O cão do Central Park escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 5
Capítulo 5 - Intruso




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Capítulo 5 – Intruso

– Ela vai ficar com raiva de você. Muita raiva! – A senhora Hudson disse pela segunda vez enquanto enfaixava o ferimento de Sherlock – Devia ter estancado isso logo que chegou, deve ter sangrado horrores enquanto tomava banho, ela reclamou, separando a toalha ensanguentada para lavar depois.

– De que ia adiantar? O contato com a água ia fazer sangrar de novo. AI!! – Ele exclamou quando ela apertou as bandagens e as prendeu firmemente com esparadrapo.

– Desculpe. Tenho alguma experiência em primeiros socorros, mas Joan faria melhor. Pode me explicar de novo como isso aconteceu?

– Posso dizer que alguns sistemas de segurança não são tão antiquados quanto eu pensava.

– Você invadiu mesmo outra casa...

– Às vezes pra pegar o monstro é preciso entrar na toca dele.

– Então já resolveu o caso?

– Não exatamente. Mas adiei uma tragédia até que isso seja feito.

– O que vai fazer agora?

– Ainda estou decidindo, mas preciso acabar com isso rápido. Se eu realmente tiver visto o que acho que vi... Watson, nosso cliente e quem mais estiver por perto estão em sério risco de vida.

– Então deve contar a ela! Agora!

– Não ainda. Eu conheço Joan, ela é tão teimosa e curiosa quanto eu. E às vezes também ignora a noção do perigo como eu. Se eu contar agora o que eu sei, ela pode caminhar numa direção perigosa antes que eu me aproxime o suficiente pra protege-la.

A senhora Hudson observou o britânico vestir a camisa e se perder com um olhar visivelmente preocupado em seu rosto. Ela também sabia que Sherlock nunca chamava Joan pelo nome, se o fizera estava de fato amedrontado o suficiente com algo para nem notar que a havia chamado assim.

– Você parece fraco. Vou fazer algo pra você comer, ainda que a madrugada não seja o melhor momento pra encher o estômago.

– Estou bem. Só meio perdido.

– Sim... Isso é fome. E fraqueza. Você não come desde a hora que saiu pelo que percebi, você ficou seis horas fora. E está se sentindo fraco por causa do sangue que perdeu. Sem reclamações, você vai se alimentar e dormir pelo menos duas horas antes de fazer qualquer outra coisa.

– Watson andou te instruindo pra ser minha babá? – Ele perguntou indignado.

– Ela não precisa fazer isso. Você sabe que sei como cuidar de pessoas e que eu conheço seus hábitos loucos.

******

– Senhorita Watson... Henry a chamou enquanto cuidava de um monte de papéis no escritório da mansão – Sua agitação é perturbadora. Algo errado? Também fiquei bem assustado ontem.

– Estou preocupada com Sherlock.

– Lembro que disse que ele estava estranho no telefone.

– Sim, estava ofegante, disse que estava correndo, mas sinto que há algo errado.

Sherlock lhe dissera para não ligar sem necessidade extrema, caso estivessem sendo observados, mas Joan se questionava sobre seguir esse conselho agora.

– Pode não ser nada. Isso foi de madrugada, agora são quase cinco e meia da tarde. Se ele estivesse com problemas, creio que já deveríamos saber.

– Talvez... – ela respondeu.

– É quase lua nova... – o nobre falou com um suspiro pesado.

– Está com medo?

– Como não ficar? Ainda que seja uma farsa, quem estiver por trás de tudo está armando pra se parecer com a lenda. E independente disso estou em risco.

– Não deve sair daqui à noite nos próximos dias, nem no fim da tarde. Vamos tomar precauções, você estará seguro.

– Confio em você... Mas também pode estar em risco. Você e o senhor Holmes. Acho que devemos todos ter cuidado. E bastante! De qualquer forma, muito obrigado por tudo, a vocês dois.

