Além do Caos escrita por Um Alguém


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Bom, hoje o capítulo é narrado pela Rachel, como de costume. Espero que gostem :)



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– Merda! - xingou Jeremy recarregando a escopeta e se debruçando para fora do carro pela janela. - Acelera, Sally!

Estávamos sendo perseguidos. Dessa vez não era o Jeep do Zeke, e sim um ônibus escolar caindo aos pedaços. Pelo menos três pessoas atiravam em nós do ônibus. Sally dirigia o mais rápido que podia o sedã em que estávamos.

– Me ajuda, Rachel! - ordenou Jeremy.

Peguei a submetralhadora que estava ao meu lado no banco e virei-me para trás. O vidro traseiro, assim como os outros vidros do carro, estava quebrado. Destravei a arma e comecei a atirar. Jeremy comemorou quando um tiro atingiu o motorista do ônibus, mas isso não foi o suficiente para pará-los.

Nosso carro derrapava loucamente na pista de lama. Faltavam menos de duzentos metros para chegarmos a Laneston. Os tiros não cessavam. Acertei uma rajada no capô do ônibus, e este começou a soltar fumaça. Mas nosso momento de alegria durou pouco. Houve um barulho estranho, como uma explosão abafada, e o carro começou a ficar descontrolado.

– Eles acertaram um pneu! - gritou Sally tentando manter o carro na pista.

A mira daqueles caras estava melhorando. Jeremy começou a gritar quando um tiro(ou vários) atingiu sua mão, que logo se tornou uma massa disforme encharcada de sangue. Ele enrolou a mão na camisa. Outra explosão abafada. Mais um pneu furado. Dessa vez Sally não conseguiu controlar o carro e nós capotamos várias e várias vezes.

Minha cabeça parecia que ia estourar a qualquer momento. Passei a mão pelo rosto ao sentir algo pegajoso escorrendo. Sangue. Só então percebi que estávamos de cabeça para baixo. Minha perna sangrava um pouco e meu lado direito todo doía loucamente. No banco da frente, Sally parecia bem, só com alguns cortes. Já Jeremy estava péssimo.

– Precisamos sair daqui. - murmurei para Sally.

Ela terminou de quebrar o vidro do para-brisa e engatinhou para fora, depois começou a puxar o Jeremy que gemia de dor. Arrastei-me para fora pelo vidro traseiro puxando comigo as mochilas e a submetralhadora. Assim que consegui ficar de pé fui até a Sally. Jeremy estava apoiado nela parecendo estar em um estado entre o desmaiado e o acordado.

– Vamos. - disse colocando as mochilas nos ombros e apontando a arma para todas as direções. A noite estava mais escura que o normal, o que era ótimo para gente. Seguimos o mais rápido possível para longe dali.

Laneston era uma cidade turística, com muitos museus, teatros, restaurantes de comida típica, igrejas antigas. O Castle of Glass ainda estava longe. Precisávamos parar em algum lugar para cuidar do Jeremy. Acabamos escolhendo um restaurante chinês de dois andares.

Ajudei Sally a carregá-lo até o segundo andar. Deitamos ele naquelas almofadas em que as pessoas sentam para jantar diante daquelas mesas baixinhas. Sally pegou uma das mochilas comigo e imediatamente começou a procurar seu kit de primeiros socorros.

– Vou dar uma olhada lá embaixo, ver se acho alguma coisa. - disse largando a outra mochila no chão.

Desci as escadas lentamente com a submetralhadora em punho. Sobre as mesas ainda haviam pratos com comidas, todas estragadas e cobertas de poeira. Pelo chão talheres, louças quebradas e sangue. Ouvi um barulho vindo da cozinha. Algo como um gemido. Segui naquela direção, cautelosa.

Assim que passei pelas portas duplas ouvi de novo. Era alguém murmurando. Segui a voz baixinha pela cozinha. O lugar tinha um fedor podre, além de estar todo sujo de sangue, chão, paredes, fogões. Sentado no chão, encolhido entre um fogão e a parede, estava um homem. Seu cabelo comprido era um emaranhado manchado de vermelho. Sua barba estava tão grande que eu mal enxergava sua boca. As roupas rasgadas e ensanguentadas, Mas a pior parte eram os braços. Faltavam pedaços nos braços do sujeito.

– Você veio, você veio. Ele disse que você viria. Ele disse. Ele vai me salvar. - disse o homem com um olhar lunático brandindo uma faca grande.

– Quem? - perguntei-lhe receosa.

– Deus. - ele olhou ao redor como se visse algo que eu não via. - Ele falou comigo. Disse que não me deixaria morrer. Disse que mandaria alguém para mim. E você veio. - ele se levantou em um pulo e apontou a faca para mim. - Você veio. Agora posso te comer.

– Não, não pode. Afaste-se. - ordenei tentando manter a voz firme e apontando-lhe a submetralhadora.

– Ele não vai me deixar morrer. Ele me ama. E eu vou te comer. - ele tentou vir para cima de mim e eu atirei. Seu corpo caiu com um baque surdo no chão enquanto ele engasgava com o próprio sangue.

– Eu sinto muito. - sussurrei abaixando a arma.

Quando o homem finalmente se aquietou voltei a vasculhar a cozinha. Segui um rastro vermelho no chão até a despensa. Assim que abro a porta me arrependi. Haviam vários corpos mutilados e deformados. Corpos desfigurados, despedaçados. Fechei a porta apressada sentindo um nó no estômago. Não aguentei e vomitei. O cheiro pútrido dos corpos parecia impregnado no meu nariz. E por mais que eu fechasse os olhos continuava vendo aquelas pessoas irreconhecíveis.

Voltei para o segundo andar ainda meio enjoada. Mas assim que cheguei lá minha preocupação mudou. Jeremy estava terrivelmente péssimo. Havia quase tanto sangue ali quanto na cozinha. Era um verdadeiro milagre ele ainda estar vivo.

– O.. o que houve? Como ele ficou assim?

– Um pedaço da lataria do carro fez um grande estrago na barriga dele, além dos tiros e dos cacos de vidro. - disse Sally com a voz fraca. - Não tenho como ajudar.

– Vamos dar um jeito. - disse tentando pensar em algo.

Mas um estrondo no andar de baixo desviou minha atenção. Sally olhou para mim apavorada.

– Vocês precisam fugir. Agora. - ordenou Jeremy quase sem voz.

– Nem pensar. Não vamos te deixar aqui. - retruquei. Outra explosão no andar de baixo, agora mais perto.

– Eu vou morrer de qualquer jeito, Rachel. - disse Jeremy fazendo um gesto para seu corpo ensanguentado. - Saiam daqui.

– Ele tem razão. - concordou Sally parecendo a beira do choro. - Eu sinto muito, Jer.

– Está tudo bem, Sally. Tudo bem. - garantiu ele esboçando um pequeno sorriso. - Diga ao Dexter que ele estava certo. E que eu tentei.

Sally já se pusera de pé, pegando uma mochila e me entregando a outra. Entreguei a submetralhadora ao Jeremy. Segui Sally até uma pequena janela que estava quebrada. Sem pensar duas vezes pulamos pela janela, caindo dentro de uma enorme lata de lixo.

Saímos da lata de lixo apressadas. Podíamos ouvir uma sucessão de tiros vindo do restaurante enquanto corríamos pela rua. De repente os tiros pararam. E nós soubemos que o Jeremy havia morrido. Não paramos de correr. As lágrimas escorriam desenfreadas. Senti mais um pedaço de mim se perder no abismo da dor. Quantos mais ainda morreriam por minha causa?


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