Secret Memories escrita por Dream


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

"Acho que a única razão de sermos tão apegados em memórias, é que elas não mudam, mesmo que as pessoas tenham mudado."
— Pretty Little Liars



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— Castanhari! — Kevin gritou, erguendo-se num salto, respi­rando com dificuldade, para depois deixar-se cair novamente na cadeira. — Não acredito, homem! Não o esperava vê-lo novamente.

— Arrumei rapidamente minhas malas e peguei uma carona no jato particular do amigo do meu amigo. — Pela primeira vez, desde que entrou na sala, seus olhos pousaram em Elena. — Então... El, meu amor, viajaremos juntos para L'lle des Coquilles, não?

Sentada, imóvel, Elena olhava-o fixamente, como se du­vidasse que a visão fosse real. Allan estava apoiado contra o batente da porta, as mãos dis­plicentemente enfiadas nos bolsos da jaqueta de couro, os olhos castanhos brilhando, zombeteiros. Elena deduzira que ele chegara havia poucos minutos, pois seus cabelos ainda estavam bagunçados devido a grande ventania que vinha lá de fora.

Muitas vezes, ao vê-lo passar diante da porta de sua sala, Elena sentia um forte impulso de segurar as mechas finas e lisas entre seus dedos. Aquele homem provocava nela estranhas reações, bastava avistá-lo a quilô­metros de distância para irritar-se. Curiosa, perguntava-se por que Allan usava sempre a mesma jaqueta surrada de couro, quando tinha condições de vestir-se melhor. Era surpreendente o fato de mostrar-se tão relaxado e tremendamente sensual, quando acabava de voltar de uma viagem perigosa num país em guerra. Supunha-se que, depois de quatro anos e enfrentando o inferno da guerra, os correspondentes estrangeiros retorna­vam mais magros, revoltados, mal-humorados.

Ela contraiu os lábios. Os olhos de Allan continuavam fixos nela, ainda com um brilho de riso contido, como se esperasse pela resposta de Elena.

Tossindo levemente, girando a cadeira de modo a ficar de costas para Allan, ela respondeu diretamente a Kevin:

— Com certeza, você não pediria a... Allan... para substituir Leonardo, não é? Karine contou-me que o encontrou ontem no aero­porto e que ele disse que estava estafado e pretendia tirar férias...

Allan soltou uma gargalhada, interrompendo as palavras dela. Elena arrependeu-se do comentário, imaginando que Allan poderia pensar que ela estivera bisbilhotando com Karine.

— Tem razão, El — A voz dele soou macia como seda. — Planejava mesmo descansar um pouco. — Ergueu a cabeça em direção à janela, obrigando-a a girar a cadeira para enca­rá-lo de novo. — Porém, entre passar férias aqui, com essa chuva e temperaturas baixíssimas, e passá-las numa ilha paradisíaca do Caribe... — Erguendo os ombros, sorriu com ar inocente. — Qual seria sua escolha?

— Céus, Elena! — A frustração na voz de Kevin levou-a a virar-se para ele, que a olhava por cima dos óculos. — Você enlouqueceu? Até parece que perdeu o bom senso! — Apoiando-se nos braços da poltrona, Kevin ergueu-se. — Se você perdeu, acredite, eu não! — Dirigiu sua atenção a Allan. — Obrigado. Aprecio seu oferecimento. Meus agradecimentos se refletirão no seu próximo pagamento. Agora, chega de conversa e pé na estrada. Saiam daqui já, direto para o aeroporto, que eu providenciarei tudo. Sua passagem estará à sua espera no balcão do aeroporto, Allan.

— Você veio com seu carro para o escritório, El? — Allan indagou.

— Não. — Detestava quando ele a chamava de El. Sen­tia-se uma colegial. Não era El. Mas, sim, Elena, que, aos seus ouvidos, soava com maior dignidade e respeito. Um dia, ainda discutiria esse assunto com Allan. — Leonardo viria com o dele e iríamos juntos para o aero­porto. Então, vim de taxi.

— Ótimo. Assim, não precisaremos discutir com qual carro seguiremos para o aeroporto. Vamos embora. No caminho, pas­saremos em casa para pegar minha bagagem.

Elena irritou-se com o modo pelo qual Allan assumia o controle da situação.

— Não temos muito tempo... — começou, mas ele a interrompeu:

— Moro aqui perto. Não nos desviaremos do nosso trajeto e não levarei mais do que alguns segundos para arrumar minha mala. — Segurou a porta aberta enquanto Elena pegava sua mala e o equipamento fotográfico. — Espero que não tenha esquecido de trazer um ou dois biquínis — murmurou.

