E se eu puder apenas te deixar sem ar

Eu não vou me importar se não tiver nada a dizer

As vezes o silêncio guia sua mente

E nos leva pra um lugar muito distante

Os arrepios começam a aparecer

No momento em que minha mão esquerda encontra sua cintura

Aí eu olho pro teu rosto

Coloco meu dedo na tua língua

Porque você gosta do gosto yeah

Esses corações adoram

Quando um coração bate pelo outro

Aqui dentro está quente

E lá fora começa a chover

Devagar

Um amor, duas bocas

Um amor, uma casa

Sem camisas, sem blusas

Somente nós, você vai entender

Não há nada que eu queira te dizer a mais

Não Não

Porque está muito frio whoa

Pra você aqui

E agora

Deixe-me envolver whoa

As suas duas mãos nos buracos do meu suéter

— Sweater Weather, The Neighbourhood

 

Um peso sobre meu braço me assusta, porém não consigo me mover rápido, por meu rosto estar coberto, em partes, cobertos de cabelo, que possuem a cor de chocolate.

— Katniss? — murmurou, dolorido.

Posso sentir seu corpo se mexer preguiçosamente, virando-se para mim, abrindo seus olhos redondos e brilhantes, em um cinza meticuloso.

— Bom dia — disse, atrapalhada, pelos lábios inchados pelo sono, me fazendo rir, fechando meus olhos de novo, mas sua imagem bagunçada, atrapalhada pelos cabelos, não sairá com facilidade da minha memória.

— Eu disse… não precisaríamos de muito para você se assustar.

Reclamou, mas caiu na risada, por algum motivo, já estávamos rindo, afinal, é domingo, e nenhum de nós temos algum compromisso, a não ser à noite, quando todos os membros reais, Selecionados, se unem na capela, onde um pastor ministra uma palavra simples, mas dura, às vezes, o que me faz ficar feliz.

— São que horas? — perguntei, depois de ir ao banheiro escovar os dentes, depois que ela mesma fez isso.

— Nove e meia — respondeu, bocejando, com a camiseta que usava por debaixo da blusa. — Quer comer alguma coisa em especial?

Fiquei pensativo, mas então neguei, bocejando também, extremamente pensativo, indo abrir apenas a porta sanfonada que dá para o jardim com labirinto real, me fazendo cruzar os braços, me voltando para ela, na intenção de me aquecer. Busquei um casaco, depois de vestir minha camisa que havia ficado perdida ontem à noite.

— Pode pedir o que quiser, eu estou bem. Se tiver chocolate quente e alguns biscoitos, para mim já será suficiente.

Sorriu, parecendo uma criança, sem nenhum vestígio de maquiagem, ela tem traços bem infantis ainda. Me fez sorrir, me deitando ao seu lado, na cama bagunçada, com os lençóis brancos amarrotados.

— Por favor, um café da manhã… o habitual que eu peço, mas para duas pessoas, só que quero adicionar chocolate quente, e biscoitos de leite, por favor. Tudo bem, muito obrigada. Bom dia.

Ela desligou, e me olhou, que a olhava discretamente, sorrindo, encantado por sua presença. Como eu me deixei ficar assim, tão vulnerável, outra vez? Se eu puder olhar tudo o que vivemos nesses últimos seis meses, não reconheceria a mim mesmo, sem a menor sombra de dúvidas.

— Por que me encara dessa forma? Não te disseram que é feio? — perguntou, risonha.

— Já, porém se esqueceram que desde que entrei aqui, meu objetivo maior é causar desconforto — respondi, rindo, me desmanchando, sentando na cama, com as costas na cabeceira simples. — Desculpe, sabe que eu normalmente não sou assim. Talvez eu esteja finalmente envolto pelo espírito natalino, uma hora que ele já acabou. Deve ser o fato de que eu vou me casar três anos antes do que um dia imaginei. Sei lá. Está frio, frio demais para nós ficarmos separados. Temos que ficar assim. Juntos e bem abraçados.

