Theodore sabe o que eu quero dizer com meu silêncio, mas parece querer ouvir mais uma explicação. Ele se senta no banco perto de onde estou e fica. Termino em pouco tempo, já que meu pai já tinha preparado a terra. 

 

— Na música que a gente considerava nossa diz: “quando você sabe, você sabe”. Em outro momento, é: “e se você se pergunta ‘como é que eu sei?’, então a resposta é não”. Parece irônico, porque foi… foi a música que ele tocou quando me pediu em casamento e eu nem consigo mais ouvir — revelo esse fato para Theo, me sentando ao seu lado no banco. Apenas confessei para meu pai isso. Estou suada, minha jardineira está cheia de barro e terra, mas não estou desconfortável. — Amo Valentin, e amo a ideia de um dia amar alguém como meus pais se amam e se respeitam. Sei que ele é um dos bons, como você é. Mas… eu só sinto que não era o momento e não acho que um dia será. Com ele, especificamente. Era inevitável nós terminarmos, eu acho. Nunca me arrependi, e nem fiquei tão triste assim depois de recusar me casar com ele. Fiquei mal apenas alguns dias, depois fui aceitando. Descobri que não o amo o suficiente.

 

Nem eu acredito no que estou dizendo. Fui tão sincera agora. Toco minhas bochechas, mesmo com as mãos sujas. Estou suando frio. Falar a verdade é difícil. Ainda mais quando essa pessoa é o Theo, e não meu pai.

 

— Uau, Grape. Achei que você só era uma safada promíscua mesmo. 

 

Olho para ele incrédula, mas então vejo que está sorrindo. É um daqueles sorrisos tortos muito bonitos e atraentes de um garoto, e eu rio. Rio de verdade, o empurrando com minhas mãos sujas e ele não se importa.

 

— Callum é quase dez anos mais velho que eu, foi bom colocar na lista. Não que seja grande. Também fiquei com o Dominic. São quatro, no total, incluindo Tine. Você deve ter muito mais. Bem… eu não sei. O amor dele demandava muito de mim, além de que eu precisaria largar Panem, Theo, e ser rainha de outro lugar. Isso aqui, meu país, é tudo para mim. Minhas leis, meu mundo, e acima de tudo, esse é o meu povo. Esse é o motivo. Valentin não era o bastante para me fazer querer largar tudo isso.

 

Ele assente, devagar, demonstrando estar entendendo o que estou querendo dizer. Tira uma trança da frente dos meus olhos e prende no coque malfeito que fiz. 

 

— Você vai ser uma boa rainha, Grapes. Todo mundo sabe disso. Uma boa rainha de Panem. Você não vai se arrepender de não se casar com Valentin — confessa, olhando em meus olhos. De algum modo, isso me deixa emocionada e sinto vontade de chorar. — Amanhã temos uma festa para ir e você está fedendo a terra molhada. Vou deixar você na porta do seu quarto.

 

Dou mais uma risada, e quero abraça-lo, mas nem ouso fazer isso quando sei que realmente estou toda suja. Porém, ele me ajuda a levantar, ainda que esteja cobrindo suas mãos de terra e barro. Sinto uma eletricidade quando seus dedos se fecham em meus pulsos, e não deixo de me sentir aérea por um segundo. Estou afim de Theo faz um tempo, mas só constato agora, quando me sinto querer desmaiar só para ficar em seus braços.

 

— Você ainda está namorando aquela garota estranha? — pergunto, sem filtrar minhas palavras. Ele parece surpreso com a pergunta. — Desculpa.

 

Balança a cabeça, negando. Está surpreso mas não ofendido. Ainda bem, porque meu pedido de desculpas não foi sincero.

 

— Terminamos faz algum tempo, pensei que você já soubesse. Tem quase seis meses isso. Eu contei para Summer e ela te conta tudo. Olivia é mais confiável com meus segredos.