Ela ignorou o comentário.

— Até logo, Kevin. Vejo-o na próxima semana.

— Boa sorte — o editor-chefe respondeu com ar jovial, depois de ver todos os seus problemas resolvidos. — Minha intuição diz que essa será uma das melhores entrevistas da série Weekends Wonderful. Se existe alguém que pode conseguir que Flame Cantrell se torne completamente acessível, esse alguém é você, Castanhari.

— Farei o possível, Kevin... mesmo sabendo como deverei agir. — O sorriso de Allan tinha algo de diabólico. — Independente dos sacrifícios que terei de enfrentar para arrancar os segredos mais íntimos da adorável dama, acredite, Kevin, darei o melhor de mim para fazer uma entrevista inesquecível... tudo pelo bem da revista.

"Pretensioso e convencido", Elena pensou, lançando um olhar de desprezo, enquanto saía da sala. O perfume da loção pós-barba invadiu suas narinas, trazendo-lhe à memória lembranças que preferia esquecer. A lembrança do beijo de Allan — se é que poderia considerar o que aconteceu entre ambos um beijo.

Erguendo a cabeça e o queixo, num ar de desafio, caminhou pelo corredor. O gesto de Allan, quando a beijou, a enervou demais. Teve de lutar não só contra o torturante odor de per­fume masculino, como também com a sensação da pele áspera do rosto dele contra o seu. Precisou, também, lidar com a excitação, que ia crescendo à medida que o beijo se tornava mais profundo, mais íntimo, mais devastador, mais selvagem, mais erótico.

E, mais do que tudo, tivera que conviver com o gosto dele. O gosto dos lábios de Allan nos seus. Os lábios eram doces, ternos, irresistivelmente sedutores e, para sua grande vergo­nha, absolutamente inesquecíveis.

Entretanto, precisava esquecer. Seus planos para o futuro já estavam traçados e não havia lugar para um homem. Es­tabelecera uma meta de vida. Não pretendia correr o risco de magoar-se novamente.

— Ei, deixe-me carregar sua mala — Allan alcançou-a no corredor.

Sem olhá-lo, respondeu.

— Não, obrigada. Não está pesada. Posso carregá-la.

— Como quiser. — Caminhava ao lado dela. — Você não quer que viajemos juntos.

Elena não respondeu. Allan abriu a porta que dava para o estacionamento. Uma rajada de vento gelado os atingiu. Ain­da chovia.

— Você não gosta de mim — ele continuou, segurando-a pelo cotovelo. Elena pensou em desvencilhar-se, mas desistiu. A melhor maneira de lidar com Allan seria fingir que ele lhe era comple­tamente indiferente.

— Gostaria de saber o motivo — Allan disse entre preocupado e pensativo. — Talvez durante este fim de semana eu descubra.

Ela conhecia o carro dele. Um volvo, preto e re­baixado. Estava estacionado próximo à saída. Com passos de­terminados, Elena caminhou até o veículo.

— Posso lhe contar agora — falou com firmeza, lançando um olhar tão frio quanto o vento que os castigava. — Assim, não perderá seu tempo com suposições. Considero-o arrogante, atrevido, insolente e chauvinista.

Allan abriu a porta do lado do passageiro. Tomando-lhe a mala, colocou-a no banco traseiro. Elena fez menção de en­trar no carro, mas ele a segurou com força. Com os olhos cheios de ressentimento, encarou-o.

— Você pode pensar o que quiser a meu respeito, mas há muito mais do que isso. Talvez nem você mesmo saiba exata­mente as razões dessa hostilidade contra mim.

Allan a soltou e, num gesto de irritação, Elena ergueu os ombros, antes de sentar-se no banco do carro. Ele fechou a porta e correu para acomodar-se ao volante. Sentada ereta, com o equipamento fotográfico no piso do carro, entre seus pés, apertando a alça da bolsa nas mãos, Elena olhava fi­xamente para frente, procurando conter a raiva. Não se con­formava com o atrevimento de Allan em tentar enxergar dentro dela, analisá-la.

Ele girou a chave de ignição.

— Não há nada que eu mais goste do que um belo desafio — comentou enquanto saía do estacionamento. — Você é uma mulher misteriosa. Confesso que você me intriga muito, El Gomes. Há muito mais coisas em você do que os olhos possam enxergar. Parece fria e inatingível, com seu porte altivo e aristocrático e seus cabelos soltos, num ar elegante de não me toque. Porém, quando nos beijamos...

— Oh, eu me perguntava quanto tempo levaria até você tocar nesse assunto! Aliás, gostaria de fazer uma correção. Quando você me beijou! — ela esbravejou. — Não quando nos beijamos. Pelo que me lembro, foi você quem me atacou...