O homem voltou ao seu trabalho enquanto Joan ficou perdida em seus pensamentos. Continuava investigando os criados, especialmente os Barrymore, mas não tinham nada de suspeito além do que ela já tinha descoberto. Dava voltas constantes pela vizinhança. Sua desconfiança do senhor Frank ficava cada dia menor, era apenas um aposentado encrenqueiro, chegava a ser cômico. Também andava observando o professor de biologia. Parecia o vizinho mais exemplar que alguém poderia ter, embora houvesse alguma coisa nele que incomodava Joan, ela só não sabia dizer o que. Havia sondado o lugar em busca de mais histórias sobre a lenda, mas nada além do que já sabia. Isso ou as pessoas não queriam falar. Deixou Henry por algum tempo e seguiu para seu quarto, trancando-o e ligando para Sherlock em seguida.

– Watson, novidade sobre o caso?

– Nada que ainda não tenha te contado. Eu tô ligando porque você parecia muito estranho ontem à noite. Disse que tinha uma ideia de como resolver o caso.

– Eu tô bem – ele disse energicamente – Eu é que tô preocupado com você na mira de um cachorro fantasma gigante. Eu liguei alguns pontos que podem nos ajudar.

– E por que não me diz logo?

– Estamos numa situação muito delicada. Prefiro encontrar você amanhã mais cedo, então conversamos.

******

– Nublado hoje. Acho que vai chover – Henry comentou após o jantar enquanto observavam o jardim pela janela da sala.

– Mais um motivo pra ficar aqui dentro.

– Eu vou lá pra cima. Dormirei em breve. Tenha uma boa noite, senhorita Watson.

– Igualmente – ela sorriu, mas por pouco tempo, e Henry percebeu.

– O que foi?

– Nada – ela mentiu – Deve ser a chuva começando a cair e batendo nas janelas ou telhas. Vá descansar. Eu vou fazer o mesmo daqui a pouco.

Quando o herdeiro estava seguro no andar de cima e os criados ainda visíveis longe o suficiente da entrada, Joan sacou seu bastão e arriscou-se pelo jardim. Olhando mil vezes para todos os lados e para o céu que ficava cada vez mais fechado e escuro, ela atravessou os trinta metros até o porta, no maior silêncio possível. Olhou em volta novamente, não encontrando nada nem ninguém que pudesse ser a fonte do barulho que ouvira. Voltando sua atenção para o portão, percebeu algo que fez seu sangue gelar. Quatro das várias setas afiadas de metal que protegiam a parte superior do portão e dos muros estavam vermelhas. Ela tinha certeza que era sangue. Fosse quem fosse que tivesse se ferido ali devia estar com um ferimento um tanto profundo e doloroso. Por um momento sentiu-se gelar, não sabia se de medo ou frio. Sentiu a ameaça que rondava a vida de seu cliente pesar muito mais em seus ombros.

Outro barulho de folhas secas quebrando! Ela virou-se, em estado de alerta, preparando o bastão para bater em quem quer que fosse, ainda que isso pudesse não protegê-la. Procurou com o olhar nas árvores, arbustos, qualquer lugar suspeito no enorme jardim, até ver alguém correr na escuridão e após um segundo de hesitação e susto, retomou a ação e disparou atrás do intruso. A perseguição durou cerca de cindo minutos entre as árvores em um canto do jardim afastado da casa, ate Joan conseguir estender o braço e acertar o invasor, provavelmente na cabeça. Ela ficou em choque ao escutar uma voz conhecida quando ele caiu. No escuro, tentando identificar quem havia derrubado. Ela ouviu o estranho ofegar no chão por alguns instantes, preparada para bater nele novamente a qualquer momento. Joan lembrava-se que o mordomo havia falado algo sobre as luzes do jardim ficarem acesas algum tempo após o jantar e adoraria que estivessem agora. Como se ouvissem seus pensamentos, as luzes começaram a acender pela grande extensão do lado de fora da mansão. Joan segurou o bastão com mais força, posicionando-se para um novo combate, mas ficou sem reação quando os olhos azuis de Sherlock a encararam do chão. Ainda com a respiração ofegante, apoiando-se no chão com o cotovelo e a outra mão sobre o peito.