 

— Se eu soubesse já teria dado em cima de você, eu sou uma safada promíscua — respondo. Quando as palavras saem da minha boca, eu me surpreendo tanto quanto ele. — Haha, te peguei!

 

Tento brincar e disfarçar meu próprio constrangimento, mas eu já estou sentindo todo o meu rosto ficar vermelho e o dele também. Mas ele sorri e não diz nada. O silêncio até a porta do meu quarto é cheio de palavras que querem ser ditas, mas não são. Quando estou entrando no quarto, ele me dá um abraço de lado e beija minha testa. Theodore sempre agiu como um irmão mais velho, ainda que a gente tenha um ano de diferença, mas esse cuidado parece ter outro tom. Quero que ele beije minha boca.

 

— Até amanhã. Eu venho te buscar.

 

Ele fecha a porta, depois de sussurrar no meu ouvido, e eu fico encarando boquiaberta a porta de mogno até ouvir a risada da minha mãe. Tomo um susto, dando um gritinho e botando a mão no peito. Katniss Everdeen está sentada no chão, mexendo em algumas fotos, mas ri de mim. Ri de mim!

 

— O que a senhora está fazendo aqui! Olha a invasão de privacidade! — Jogo um urso de pelúcia nela, que ri mais. Já está em seu pijama clássico de cetim. Não tem como eu realmente ficar com raiva.

 

— Eu sabia que um dia vocês ficariam, Áster! Eu sempre falei disso com Delly, desde que você nasceu. Ele sempre teve esse cuidado. Mas acho que o Tin-Tin foi mais rápido. Bem, eu estou pegando fotos para o natal, eu avisei para você — limpo minha mão de qualquer jeito e olho meu Smarter, realmente tem uma mensagem dela. Suspiro, mas sem ficar chateada. Minha mãe é ótima. 

 

— Ele agiu tão diferente comigo hoje. Bem, faz um tempo que realmente estou pensando nele, principalmente agora que ele vai passar as férias com a gente… 

 

Conto tudo para minha mãe. Bem, o que implicou apenas eu comentar, cinco meses atrás, que eu e Dominic acabamos ficando — mas ele ficou de joelhos e o rosto entre minhas pernas em um momento e pode ser que minhas mãos fizeram bastante coisa também e ela nunca vai saber disso —. Assim conseguimos manter um bom relacionamento entre mãe e filha, sem desconfortos. Ela sabe o suficiente, mas não o bastante para ser desconfortável ou termos intimidade para ela falar sobre sexo comigo. Jamais.

 

— Filha, você acabou de anunciar que não vai se casar no momento, mas isso não significa que não possa abrir seus olhos para alguém. Eu faço votos porque o amo, e amo você. Não tem nada de errado em admitir que gosta de alguém.

 

— E como sabe que eu gosto ou sinto alguma coisa se eu não disse nada, hein? — pergunto, indo para o banheiro. Ela sorri, separando uma roupa para mim. Tomo banho com o box aberto enquanto ela fica sentada no pufe perto do chuveiro. — Nunca tinha pensado em nada com o Theo até recentemente. Tipo dois meses atrás.

 

— As coisas são assim mesmo. Nada é certo nessa vida. Seu pai não quis ficar comigo de primeira, foram meses até que ele se interessasse por mim de outra forma — ela ri, segurando uma foto. — Eu acho que ele só olhou assim para mim quando eu pedi para que ele me ensinasse a beijar.

 

— Ai, mãe, não é possível — ponho as mãos no quadril, com a boca aberta. Ela ri, assentindo. — Estou com pena de você. Isso é patético. Meu pai aceitou essa conversa tosca sua?

 

— Não foi tão patético assim, você está aqui, com 20 anos, seu irmão tem 17. E somos realmente felizes, besta — rio, balançando a cabeça. Desligo o chuveiro, me vestindo rápido. — Foi na casa da árvore. Mas eu me casei virgem, só para você saber. Não sei se você pode dizer o mesmo, até parece que eu não ficaria sabendo que se escondeu com Callum na Espanha e com Dominic no meu aniversário. 