Riu, concordando, deitando a cabeça em meu ombro, serena.

— Eu sei que você em seu bom humor normal é um seco. Pretendo aproveitar seu momento apaixonado, mesmo sabendo que é falso.

Ri alto e sinceramente.

— Esse mundo não merece você, Katniss. Você é legal demais para ele.

— Obrigada, muito obrigada. Mas não precisa me bajular. Eu ainda vou ter que dormir do lado esquerdo da cama.

Revirei os olhos, com nossos dedos entrelaçados, brincando. Meus pés agradeceram por estarem de meia, assim como os dela.

— Eu sou canhoto, mas minha mente funciona como se fosse destro. Então não me importo muita coisa com isso, relaxa, madame.

Ficamos em brincadeiras suaves e engraçadas até nosso café da manhã chegar, e eu atender a porta, dando de cara com pessoas que aparentemente pareciam acreditar e torcer para que um Sete desse certo com a princesa, a segunda mais cobiçada e poderosa do mundo moderno.

— Vamos ter um bom reinado — comenta, entre as torradas, mergulhadas na geléia, enquanto um lençol cobria nossos ombros, enquanto compartilhamos nosso café na sacada do meu quarto, sobre o pequeno divã para dois, enquanto observamos a pouca e tranquila movimentação no jardim.

— Como assim? — perguntei, sentindo seu pé passar no meu, de forma que me fazia ver o quão sério é nosso relacionamento, seja lá como pode ser chamado no dia de hoje, por algum de nós.

— Você não procura saber o que dizem ao seu respeito? — franzi o cenho, negando, estranhando que eu mesmo fosse fazer esse tipo de coisa. Eu não tenho paciência para escrever para todos meus irmãos, quem dirá pesquisar sobre mim mesmo na internet. Ela riu, enquanto eu comia outro biscoito.

— Acho que uma vez eu pesquisei, depois que eu e o Cato nos atacamos na sala de jogos, meses atrás. Aí falavam muitas coisas ruins ao meu respeito. Me fez mal, aí eu nem procurei mais me procurar — assentiu, compreensiva. — Pesquisa muito ao nosso respeito?

Sorriu, bebericando seu chá de camomila, mesmo quase na hora do almoço, nessa nossa conversa boba de bom dia, descobri que é sua rotina. Sempre toma dois copos de água, para uma xícara de chá de camomila pela manhã, com meia colher de açúcar.

— Mais ou menos. Estou sempre atenta no que dizem à respeito da administração do governo. Eu tenho uma preocupação muito grande com as pessoas, e em como as coisas vão ficar, uma vez você selecionado. Não é sempre bem visto, mas as pessoas aparentam gostar muito de você, e de tudo o que você representa. Vai ficar tudo bem.

Ela disse calma, com os olhos com a sensação de que são transparentes, pelo reflexo do sol neles. As bochechas rosadas, com o sol. Doce, como o açúcar. Não são todos os dias que me faz ter tal perspectiva. Mas ontem, dançamos pela noite, e dormimos juntos, acordado sem tantas preocupações com nós mesmos. Sinto como se toda essa paz de espírito possa se esvair em uma pausa de ar mais forte. Se eu prender minha respiração por um segundo mais, é como se ela viesse se tornar pó. Fiquei em silêncio, verdadeiramente feliz por ter ela ao meu lado. Ainda que eu não pudesse tocar em seus lábios, segurar em sua mão é o bastante, nesse momento.

— Eu prometo que vou me esforçar muito para podermos governar com a maior dignidade possível. Nem que para isso eu passe menos tempo com a minha família, eu vou dar tudo de mim para governarmos esse país do melhor modo possível.

Falei, baixo, mas decidido. E estou. Quero ajudar Katniss, já que nessa profissão, ela é a cabeça, a líder, de todo um país, um dos mais populosos do mundo moderno.