— E, pelo que me lembro, você participou com muito mais paixão do que eu.

— Foi o vinho — justificou-se, ajeitando uma mecha de ca­belo que escapava da sua orelha.

— Por que me esbofeteou, El? — Não havia acusação em seu tom de voz. — Foi pelo vinho, também?

— O que você quer de mim? Um pedido de desculpas? — Virou-se para fitá-lo, mas Allan continuou atento à direção. Seu perfil revelou-se aos olhos dela com as linhas perfeitas de toda sua masculinidade. Sentiu um arrepio no estômago. — OK. Peço desculpas por tê-lo esbofeteado. Se quer mesmo saber da verdade, fiquei muito envergonhada pelo meu gesto impensado. No dia seguinte, fui ao seu escritório para explicar-me, mas você já havia viajado. — Soltou um longo suspiro. A confissão a aliviara. Parecia que tirara um peso dos ombros.

— Desculpa aceita. — Sorrindo, olhou-a de relance. — En­tretanto, ainda preciso descobrir por que não gosta de mim. A verdadeira razão. Aquela que você esconde bem no fundo da alma, pois acredito que exista uma, El, meu amor.

— Quem sabe neste fim de semana ambos possamos des­cobrir essa razão.

A casa dele era um agra­dável chalé, rodeado por árvores e azaleias, com um relvado que terminava na calçada.

— Que casa mais charmosa! — Elena exclamou com sinceridade.

Allan desligou o motor do carro.

— Aceita um café? Fica pronto num minuto, enquanto ar­rumo minha mala.

— Sua esposa não ficará aborrecida se trouxer uma visita a esta hora da manhã? — De imediato, arrependeu-se da per­gunta tão inconveniente.

— Não tenho esposa. A casa está vazia.

Elena recusou-se a analisar seus sentimentos ao tomar conhecimento dessa informação. O bom senso a aconselhava a manter o relacionamento com aquele homem em nível ab­solutamente impessoal e profissional.

— Obrigada. Prefiro esperar aqui.

— Como queira. Não demorarei mais do que alguns minutos. — Allan entrou em casa, fechando a porta.

Com um suspiro de frustração, Elena desceu do volvo. Quase não chovia mais. Apenas algumas gotas caíam do céu acinzentado. Colocou as mãos nos bolsos da jaqueta, atravessou o jardim. A rua estava deserta. A paz e o silêncio reinavam absolutos.

Caminhava lentamente pela calçada, observando as casas. De repente, uma das portas se abriu, e surgiram três crian­ças, correndo em direção de um carro que parou no meio-fio.

— Tchau, mamãe! — As crianças gritaram em uníssono.

— Tchau, queridos! Comportem-se! — Acenando, a mulher esperou o carro afastar-se. Depois, entrou, fechando a porta de casa.

Elena parou, observando-a a certa distância. Uma tristeza a invadiu. Nunca faria parte de uma família como aquela. Diante da porta fechada, perguntou-se se aquela mulher conscientizava-se da felicidade que tinha nas mãos. Imaginou-a lendo para as crianças, na hora de dormir, penteando os cabelos louros da garota, preparando as refeições...

Encolhendo os ombros num gesto de desalento, retomou o caminho para a casa de Allan, imaginando por quanto tempo mais aquela sensação de vazio tomaria conta de sua alma. Talvez essa dor a acompanhasse até o final de sua vida. Pre­cisaria ser forte para não sucumbir...

— Vamos, El! — A voz de Allan interrompeu seus pensamentos.

Parado ao lado do volvo, segurava a porta para ela entrar.

Seguiram em silêncio para o aeroporto. Com o canto dos olhos, observou Allan. O rosto sério, as mãos segurando com firmeza o volante, os cabelos negros feito um carvão. Estremecendo, Elena virou o rosto para a janela. Não entendia o que aquele homem possuía de es­pecial para provocar-lhe reações tão estranhas. Antes de Allan, nunca um homem a perturbou tanto e tão profundamente. Nem mesmo Rodrigo, de quem foi noiva e com quem quase se casou.

Não sabia por que se sentia em pânico e assustada ao lado de Allan, a ponto de ver ameaçada a concha na qual se fechava. Sabia apenas que corria perigo, que Allan poderia quebrar sua concha... e descobrir que não havia nada dentro.

Recostando-se no banco, fechou os olhos.

Não conseguia entender por que, mas tinha o pressentimento de que aquele fim de semana, tão ansiosamente esperado, seria um absoluto desastre.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando. rs
Me mandem cometários do que estão achando até agora.
Um beijo da Dream



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