Secret Memories escrita por Dream


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

"Todos nós temos nossas máquinas do tempo. Algumas nos levam pra trás, são chamadas de memórias. Outras nos levam para frente, são chamadas sonhos."
— Jeremy Irons



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Uma terrível chuva desabava sobre todo o estado do Rio de Janeiro, durante a noite. Pela manhã, às oito ho­ras de uma sexta-feira, o tempo ainda estava fechado, fazendo com que a ventania batesse forte nas pessoas que caminhavam pelas ruas.

Elena ajeitava os cabelos loiros e a jaqueta azul, enquanto corria em direção ao hall de entrada do edifício do Copacabana Clarion. Tinha certeza de que não esquecera nada. Com os saltos das botas ressoando sobre o piso de porcelanato branco, mentalmente conferia suas prioridades: passaporte, passagens, equipamen­to fotográfico, dinheiro...

Quando entrava no corredor que a levaria à sala do editor-chefe, o som de risos chamou-lhe a atenção. Notou uma ponta de malícia naquelas risadas. Ajeitou a alça da bolsa do equi­pamento fotográfico no ombro e apertou com força a mala que carregava na mão.

Não se surpreendeu com o fato de as gargalhadas virem de Karine. A secretária conversava no bebedouro com duas funcionárias do escritório. A fama que Karine tinha de ser mal­dosa e bisbilhoteira corria por todo o Clarion. Com o canto dos olhos, Elena percebeu uma troca de olhares significativos entre Karine e as colegas.

— Olá! — Com um sorriso forçado, a secretária cumprimen­tou Elena. — Ia justamente procurá-la, para contar-lhe as novidades... se é que já não está a par delas, é claro.

Elena não ignorava que Karine não gostava dela. Parecia que a secretária ressentia-se de sua bem-sucedida carreira como fotógrafa. E, fitando diretamente os olhos castanhos que transmitiam um brilho estranho, Elena perguntava-se que novidade seria aquela que provocava gargalhadas de satisfação. Nada que lhe favorecesse. Disso tinha certeza.

Elena olhou-a por alguns instantes com ar distraído, como se não estivesse absolutamente interessada no assunto.

— Sabia o quê?

O tom de indiferença pareceu irritar a secretária, que, antes de responder, encheu um copo com água gelada, deliciando-se com o fato de fazer Elena esperar. Depois, com voz estridente, anunciou triunfantemente:

— Allan voltou!

O sorriso de Elena morreu nos lábios. Seu estômago pa­receu retorcer-se com o peso de uma única xícara de café que bebera ao acordar.

— Verdade? — Recuperando rapidamente o autocontrole, ergueu os ombros com indiferença.

— Ontem dei de cara com ele. Estava contando a Sarah e a Amanda que ontem, depois do expediente, fui ao aeroporto buscar minhas irmãs. De repente, quem eu vejo no estaciona­mento? A pantera preferida do Clarion!

Elena olhou para o relógio de pulso.

— Oh, não! Já? Desculpe-me, mas estou atrasadíssima e...

— Allan comentou que está se sentindo muito cansado e que pretende tirar umas férias — Karine persistiu. — Disse, também, que hoje virá ao escritório.

Elena quase não conteve um suspiro de alívio.

— Bem, nesse caso, não o verei. Estou a caminho do aeroporto.

— Para onde você vai?

A expressão de Karine era igual à de uma criança a quem fora negado um presente. Nesse caso, Elena sabia que esse presente estava relacionado com o dia em que vencera o prêmio McGillivray, como autora da melhor foto do ano pelo quarto ano consecutivo.

— Leonardo e eu vamos para L'lle des Coquilles — disse.

— L'lle des Coquilles? — Karine repetiu.

— Sim. Uma ilha do Caribe.

— Nunca ouvi falar!

— Talvez por se tratar de uma das menores. Flame Cantrell tem uma vila nessa ilha. Vamos entrevistá-la para nossa revista.

