Mascarade escrita por Last Mafagafo


Capítulo 8
Capítulo 8 - Cai o lustre


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo.



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Carlotta cantava. Naquela noite quem ocupava o centro do palco era Carlotta, enquanto Christine voltara a sua posição de sempre, como dançarina e corista. O primeiro e segundo atos foram tranquilos, e quando ópera chegou à metade do terceiro ato sem maiores alardes. A única estranheza era a reação exagerada da platéia durante a aparição de Carlotta no palco.Talvez, apenas para garantir sua posicão, Carlotta trouxera alguns amigos para a ópera.

Mme Giry fora terminantemente contra a retirada de Christine do papel principal. Segundo ela, o Fantasma ordenara que Christine seria a protagonista, algo que deveria ser seguido se não quisessem atrair sua ira. Blanche sabia do que ele era capaz e internamente temia o pior, mas considerando que até o terceiro ato tudo estava tranquilo, o perigo já havia passado e não havia nada a temer. Assim pensou.

O caso é que, durante o solo de Carlotta, ao tentar alcançar uma nota mais aguda, que de maneira nenhuma era novidade para ela, Carlotta coaxou. Todos silenciaram, surpresos. Parecia que todos haviam ouvido errado. Ela tentou cantar novamente, mas eis que o coaxo voltou. Carlotta parecia um sapo. A cada nota mais aguda ela perdia a voz e errava a respiração e soltava um som tão bizarro que lembrava o coaxo de um sapo. A platéia não ria, tão surpresa estava. Nem mesmo o elenco, que a odiava a prima-donna, conseguia ao menos sorrir. Todos se lembravam das palavras de Mme Giry e das ameaças do fantasma. Era culpa dele, disso tinham certeza.

Humilhada, Carlotta correu do palco. Alguém tentou intervir, mas em vão. Fecharam as cortinas e os diretores desceram do camarote onde estavam (curiosamente o camarote habitual do fantasma) para pedir uma pausa de cinco minutos à plateia. Antes que pudessem sair do palco, ouviu-se um barulho estrondoso e assustador. O lustre então despencou do céu, caindo sobre a platéia. Uma mulher foi atingida em cheio pela peça e morreu. Os gritos de pavor tomaram conta da ópera. Todos começaram a correr, em desespero, tentando sair do prédio e encontrar um refúgio.

Blanche não pensou bem no que fazer. Apenas correu, o máximo que podia, tentando fugir da multidão e evitar morrer pisoteada. Entrou em uma das galerias, correndo pelos bastidores e subiu uma escada de ferro em caracol, que terminava no terraço. Encontrou um canto em que sentiu que estava protegida e tossiu o pouco de fumaça que inalara na sua fuga. Sentou-se no chão, esperando o tempo passar para poder voltar para baixo, mas foi surpreendida pela chegada de mais duas pessoas. Eram Christine e Raoul.

— Christine, espere! O que há? - ele a segurou.

— Não estamos seguros aqui - ela dizia.

— Claro que estamos. Acalme-se, o fogo logo será apagado - disse Raul. Ao mesmo tempo ouviram os sinos dos bombeiros se aproximando.

Blanche decidiu em se aproximar e mostrar a eles que não estavam sozinhos. Se sentia uma intrusa por ouvir sua conversa ao longe, apesar de ter chegado antes.

— Não estou fugindo do fogo. Estou fugindo DELE.

Com esta frase de Christine, Blanche  paralisou. Ela estava falando do Fantasma.

— O que está dizendo? - perguntou Raoul, confuso.

Christine mordeu os lábios, em dúvida. Depois sentou-se aos pés de uma estátua e pediu para Raoul se sentar ao seu lado. Já havia tomado uma decisão ao seu dilema.

— Raoul, se confia em mim deve escutar tudo o que te conto, sem me interromper - ele assentiu e ela continuou. Blanche preferiu permanecer calada e não revelar seu esconderijo. A verdade é que estava curiosa sobre o segredo de Christine - Lembra do Anjo da Música das histórias de meu pai? - Ela perguntou e ele assentiu. Meg havia comentado algo assim sobre Christine durante os ensaios - Ele veio me visitar. Ou pelo menos é o que eu achava. Uma manhã ouvi no camarim, enquanto estava sozinha, a voz de um anjo. Ele me dizia que veio me ensinar a arte celestial e me ensinou a cantar por três meses. Todas as manhãs eu ia ao camarim e sua voz me ensinava as melodias e a afinação. Até então ele não tinha corpo para mim, apenas a voz. Ontem, porém, ele me atraiu para dentro do espelho, por caminhos que eu nunca vi, até seu recanto. Raoul, não imagina minha surpresa quando descobri que meu anjo era um homem. Um homem de carne e osso, assim como eu e você.

— Christine, está certa disso? Está história é muito fantasiosa. Por certo foi um sonho.

— Me considera louca sem que eu termine meu relato? - ela aumentou o tom de voz, mas logo voltava a narrar a história - Ele me mostrou sua casa, mas minha surpresa com aquilo tudo fora tão grande que desmaiei. Não sei quanto tempo fiquei assim, só sei que, quando acordei, estava em uma cama, com lençóis de seda me cobrindo e o homem tocava um órgão. Eu me aproximei dele, curiosa e encantada. O anjo usava uma máscara e, praticamente sem me dar conta, a arranquei de seu rosto. Raoul, se soubesse o que vi. O rosto disforme daquela criatura era tão horrendo que parecia mais um demônio que um anjo. Sua ira veio forte contra mim e ele me deu um tapa. Acordei de volta em meu camarim, já esta manhã. Havia um biombo em frente ao espelho que certamente não coloquei lá.