— Eu sei que vai. Por isso você vai ser coroado junto comigo.

Olhou bem no fundo dos meus olhos, como se me lesse totalmente, de uma forma que rasgasse quem eu sou, quem eu fui, e quem um dia eu posso vir a me tornar.

Beijei seus dedos, então sua bochecha, me aproximando de seu ouvido, e toquei a ponta de sua orelha com a ponta dos meus dedos, enquanto olhava bem de perto, quase rosto com rosto, cada imperfeição e detalhes que parecem imperceptíveis, mas de perto são revelados em grande glória, como se seu sangue realmente soubesse que estava destinada a uma coroa.

— Eu te admiro muito — falei, do nada, enquanto simplesmente víamos o Sol, e o jardim, com uma quase rara movimentação. — Admiro muito você. Não temos muito tempo para eu poder dizer isso… e do jeito que vamos encontrar o país, não sei como vai ser. Mas quero que saiba, que eu admiro você, Katniss. E te acho simplesmente linda.

Olhou para mim, totalmente vermelha e sem graça, com um sorrisinho nervoso.

— Por favor, não quero ouvir — ri, balançando a cabeça, sentindo meu cabelo acompanhar meu movimento. — Sério, Peeta! Eu não sei como responder! Eu odeio não saber o que dizer!

— E se eu dizer o que sinto por você?

Riu.

— Você não vai dizer as Três Palavras. Não me engana.

— Eu estou apaixonado por você.

Falei, simplesmente, segurando na sua mão, olhando bem dentro de seus olhos lindos. Ela fica ainda mais bonita conforme o tempo vai passando, e eu conhecendo mais dela, como pessoa, como líder. É a união de todas as coisas boas nesse mundo.

Minha mãe iria adorar fazê-la cozinhar junto com ela, só para arrumar uma desculpa de ter Katniss por perto. Não deu tempo dela fazer isso com minha futura esposa, ou mesmo com Dean, ou algum dos meus irmãos, mas tenho certeza que mamãe amaria Katniss. Não tem como não amá-la.

— Você é ridículo. Simplesmente não posso acreditar que você é quem vai casar comigo. Eu vou acabar te dando um soco por sempre me deixar tão sem jeito.

Gargalhei sinceramente, quase desfalecendo na cadeira, por sua cara de raiva, mas ao mesmo tempor descaradamente feliz por eu ter dito o que ela queria escutar.

Eu podia ter todos os domingos feliz dessa forma. Não há lugar onde Katniss esteja que não fique agradável. Principalmente hoje, neste exato instante. A vasta sacada, com o parapeito de mármore, do tamanho suficiente para alguém deitar em cima, quase como uma mesa, é, agora, como uma bandeja para a nossa visão panorâmica do jardim labirinto, e o Sol brilhando entre as nuvens. O céu está azul, e eu sei que meus olhos devem estar no ápice de sua cor original, porém está relativamente frio. Um vento bem gélido e constante faz nossos cabelos estarem sempre balançando, assim como o meu suéter se "mexerem" com o vento frio, assim como também sua blusa.

Mas vem o aperto no peito, logo que penso em Stacey, meu pai, Stuart… Ben, Amélia, Amanda… minha mãe, que não está mais aqui. Porém não posso parar. Minha mãe está bem, e minha família também.

O confronto comigo mesmo não foi percebido por Katniss, que riu também, depois, e eu fiquei aliviado por isso. Sei que hoje é um dia excepcional em minha rotina, assim como é na dela.

— Põe uma música para tocar. Vamos marcar esse momento com uma música — ela falou, se levantando, depois de se espreguiçar, pondo os pés cobertos por minhas meias no chão. Usa uma calça de moletom perdida que Amélia deixou, semanas atrás, no dia da festa de Halloween, e uma das minhas camisas, a deixando engraçada, e bem adolescente, coisa que nem eu ou ela ou algum dos meus amigos parecem, na maior parte do tempo. Gale mesmo, é o mais novo. Ele entrou na Seleção com 17, enquanto eu e Cato estamos passando para os 19 no mesmo dia, no final de Janeiro. Somos quase gêmeos, por mais surpreendente que seja.