 

Realmente, fico em choque. São muitas informações. Ela não está falando em um tom sério, mas com um sorriso idiota de mãe. 

 

— O Theo já está na faculdade, talvez também tenha tido alguma experiência. Vai ser bom para você aprender algumas coisas, acabam sendo úteis no casamento. Manter as coisas interessantes. Eu aprendi bastante a usar a boca e as mãos com outros Selecionados. Quase sinto saudade. Quase. 

 

— Mãe! — Jogo uma toalha nela, que ri alto, jogando a cabeça para trás, e isso acaba me fazendo rir também. — Eu nunca… fiz isso! Eu já avisei pra você! Nossa, sério, que vergonha, você é péssima sobre isso!

 

Ela dá de ombros, como quem não quer nada. 

 

— Mesmo que eu gostasse do seu pai e meio que sempre soubesse que eu queria me casar com ele, tive minhas brincadeiras bobas e gostosas com Gale e o Cato, não gosto de pensar, mas também já fiquei com o Finnick. Já beijei o Calvin muitas vezes. Está tudo bem. Soube que o Theo quem terminou com a ex. Delly me contou que ele disse que estava interessada em outra garota. Eu e ela apostamos que é você. Use bem essa informação. Seu pai nunca diz nada sobre seus relacionamentos, mas eu devo dizer que ele me disse que sempre achou que você e Theo ficariam muito bem juntos — ela sai, me largando com essa bomba. 

 

E eu não sei como consigo dormir quando coloco a cabeça no travesseiro. Mas eu estou sorrindo.

 

(…)

 

Meu quarto vira um point para todas se arrumarem para a festa. Meus criados estão dispensados para se arrumarem, já que a festa é justamente sobre eles. Estou me sentindo muito feliz, sentindo Summer fazer um delineado em mim.

 

Dois toques são ouvidos e então Arthur entra, com calça jeans clara e moletom cinza escuro. Se ele se esforçasse um pouco mais para ter sotaque sulista, pareceria que é uma versão do nosso pai vinda do passado, os dois são idênticos, exceto pelos olhos cinzas.

 

Ele se aproxima, enquanto coloca uma toca vermelho-bordô, e fica realmente bem bonito. Fica solteiro por opção, ele é ótimo. Mas minha mãe prefere que ele esteja sem ninguém, porque ele é o tipo que certamente vai casar com apenas 6 meses de relacionamento.

 

— Oi, feia — me cumprimenta, acertando um chute de leve na minha canela. — Theo está esperando lá fora. Ele mandou não avisar, mas eu estou avisando. Feia e chata.

 

E sai do quarto, depois de passar pela minha cama e tirar os travesseiros do lugar. Olivia acerta ele com um cabide, mas ele apenas ri e deixa a porta aberta.

 

— Eles são todos iguais — Annabeth, filha da minha tia Amanda resmunga, finalizando suas unhas. 

 

— É a síndrome do irmão. Se considere ter sorte por ser filha única — Olivia completa, prendendo o cabelo em um penteado que destaca seu rosto delicado. Se fôssemos colocadas lado a lado, certamente achariam que ela é a princesa e não eu. — Summer, deixa eu arrumar sua sobrancelha. Achei o rímel transparente.

 

Como estou finalizada, visto um vestido azul com lilás, até metade das coxas, com uma fenda até metade das costas. Meus peitos ficam ótimos nessa roupa, mas como minha mãe vai também e sei que ela vai me dar um olhar repressivo, encontro uma jaqueta preta de couro muito bonita e visto por cima. Meus olhos azuis estão mais azuis por causa da maquiagem, e as tranças caem como uma cascata perfeita, com pequenas presilhas de borboleta. Estou me sentindo ótima.