— Que aventura, Christine. Está certa de que não foi um sonho?

— Certeza que não. As marcas vermelhas de seus dedos estavam marcadas na minha face pela manhã. E para piorar, estou certa de que meu anjo e o Fantasma da ópera são o mesmo ser. Sei que meu anjo faria de tudo para que cantasse esta noite, mas foram as desgraças do fantasma que culminaram neste incêndio de retaliação. Vê aonde quero chegar?

— Entendo. Então, se assim for, você corre um enorme perigo!

— Sim. Por isso, Raoul, se sente algo por mim, venho pedir que se esqueça. A ira do Fantasma já se mostrou terrível. Não quero que essa maldição recaia sobre mais ninguém além de mim.

— Christine, não me peça para me afastar - ele a tomou nos braços - É como se me decretasse a morte. Eu a amo, mais que tudo e todos. Se preciso for, eu a protegerei até morrer.

— Mas e o Fantasma?

— Case-se comigo. Se for minha esposa, ele não poderá mais importuná-la. Pelos olhos de Deus, você e eu estaremos sempre unidos.

— Christine sorriu.

— Não brinque com meu coração Raoul.

— Não estou brincando. Falo sério. Nunca falei tão sério em minha vida.

Christine sorriu e se aproximou lentamente. Encostou os lábios com os dele e, num beijo cândido, selou o compromisso. Eles sorriam e juntos desceram as escadas para um salão que provavelmente já não estava mais  em chamas. Ao menos era o que parecia, já que os bombeiros haviam ido embora. Foi então que Blanche reparou em uma sobra que se escondia na estátua de anjo grego. Era o Fantasma, que assim como ela, havia escutado a conversa do casal. Em movimentos ágeis ele desceu pela coluna, agachando-se no mesmo lugar em que Christine e Raoul haviam confessado seu amor. Aparentemente ele não a vira, pois chorou como um menino de cinco anos, um choro triste e sentido.

O Fantasma se sentia traído. Ele a ensinara, fizera florescer aquele anjo divino para que ela se esquecesse dele tão logo o nobre borra-botas se aproximasse. Não era justo, não era certo. Ela deveria amá-lo. Ele havia se assustado com seu rosto, certamente. Se não fosse seu rosto monstruoso, Christine teria ficado com ele. Aquela garota mesquinha e fútil! Ele fizera tudo por ela. Tudo! E ela o retribuía com traição e repúdio. Sentiu as lágrimas escorrerem por seu rosto, entrando por trás da máscara e deixou alguns soluços escaparem. Estava sozinho.

— Como pôde, Christine – sua bela voz parecia ter perdido a vida e não era possível reconhecer naquele homem o demônio que derrubara o lustre sobre a plateia – Você me traiu.

Blanche sentiu um impulso de consolá-lo e se aproximar dele, mas a prudência falou mais alto. Aquele homem que chorava tão desconsoladamente era perigoso. Deu uma passo para trás, pronta para fugir, mas tropeçou e caiu no chão com um estrondoso baque. Ele apareceu diante da bailarina, a máscara posta no rosto novamente. Segurou seus braços e a ergueu do chão.

— Você... – De um minuto a outro, o tom doce e lamentoso da voz do Fantasma se tornou feroz e agressivo. O olhar ameaçador, cruel, de quem descontaria suas magoas na moça.

— Por favor, tenha calma. Não me machuque.

Ele pareceu ignorá-la, mantendo o forte aperto nos seus braços frágeis de bailarina.

— Você não entendeu como deveria. Christine não te traiu.

Não entendi? Isso pareceu muito claro para mim.

Ela lhe é muito grata por tudo o que fez.

— Isso não basta – ele urrou, aproximando o rosto do dela e cravando seus dedos mais fundo em sua pele.

Ele estava apaixonado por Christine.

— Ela o estima muito como amigo – Blanche tentou consolá-lo.

— Amigo.... – sussurrou o homem - Ela é minha, só minha – gritou em seguida, a plenos pulmões.

— Ela não pertence a você. Até onde você irá para viver essa insanidade? – gritou Blanche, enquanto seus olhos lacrimejavam com a dor que sentia por seu aperto.

— Não se meta nos meus assuntos - Ele segurou seu braço com força.

— O que pretende fazer? Matá-los? Destruir esse teatro? – disse, com medo da ira do homem.

— Esse lugar é meu! Christine é minha! EU sou o Fantasma da Ópera. Eu sou um monstro! - Ele arrancou a máscara, revelando seu rosto deformado - Vê? Um homem irresistível, não acha? Quem não gostaria de passar o resto de sua vida comigo? – ele riu, sarcasticamente – A vida me roubou a beleza e a dignidade de uma só vez e o mundo me virou as costas. Não me importo em transformar este lugar num inferno, minha alma já está condenada desde que nasci - ele gritou, entre lágrimas.

Ela estendeu a mão, tentando consolá-lo sem perceber. Quando estava prestes a tocar em seu rosto descoberto, ele jogou a moça no chão, o corpo frágil despreparado para a queda. Sua cabeça bateu no pedestal de uma das estátuas e ouviu-se um barulho alto. Blanche sentiu uma dor que não conseguia descrever. Sua visão foi escurecendo e perdeu os sentidos. A última coisa que viu foi o rosto surpreso do Fantasma.


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Notas finais do capítulo

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