— Flame Cantrell! — Amanda, a mais jovem das duas fun­cionárias, fitou Elena com inveja. — Você vai fotografá-la para a seção Weekends Wonderful?

— Sim.

— Mas ela nunca concede entrevistas! — Karine jogou o copo de papel no cesto de lixo, num gesto que traía sua irritação. — Comparada a ela, Greta Garbo teria ganho o título de Miss Simpatia! Flame, nunca, nunca fala à imprensa.

— Que bobagem, Karine! — Elena caçoou, negando vee­mentemente com movimentos de cabeça. — Você deveria saber que jamais se diz nunca. E eu, que pensava que você era fã de James Bond!

Amanda e Sarah riram com gosto, enquanto Elena se afastava do grupo, com o salto das botas ressoando novamente sobre o piso. Virando o rosto, falou num tom falsamente doce:

— Oh... por favor, digam a Allan o quanto sinto não poder encontrá-lo!

Caminhando na direção do escritório do editor-chefe, riu da grande mentira que acabava de afirmar. Até preferia não reen­contrar Allan Castanhari. Era o homem mais arrogante, mais de­testável, mais sensual que ela já beijou...

Soltando um suspiro de raiva, diminuiu os passos. Consi­derava simplesmente ridículo que um beijo sem a mínima im­portância a aborrecesse tanto...

O pior era que não compreendia os motivos pelos quais tanto se aborrecia.

Tudo aconteceu há quatro anos, mas ela ainda não conse­guira encontrar uma explicação razoável para o que lhe acon­tecera. Percorrendo o corredor que a levaria ao escritório de Kevin, tremeu ao rememorar, talvez pela centésima vez, tudo o que se passou naquela tarde de janeiro de 2011.

No dia em que Elena ganhou pela primeira vez o McGillivray Award, na hora do almoço, Kevin a chamou em seu escritório para contar a novidade. Parecia que ninguém mais sabia a respeito. Pelo menos, ninguém comentava com ela. Não suspeitava de nada quando, por volta das três horas, Kevin ligara, pedindo-lhe que fosse ao escritório dele antes de ir para casa. Assim que abriu a porta da sala, foi recepcionada por um coro de vozes gritando "Surpresa!".

Todo o pessoal da revista estava lá, esperando por ela. Haviam encomendado comida chinesa e vinho branco.

A única pessoa ausente era Allan Castanhari. Ele saíra e voltaria ao escritório somente no dia seguinte. Elena ficou feliz com sua ausência. Por alguma razão inexplicável, não se sentia à vontade perto dele. Allan trabalhava como correspondente es­trangeiro para o Clarion há quase um ano. De acordo com os documentos, ele era brasileiro, mas, viera de Nova Iorque. Porém, segundo os comen­tários de Leonardo Burke, companheiro de trabalho de Elena, ele tinha algo misterioso. "Uma pessoa muito reservada", se­gundo as palavras do próprio Leonardo. Entretanto, não era an­tipático. Pelo contrário. Era muito popular entre todos os fun­cionários. Elena sabia que, apesar de sua popularidade, o relacionamento dele com os colegas não ultrapassava os limites da porta do prédio. Não misturava vida social com trabalho.

Depois que a festa terminou, todos se retiraram, exceto Kevin, ela e Karine, que punha a sala em ordem. De repente, a porta se abriu, surgindo, para surpresa geral, Allan.

As pernas de Elena tremeram diante da visão absoluta­mente devastadora. Irresistível, com os cabelos escuros revoltos pelo vento, calça justa preta jeans e uma velha jaqueta de couro, disse que ouvira a respeito da festa e que decidira ir ao escritório apenas para cumprimentá-la.

Como que hipnotizada, Elena não se moveu. Allan aproxi­mou-se, apertando os ombros dela.

E, então, a beijou...

