Além do Caos escrita por Um Alguém


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, Sobreviventes. Capítulo novinho só para vocês!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/647365/chapter/10

– Dexter! Dexter! - chamou Brandon pelo rádio comunicador pela centésima vez.

Quando Sally e eu chegamos ao Castle of Glass Brandon e Kristin já estavam lá. Ninguém os perseguira enquanto saiam da cidade. Tiveram uma viagem tranquila e segura. Agora estávamos todos no pequeno escritório do diretor do museu. Os móveis(uma mesa, uma cadeira e uma estante quebrada) estavam amontoados em um canto para abrir espaço.

– Mas que merda. - resmungou Brandon largando o rádio no chão.

Eu estava deitada, sob o olhar vigilante da Sally que estava preocupada com a minha perna. Ela havia dado alguns pontos no corte na minha cabeça e meio que cauterizando o ferimento da coxa.

– Se continuar aberto vai inflamar. - dissera ela antes de esquentar a lamina de uma faca e pressioná-la sobre o ferimento.

– Não se preocupe, ele está bem. - disse Sally ao Brandon. - Dexter é inteligente.

– Será mesmo? - questionou Kristin em um tom ácido sentada ao lado da única janela do cômodo que estava com o vidro tão rachado que eu duvido que ela estivesse enxergando algo do lado de fora.

– Por que diz isso? - Sally retrucou.

– Ele está lá fora se matando enquanto ela está aqui. - Kristin apontou para mim com repulsa. - Ele se deixou seduzir por essa âncora. Ela está nos puxando para baixo, nos fazendo afundar.

– Então o Dexter é burro porque se preocupa com as pessoas e quer ajudá-las? Você já pensava assim quando ele te salvou?

– São situações diferentes.

– Por quê? Por que ele nunca olhou para você do mesmo jeito que olha para a Rachel?
Kristin abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu. Ela virou o rosto e voltou a encarar a janela. Um silêncio pesado e estranho caiu sobre nós. Sally encarava o chão, passando o dedo pela poeira e formando desenhos.

– Eu vou atrás dele. - declarou Brandon se pondo de pé.

– E como pretende achá-lo? Com a força do pensamento? - questionou Sally secamente sem desviar os olhos do chão.

– O que sugere que façamos então? Ficar aqui sem fazer nada só esperando?

– É. Sair por aí sem saber aonde procurar o Dexter não vai ajudar em nada. O melhor a fazer é esperar. Sei que ele está bem.

– Você não tem como saber. Ele pode estar morto.

– Pode. - Sally enfim levantou os olhos e encarou Brandon. - Mas você não tem como saber.

E pela primeira vez Sally deixou alguém sem palavras. Brandon tornou a sentar-se e pegou o rádio comunicador fingindo estar ocupado. Sally voltou sua atenção aos desenhos que fazia no chão poeirento. Ela era uma mulher cheia de mistérios. Parecia sempre tranquila e passiva, mas sabia se impor como poucas pessoas.

– Brandon! - ouvimos a voz do Dexter chiar pelo rádio.

– Dexter! Até que enfim! Aonde você está? - Brandon perguntou agitado.

– Cinema Blackbird. - disse Dexter com a voz tensa. - Vocês estão no Castle of Glass.

– Sim.

– Quero que saiam daí. Vão para o teatro Rendez-vous. Fica a cinco quarteirões daí.

– Mas…

– Eu encontro vocês lá. - e desligou, deixando só um chiado. Brandon desligou também, encarando perplexo o pequeno rádio na sua mão.

– Vocês ouviram. Vamos logo com isso. - disse Kristin com a voz gélida.




Nós só estávamos andando a alguns minutos, mas pareciam horas. O sol escaldante castigava-nos. Brandon ia na frente com um revólver Magnum 44 em punho, seguido por Kristin e Sally, e por último eu. Meu corpo se revezava entre reclamar da dor na coxa ou se afundar no torpor provocado pelo remédio que Sally me dera e que começava a perder o efeito.

Caminhamos por mais algum tempo até Brandon nos fazer parar. Ele apontou para a esquina, onde uma pessoa estava sentada. Depois de ordenar que ficássemos quietas ele foi até a esquina. A tal pessoa levantou o rosto para olhá-lo. Era uma criança. Um garoto de no máximo doze anos, com o rosto machucado e uma aparência deprimente. Brandon disse-lhe algo e o garoto respondeu. E então antes que qualquer um pudesse se dar conta, Brandon apontou a Magnum para o garoto e atirou. Graças ao silenciador da arma o único barulho foi o do corpo batendo no asfalto. Brandon virou-se e caminhou calmamente até nós.

– O que… o que você fez? - perguntou Kristin indignada expressando exatamente o que eu pensava. - Porque matou ele?

– Porque ele nos viu. - respondeu Brandon dando de ombros como se nada tivesse acontecido.