– Watson... – ele sussurrou – Sei que deve estar com muita raiva, mas escute...

– Mentiu pra mim... – ela disse num sussurro, com visível mágoa em seu olhar.

Sherlock a olhou com tristeza e por mais de uma vez quis falar alguma coisa, mas desistiu. Levantou-se e ficou de frente para ela.

– E se alguma coisa tivesse acontecido eu nunca saberia.

– Não ia acontecer nada com você...

Ela não soube o que dizer, esperou que ele continuasse. Sentia uma dor incômoda no peito.

– E com você?!

– O assassino solto é de fato irmão da senhora Barrymore. Estava claro que essa casa seria um dos possíveis pontos de fuga dele. Ontem comecei a suspeitar que ele estava por perto e temi que seria a oportunidade perfeita para nosso criminoso. Tentar alguma coisa e culpar o outro homem. Mas não sabemos até onde um sabe sobre o outro. É isso que eu queria saber. Eu o vi Watson, ele está rondando pelo parque. Acho que pensou em entrar aqui, mas desistiu quando me viu. O capitão e Bell estão vindo atrás dele com algum reforço.

– Eu já falei sobre isso com você, Sherlock! – Brigou com ele, tentando não gritar e não chamar atenção – Você não me treinou pra eu ficar um passo atrás toda vez que você, Bell ou o capitão acharem perigoso! Eu também mereço respostas, essa luta também é minha!

– Eu disse que nunca me perdoaria se acontecesse algo com você e que não deixaria acontecer. Por mais de uma vez não consegui cumprir essa promessa. Além de respeitar o seu desejo de protege-la, mas deixa-la se arriscar também quando necessário... Acha mesmo que eu a mandaria a esse lugar perigoso sem manter os olhos em você? Mesmo que indiretamente... Eu tenho vigiado cada passou seu como prometi. Minha omissão também foi pra sua segurança. Não imagina como me senti quando a vi andando pelo jardim agora a pouco pra procurar um intruso no meio da noite. O tempo todo eu estive alguns passos atrás de você. Às vezes pra enganar os inimigos de forma infalível você precisa começar enganando os aliados. Eu sei que confia em mim, mas confie um pouco mais.

– É só isso que eu sou agora? Uma aliada?

– Não... Não pense assim.

Sherlock ficou em silêncio, desviando o olhar para algum lugar durante um segundo e se voltou em sua direção outra vez, dando alguns passos para ficar mais perto. Tão perto que ela podia sentir o peso dos olhos azuis sobre os seus e a respiração dele atingir seu rosto.

– Você sempre foi e sempre vai ser muito mais do que isso, Joan – ele sussurrou.

Sentiu um choque ao ouvi-lo pronunciar seu primeiro nome e um tremor lhe percorrer quando Sherlock a segurou pela cintura, com um carinho que ela não imaginava que ele tivesse. O tempo parecia já não existir e o mundo em volta desapareceu na escuridão da noite. Joan estava hipnotizada por aqueles olhos azuis. Nunca se assustou com tal situação, mas era Sherlock! Dessa vez era diferente, embora ela sequer tivesse ideia do porque. Colocou suas mãos no peito dele para talvez tentar afastá-lo, sentindo o coração dele bater aceleradamente contra sua mão direita. Sentiu o seu próprio disparar e não tinha nenhuma força para qualquer outro movimento. Nem sabia como ou quando fechou os olhos e no próximo instante os lábios dele estavam nos seus. Muito diferente do que pensou que poderia ser e muito mais forte do que tudo que já havia experimentado antes, ele a beijou com calma e suavidade, acariciando suas costas com movimentos delicados de suas mãos, que a fizeram sentir uma segurança imensa. Qualquer sensação de raiva e tensão foi drenada com aquele beijo. Sherlock tornou o contato aos poucos mais intenso, pedindo para aprofundá-lo e ela não conseguiu negar. Levou as mãos para seus ombros e depois para sua nuca, afagando de leve ali e o mantendo o mais perto possível. Ele rompeu o contato com todo o cuidado do mundo, quando já não podiam continuar fingindo que não estavam com falta de ar. O que ele fez em seguida a deixou ainda mais surpresa. Abraçou-a apertado, a segurando com firmeza e cuidado, como se sua vida dependesse daquilo.