Ela interpretou aquele beijo como um gesto impessoal, gentil, de felicitação, porém, quando seus lábios se tocaram, o efeito foi muito diferente. Uma carga de sensualidade atingiu-os selvagemente. Elena sentiu como se seu corpo inteiro estivesse em chamas. A boca de Allan era firme e possessiva, a respiração morna e insinuante, os cabelos cheiravam a homem e almíscar. Inegavelmente, era um homem ardente e vigoroso. Elena jamais foi beijada assim antes. Para complicar mais a situa­ção, o vinho branco que tomara contribuía para derrubar todas as suas defesas, como castelos de areia. Para seu total deses­pero, correspondera ao abraço de Allan, soltando um débil, mas significativo murmúrio. Seus lábios se entreabriram com an­siedade, seu corpo moldara-se ao dele, os dedos apertaram com força os botões da jaqueta.

Quando finalmente se separaram, havia um brilho estranho nos olhos de Allan, um brilho que desmentia o toque de humor nos cantos dos lábios.

— Bem, surpresa, surpresa — murmurou num tom tão baixo que apenas Elena ouviu. — Eis uma mulher de verdade!

A resposta foi rápida e totalmente inesperada. Erguendo a mão direita, esbofeteou-o no rosto.

Karine não conteve um suspiro de perplexidade. Assustado, Kevin resmungou algo incompreensível. Por um instante, Elaine permaneceu estática, mal acreditando no que tinha acabado de fazer. Depois, sem uma palavra, agarrou a bolsa e saiu do escritório, batendo a porta ruidosamente. Correu em direção à sua sala, para pegar o casaco e o equipamento fotográfico. Temendo encontrar Allan novamente, decidiu sair do prédio pela escada de incêndio.

Na manhã seguinte, com a cabeça mais fria, analisou sua reação com toda honestidade. E, chegou à única conclusão ló­gica. Esbofeteara Allan, não pelo beijo, mas porque ele a havia magoado. As palavras dele a feriram. Porém, admitia que ele não poderia saber o quanto aquelas palavras abalariam seus nervos. Pelo comentário, deu a entender que, até o momento do beijo, duvidava que Elena fosse realmente uma mulher. Durante esses últimos quatro anos, ela mesma jamais duvidou de sua feminilidade... e jamais duvidaria.

Sim, foram aquelas palavras pronunciadas com tanta suavidade que a magoaram a ponto de fazê-la perder o controle.

Todavia, acreditava na inocência dele. Pouquíssimas pessoas conheciam seu segredo. E, decididamente, Allan não se incluía entre essas poucas pessoas.

Admitia que se comportara mal e injustamente. Decidiu que a primeira coisa que faria ao chegar ao Clarion seria pedir des­culpas a Allan. Karine surgira bem no momento em que Elena hesitava diante da porta da sala dele. Com um sorriso irônico, Karine apressou-se em contar-lhe que Allan viajou para o Oriente Médio, onde trabalharia durante alguns meses.

Mas esses meses se tornaram anos, ela mesmo começou a acreditar que nunca mais viria Allan novamente, o que era bom. Mas, repente, Elena soube que ele estava de volta. Novamente, foi Karine a portadora da notícia. Como ele permaneceu no estrangeiro durante quatro anos, Elena concluiu que o inci­dente já estaria mais do que esquecido. Tocar no assunto depois de tanto tempo daria ao fato uma importância muito maior do que realmente merecia. Estava determinada a colocar uma pedra sobre o assunto e esperava nunca mais ouvir quaisquer comentários a respeito dele.

Felizmente, estava de partida para o Caribe. Só de pensar nessa viagem, sentiu seu astral melhorar. Leonardo e ela for­mavam uma dupla de profissionais de sucesso. Com toda cer­teza, aquela viagem resultaria num dos melhores trabalhos de ambos para a seção Weekends Wonderful da revista Clarion.

O escritório de Kevin ficava no fim do corredor. Elena bateu de leve na porta e esperou.

— Entre! — Kevin gritou, colocando o fone no gancho. Colocando, não. A palavra exata era batendo, num gesto de fúria incontida.

Elena entrou em silêncio. A sala estava impregnada pelo odor e pela fumaça dos charutos do editor-chefe, dos quais ele não se separava. O rosto de Kevin, normalmente vermelho pelos longos anos de alcoolismo, estava arroxeado e transtornado. Num gesto violento, apagou o charuto e indicou a poltrona de couro à frente de sua mesa.