 

— Tenho certeza que isso é do meu irmão — Olivia nota, com uma sobrancelha levantada para a jaqueta. Mas então sorri. — Perfeito. Vamos?

 

Deixo que elas saiam primeiro, então eu saio, depois de calçar meu par de saltos que ganhei de presente da minha tia Stacy no ano passado. Theo me olha de cima embaixo, com as mãos nos bolsos da calça verde escuro, que combinam com a camisa social azul marinho. Ele está ótimo. Percebo que usa a fina pulseira de ouro que o dei no ano passado de aniversário e isso me faz sorrir e meu coração bater acelerado.

 

— Você não está se parecendo um mendigo. Deveria usar roupas decentes mais vezes para eu me lembrar que você não é um pobre coitado — falo, e ele sorri, fazendo meu estômago ficar cheio de borboletas, aquelas dormências chatas. Suspiro, sabendo que estou empolgada e ansiosa para hoje. 

 

Mas sou pega de surpresa pelo fato que ele entrelaça nossos braços, sem qualquer cerimônia. Nem consigo dizer nada, minha boca abre e fecha mas estou ansiosa de uma forma positiva. Alcançamos meus pais, que estavam com os pais dele, junto com suas irmãs, minhas primas e Arthur. É engraçado pensar que de 6 filhos que meu avô Samuel teve, apenas meu pai teve um filho homem, e ainda sim teoricamente na segunda tentativa; ah, e tia Amélia, que teve Angelo.

 

— Tia Prim não vem? — Sky pergunta, arrumando o cílio. Somos primas, mas nem nos parecemos tanto, ela e Angelo são gêmeos idênticos ao pai deles. Não somos muito próximas por causa da idade, mas eu admiro ela com todas minhas forças. 

 

— Ela não gosta dessa festa — meu pai justifica, abraçando minha mãe pela cintura. Eles são o casal mais incrível que eu conheço e sorrio só por vê-los. — Não gosta da nossa classe.

 

— Peeta, pare com isso — minha mãe o corrige, mas sabemos que é verdade. Embora adorável e gentil com todos, tia Prim gosta mais das coisas refinadas. Tio Stuart é louco, ele vai em qualquer lugar que o chame, porém esse fim de semana ele teve uma apresentação importante sobre o trabalho dele.

 

Quando o elevador chega, saímos ansiosos para as comidas, enquanto meus pais vão para a pista de dança, tio Stefan para os instrumentos e tia Delly para o microfone. Olho para o lado, e Theo está comigo ainda, acabamos de soltar nossos braços.

 

— O que você quer fazer? — pergunta, se aproximando de mim, bem atrás. Sinto minha pele arrepiar, enquanto já me sinto alegre pela música alta (training season, dua lipa). — Tem jogos ali atrás.

 

Sorrio, quando ele me gira e me segura, fazendo que eu fique de frente, o olhando nos olhos.

 

— Você quem sabe. Mostra o caminho.

 

Gosto que Theo controla as coisas, mas também abre espaço para eu ser quem eu sou. Ainda estou sorrindo quando o puxo para a pista de dança.

 

(…)

 

Eu dançava, sentindo o suor nas costas, mas não importava, ria no meio das pessoas, me divertindo completamente. Meus pais sempre falaram dessas festas, e eu não acredito que me deixei escapar nos últimos dois anos por causa do meu namoro. Meu pai subiu faz uma hora, mas eu não tenho a menor vontade ainda. Meus pés irão me condenar de manhã, mas ainda está escuro então eu vou permanecer dançando.

Nesse instante, sou apenas Aster Grace. E ele é apenas Theodore. E nós estamos dançando juntos. Sua mão na minha cintura, em uma proximidade perigosa, acompanhando o ritmo agitado, e seu sorriso refletia o meu. Meu coração bate mais rápido. Meu Deus, eu não sei se já me senti tão confortável assim desde que terminei com Valentin. Minha ficada com Dominic no cômodo de quadros não se compara em nada com a forma que Theo segura meu quadril com uma mão e a outra a minha cintura, acompanhando perfeitamente meu ritmo, me jogando de um lado para o outro. Outros jovens dançam ao nosso redor, estamos seguros de todo o resto.