— O que quer escutar? — pergunto, abrindo meu Smarter, jogando para a tv que têm na sacada. Ela cruzou os braços, então abriu o aplicativo de músicas, digitando uma senha.

— Algo simples… mas que você vá lembrar de mim, e eu de vocês, nós dois do dia de hoje, e a noite de ontem, que foi maravilhosa. Hmmmm… — murmurou consigo mesma, com o cenho franzido. — Essa. Por favor, tocar música 044.

— Tocando Say You Love Me — a voz robótica disse, me fazendo rir, mas tranquilo pelo ritmo musical.

— Bem, onde me chamaste para dançar, vossa alteza — ela começou, fazendo um coque atrapalhado com os longos fios de cabelo. — Tens a obrigatoriedade de me conceder esta dança.

Assenti, me levantando, agradecido pela blusa de manga até os pulsos, e ela com um lençol sobre os ombros, nos cobrindo de um lado, nos aproximando ainda mais.

Diga que me ama na minha cara
Eu preciso disso mais do que o seu abraço
Apenas diga que você me quer, é tudo o que importa
O coração está se machucando com seus erros

Sorri para ela, abraçando-a pela cintura, entrelaçando meus dedos nos seus, depositando um beijo em sua bochecha corada de sol.

Porque eu não quero me apaixonar
Se você não quer tentar
Mas tudo o que eu estive pensando
É que talvez você seja meu
Baby, parece que estamos ficando sem palavras
E o amor está flutuando para longe

— Não pense ainda com dúvidas do que sinto por você — murmurei, quando deixou sua cabeça sobre meu ombro.

— Eu não tenho. — respondeu, no mesmo tom, me fazendo sorrir, e todas minhas preocupações, saíram por alguns instantes, e só havia eu, ela, e o lençol sobre nossos ombros, enquanto nossos pés preguiçoso, em passos lentos sobre o piso mogno.

Apenas diga que me ama, só por hoje
E não me dê tempo porque isso não é o mesmo
Quero sentir chamas ardentes quando você diz meu nome
Quero sentir a paixão fluindo em meus ossos
Como o sangue em minhas veias

Não pude evitar, e parei nossa dança para beijar ela. Mas beijei com tudo de mim, o que sinto em meus ossos, todo o amor que eu pensei que nunca sentiria por ela.

Poder sentir ela e eu juntos em um beijo, é como saciar a sede.

A trago para mais perto, e mais perto, e mais perto, a ponto de eu poder sentir suas lágrimas, em meio ao sorriso no meio do beijo.

— Não chora, por favor… — Brinquei, mas ainda tonto. Passei os polegares sob seus olhos, olhando-a de perto.

— Eu choro por você ser quem você é, Peeta. Não consegue entender?

Suspiro.

— Não sou perfeito como acha eu sou. Tenho meu passado, e meus segredos... — falei, me sentindo culpado.

— Mas eu não acho que você seja perfeito. Eu sei que você não é. Eu também não. Ninguém é. É apenas que… eu me sinto tão bem perto de você. Não acho que é certo que eu me sinta tão bem perto de uma pessoa, mas essa é a verdade. Você me faz bem. Obrigada. E sobre seu passado e segredo, sabe que eu não me importo. Se quiser compartilhar comigo... tudo bem. Mas se não, isso não muda o que eu sinto por você.

Conte sobre Delly, Peeta. Conte sobre Delly. Você precisa falar a verdade. Estar escondendo isso de Katniss é mentir para ela. Seja corajoso e verdadeiro, conte sobre Delly!, minha mente gritou comigo mesmo.