– Eu fiquei com medo. Meu plano parece não ter falhas até agora, mas poucas vezes na vida eu senti tanto medo de perder alguma coisa – Sherlock murmurava em seu ouvido – E por mais de uma... Foi você.

– Sherlock... – ela não sabia o que dizer.

– Foi muito difícil. Viver sem te tocar, estando tão perto. Não queria te assustar, te ferir, muito menos força-la a nada, nem que fosse embora. Mas eu não posso mais. Eu te amo, Joan Watson. Talvez desde que entrou por aquela porta da primeira vez. E agora eu sei porque eu sou melhor com você.

Ficaram em silêncio. Ela estava tão feliz em ouvir aquilo... Só estava em choque, não sabia exatamente o que dizer ou fazer. Fechou os olhos e tentou absorver o que acabara de acontecer. Abraçou Sherlock com mais força. Até aquele dia Joan não sabia o que estava procurando, por isso nunca havia avançado além de namoros, mas com Sherlock tudo parecia tão certo... Embora não pudesse definir. Então ela entendeu. A reposta sempre esteve ali, mas nunca quis compreendê-la.

– Eu só entendi agora, mas também amo você.

Ele beijou os cabelos negros e afagou suas costas. Joan moveu as mãos em seu peito, finalmente sentindo algo estranho ali. Ela pressionou levemente sua mão e Sherlock tentou abafar um gemido de dor.

– O que aconteceu? O que é isso? – Ela afastou-se para olhá-lo – O que é que você ainda não me contou? – Sua voz era suave, já sem ressentimentos.

– Quando pulei o portão ontem, não tive tempo suficiente pra evitar as pontas de metal que o protegem.

– Sherlock...! Esteve aqui ontem?! Então foi você! Como você tratou isso? Quem cuidou de você? Foi a um hospital?

– Você sabe o que penso a respeito de hospitais. Alfredo quis me levar, mas eu não quis ir. Não parecia tão grave. No final das contas, eu mesmo dei um jeito com ajuda da senhora Hudson. Ela passou parte discutível da madrugada fazendo um discurso sobre como você ficaria zangada comigo e tentando ser minha babá.

Joan o olhou com alguma irritação, não sabendo sequer o que pensar, enquanto tentava sentir o curativo sob o tecido da camisa, estava enfaixado, olharia melhor quando estivessem seguros dentro da mansão.

– Isso pode infeccionar. Tem que me deixar ver.

– Depois. Agora que você sabe parcialmente do que aconteceu, tenho que lhe contar o restante, e temos que nos apressar em acertar os últimos detalhes.

– Não sei de tudo ainda. De que você estava fugindo? O assassino é mesmo real?

– Tão real quanto eu e você. Mas se ele realmente está planejando vir aqui ainda, não sei. E você não vai acreditar do que eu estava fugindo ontem... – ele foi interrompido por um grito estridente.

Joan sentiu o corpo estremecer com o susto e Sherlock puxá-la para perto. Um grito horrível ecoou pelo jardim gigantesco. Os dois arregalam os olhos, mas Sherlock não a soltou, segurou-a com mais firmeza. Olharam em volta, tentando localizar a direção do barulho, que parecia vir do Central Park. Ouviram mais gritos, um pior que o outro, acompanhados de sons que pareciam ser latidos, ganidos e uivos de um enorme lobo enlouquecido.


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