— You're giving me chills at a hundred degrees, it's better than pills how you put me to sleep! Calling your name, the only language I can speak, taking my breath, a souvenir that you can keep — cantei, mas já falhado. Estamos em uma distância cada vez mais perigosa. De repente, eu não falo mais nada, porque Theo, o meu Theo, o filho da tia Delly, que é o meu amigo desde que me entendo por gente, me beijou.

Eu poderia - e talvez devesse - me afastar, e dizer que não. Mas eu sei que não é isso que eu quero. Na verdade, eu tenho pensado nisso há um bom tempo. Por isso envolvo meus braços em seu pescoço, e me deixo preencher pela sensação, o arrepio que me causava. Eu quero isso há tempos mas não sabia pedir.

Céus, Theo beija tão bem. Quantas ele já beijou? Suspiro sem a menor vergonha, e ele sorri enquanto continua me beijando. Sua língua me desvenda e eu suspiro, acompanhando o ritmo inesperado e agradável. Sinto a ponta dos meus dedos pinicarem de emoção.

Sinto seu carinho na base das minhas costas, em contato direto com a pele, por causa do modelo do vestido. Ele é como o verão. Suspiro quando nos separamos, no meio de uma música animada, eu sentia tudo em câmera lenta. É a primeira vez que eu sinto isso, essa queimação e conforto. De repente, esqueço o meu nome. Apenas consigo sentir a certeza de algo que eu não sabia que me questionava sobre.

— Eu sempre quis fazer isso, mas nunca tive a coragem — ele diz, baixo, fazendo carinho na minha bochecha, bem onde eu tenho sardas, algo que ele sempre elogiou. — Não conseguiria me desculpar se eu não te beijasse e dissesse como eu me sinto.

Meu ar sumiu, e achei que fosse desmaiar. Porém nada importava, me inclinei sobre ele, o beijando de novo, sentindo seu sorriso. O que eu estou fazendo? Não me interessa, o beijo com vontade e sentimento. Parece que nunca vai ser o bastante. Eu nunca fiquei assim por ninguém. E uma das pessoas que eu me envolvi quase se tornou meu marido.

— Temos que conversar, e talvez eu deva te bater, mas nesse momento eu só quero beijar você — assumo, já sentindo as bochechas coradas pelo esforço da dança e o beijo acalorado. Então ele me beija de novo, e de novo e mais uma vez, enquanto nos mexemos um pouco ao ritmo da música. Eu nunca estive tão eufórica. Tão conectada com alguém de tantas formas.

 

Acabo ficando ofegante de verdade, então vamos para um sofá. Demos uma pequena pausa, mas não tiro minhas mãos dele, nem ele de mim. Coloco uma das minhas pernas sobre as suas, quando nos sentamos, e rimos, nos olhando nos olhos. Ele tira uma mecha trançada do meu rosto, colocando atrás da minha orelha.

Suas irmãs chegam, ofegantes, cansadas, mas todos felizes. Ele está fazendo carinho no meu joelho, e dá para ver por causa da configuração da mesa, mas ninguém comenta.

— Quero cantar uma música — Theo diz, de repente. Summer me dá uma olhada, então olha para ele, que age como se não tivesse visto a encarada da irmã. — Vamos, você toca o piano, Olivia o violino. 

 

Sei que elas certamente nos viram nos beijando, pela troca de olhares. Assente, e saem de um jeito cúmplice. Quando olho para Theo, ele já está me encarando, então eu fico corada, mas eu sorrio porque ele também está sorrindo. Meu estômago dá cambalhotas como nunca havia dado antes.