— Katniss... tem algo que eu quero te contar... —comecei, suspirando profundamente. Ela estava mexendo na gola do meu suéter, então deu um sorriso tão doce e carinhoso, que eu mordi minha língua. Ela é tão amável. Como pude nutrir ódio por tanto tempo.

— O quê? — perguntou, deslizando o indicador em minha bochecha.

Conta!

— Nada... deixa, não é importante. 

Assentiu, muito tranquila, acreditando em mim.

Eu não tenho o que responder. A música ainda tocava, no refrão. Não a digo que a amo, embora seja isso dentro do meu coração. Esse não pode ser o momento certo para contar de Delly. Fora que a loira precisa estar aqui para que eu possa compartilhar essa informação. Resolvi me esquecer disso por enquanto, e aproveitar para focar em Katniss. Eu a amo.

Porém se eu não conseguir demonstrar isso a ela, nada vai valer, nem que eu seja fluente em alemão, ou francês. A trouxe para perto, para ainda mais, e a beijei não apenas com meus lábios, mas também com meu coração, passando um dos meus braços por sua cintura, a trazendo para bem perto de mim, como se eu precisasse dela para fazer algo além de apenas existir. Coincidentemente, preciso mesmo. É algo exclusivo do Céu que ela esteja na minha vida.

Quando nos separamos, estávamos totalmente sem fôlego, anestesiados pelo beijo. Não abri meus olhos. Apenas me inclinei um pouco, juntando nossas testas, somente aproveitando desse raríssimo momento de paz interior e exterior. Seu relógio está desligado, junto com o meu, no parapeito. Não há palavras para dizer o valor de tudo isso, o amor que sinto pulsar no meu sangue. De algum modo, a partida da minha mãe me deixou mais sugestivo a essas percepções mais intensas das coisas ao meu redor.

Outra música começou a tocar, que eu não sabia a letra, porém é linda, e apenas nos fez engatar em uma dança de passos muito simples e singelos, com sorrisos. Pude sentir o sorriso em seu rosto, instantes antes de abrir meus olhos outra vez, para admirar os seus cinzas tão próximos dos meus.

Olhe para as estrelas
Olhe como elas brilham para você
E para tudo o que você faz
Sim, elas eram todas amarelas

Eu vim de longe
Eu escrevi uma canção para você
E todas as coisas que você faz
E foi chamada de Amarelo

Então eu esperei minha vez
Oh, que coisa para se fazer
E era tudo amarelo

Sua pele
Oh, sim, sua pele e ossos
Transformaram-se em algo bonito
Você sabe
Você sabe que eu te amo tanto?
Você sabe que eu te amo tanto?

Olhei para ela, que olhava para mim, alternando olhares com toda a paisagem proporcionada por Deus para nós, assim como eu.

Você sabe, Katniss. Você sabe. E melhor do que eu.

E a música continuou, e eu a beijei nas bochechas, no pescoço, muitos beijos, fazendo ela rir alto, sincera, tentando me empurrar, mas a abracei ainda mais, sem querer distância, até minhas costas encontrarem o parapeito, onde ficamos, então, nos beijando mais, de forma casta.

Não estou certo, mas tenho a sensação de que é a primeira vez que estamos realmente como um casal de namorados/noivos, sem nenhum compromisso para as próximas horas.

Eu atravessei o oceano
Eu superei barreiras por você
Oh, que coisa a se fazer
Porque você estava toda amarela

Eu tracei uma linha
Eu tracei a linha por você
Oh, que coisa a se fazer
E ela era toda amarela

Sua pele
Oh, sim, sua pele e ossos
Transformaram-se em algo bonito
Você sabe que
Por você eu daria todo o meu sangue?
Por você eu daria todo o meu sangue?

— Qual a maior coisa que você fez  por alguém que ama? — perguntou, pegando minhas mãos, fazendo carinho, de costas para mim, que estou de costas para o sol, por causa da claridade, mesmo com o verdadeiro frio que está fazendo.