– Era só uma criança, Brandon.

– Uma criança que nos viu. Se aqueles malucos que estão atrás da gente chegassem até aqui aquela criança diria a eles para que lado fomos.

– Para isso existe o suborno. Era só você dar um pouco de água e comida e ordenar que ele ficasse de boca fechada.

– Aposto que aqueles merdas tem muito mais comida que nós. Bastaria eles fazerem uma oferta generosa e o pirralho falaria tudo.

– Matou uma criança só porque talvez ela dissesse para onde nós estávamos indo? - Kristin parecia incrédula.

– Olha, todos morrem, inevitavelmente. O máximo que podemos fazer é escolher como e quando. - disse Brandon impassível. - Agora vamos.

Ele retornou a caminhada. Kristin permaneceu parada por mais alguns segundos, depois sua expressão se tornou fria e ela seguiu Brandon. Sally e eu nos olhamos com tristeza, mas também voltamos a andar.

Dois quarteirões depois chegamos ao Teatro Rendez-vous. Boa parte da fachada havia caído, tampando a entrada principal. Entramos então por uma portinha na lateral do grande edifício. “Entrada de Funcionários” dizia a placa presa acima da porta. Quando por fim chegamos ao saguão principal nos deparamos com três escadarias, cada uma levando a uma sala de apresentações. No alto de cada escada haviam plaquetas informando o nome das salas.

– Edgar, Claude e Pierre-Auguste. - Brandon leu as plaquetas com cara de quem não entendia nada. - Que merdas de nomes são esse?

– São pintores famosos. - disse tranquilamente. - Impressionistas franceses. - Brandon me lançou um olhar cheio de interrogações, então continuei. - Edgar Degas, conhecido principalmente pelo seu fascínio pelo ballet. - apontei para a escada à esquerda. - Claude Monet, foi ele quem pintou o quadro Impressão: Nascer do Sol, de onde saiu o nome para o movimento impressionista. - indiquei a escada do meio. - E Pierre-Auguste Renoir, um dos pintores franceses mais famosos do mundo, que ficou conhecido pelo quadro Le Moulin de la Galette. - apontei para a última escada, à direita.

Todos me olhavam perplexos. Brandon parecia totalmente perdido em meio ao que eu dissera. Kristin me encarava como se eu fosse alguma aberração por saber aquelas coisas. E Sally exibia um sorriso quase orgulhoso. Me senti um pouco envergonhada diante deles.

– Bom, temos que achar o Dexter. - disse Brandon se recuperando do seu estado de surpresa. - Por onde começamos?

– Cada um pode olhar em uma sala. - sugeriu Sally.

– Certo. - ele concordou observando as escadarias.

– Eu fico com Renoir. - anunciou Sally já se dirigindo a escada da direita.

– Eu vou olhar em Degas. - disse indo para a escada à esquerda.

– Ok, ficamos com essa então. - Brandon olhou para a escadaria do meio com Kristin em seu encalço.
Subi as escadas vagarosamente por causa da perna. Assim que entrei na sala avistei Dexter. As fileiras de assentos luxuosos e confortáveis estavam intactas. O palco estava com as cortinas fechadas e o lugar todo estava escuro. Dexter se encontrava de pé, de frente para um quadro pendurado na parede do canto, perto de uma saída de emergência. Caminhei até ele, passando por outros quadros pelas paredes.

– Duas Bailarinas no Palco, 1874. - disse analisando o quadro enquanto parava ao lado do Dexter. - Sempre que vejo esse quadro lembro da minha mãe. É o meu preferido. Adoro Degas.

– Não sabia que gostava de arte. - comentou Dexter com a voz rouca.

– Pois é, não tem mais importância hoje em dia. Afinal, não tem mais ninguém aqui para apreciar isso.

– Tem a gente. Ainda estamos aqui. - ele declarou virando-se para me olhar.

– É, ainda estamos. - virei-me para olhá-lo também. Seu rosto estava com alguns cortes e a barba um pouco maior. - Mas por quanto tempo? Quanto tempo ainda nos resta?

– Tempo suficiente. Desde que saibamos aproveitá-lo.

Ele se aproximou, colocando a mão na minha cintura e me puxando para si. Seus olhos eram a única luz naquela sala. Na verdade pareciam ser a única luz no mundo todo. Minha cabeça gritava para eu me afastar e meu coração implorava para eu ficar. Dexter me olhava com atenção, absorvendo cada detalhe do meu rosto, cada movimento meu. Por fim, ele me envolveu em seus braços quentes, me prendendo em um abraço apertado. E todos os medos, todas as dores e tristezas, todas as preocupações ficaram para trás, esquecidas, apagadas pela serenidade do momento. Não havia nenhum outro lugar no mundo em que eu quisesse estar a não ser ali.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam de comentar :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além do Caos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.