 

Me inclino, sentindo muita confiança , e ele se inclina também, então nós nos beijamos outra vez. E outra vez. Quero sentar no colo dele e mostrar o que eu sei fazer, mas Olivia o chama e ele se separa de mim com um sorriso ofegante.

 

Quando notam que ele quem vai cantar, há um sentimento de euforia geral, com aplausos. Todos gostam muito de Theo, sua voz é bonita, ele é simpático. Não tem como ser melhor do que isso. Não tem.

 

— Olá… essa música é dedicada para alguém essa noite — ele diz, então troca um gesto com Olivia e Summer, que se olham de novo, como se soubessem de algo que eu não sei. Ele começa cantar, sem olhar para mim, mas já estou arrepiada. — I just think about my baby… I'm so full of love I could barely eat.

 

Então ele me olha. Seus olhos escuros dizem mais do que qualquer olhos claros que eu já tenha visto antes. Percebo que Theo já me tem nas mãos há muito tempo, eu quem não tinha enxergado isso antes. Fico arrepiada na nuca, eu estou perdida e encontrada.

 

— When my time comes around, lay me gently in the cold, dark earth. No grave can hold my body down, I'll crawl home to her — ele canta, me olhando e eu sinto lágrimas chegarem aos meus olhos, mas eu não choro. Ele sorri, e eu sorrio também, me mexendo em meu próprio lugar, no meio das pessoas acompanhadas. Ele não precisa estar segurando minha cintura para me prender.

 

 

Meu amor nunca temeu
O que as minhas mãos e meu corpo fizeram
Se o Senhor não me perdoar
Eu ainda teria meu amor
E meu amor me teria

Quando estava beijando o meu amor
E ela colocou seu amor abaixo, suave e docemente
Na luz fraca da lâmpada eu estava livre
Céu e inferno eram palavras para mim

Quando minha hora chegar
Coloque-me gentilmente na terra escura e fria
Nenhum túmulo pode segurar o meu corpo
Eu vou rastejar de volta até ela

Quando a música termina, todo mundo grita e aplaude, mas eu só fico parada, e abro meus braços quando ele se aproxima e me levanta do chão para logo me botar de volta, então eu dou uma risada sincera. 

— Eu vou ser a madrinha número um porque sou a mais próxima de vocês — Summer diz, e logo some no meio da multidão. Theo fica com o rosto vermelho, mas eu dou de ombros.

— Você pensou por quanto tempo antes de me dedicar uma música dessas? — pergunto, e começamos a dançar no mesmo lugar, com uma música lenta tocando ao fundo.

— Eu gosto de você faz tanto tempo. Não acho que conseguiria dizer desde quando pensei nisso — a informação me pega de guarda abaixada. — Acho que nunca conseguiria ter dito isso antes. Sinto muito. Você não tem que me dar nenhuma resposta. Você não me deve nada.

Quero responder, mas não consigo. Me inclino e o beijo de novo, até ficar sem ter como respirar e quase desmaiar de desejo por esse homem na minha frente. Ele retribui da mesma forma, me segurando pela cintura como se tivesse feito isso a vida toda, e eu me sinto na beira de um precipício.

— Vamos subir — ele assente, segurando minha mão. Não nos despedimos de ninguém, porque estaremos aqui no próximo ano, e no ano depois. E todos os outros.

Quando entramos no elevador, sorrio, sendo suspensa e sentada no corrimão — que eu não caibo, mas serve de suporte para ele. Ele beija meu pescoço, e depois minhas clavículas com propósito. Quando chegamos no térreo, saímos correndo, passando pelas sombras e rindo. Rindo muito. É muito divertido o sentimento que tenho, e a forma como sei que ele não se importa que eu esteja suada.

Embora Valentin seja uma pessoa boa e de bom caráter, eu sentia que devia estar sempre bonita e polida ao seu lado. Não é como eu sinto quando estou com Theodore. Eu posso ser todas minhas versões.