Fiquei pensativo.

Mas acerca disso, eu não poderia mentir. A maior coisa de amor que fiz foi ter aceitado vir para cá.

— Ter aceitado me inscrever na Seleção.

Respondi, dando de ombros. Um aperto no peito tomou conta de mim, me arrepiando, da noite com Delly, e do quanto eu fiz isso por ela. Não foi nem por meus irmãos, sinceramente. Foi ela quem definiu. Ela pediu para que eu tentasse. Eu tente. E aqui estou eu. Nem em meu melhor sonho eu desconfiaria que isso poderia ser real.

Devo estar enlouquecendo.

A convidei para mais um beijo, depois de rodar ela, pelo ritmo da música.

— Obrigada por ser quem você é — disse outra vez, depois do beijo. Seu cabelo voava leve. Venta, mas não muito forte. Só faz nos abraçarmos mais.

Mas começou a ficar mais frio, e mais frio, enquanto almoçamos, pelas duas da tarde, então entramos, tudo por causa do inverno, depois de nos desfazermos de toda a louça em um compartimento específico, que direcionava para a cozinha. Nos deitamos na cama, sua cabeça em minha barriga, enquanto assistíamos um filme infantil aleatório, mas ela de vez em quando fazia algumas opções no aparelho de relógio, em outros momentos, mordendo as mangas do meu suéter, me fazendo rir, e deixar que continuasse.

Por volta das quatro, ficamos encarando o teto, sem ter mais nada o que fazer. Então comecei a rir, do nada, por nenhum motivo, me sentando na cama. É tão bom poder passar um dia assim, em paz.

Comecei a fazer cócegas nela, que começou a rir também, gritando, brincando comigo.

— SAAAAAAAAAAI, PEETA! — Ri, mas cai da cama, direto no chão, de costas, ficando com os pés presos por suas mãos. O susto foi tão grande, que puxei ar e me engasguei, mas ri, da minha própria vergonha. Ela berrou, rindo como poucas vezes ri.

— Vai ter vingança! — exclamei, acertando um travesseiro nela, que começou a me chutar, rindo, quando a porta do meu quarto foi aberta sem mais nem menos por… Delly.

Katniss está usando a calça feminina que Amélia deixou aqui, e veste sua blusa de ontem, com um casaco que pediu pelo Smarter, na medida que eu uso a calça e um suéter branco, nós estamos bem vestidos, dá para irmos jantar no Salão, se quisermos, com essas roupas, que não são pijamas, apenas, mas estamos rindo, com algumas penas do travesseiro ao nosso redor, outras ainda no ar, em meio a selinhos, eu em pé no chão, e ela em pé na cama, com músicas altas de festa tocando.

É no mínimo bizarro ter essa intimidade interrompida pela minha ex-namorada, e uma das minhas melhores amigas.

— Hm… desculpa. Você me chamou. — Delly disse, muito sem jeito, ficando com as bochechas vermelhas. Vermelhas demais. Se magoou.

— Ai, desculpa! — Katniss exclamou, pedindo minha ajuda para descer da cama, indo abraçar a agora loira outra vez. — Foi sem querer! Estava mandando mensagem para meu pai, devo ter te mandado minha localização.

— Não, sem problemas… de qualquer forma, eu teria que vir te procurar. Sua avó paterna está te chamando, disse que está com saudades suas, e pediu para eu te procurar.

Assentiu, tranquila, com um sorriso, então veio até eu, que estava parado por todo esse tempo, sem ter o que dizer, e o que pensar.

— Bem, estava muito legal, mas minha avó me chama… ela passa o ano todo na Austrália, só a vejo quando ela vem, ou eu vou lá… mas foi ótimo passar o dia com você.

Sorri, torto, me desmanchando outra vez, dando um beijo em sua bochecha.

— Sabe que pode invadir meu quarto na hora que quiser. Passa aqui quando sentir vontade.