Tentando não inalar o ar carregado pelo fumo, cruzou os braços, esperando com paciência. Trabalhava com Kevin Webster há cinco anos, de modo que o conhecia sufi­cientemente bem para saber que, quando ele estava mal-hu­morado, a única e melhor atitude era aquela. Esperar. Esperar até que se acalmasse o bastante para conversar com coerência.

— Aquele imbecil do Leonardo! — ele vociferou.

— Leonardo? — Entre surpresa e curiosa, Elena ergueu as sobrancelhas. — O que ele aprontou agora? Não me diga que estourou o limite das despesas...

— A família inteira está com sarampo!

— Oh, não! Pobre Emma! — Os lábios dela tremeram. Leonardo Burke tinha dois filhos, um de dois e outro de cinco anos. Penaliza­va-se por Emma, a esposa dele, pelo trabalho de cuidar de duas crianças.

— Pobre Emma? Afinal, do que está falando?

— Desculpe, Kevin. Estava pensando em Emma, com as crian­ças na cama, com febre e o rosto cheio de pintas vermelhas...

— Por favor, El! Será que não me entendeu? Eu disse toda a família.

— Toda a família? — Elena arregalou os olhos.

— Sente-se! — ordenou. Elena sentou-se.

— Quer dizer... inclusive Leonardo? Leonardo? Oh! Leonardo com sarampo? — Parecia não acreditar.

— Sim, querida. Aquele imbecil irresponsável está na cama com sarampo, quando deveria estar se preparando para viajar com você, dentro de duas horas.

Kevin deu um murro na mesa.

— E não tenho ninguém para mandar no lugar dele! — completou, com os dentes cerrados.

Elena compreendeu os motivos da fúria de Kevin, fazendo suas as preocupações dele. Não poderia viajar sozinha para a ilha. Precisavam de alguém para entrevistar Flame Cantrell. Precisavam de Leonardo, que possuía um talento especial para envolver e conquistar a confiança dos entrevistados mais cau­telosos e temperamentais.

A estrela de cinema deixou bem claro que eram raras as ocasiões em que dava entrevistas. Exigiu, também, que todas as fotos e declarações fossem submetidas à sua aprovação, antes de publicadas. Tudo isso fazia parte do contrato. Não havia ninguém com as qualidades de Leonardo.

Com uma única exceção. Allan, claro. De repente, surgiram na mente de Elena todos os prêmios dispostos pela sala do correspondente estrangeiro. Allan era considerado um gênio por todos aqueles que o conheciam. Com um suspiro de impaciência, tentou afastá-lo de seus pensamentos.

— O que faremos agora, Kevin? — procurando disfarçar o tremor da voz normalmente firme, Elena fitou o editor quase com desespero. — Não poderemos perder esta chance, por nada deste mundo. Jamais teremos outra. Precisamos...

Revirando os olhos avermelhados, Kevin interrompeu-a:

— Precisamos é de um milagre, minha cara. De um milagre!

— Um milagre — repetiu uma voz possante, irônica, vinda da porta da sala. — Engraçado... Nunca me imaginei como um sujeito milagroso, mas, pensando bem, devo admitir que a ideia não me desagrada.


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Notas finais do capítulo

Olha gente, eu vou explicar mais ou menos o que está acontecendo.
Essa é uma história onde os personagens são reais, porém vivem uma vida totalmente diferente do que está realmente escrito na história.
— Eu modifiquei a fisionomia dos personagens? De alguns sim.
— Por que eu fiz isso? Porque DEUS ME LIVRE, alguns dos personagens descobrir que eles são eles. Entenderam né? rs
— Eu vou falar quem são eles? NÃO.

Enfim, espero que gostem e bom o fim dessa história não tem nada de alternativo, vamos supor que se existisse um mundo paralelo, seria exatamente assim que aconteceria.

Um beijo da Dream e mandem seus comentários.



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