— Anda, vamos para o meu quarto — digo, quando pegamos outro elevador para o andar dos quartos reais. Nesse momento, Arthur abre a porta de seu quarto, segurando seu Smarter, vestindo pijamas. Ele subiu pouco depois dos nossos pais, porque tinha comido demais e passou mal. 

— Aff, finalmente vocês se pegaram, eu não aguentava mais fingir que não estava vendo vocês se comerem com os olhos. Bom proveito. Não vou contar nada. Estou indo ver a mamãe para ver um filme, porque estou com dor de estômago. Theo, gosto de você mais do que do Valentin, mas não conte para o Sasha.

Dá dois toques na porta do quarto da nossa mãe e entra, onde posso ouvir a risada do meu pai também e a televisão ligada no que sei que é o filme favorito dele.

— Colocamos seu filme! Olha! — escuto minha mãe exclamar, e ele entra animado. Antes de fechar a porta, dá uma piscadinha e o mesmo sorriso esperto que Summer e Olivia dão quando o assunto é nós dois. Acho que os irmãos sempre sabem.

Era para eu me sentir nervosa, mas é inevitável. Amo minha família. Theo ri, me abraçando, e entramos abraçados no meu quarto. Não estamos mais correndo, não estamos com pressa de mais nada.

Me sento no sofá embaixo da janela, com ele ao meu lado. O encaro, e acho que nunca o enxerguei tão bem quanto agora nesse instante.

— Por que você nunca me contou sobre seus sentimentos? 

— Porque você não faz ideia do efeito que você causa, garota — ele diz, deslizando o polegar em minha bochecha. — Por isso eu fui morar com a minha tia Julia no Texas quando você começou a namorar com Valentin. Não aguentava ver vocês juntos.

— Theodore, eu e ele começamos nosso relacionamento uns três anos atrás! E nós terminamos há meses! — assente, parecendo triste tal constatação dos faros. — Por que você nunca disse nada? Que saco, Theo. Sinto muito.

Ele abre um sorriso, mesmo com tais informações. Se inclina sobre mim e beija meu queixo, depois minha bochecha, então sela nossos lábios com a suavidade de uma rosa nas mãos de um jardineiro cuidadoso. 

— Suas irmãs sempre souberam? Summer sempre foi um pouco cética mediante qualquer coisa de Valentin e Olivia nunca falou nada comigo, embora sempre se afastasse quando o tópico fosse esse — ele ri, assentindo. — Nossa, que idiotice minha. Óbvio que sabiam, vocês são carne e unha. 

— Está tudo bem. Estamos aqui hoje. Temos o hoje, Áster, e eu não podia estar mais feliz que isso. 

— Temos o hoje — repito, e ele sorri, se aproximando ainda mais. — O que podemos fazer hoje?

Estou sorrindo quando ele me beija outra vez. 

— Você quem dá as cartas.

— Essa era a resposta que eu precisava ouvir.

Rimos, enquanto eu o puxei para a minha cama. 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Tenho uma dificuldade genuína em encerrar ciclos. Esse ano especialmente eu tenho que encerrar um enorme, que é a faculdade, além de outras coisas na minha vida que precisam de uma resolução, posicionamento meu. Enfim, várias fases de mim estão eternizadas nessas palavras, nessa história. Desejo tudo de bom para cada um de vocês, sucesso, alegria, coragem e força. Não tem sido dias fáceis, mas estamos dando nosso melhor. E vai dar tudo certo no final. Se ainda não deu… é porque não é o fim ainda.
Meu ciclo no Nyah! está chegando ao fim, mas ainda não totalmente. Faltam alguns capítulos na história “Antes do para sempre”, que comecei a postar no final do ano passado, com o tema de Jogos Vorazes, para quem tiver interesse. Vai ser um prazer te ter por lá.
Um forte abraço, bem apertado, com meus olhos cheios de lágrimas! Boa vida para vocês!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Seleção da Herdeira" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.