— Eu vou passar aqui mais tarde, fica em paz. Podemos ir juntos para o culto, o que acha? — perguntou, e eu assenti.

— Posso te buscar na escadaria? — assentiu, sorrindo, fazendo as covinhas aparecerem. — Fechado. Vai lá.

— Ok. — Nos beijamos rapidamente, apenas um selar casto, antes de se virar, e sair pela porta, mas Delly estava com um olhar diferente, como se precisasse conversar.

Notei algo em sua mão esquerda, não conseguindo reparar, porque ela encostou a porta, saindo também.

Mas antes que eu terminasse de calçar a meia, Delly entrou, fechando a porta.

Dei um sorriso, enquanto ela se atirava na minha cama.

— O que foi, Dells?

— Eu vou casar.

Parei de colocar a meia.

— Você o quê?!

— Casar, está surdo? Stefan me pediu em casamento. Eu estou muito feliz. Mas ao mesmo tempo, estou mal, porque eu ainda não consigo ver você e Katniss se beijando.

Franzi o cenho, com os cotovelos me deixando meio erguido, então joguei minha cabeça para trás, podendo ver melhor o seu rosto branco, com o nariz certo, com longos cílios quase transparentes, de tão loiros, assim como as sobrancelhas.

— E você acha que eu reagiria como se visse você e Stefan se agarrando em algum lugar?

Riu, fechando os olhos cor de âmbar.

— Você é um sonso — sorri.

— Aprendi com você, obrigado, querida. E eu também vou me casar, aparentemente, se você não percebeu.

— É diferente. Eu fui pedida formalmente. O seu caso é global.

— Nem tanto… — respondi, com o cenho franzido. — Delly, eu nem sei o que dizer.

— Imaginei que fosse dizer isso.

— É sempre o que eu digo. Sempre estou desatualizado sobre as coisas, e pessoas, inclusive de mim mesmo. Eu nunca sei de algo.

Riu.

Me deitei, com minhas mãos atrás da minha cabeça, e as dela também. Virei meu rosto, e ela virou o dela para mim.

— Você não acha bizarro essa situação toda? — perguntou. — Eu quero dizer… eu, aqui, no palácio, servindo a sua futura esposa, enquanto o meu futuro marido serve você. E há menos de sete meses atrás, estávamos jurando nosso amor um para o outro. Eu acho isso um pouco perturbador, você não?

— Eu tento não pensar sobre isso — admiti. — É perturbador. Às vezes é como se não fosse certo toda essa situação, entende?

Assentiu, olhando bem nos meus olhos, assim como estou olhando bem nos seus.

— Quero que você seja feliz.

Disse, desviando nossos olhos, e pegando na minha mão, não entrelaçando nossos dedos, como tínhamos o costume de fazer. Seria estranho se o fizesse. E é ainda mais estranho quando penso que ela era a dona dos vãos entre meus dedos, e eu o dono dos seus, hoje não mais. Não sei bem como pensar. Amo Katniss em meu coração, porém estar tão perto de Delly mexe com todos os meus sentidos, sem que eu me sinta tão culpado, já que sempre andamos fora das leis e regras.

Às vezes, sinto falta dos meus olhos azuis com seus olhos cor de âmbar. Mas é às vezes. Nesse exato momento, eu estranhamente senti falta. Pude sentir meu coração acelerar outra vez. Não como antes. Eu amo a Katniss. Mas Delly é o meu imaculado primeiro amor.

Me sentei na cama, dando um suspiro, ficando agitado. Passei minhas mãos em meus fios loiros, em um tom acobreado, por um erro de retoque, mas admito que não ligo, e não ficou mal em mim. Pelo menos manteram o volume.

— Você sabe quando vai ser o casamento? — perguntei, baixo.

— O seu, uma semana depois do seu aniversário — respondeu, se sentando ao meu lado, falando baixo também. Com nossas pernas cruzadas, é legal ver o quanto ela tem as pernas curtas. Não muito… ela ainda é alta para muitas garotas, com 1,67, exatamente, mas não é muito ao lado dos meus 1,78.

— E o seu?

Deu de ombros, mexendo no belo anel, que agora posso ver melhor. É lindo, e com certeza custou muito caro.  Porém não consigo imaginar um que fosse ficar tão lindo nela.

Dourado, como uma fina aliança, mas com uma pedra azul, pequena, mas destacada, e linda.

— Provavelmente em maio. Sabe como eu gosto da primavera.

Suspiramos. Minha mão direita estava sobre o colchão, assim como sua mão esquerda. Nossos dedos se encontraram.

— Eu sinto medo, de vez em quando. Sobre estar no caminho certo. De estar sentindo o que é certo. Amo Stefan, assim como tenho certeza de que você ama a Katniss, como nós nos amamos um dia, mas — parou, tentando encontrar a resposta certa. — Às vezes eu só sinto saudade de você. De nós. Não como namorados, isso eu aceitei que somos o primeiro amor um do outro, e que há um espaço que ninguém a não ser você pode preencher. Mas sinto falta de nós. Mudamos rápido demais.

Admitiu, em um sussurro, quase chorando, encarando a sacada do meu quarto. Mas logo olhou para mim, bem em meus olhos.

— Eu também. Eu entendo. Eu me sinto exatamente assim.

Ficar tão perto dela, me faz ter inúmeros pensamentos. Misturados, uns de saudade, outros de amor, por ser a primeira pessoa pela qual verdadeiramente me apaixonei na minha vida, mas os maiores pensamentos são sobre amizade. O único sentimento que nos cabe sentir hoje em dia, em respeito não apenas aos nossos atuais parceiros, mas em respeito a nós mesmos.

Nossos rostos foram se aproximando, e minha mão apertou a sua, na medida que a sua apertou a minha. Fechamos os olhos. Meus lábios tocaram sua bochecha corada, demoradamente, enquanto minha mão vaga fez carinho em sua outra bochecha.

Vai chegar o dia que teremos que nos despedir de uma vez. Mas não acho, sinceramente, que o dia será hoje.

Abaixou a cabeça, e eu a minha. Mas nos olhamos, com um sorriso torto. Não tem como perder toda a cumplicidade que acumulamos com o passar de longos adoráveis meses juntos.

Se jogou no meu abraço, escondendo o rosto na curva do meu pescoço, assim como meu escondi no seu, fechando os olhos bem apertado, assim como o abraço.

Não dissemos nada,

Quando Katniss abriu a porta, rindo, com Gale atrás de si, e no susto, Delly bateu a mão na caixa que fica ao lado da minha cama, na cabeceira, fazendo fotos da família caírem, misturadas com cartas e bilhetes. Os bilhetes que ela me mandou aqui no palácio, nas inúmeras vezes que nos encontramos, antes da Elite ter início.

— O quê…? — Katniss murmurou, se abaixando, pegando um dos bilhetes, que estava, ao avulso, junto com uma foto minha com Dells, enquanto eu e Delly ficamos paralisados, assim como Gale, ao lado de Katniss. Só sendo burro não entenderia o “encontro você nas docas às onze e meia”, pegando uma cena que, não entendendo o contexto, pensaria que estávamos nos beijando. — Vocês ficaram juntos aqui, na minha casa?

A pergunta dela fez até o vento, que estava batendo forte, parar. Gale avisou que ia para o quarto, mas antes me lançou um olhar verdadeiramente magoado, e irritado.

Eu apenas senti como se cubos de gelo fossem postos no meu estômago, sentindo que ia desfalecer aqui mesmo.

— Nós podemos explicar — falamos juntos.

Mágoa era tudo o que tem nos olhos de Katniss. Muita mágoa.

— É bom que tentem. Para a corte do palácio. Espero que pelo menos uma vez sejam sinceros.